quarta-feira, 29 de junho de 2016

O Humano e a Percepção de Si

A filosofia do século 20 se caracterizou pelo surgimento – ou avanço – de uma nova maneira de pensar: agora a preocupação não seria mais com os grandes esquemas filosóficos (criticismo, dialética ou materialismo), mas a própria existência dos seres que pensam. Ou seja: aquele que olha ao seu redor observa que tudo existe e percebe que alguns são seres vivos e outros não, alguns são animais e outros vegetais, ou minerais. Então, a pergunta impertinente é: porque tudo existe, pois - já que se algo tudo pode existir - tudo poderia não existir. Mas as coisas existem e entre esses seres que existem encontram-se os humanos, aqueles que reconhecem suas próprias existências, percebem-se como seres finitos e se angustiam diante da fatalidade da morte; quer dizer: o homem se percebe como alguém que teve uma origem e, portanto, terá um fim. E é essa percepção da existência de tudo que está a sua volta e de si próprio que pode ser chamada de consciência, ou ainda: um saber que vem acompanhado de um segundo, o saber que sabe. Isso significa que o humano percebe a existência do cachorro, tanto quanto o cachorro percebe a do humano e, assim, podem viver os dois, por todas as suas existências; um sabe quem é o outro e demonstra alegria quando se encontram. A diferença é que o cachorro não sabe que sabe disso, mas o humano sabe que aquele é o cachorro e sabe que sabe disso. Ou seja: o homem tem a condição de perceber a si próprio e ao mundo a sua volta. Assim, na percepção sua dos fenômenos a sua volta tenta aprender o máximo possível como forma de dominar de tirar proveito de tudo: controla o fogo, derrete os metais, planta os campos, talha as pedras e constrói pontes e palácios. Entretanto, esse homem se frustra pois, na percepção de si, ele sente as suas limitações e se angustia; e pior que isso, conhece também as suas dores físicas e as próprias dores da alma (o ódio, os amores e as desilusões). Solitário no mundo, se esse ser que reconhece as suas próprias dores, os seus próprios medos e frustrações, mas não reconhece, com a mesma intensidade, as dores dos seus iguais, daquele que o toca e o acaricia, de modo que as suas dores são sempre maiores que as dores dos outros, os seus sofrimentos sempre maiores que de todos os outros. Acontece que as existências dos humanos são marcadas pelas constantes reconstruções de seus próprios mundos, intransponíveis, inacessíveis, só seus.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Direita, Volver!

Por trás da noção política de direita e esquerda há uma complexidade que a torna muito difícil de tratar e, por vezes, além dos conhecimentos daqueles que a sustentam comumente. E, para dificultar ainda mais, depois da queda do muro de Berlim (1989) aqueles que defendiam noções que se podem considerar como direita passaram a sustentar que tais definições eram antiquadas e que, daquele momento em diante, não se poderiam mais considerá-las. Posteriormente, com o crescimento das imigrações, causadas pelos conflitos políticos mundo a fora e o conseqüente aumento da xenofobia, algumas pessoas passaram a se assumir como tal. O motivo das acusações do termo como ultrapassadas deve-se ao incômodo acarretado pela carga negativa, originada na Segunda Guerra, com as atitudes direitistas de Adolf Hitler e Benito Mussolini; e, por isso mesmo, a relação direta que se faz na Ciência Política entre a posição de direita e a ideologia fascista. Isso porque é uma posição política que se fundamenta inicialmente num conservadorismo da não aceitação de mudanças sociais, mesmo as mais necessárias e urgentes para a sua população. Qualquer avanço social é visto como perigoso. Em cada época certas mudanças são vistas como prejudicial para o bem viver, dentro da moral e dos bons costumes: um dia, foram às leis trabalhistas ou os direitos das mulheres e, hoje, os direitos dos homoafetivos, a legalização do aborto etc. Para isso, os indivíduos direitistas se posicionam em cima de um nacionalismo extremado que prejudica as relações internacionais, se elevando ao ódio pelo estrangeiro. De modo que quando alguém, que defende tal ideologia, conquista o executivo, vai direcionar, inicialmente, suas energias por controlar ou eliminar o parlamento, emparelhar o judiciário e, a partir de então – dentro do que se chama de estado totalitário – iniciar uma série de retroação de leis e políticas sociais. Caso, tal parte da população não consiga implementar um governo fascista, as ações serão esparsas e mais difíceis, mas – por vezes – eficientes, se contar com apoios importantes da sociedade civil organizada, assim como setores da imprensa, ou partes do judiciário, do ministério público, da igreja ou das forças armadas etc. Se as ações fascistas são extremas, a população não deve ser estabelecida como culpada, tendo em vista que é alimentada pelo medo do diferente, do estranho e que, por vezes, acaba votando e lutando contra os seus próprios interesses.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Na Natureza, o Homem

