sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Experiências Sensoriais

Os humanos possuem cinco instrumentos de percepção do mundo externo: o olfato, o tato, o paladar, a visão e a audição. No entanto, seguindo o pensamento de Immanuel Kant, cada experiência sensorial, recebida de imediato, é processada com as informações já registradas na mente, de modo que cada indivíduo possui um juízo diferente diante de uma mesma situação. Além disso, se somam as heranças genéticas, que recebem os indivíduos como pressão sanguínea, a constituição óssea e neurológica diferentes, assim como a capacidade mental. A isso se juntam as heranças sociais com todas as suas relações, desde a infância até a vida adulta, passando pelos aprendizados na família, na igreja ou na escola. Desse modo, não se pode medir, ou fazer comparações, entre noções de validade, níveis de conhecimento ou percepção de um homem em relação a outro. Isso porque o ensinamento feito ao indivíduo A e ao indivíduo B, em uma mesma sala de aula, de modo que os dois estejam sentados lado a lado, não produz os mesmos resultados. Da mesma forma, a dor que o indivíduo A sente, diante de um fato ocorrido – uma doença, um corte ou uma queimadura - não pode ser comparada com dor do indivíduo B, mesmo que lhe ocorra o mesmo fato, diante das mesmas condições e intensidades. Ou a cor que se observa. Como se pode provar que o vermelho observado pelo indivíduo A é a mesma cor que o indivíduo B vê ao observar o mesmo vermelho? Não há como fazer as consciências dos dois olharem o objeto em si e compararem a cor que um vê com a cor que o outro vê. Ora, se o indivíduo B experimentasse a mesma cor como azul, mas se todos ao seu redor chamarem-na de vermelho, os dois estarão tranqüilos vendo cores diferentes, mas ambos pensando estarem diante de uma mesma cor. Os humanos possuem cinco sentidos, mas todos são experimentados de forma diferente, de modo que não se pode compará-los entre pessoas. O olhar de um indivíduo diante de uma obra de arte causa uma impressão que lhe é própria, que o outro nunca poderá saber; ou um acidente de trânsito, o impacto sensorial é diferente para cada um. As pessoas julgam uns aos outros a partir de suas percepções, crendo e querendo que todos pensem a sua maneira e julgando todos a sua maneira: aí reside o “pomo da discórdia”, o ponto básico das desavenças humanas. Como as impressões digitais que são diferentes em cada um dos bilhões de humanos, também são as suas percepções, os seus entendimentos e capacidades emocionais.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

E o Tempo Passa

Tudo passa muito rapidamente pela existência de todas as coisas: as pedras, as árvores, os oceanos e as pessoas. Os minutos saltam sem se perceber, já que os segundos nem sempre são pensados, e as horas correm e formam os dias, os meses e os anos. O menino que ontem tivera 8, 21, 28 ou 35 anos não viu o tempo passar e, como se fosse dormir, no outro dia acordou com 50, 60 ou 70 anos; e ainda assim o tempo não lhe parou. Mas se tudo corre tão rapidamente, e a esse movimento chamam de tempo, o que é esse fenômeno? Alguns afirmam que não existe, mas que é apenas uma construção abstrata para demarcar o momento de existência de cada coisa; houve ainda que afirmasse a possibilidade de fazê-lo retroceder, ou de viajar entre as épocas, mas também houve quem dissesse que não, não se pode viajar para o futuro ou para o passado. A verdade é que o tempo é implacável e altera as aparências, já que tudo que hoje é novo um dia será velho, da mesma forma que tudo que hoje é velho um dia foi novo e assim segue tudo que existe. Essa realidade que paira entre os seres que existem, somente aos humanos leva o pavor, já que somente esses são dotados de consciência e, através dela, percebem que caminham sempre para o seu fim. Mas, se não para, não pode ser adiantado, é interessante notar que essa consciência faz com que o tempo aconteça diferentemente para cada humano, de acordo com o próprio tempo de existência; dois meses do Natal para uma criança de seis ou oito anos é uma eternidade, vai demorar a passar, já para um homem, ou uma mulher, que passou dos 40 ou dos 50 anos, isso passará muito rapidamente. Quando olha para trás, o adulto vê a distância entre uma ou duas décadas como algo muito recente, mas o jovem vê uma vida, uma existência. E isso se retrata até nas aparências, física ou mental: uma criança muda muito rapidamente, um bebê muda em questão de dias, já um adulto, ou um velho, as suas alterações acontecem muito lentamente e, para alguns, é até imperceptível. O tempo é implacável. Para um adulto, o que aconteceu em uma ou duas décadas é como se fosse logo ali; e o pavor se dá porque em uma, duas ou três décadas ele já não existirá, a não ser na memória dos entes queridos, mas que também vai ser extinta com o passar do tempo. Lento, ou rapidamente, o tempo passa e já não adianta contar mais o que passou, mas o tempo que falta; portanto, se faz necessário experimentá-lo em toda a delícia possível.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O Mal e a Maldade

