quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014
Dobras, franjas e platôs...
A modernidade surgiu com a pretensão de uma nova ordem intelectual, de um novo lineamento para o saber; fez isso buscando desenfreadamente um racionalismo redentor. Se a Idade Media caracterizou-se pela crença na metafísica, na escolástica, ou na cidade de Deus, a modernidade foi direcionada para a possibilidade de destruir todas as marcas de medievo.
O pecado da modernidade foi pensar que conquistara a chave do verdadeiro conhecimento, a arvore da vida, através de um cientificismo positivista, pensando o cosmo como uma grande maquina, articulado de forma a se poder estauda-lo com métodos infaliveiz. Ora, os homens modernos, por mais que combatessem a Idade Media, pela sua próximidade com a instituição Igreja, ou com suas verdades religiosas, acabaram construíndo também uma religião da razão.
Assim, o saber e praticas modernas nao têm sido mais que uma medievalidade no que consiste á pretensão de verdades eternas, alem de transmutar ritos e noções das antigas ordens religiosas - beneditinos, fransciscanos, dominicanos, entre outras - para agora as ordens cientificas - biologia, medicina, engenharia, direito, entre outras. Se as ordens religiosas de outrora tinham a crença de que as suas formas de louvor eram as mais verdadeiras e que levariam ao céu, as ordens modernas também acreditaram que sao as únicas, redentoras, infalíveis, imprescindíveis para humanidade.
Vive-se então uma religiosidade cientifica, igualmente com uma fé inabalável. Alem do que, para entrar numa destas congregações cientificas, o iniciado precisa viver como aprendiz, junto aos mestres por quatro, cinco, seis anos ou mais, praticando e lendo os livros sagrados dos anjos, santos e deuses, fundadores das tais congregações. Assim como na Idade Media, ao concluir os estudos, o noviço agora é levado a uma grandiosa cerimonia, com homenagens, culto ecumênico, discursos e juramentos, num ritual de aceitação.
Mas, como outrora os sacerdotes católicos se insurgiram de dentro do pensamento medieval, dando origem a era moderna, nos dias de hoje alguns pensadores também se insurgem contra o cientificismo racionalista. Esses passaram a mostrar que o conhecimento não é pleno, infalível, mas dotado de antinomias, de forma que a mente humana nao consegue resolver todos os enigmas á sua volta.
Para que a ciência, a filosofia e mesmo a arte, nao se engessem e cumpram seu papel de criar coordenadas para um mundo melhor, é preciso que se assuma a possibilidade de uma razão limitada, uma razão que elabore o conhecimento, mas que nao se assuma como fonte de verdades eternas. Nessa linha, pensadores como Gilles Deleuze, com o seu Mil Platôs, ou Edgar Morim, com Ciência com Consciência, ou Ilya Prigogine, com A Nova Aliança, entre outros, procuram mostrar esse saber nao pleno, nao absoluto.
Ora, na construção do conhecimento, é preciso que se leve em consideração verdades que jazem por entre as dobras e as franjas do saber, oficialmente produzido; verdades estas nao detectadas pelo olhar de um racionalismo positivista. É preciso que se considere que o mundo é composto não de um saber, mas de muitos saberes e que nao há uma única planície do conhecimento, mas um conjunto de platôs, mais baixos ou mais altos, com grotas, sertanias, pântanos e montanhas.
Esse blog, Dobras, Franjas e Platôs, não se pretende depositário de uma verdade absoluta, mas um gatilho provocador de debates filosóficos que leve em consideração a sociedade, a política e a educação. Enfim, o que se quer é analisar esses temas, pensando as infinidades de platôs dos conhecimentos, com suas dobras e franjas, fazendo cada um com suas verdades únicas, portanto merecedoras de respeito.
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A verdade assume forma e definição à medida que avançamos em busca de nossa própria identidade social; não é perene, está impregnada da percepção que carregamos da realidade que nos cerca, e essa realidade muda constantemente, revelando, em suas franjas, nuances até então nem percebidos. Parabéns pela brilhante iniciativa.
ResponderExcluirBrilhante iniciativa mesmo.
ResponderExcluirA nossa atual didática, nos alicia (direta ou indiretamente) a uma visão limitada e muitas vezes insciente, sobre a construção do conhecimento e sobre as tais medievalidades. Precisamos, sempre precisamos e vamos cada vez mais precisar de olhares intrínsecos como o seu, que é um sopro de homogeneidade em uma realidade totalmente persuadida.
Conte com esse mero calouro (iniciado, aprendiz).
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEm um primeiro estágio, até compreendo a total negativa do movimento racionalista a tudo que não fosse ciência Romper com um modelo de pensamento como o até então vigente não permitia fazer concessões, no entanto, nos dias atuais me parece perigosa tal postura, não permitir o contraditório, o diferente, aquilo que não se explica através de métodos, nos leva a um engessamento do pensamento, nos tolhendo de enxergar o mundo com um olhar diferente daquele pré-estabelecido. É realmente uma pena que disciplinas como filosofia, sociologia, não estejam presentes na grade curricular da maior parte das escolas de ensino básico e médio do nosso país, pensar, filosofar, muitas vezes chega doer, mas nos permite uma consciência mais livre, libertadora.
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