O mel, produzido pela abelha, a represa construída pelo castor, juntamente com a banana e a maçã, produzidas pela bananeira e pela macieira, são consideradas naturais, mas algo que fora feito pelas mãos humanas é considerado artificial. Para uma análise mais aprofundada do tema é necessário que se pergunte: o que leva a essa distinção, se é impossível de separar o indivíduo humano, e suas ações, do sentido de natureza? E mais, de um pensamento como esse tiram-se muitos pontos para o debate; primeiro: isso demonstra uma tradição, presente em alguns idiomas, de separar como contrários o que se considera natural do artificial; segundo: se há uma separação necessita de antemão que se pense a arte como algo que possa nascer fora da natureza. Nesse caso, se o que o homem produz é artificial, necessariamente não será natural; se não é natural implica-se em pensar ‘o que é o homem?’ e, então, ‘por que não é natural?’ Acontece que o conceito de natureza, em seu sentido mais amplo, é o equivalente ao que chamam de mundo natural - ou universo - e, sendo assim, o termo faz referência aos fenômenos presentes no mundo físico e também na vida em geral. Com isso, dentro dos diversos usos atuais da palavra, natureza pode fazer referência ao domínio geral de diversos tipos de seres vivos, como plantas e animais e, em alguns casos, aos processos associados também a objetos inanimados. Quer dizer: natureza é a forma em que existem os diversos tipos particulares de seres, vivos ou não, e suas mudanças espontâneas, assim como o tempo atmosférico, a geologia da Terra, a matéria e a energia que estes entes possuem. Isso porque a natureza traz em si a ideia de um grande universo físico e de tudo que nele há. Nos últimos tempos se percebe que quanto mais se busca o entendimento a seu respeito mais se percebe que o termo adquiriu sempre novos usos é se torna cada vez mais amplo. Ora, se tudo que existe, só existe porque está na natureza, faz parte desse grande universo, também o homem faz parte de tudo isso e é um ser da natureza. Quer dizer: a sua gestação e o seu nascimento, por mais que as técnicas médicas cresceram e hoje se utilizem de um conjunto de aparelhos diferenciados, continuam iguais aos de seus irmãos mamíferos. Por mais que o homem desenvolva suas teorias científicas e filosóficas, é um ser natural e a sua arte é também parte desta grande natureza em que tudo está inserido.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