O que é o mal? Por que existe a maldade no mundo? São questões aparentemente indecifráveis que muitos, ao analisarem, caem em explicações metafísicas e não conseguem seguir adiante. Dentro de uma visão maniqueísta, pode-se dizer que os opostos necessitam um do outro para existirem; nesse caso, se existe o Bem, necessariamente existe também o Mal. Diante do dilema posto, o bispo de Hipona, o pensador católico, Santo Agostinho, analisou a questão em O Livre-arbítrio, pondo a questão em silogismo da seguinte maneira: Todas as coisas que Deus criou são boas; o mal não é bom; logo, o mal não foi criado por Deus. De outra maneira: Deus criou todas as coisas; Deus não criou o mal; logo, o mal não é uma coisa. Mas a solução para Agostinho está em Platão que disse: tudo que se observa no mundo sensível (terreno) é cópia imperfeita, são sombras das coisas verdadeiras que estão no mundo das ideias. Seguindo nessa linha, Agostinho afirmou que assim como a sombra que não existe, a não ser enquanto manifestação da ausência de luz, também o mal não existe, a não ser enquanto ausência de do bem. Com isso, o bispo de Hipona reforça a ética cristã de que o não fazer o bem é também uma manifestação de maldade. Acontece que, pondo dessa maneira, ajuda a elucidar, mas não resolve o caso por completo, já que se encerra numa ideia de que quem pratica o mal é maldoso, é alguém identificado com o mal. Alguns, quando analisam a história, é comum que estabeleçam certos governantes como a própria encarnação do mal: Nero, Hitler, Stalin, Baby Doc etc. Mas todo governante tem uma oposição, aqueles que, estiveram diante de grandes conflitos, ainda mais. Portanto, é comum que seus adversários o vejam como alguém que encarna a própria monstruosidade. Mas, outros, ainda preferem que a própria encarnação do mal seja reservado a uma entidade, contrária a Deus, o Diabo. Nem uma coisa nem outra. Ninguém, nenhum homem, ou nenhuma mulher, é anjo; nenhum homem, ou nenhuma mulher, é ou foi, demônio. Todos: Nero, Hitler etc. As pessoas são apenas pessoas como todas as outras, vivendo. Acontece que cada um pratica suas ações e essas sim são benignas ou malignas. Se os humanos precisam respeitar uns aos outros, como forma de se tornarem seres elevados, a prática do mal é o seu contrário, é o desrespeito, é a pratica de ações que prejudiquem os outros.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Jesus, a História do Deus-Único

A ideia de um deus-único, que tenha feito o céu e a terra e tudo o que nela há, tem hora e local muito bem definido na história da humanidade. Relatos, historicamente comprovados, dão conta de que os povos da região do Crescente Fértil, na Idade Antiga, eram inúmeros grupos nômades e seminômades a disputarem um melhor lugar para se fixarem. Cada povo com suas tradições, línguas e organização social própria, sempre se dirigiam ao Egito quando a fome tomava conta de seus integrantes e alguns eram mesmo escravizados em troca de comida. Acontece que os egípcios já tiveram, anteriormente, uma experiência de deus-único quando, no século 14 aC, o faraó Aquenatom impôs ao povo a adoração de apenas um deus, mas que não teve sucesso; após sua morte, os antigos deuses todos foram reintegrados ao grande panteão. O interessante é que os relatos indicam que povos de tribos irmãs, identificados como hebreus, deixaram o pais dos faraós para se estabelecerem em um território que haveriam de encontrar sob um governo de alguém chamado Moisés, o mesmo que liderara a caminhada. Tudo leva a crer que as pessoas que o seguiram não tinham a convicção de adorar um único deus, já que é o próprio Moisés quem relata no seu Pentateuco que, ao subir para buscar das mãos de deus Jaweh - o único deus, as tábuas da lei, a multidão que lhe esperava no deserto confeccionara estátuas para adoração a outros deuses. Ele mesmo conta que nesse momento, como líder do povo, teria ralhado com todos que desviaram dos seus ensinamentos, mostrando que aquelas que estavam em suas mãos eram as leis do grande deus. Após Moisés, outros líderes foram se sucedendo no controle das tribos, até que se separam, permanecendo coeso um pequeno grupo comandado por Judá. Mas surgiu aí um grande problema, os povos da região tinham os seus próprios deuses, ou semi-deuses, ou ungidos de deus, governando os povos e eles - se questionavam: por que os judes não? Então, as autoridades eclesiásticas e os sábios do povo ensinavam que um dia o próprio Jaweh, o verbo, aquele que simplesmente é, se faria carne e habitaria entre o seu povo; e durante séculos esperaram Mas eis que, um dia, um moço de trinta anos, chamado Jesus – mais tarde com um codinome em grego de Cristo, que quer dizer puro - surgiu entre eles fazendo maravilhas e sendo aclamado como o próprio deus, o próprio verbo encarnado; estaria, então, cumprida a profecia. Com a sua morte, uma parte do povo não o aceitou como deus e ainda hoje continua a esperar que um dia ele venha e, uma outra parte, seguiu os seus ensinamentos e comemora até hoje o nascimento, o sofrimento e sua a morte; esses são chamados de cristãos.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Grandes Conflitos Mundiais: Tudo Outra Vez

Aquele que reparar atentamente vai perceber que parte da configuração da política internacional atual, bem como os últimos episódios ocorridos na última década, é muito parecida com a situação do mundo no início do século 20. As migrações eram incontroláveis, havia uma supervalorização de traços nacionais e um enfraquecimento econômico estava generalizado o que provocava a disputa de mercado pelas grandes potências do planeta. Em 1914, o arquiduque austríaco, Franz Ferdinand, príncipe herdeiro da Áustria, Hungria e Boêmia, foi assassinado a tiros na cidade de Sarajevo, atual capital da Bósnia-Herzegovina, por um jovem militante do Mão Negra, contrário aos domínios austríacos na região. Havia um fortalecimento de traços nacionais na maior parte das sociedades: os alemães invocavam suas origens arianas, os italianos, as origens romanas, os judeus desenvolveram um pensamento sionista (com aquela ideia de serem um povo escolhido), os japoneses, as suas origens milenares e, até os Estados Unidos, invocaram o “modo de vida americano”. As migrações foram outra marca desse período com imensas levas de pessoas saindo de uma miséria européia, ou japonesa e ou árabe, para países da América como Brasil, Argentina, Colômbia e Estados Unidos. Nesse mesmo período, grandes grupos de judeus pobres da Rússia, da Polônia e de outras regiões dos eslavos para países como Alemanha, França e Inglaterra. A história não se repete, afirmam os historiados, mas as configurações, as nuances, podem demonstrar algo em perigo ou, pelo menos, provocar muitas preocupações. Quando se olha para trás e se vê os fatos ocorridos pelas décadas de 10, 20 e 30 do século 20 se percebe muitas semelhanças com as configurações de hoje em dia. Ora, nos tempos atuais o conflito na Síria se alonga por anos e já matou milhares de pessoas, os atentados se multiplicam pela Ásia, Europa e Estados Unidos e, recentemente, o assassinato do chanceler russo, Andrei Karlov, aprofunda ainda mais as tensões. Por outro lado, tais conflitos levam a migrações de povos que procuram desesperadamente um lugar seguro para viver, mas que acabam se envolvendo em conflitos de ordem xenófoba; sem contar com as migrações de povos africanos que tentam alcançar a Europa, fugindo da miséria em seus países. Não se quer dizer que, pelo fato de que com tais acontecimentos o mundo viu eclodir duas grandes guerras mundiais que, necessariamente, acontecerá algo dessa natureza nos próximos anos, mas que isso pode acontecer e que não é algo distante. Falar sobre isso, fazer essa análise comparativa entre a história e o tempo presente serve, pelo menos, para que as populações, principalmente seus governantes, mirem-se nos fatos e evitem reproduzir as mazelas de outrora.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