A Ilusão da Liberdade

O existencialismo francês, na figura do pensador Jean-Paul Sartre, sustenta a existência humana a partir de uma liberdade incondicional; “o homem está condenado à liberdade”. Nesse caso, nada se pode fazer, a não ser: inventar a própria saída para os impasses, nos quais está submetido, exercendo a sua liberdade e, portanto, ele mesmo é o responsável pelos seus atos. Ninguém, ou nada, poderia ofuscar a sua liberdade, pois o homem vive, perenemente, com essa efetiva obrigação em sua vida. A pergunta que se faz, portanto, é: baseado em que se pode ter tal constatação, já que primeiramente precisa ser lembrado, a liberdade é um conceito abstrato e, como diria Kant, metafísico, então dentro da seleção do que ele considerou como “antinomia da razão”? Liberdade, assim como o espaço, o tempo e a ideia de Deus, não se tem como estabelecer parâmetro aceitável e universal. Ou ainda: quando não se agrega um adjetivo para o termo liberdade generaliza-se, o que torna impossível o seu uso. Ora, condenar os humanos a liberdade é muito mais um ‘dever ser’, um ‘querer livre’ que se entende como apenas uma expressão que surge, presa a uma época de tantas lutas por liberdades políticas, liberdades artísticas e de expressão de um modo geral. Se o homem fosse mesmo condenado a liberdade, como ficaria a sua ancestralidade - condicionada por uma carga biológica desmedida – e como ficaria a sua herança histórica? Ou, a sociedade não tem força coercitiva (princípios morais, normas positivas etc.) sobre os indivíduos? Ora, o que se pode pensar como liberdade precisa trazer no seu bojo o adjetivo de social. Isso quer dizer: o homem só existe enquanto ser da história. Ou ainda: a sua liberdade é condicionada socialmente. Em vários momentos da vida o homem acredita que toma decisões, mas o que faz mesmo é seguir os caminhos traçados pela sua herança genética e os valores produzidos socialmente. Acontece que cada indivíduo processa as informações que recebe a todo instante diferentemente de um do outro, devido uma teia de fatores imensa, construindo assim a ilusão de liberdade, de que a todo instante precisa tomar decisões. As pessoas necessitam viver em determinadas temperaturas, caso contrário vão a morte; não falam língua se não as aprenderem, não vivem sem comida, não conhecem a consciência do outro que está mesmo a seu lado. Enfim: os homens são consciências, presas a seus corpos, sonhando com os inúmeros mitos que acabaram criando e, um deles, é o da liberdade.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

A Tecnologia, os Homens e os Livros

As transformações tecnológicas vividas pela humanidade nessas ultimas décadas deixa a todos bastante apreensivos a se perguntarem, até onde vão todas as novidades e como serão as relações das pessoas entre si e com as novas máquinas. Entre essas novidades figura o velho e bom livro, um instrumento de transmissão de ideias, cultura e arte estaria prestes a desaparecer, já que algumas pessoas só consideram como tal as brochuras, costuradas ou coladas. Diante das mudanças tecnológicas suscita uma discussão sobre o que se entende por livro, esse instrumento que acompanha o homem por toda a história da civilização. Isso porque, desde os tempos mais remotos, com a invenção da escrita, as populações passaram a registrar suas atividades contábeis, as façanhas de reis e príncipes, suas guerras e aproximações com os deuses. Arqueólogos encontram a todo instante, tabuletas em terracota descrevendo o modo de vida, leis e historia das civilizações mais antigas; seriam esses os primeiros livros? Os historiados registram que por volta do século 3 aC, na cidade grega de Pérgamo fabricavam-se o que seria chamado de pergaminho: um instrumento a base de couro de ovelha, recortado, emendado e enrolado em um cabo, onde se escreveram os primeiros textos filosóficos e científicos. Foram nesses livros que Homero escreveu a Ilíada e a Odiséia e onde Aristóteles desenvolveu seus textos hoje imortalizados. Mas, um pouco antes, registra-se que os egípcios fabricavam um material conhecido como papiro e que era destinado às anotações. Bem mais tarde, já na Idade Média ocidental, depois de conhecerem na China a invenção do papel, os europeus fabricaram os seus primeiros livros em forma de brochura, espécies de cadernos costurados um ao outro, formando um único volume. Os livros eram imensos, manuscritos, com letras que mais eram obras de arte; por isso, nas bibliotecas, alguns eram presos a mesa para não serem roubados. No limiar da modernidade, com a invenção da imprensa, as brochuras passaram a ter textos impressos, o que a popularizou por toda a Europa e, com as navegações, por todo o mundo e o acesso a leitura foi cada vez mais facilitado. Nos tempos atuais, os livros passaram a ser publicados também em forma virtual, vendidos, ou distribuídos gratuitamente, nos formatos mais variados para serem lidos no computador, no tablet, ou no telefone celular. Portanto é preciso que se diga: as mudanças tecnológicas mudam os caminhos, mas as necessidades humanas de produzir conhecimentos, registrá-los e publicá-los continuam; ou seja: a tecnologia chegou, mas os livros não desaparecerão.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