A Caridade

A palavra caridade é um daqueles termos complexos, com conotações diversas e usos mais estranhos possíveis, mas o seu entendimento diz muito sobre a cultura ocidental cristã dos tempos atuais. Não que nos dias de hoje as pessoas tenham se tornado mais caridosas, amorosas, ou algo que o valha, talvez seja exatamente o contrario, mas, diante da complexidade do termo, e calcado por valores cristãos, tem-se muito do pensamento contemporâneo. O termo derivado do Latim, caritas que quer dizer afeto ou amor e que, por sua vez, se originou no Grego, chàris que quer dizer graça. A definição coloquial, comum nos dicionários, estabelece caridade como um sentimento, ou uma ação benevolente, de ajuda a alguém sem a necessidade de recompensa. É aí que reside o engano no entendimento do conceito e, conseqüentemente, do pensamento ocidental: tudo que se faz tem de ter um sentido, ou um motivo. Por mais que esse conceito seja formado a partir de valores cristãos de despojamento e dedicação ao outro, sempre que alguém faz algo o faz esperando um retorno. As pessoas fazem esperando algo em troca, mas não percebem que o fazem, tendo em vista não entenderem como retorno, ou troca, algo que esperam ganhar como um regozijo, um conforto mental, por ter feito algo que aprendeu como bom. Em algumas épocas do ano grupos de senhoras se mobilizam na arrecadação de brinquedos para crianças carentes, grupos de jovens religiosos se unem na visita aos áxilos de velhos, cantando para eles ou levando presentes. Alguns preferem visitar presídios ou comunidades carentes, para quem levam objetos de necessidades básicas e cesta básica. Fazem isso e falam uns para os outros que assim estão amenizando “a dor do irmão”; ao terminarem expressam um sorriso de contentamento e vontade de fazer ainda mais. Mas fazem isso para amenizar a própria dor de viverem em um mundo desigual, muitas vezes essa é a dor de ter tido atitudes políticas que faz proliferar essas próprias mazelas. Para que a caridade pudesse existir na sua essência, teria que ser um ato desinteressado, sem regozijo, sem necessidade de um retorno seja ele do tipo que for; ou, mesmo que essa ação traga contrariedades e sofrimento para quem pratica. Esse amor, essa caridade, essa graça não pode existir na troca, no conforto de quem pratica, mas na luta constante, em todas as ações, para construir um mundo diferente desse que precisa de ajuda, de esmola.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Dom Paulo, Um Humanista

Quem viveu ou estudou os fatos históricos dos anos 60 e 70 no Brasil, com perseguições, torturas e mortes a todos aqueles que contrariavam o sistema político, econômico e social vigente, sabe quem foi Dom Paulo Evaristo Arns. A relevância desse catarinense, nascido em Forquilhinha (sul do Estado, em 1921), foi muito além dos seus estudos de Letras e Teologia na Sorbone, em Paris, o seu destaque está nas lutas pela defesa dos menos favorecidos. Logo que se ordenou bispo pôs-se ao trabalho social na criação das chamadas pastorais sociais, grupos de católicos que se organizam nas capelas e paróquias e lutam política e economicamente junto à população deserdada socialmente. No momento mais difícil da historia brasileira, chamado de ‘tempos de chumbo’, ele enfrentou os poderosos do País e fez da sua igreja, a catedral da Sé, em São Paulo, um front de defesa da democracia e combate aos desmandos. Quando o preso político, jornalista Vladimir Herzog, apareceu enforcado na prisão e os seus algozes declararam suicídio; surgia um problema, pois, de acordo com uma antiga tradição católica e judaica, os suicidas não devem receber cerimônia fúnebre. Dom Paulo, juntamente com o rabino Henri Söbel (Herzog era judeu), fez uma grande cerimônia fúnebre ecumênica que ocupou toda a Praça da Sé, no centro de São Paulo, e declarou que Herzog fora sim, assassinado. Entre 1979 e 1985, juntamente com o pastor presbiteriano, James Nelson Wright, e o rabino Zobel, comandou uma comissão, encarregada de produzir um relatório de tudo o que ouviam de familiares dos presos políticos e que a imprensa estava proibida de noticiar, como prisões arbitrárias, torturas e desaparecimentos de toda a ordem. No final do período, quando o Brasil se abria politicamente e se lutava por Diretas Já, os três sacerdotes publicaram o longo relatório em forma livro com o nome, Um Relato Para a História; Brasil: Nunca Mais. Desde muito cedo Dom Paulo Evaristo Arns fez a opção pela devesa dos mais injustiçados da sociedade e, por isso, seguiu o caminho pela Teologia da Libertação, uma visão teológica que mostra Jesus de Nazaré, como um lutador na defesa das pessoas mais humildes e fora assassinado exatamente porque mexeu na posição de alguns privilegiados. Para Dom Paulo, o cristão deve seguir o exemplo desse Jesus que combateu as injustiças, a miséria e os descasos.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O Fim do Capitalismo

O que alguns estudiosos da Política não têm percebido é que o modo capitalista de produção é daquelas estruturas que não morrem a partir de ataques externos, mas tem um tempo de maturação e, naturalmente, um tempo de enfraquecimento e morte. É comum que não se aceite o fim do capitalismo como algo natural; e, em geral, se acredita que todo o pensamento nesse sentido diz respeito às teorias marxistas e anarquistas, ou revolucionárias. Acontece que toda estrutura, por mais bem montada que pareça, trás no seu cerne a sua própria contradição; em outras palavras: tudo que existe vem do nada e caminha para o nada. Uma lei da natureza: tudo padece. Com um sistema econômico, político e social não é diferente: um dia a produção humana não foi pelo meio de investimento de capital e um dia não mais vai ser. Por outro lado, toda a tentativa de extirpar tal sistema econômico de uma sociedade, através de organizações operárias, de camponeses e todos os grupos de vanguarda, mostrou-se inócuo alguns anos após a efervescência revolucionária. Pelo contrário, o modo capitalista sempre se utilizou das suas próprias condenações, das próprias ofensivas para se reestruturar e estampar as lutas rebeldes como forma de alavancar ainda mais os seus ganhos. Mas se tudo na natureza padece, e com o modo capitalista não é diferente, como pode isso acontecer, já que o sistema tem um germe próprio que se adéqua diante das ameaças? Acontece que essa capacidade de adequação não extirpa as condições internas que levarão às pequenas mudanças, mas que, na grande quantidade, farão a mudança na qualidade. O modo capitalista conseguiu se fortalecer porque é um sistema que vai ao encontro do que existe de mais espúrio na alma humana, o individualismo, o solipsismo e, naquele período medível do seu surgimento, era o único caminho para ascensão social. Nos tempos atuais não há mais a necessidade real do ser, mas apenas do parecer; as pessoas não precisam mais serem ou terem algo, basta parecerem que são ou que têm: é possível comprar um carro muito caro e paga-lo em longas prestações; basta usar uma camisa com o símbolo de uma grande empresa fabricante para expressar que se pagou caro pela roupa. Ou seja: uma serie de contradições vividas pela economia nos tempos atuais assinalam que as bases do modo capitalista de produção vêm ruindo a olhos vistos. Isso não quer dizer que num determinado momento o sistema atual cai e, no dia seguinte, haverá um outro em seu lugar. Não. Numa continua readequação, o regime atual dá lugar a um modo de pensar o econômico, político e social.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