A Felicidade

Muitos pensadores dedicaram boa parte de suas vidas definindo a natureza, o tipo de comportamento, ou forma de vida que levaria à felicidade e sempre perceberam, ao final, que o homem a procura por toda a sua vida e faz disso a razão de sua existência. Para alguns é impossível ser plenamente feliz, de forma duradoura, mas apenas pode-se atingir alguns picos ou, então, a sua plenitude se encontra somente quando se eliminam as vontades. Os antigos gregos usavam a palavra eudaimonia (εὐδαιμονία), um termo que literalmente significava o estado de ser habitado por um bom daemon (um gênio bom). Assim, o pensador da antiguidade, Epicuro, propôs o hedonismo, a autonomia humana de se balizar pela busca por um prazer mais intenso e duradouro: nesse caso, deve-se agir de forma regrada, buscando sempre a justa medida. Atualmente, para as emoções associadas à felicidade, os filósofos preferem a próprio termo e, em geral, usam-no também como sinônimo de prazer, ou de regozijo e sempre o fazem no sentido de satisfação dos desejos. Na verdade, o termo é de alta complexidade e, por isso, difícil de defini-lo com rigor, bem como de estabelecer uma justa medida. A complexidade se deve a um entrelaçamento com outros conceitos entendidos como opostos: o sofrimento, a ansiedade, o cansaço etc. Parece estranho, mas esses dois sentimentos, felicidade e sofrimento, podem aparecer lado a lado como complemento um do outro; isso quer dizer: é possível sofrer fisicamente para, com isso satisfazer alguém, ou alcançar intento qualquer e, assim, ocorre uma mistura de sofrimento e felicidade Aliás, os humanos vivem a dicotomia felicidade-tristeza, como dois pólos antagônicos, mas ligados por um fio que os une; e, entre eles, transitam as mais variadas experiências humanas como o medo, a frustrações, a ansiedade, a decepção, entre outras. Algumas dessas experiências posicionam-se mais para um lado e, outras, mas para o outro, enquanto algumas transitam, integralmente, entre um pólo e outro. A noção de céu e inferno, própria da cultura ocidental, assim como os textos A República, de Platão, o Horizonte Perdido, James Hilton, o conceito de ditadura do proletariado, de Marx, entre outros, parecem descrever a eterna angustia humana na busca pela felicidade. Isso porque, o que move a história de um indivíduo, deve ser pensado pela sua luta para alcançar uma vida de satisfação, para aumentá-la, ou mesmo para fugir de uma vida de sofrimento.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

A Família, a Escola e a Educação

Duas instituições fortes, centrais na formação cultural do indivíduo, a família e a escola têm-se caracterizado, nos últimos tempos, pelo confronto no que diz respeito aos seus papeis frente a educação. No meio do embate está a criança, ou o jovem, um indivíduo em formação, querendo ainda se afirmar frente a tudo que se depara na sociedade. A família surgiu quando os primeiros grupos humanos passaram a se identificar a partir de laços de parentescos e, com eles, suas ancestralidades: pais, avós, tios, irmãos e assim por diante. Nesses tempos, ditos de pós-modernidade, a ancestralidade original perdeu força com o surgimento de novos tipos de relações conjugais e as possibilidades de adoções. Mesmo assim, um ponto central se manteve no seio da família que, enfim, é o conceito que a define: a proteção, o aconchego e a educação. Do outro lado está a escola, uma instituição que se firmou com um papel fundamental: o de passar para os mais jovens os conhecimentos acumulados ao longo dos tempos, bem como valores sociais. Nos primórdios dos tempos essa tarefa da escola fora feita também pelas famílias, mas que nos tempos atuais não se aceita a possibilidade de o estado não a oferecer, através da escola, para todos, e sempre com o acompanhamento da família. O confronte se dá em cima do conceito de educação. Se por um lado os membros da família pensam que a escola é que deve fornecer, por outro, a escola espera que essa educação primeira deva vir de casa. Acontece que na luta para ganhar a vida, a família é levada a correr atrás dos seus afazeres sem destinar algum tempo para seus membros e a escola, sucateada pelo estado, faz o que pode, e isso não é muito. As famílias mais abastadas recorrem às escolas particulares. No entanto, essas vivem sob a égide do mercado e, dependendo da educação que se quer para o filho, pode ser uma alternativa. Mas, virando nicho para as gôndolas do mercado, a sociedade formará líderes mecanicistas, insensíveis e não criativos e uma leva imensa de trabalhadores sem muita alternativa de vida e uma lista imensa de marginais. O papel da família é educar, tanto quanto o papel da escola é educar. A família deve ter como preocupação a orientação do indivíduo na sua vida privada, no amor próprio, no respeito aos pais, aos avôs, aos irmãos etc. Cabe a escola ensinar os conteúdos ao qual se propõe além dar a continuidade a uma formação para a vida pública, de respeito ao outro que, mesmo estranho, estão juntos por uma causa comum: os professores, os serventes, os colegas etc.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Confúcio, um Grande Pensador