A Europa e os Germanos

Quando se quer fazer um estudo apurado sobre algum tema complexo, nas áreas das ciências humanas, ou na filosofia, propriamente dito, convém que se análise com profundidade as origens etimológicas de algumas terminações. Esse é o caso de ‘germânico’, uma expressão que se convencionou a usar quando se refere a tudo que é de origem alemã; essa é uma generalização, por exemplo, que acaba prejudicando o entendimento histórico dos antigos povos europeus. A palavra ‘germanos’ tem origem latina e quer dizer irmãos, aqueles que nasceram do mesmo pai e mesma mãe; essa terminação tem a mesma origem de germinar, de gerar, de gênesis, todas com a idéia de nascimento, de unidade e originalidade. Expressões como primogênito, significando o primeiro que foi gerado ou, outras expressões próximas, como genitor e genitália dão condições para se estabelecer a dimensão e o sentido do termo germano, ou germânico. Os atuais franceses, alemães, ingleses, espanhóis e portugueses foram formados por povos arianos (ou indo-europeus) que, mais tarde, receberam contribuições de outros grupos por toda a Europa. As inúmeras tribos se relacionavam belicamente - ou não - entre si e com os romanos que os subjugava econômica e militarmente. Como eram muitos grupos e subgrupos, os romanos a generalizaram a todos como germanos. Mais tarde, em plena Idade Média, com a formação dos atuais países, um grupo passou a ser chamado de francês, o outro de inglês, de espanhol, e assim por diante. Aqueles que não haviam formado um estado nacional, mas faziam parte do grande Sacro-Império Romano Germânico, continuaram a ser chamados de germanos e que são os atuais alemães, uma referência aos antigos alamanos. Conta-se que a expressão foi dita pela primeira vez por Júlio Cesar, quando retornou de uma viagem pela Gália, na guerra contra os gauleses, que teria generalizado os povos não romanos na região como germanos. Não havendo, nesse caso, distinção entre celtas, aquitânios, bretões, saxões e outros. A importância do entendimento das origens do termo, bem como do seu sentido original, é que isso possibilita um conhecimento mais abrangente e profundo, de toda a sua complexidade e meandros que uma generalização dificulta. Esse é o caso dos germanos, por mais que se estabeleça distinção entre ingleses, franceses e alemães, existe sim um passado comum que os aproxima e os identifica.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Da Política e da Lei

Em primeiro lugar é preciso que se diga: nenhuma sociedade sobrevive se as leis não forem cumpridas com efetividade; países sérios são aqueles que possuem leis que refletem as reais necessidades do povo e as são obedecidas com extrema dedicação. Mas é muito estranho, ruim ou prejudicial, quando um povo tem em sua cultura uma visão de mundo legalista, pondo a lei acima da atividade política. As leis são feitas pela política e não o seu contrário. Por mais que se esteja descontente com a categoria de homens e mulheres eleitos para fazerem a política de uma sociedade ou, por mais que se prestigiem o poder judiciário, não se pode fazer essa inversão. A ordem natural em uma sociedade democrática é que os membros são eleitos para fazerem o que a sociedade como um todo assim deseja e isso se refere a ordem financeira, aos investimentos, à estrutura política, cultural ou jurídica e toda as necessidades. As leis, através das quais o judiciário julga, foram feitas politicamente e podem ser desfeitas politicamente; assim como o investimento que o executivo deve fazer ou deixar de fazer, tem de ser votado politicamente. Não se pode pensar o seu contrário, acreditar que a lei esteja na frente do político. Não é a lei que muda o político. O que muda o político é a política. Ou seja: somente sabendo votar e respeitando a decisão do voto é que se vai ter uma política descente. Ora, como pode uma árvore boa dar bons frutos? Não, a árvore má só poderá dar maus frutos. Assim é a política: como pode pessoas corruptas e desrespeitosas terem representantes honestos e justos? Portanto, não é fazendo mais leis e mais leis que se vai ter uma sociedade melhor e políticas mais descentes. Fazer mais e mais leis e ter uma atitude legalista só vai fortalecer uma casta de burocratas com salários vitalícios e se utilizando do sistema público para, cada vez mais, aumentar os seus ganhos e ainda assim ter uma pose de bom moço. Quando um ministro do Supremo, embasado em lei, decide pela saída do presidente do Senado, e o mesmo se nega a deixar o cargo, é emblemático: a saída é política, caso contrário é a barbárie. Acontece que em nenhuma sociedade é possível que as leis fechem todas as situações, com uma lei para cada caso e aí, o juiz necessariamente toma uma decisão para o caso concreto, ou seja: age politicamente na busca da solução do fato. Assim também, quando o representante do executivo decide por investimento em uma ou em outra área ele o faz politicamente; é o mesmo de um parlamentar que decidiu votar, ou não, em favor de um projeto de lei, ou referendar uma decisão do governamental. Ou seja: em uma democracia as leis existem quando o acordo já foi feito, a política estabelecida.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Narciso e o Espelho da Modernidade

A parábola de Narciso, vista como um dos mitos mais populares na antiga Grécia, e presença marcante na literatura ocidental, conta muito da alma humana nesses tempos pós-modernos de sofrimento e ostentação. A história se aproxima dos tempos atuais porque pode representar pessoas vivendo em uma contradição constante: percebem a si mesmas, mas nada sabem sobre suas próprias condições e contradições, suas necessidades, seus limites e, por isso, agem acéfalos, tentando se adequar em cada novo ambiente, com a noção de que o mundo existe para servi-los. Segundo o que conta o poeta latino, Públio Ovídio (43 aC – 17 dC), Narciso era um rapaz dotado de muita beleza, filho do deus Cefiso e da ninfa Liríope que, antes de seu nascimento, resolveram consultar o oráculo para saberem qual o destino do filho e a revelação foi que teria uma longa vida, desde que nunca visse o próprio rosto. E, assim, Narciso cresceu e se transformou em um belo jovem despertando amor, tanto em homens quanto em mulheres, mas muito orgulhoso, tinha sempre uma arrogância que ninguém conseguia quebrar. Até que um dia debruçou-se sobre um pequeno lago, viu sua imagem refletida e por ela se apaixonou, mas, sem saber, ali estava marcado o seu próprio fim. Da expressão narciso tem-se a origem da palavra grega narke, que quer dizer, entorpecido que é de onde vem a palavra portuguesa, narcótico. Assim, para os gregos, Narciso simbolizava a vaidade e a insensibilidade, visto que ele era emocionalmente entorpecido às solicitações daqueles que o circundavam. Na modernidade, o mito de Narciso representa o drama da individualidade, a não percepção da própria prepotência, mesquinharia, arrogância e a crença de que o mundo deve curvar-se a seus pés; afinal, as imperfeições só são percebidas nos outros. Falando das ruas de São Paulo, Caetano Veloso cantou Sampa, dizendo (...) Quando eu te encarei / Frente a frente / Não vi o meu rosto / Chamei de mau gosto o que vi / de mau gosto o mau gosto / É que Narciso acha feio / o que não é espelho (...) Mas ele estava era lembrando que as pessoas enxergam a si mesmas em cada coisa que se deparam, interpretam o mundo a partir de suas noções de valores, sem se dar conta de outros referenciais; as falhas dos outros são, na verdade, as suas próprias falhas. Assim, a fé verdadeira é sempre aquela pregada pela religião do próprio Narciso, a ciência necessária e coerente é a que ele pratica; da mesma forma, a corrupção é sempre a do outro e o abuso de poder é sempre em ações do outro, nunca as dele mesmo.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Idade Média Nunca Mais: a Lei é Para Todos