Alguns intelectuais que escrevem a historia da filosofia, bem como aqueles que a definem, costumam afirmar que o pensamento oriental não pode ser enquadrado como filosófico. Isso se deve ao conceito que se elabora a partir da etimologia da própria palavra: um amor ao saber, um querer saber, uma eterna busca ao conhecimento, de modo que essa busca deixa a filosofia pensada como autofágica. Nesse caso, os pensadores persas, indianos e, mesmo, japoneses e coreanos, não figuraram como filósofos, mas como doutrinadores, grandes pensadores que ensinaram um modo vida ordeira e virtuosa. Sendo assim, os dois grandes nomes da China antiga, algo em torno de 1000 aC - Lao Ttzé e Confúcio - não são entendidos como filósofos apesar do respeito e das inúmeras citações de seus ensinamentos. Se não é filosoia, já não importa; o pensamento de Confúcio, nome latinizado do Mandarim, K'ung-fu-tzu, sublinhava uma virtude moral do individuo em uma vida em sociedade e uma preocupação constante com a ética governamental. Falava ele sempre em civilidade que seria adquirida com procedimentos corretos nas relações sociais e, essas, regradas por justiça e sinceridade. O grande pensador chinês reafirmou isso em cada um dos reinos que visitou, quando perambulava como exilado político do Reino de Lou (um dos antigos reinos formadores da atual China) ou quando fora chamado para proferir seus ensinamentos. Os seus textos tomaram corpo por todo o mundo e suas ideias são hoje aclamadas por grandes pensadores orientais e ocidentais. Dizia Confúcio que “para se conhecer os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça”; ou: “no sucesso se verifica a quantidade e, na desgraça se verifica a qualidade”; ou ainda: “escolha um trabalho do qual gostes e nunca terás que trabalhar nem um dia na tua vida”. Dizia também que “o homem superior é aquele que atribui a culpa por seus erros, a si próprio, enquanto o homem comum aos outros”. Ora, mesmo que se aceite o conceito filosófico de autofagia, na constante busca por respostas, é inegavelmente que Confúcio foi um pensador de grandeza universal. Portanto, tudo isso deixa um ensinamento: não é um conceito de filosofia que faz um grande pensamento, mas a tônica é sua capacidade de entrar na necessidade, na profundidade da alma humana.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