De volta a Idade Média é o que se pode pensar quando se quer instituir uma lei para ser obedecida por apenas uma parte da sociedade. De volta a Idade Média, por que a democracia, tão propalada no período moderno, não pode sobreviver sobre uma sociedade segregada, a partir de valores diferenciados. Isso é o que se pode intuir quando se ouve falar que o estado brasileiro debate sobre a constituição de uma lei de combate a corrupção e abuso de poder, mas que poderá ser sancionada para ser obedecida por apenas algumas parcelas da sociedade. Isso porque, quando magistrados e procuradores ficaram sabendo que a lei em discussão no Congresso Nacional, poderia ser para todos, isso quer dizer, também para eles, se rebelaram com atos públicos, entrevistas fortes e até ameaças de paralisação dos trabalhos. O interessante é que essas atitudes são de pessoas públicas, funcionários do Estado, pagos para observarem e aplicarem a Lei, feita pelo Legislativo. Ora, se a constituição brasileira afirma que “todos são iguais perante a lei”, logo se pensa que não pode haver leis diferentes para categorias diferenciadas de brasileiros: todo aquele que ocupar cargos junto ao estado deve observar. Isso faz pensar na Idade Média, ainda no Antigo Regime, como fora chamado na França pré-revolucionária, com uma estrutura política e jurídica ainda com traços feudais; a sociedade era dividida em três estados, ou estamentos, o primeiro, ocupado pelo clero, o segundo, pela nobreza e, o terceiro, pelos servos e o povo em geral. Como existiam três estados, as leis eram diferenciadas para cada estamento; ou seja: aquilo que poderia ser delito para um grupo social, não necessariamente era para o outro. Certamente que as penas mais cruéis deveriam ser reservadas àqueles que se encontravam na base da pirâmide. Democracia supõe igualdade política. Ninguém deve ser observado como superior a qualquer outro membro da sociedade de modo que a mesma lei que deve ser observada pelo porteiro, pelo, pelo faxineiro ou pelo estudante, deve também ser pelo doutor, pelo ministro, pelo governador ou pelo professor. Não podem ter sido vans todas as greves, revoltas, revoluções e todo o sangue derramado nas lutas por liberdade, igualdade e fraternidade na busca por participação políticas de todos os membros da sociedade. Na democracia não há espaços para heróis. A história não retrocede, não se pode voltar às condições medievais, por mais que isso fira a susceptibilidade de alguns incomodados com a democracia e igualdade política.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

A Corrupção e o Abuso de Poder

O termo corrupção é formado por duas raízes latinas, cor (coração) e rupta (rompimento), o que quer dizer: ato ou efeito de corromper diante de um acordo estabelecido. Mas esse acordo, tanto pode ser para subverter a ordem de trabalhos frente ao estado e, por isso, receber favores financeiros, como também se utilizar da mesma máquina estatal para, assim, impor as suas vontades pessoais, ou ideológicas, e o abuso de poder. A palavra corrupção fora usada, inicialmente, para designar as ações indevidas, de qualquer cidadão, frente ao estado, com objetivos de levar vantagens, como a liquidação de dívidas sem o efetivo pagamento, a licença, ou a concessão, sem passar pelos trâmites legais, sempre com objetivos de vantagens pessoais. Como se sabe, essa forma de recebimento de vantagens em espécies necessita de dois agentes, o corrupto e o corruptor; o quer dizer: necessita de algum funcionário público disposto a romper o acordo firmado no seu concurso público, frente ao estado, e levar vantagem. No entanto, dois pontos muito próximos, a corrupção, propriamente dita, e o abuso do poder, caminham juntos porque esse último é uma vontade pessoal de poder e aquele que a pratica se sente satisfeito após o ato. São duas faces de uma mesma moeda porque as duas ações são práticas ilegais que o agente as rompe com o estado por não ver importância na própria lei que se diz seguir. Nesse caso, a ação corrupta não necessita de dois corruptos, mas de apenas um, o próprio agente do estado que se vê investido de poderes legais e, por isso, se sente acima dos demais cidadãos e, como tal, impõe o seu mando. Nesse quesito, tanto se pode elencar o policial que, ao portar uma arma em nome do estado, age de forma descortês, diante dos demais cidadãos, quanto os magistrados e os procuradores que se acham no direito de satisfazerem as suas vontades de mando. Ora, nenhuma sociedade sobrevive decentemente com esses dois vírus corroendo o tecido democrático, que se transformam e se multiplicam: a corrupção e o abuso de poder. Porque, mesmo que se façam leis contra todos os tipos de desmandos (e as leis contra a corrupção e o abuso de poder são necessárias), o espírito humano corrupto sempre achará um meio de corrompê-las.