A Bíblia, a Fé e os Conflitos

A grande dificuldade, em um debate apurado sobre a religiosidade do cristianismo ocidental, se deve, principalmente, a existência de um livro sagrado, historicamente chamado de Bíblia: um conjunto de livros, divididos em dois grupos, velho e novo testamento. Dificuldade porque é um objeto que, para o Ocidente, e parte do Oriente, é mais que só um livro; além de ser um material a ser estudado, é também uma porta para a transcendência e, até motivo de discórdias. Em algumas das divisões do cristianismo a salvação se dá pelo “conhecimento da palavra de Deus”. Na sua primeira parte figura uma série de textos, retirados de antigos escritos judaicos; começando com o Pentateuco, os livros atribuídos a Moisés com a descrição da criação do mundo, dos homens e os primeiros tempos dos patriarcas e juízes – bem como os primeiros governantes hebreus. Os livros que se sucedem, nesse que é chamado o Velho Testamente, mostram as relações deles com os povos vizinhos, além de poemas e cânticos. A segunda parte narra o nascimento, a vida e a morte de Jesus de Nazaré, bem como as relações entre os discípulos na continuação de seus ensinamentos e a formação dos primeiros grupos de seguidores. Boa parte do chamado Novo Testamento é destinada às cartas do apostolo Paulo dirigidas aos seguidores, espalhados pelo mundo antigo. Mas o livro sagrado dos cristãos não é único, a maior parte das grandes religiões do mundo é possuidora de livros com a mesma natureza: os Vedas, dos indus - os Sibílicos, dos romanos - o Livro dos Mortos, dos egípcios e mesmo o Torá, dos judeus e o Corão, dos muçulmanos. Todos eles dão aos fiéis um conjunto de informações que direcionam formas de ver o mundo e alicerçam preceitos religiosos, mas cada um obedece e interage a sua cultura e isso vai além dos princípios de fé. Acontece que se a Bíblia tornou-se o objeto central do cristianismo na modernidade ocidental, responsável por dirigir o destino de milhões de pessoas, tornou-se também o centro de boa parte das discórdias e, mesmo, de um conservadorismo político perigoso. E a grande dificuldade de um debate mais apurado se dá tendo em vista a fragmentação das concepções e o fundamentalismo, diferente em cada grupo, acreditando serem os únicos possuidores das verdades reveladas.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Brasileiro, Sem Malandragem, Um Povo Trabalhador

Uma das alegorias que procuram representar os brasileiros, criadas nesses quinhentos anos de história é a que dá conta de que o povo é indolente, criativo e malandro. A arte popular está cheia de canções, de histórias e de todo o tipo de anedotas que falam do Malandro, do Jeca, do Pedro Malazarte ou do Zé Pelintra, como é representado na Umbanda, entre outras personagens. Mas não só a cultura popular retratou o herói brasileiro como aquele que trapaceia sempre que pode. O erudito, Mario de Andrade, na tentativa de criar uma roupagem para a cultura brasileira, em 1928 publicou o seu Macunaíma, “o herói sem caráter”. Ou, Chico Buarque de Holanda, que em 1978 teve ideia de adaptar os clássicos, Ópera dos Mendigos, de John Gay, e A Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, escrevendo a sua Ópera do Malandro, um musical que poderia se passar em qualquer favela brasileira. Quando os Estados Unidos quiseram se aproximar do Brasil, em 1940, assinaram uma série de acordos; entre eles, a troca de expressões artísticas: daqui para lá foi a cantora Carmem Miranda e, de lá, Walt Disney criou a personagem de um papagaio malandro, Joe Carioca, que por essas banda ficou conhecido como Zé Carioca. Um detalhe importante é que a personagem do papagaio é um eterno boa vida, desempregado e mau pagador – vive a fugir dos credores. Preocupado com essa contradição, o historiador cearense, Capistrano de Abreu, há 160 anos, já teria se expressado a respeito: “A mim preocupa o povo, durante três séculos capado e recapado, sangrado e ressangrado”. De posse dessa expressão, o professor catarinense, de Concórdia, Helcion Ribeiro, deu o nome ao seu livro que expunha um estudo sobre o povo e a cultura do País: Identidade do Brasileiro; Capado, Sangrado e Festeiro. Parece que a ideia de malandro trapaceiro e de vadio é muito mais uma arma de controle e dominação por parte dos “donos do poder”: se o indivíduo não progrediu, isso se deve a preguiça, ao desleixo e por querer dar sempre um jeitinho em tudo. E isso, mesmo que a maioria do povo trabalhe muito e a vida toda, more longe e tenha que se deslocar em longas distancias para o trabalho, pedalando sua bicicleta, pendurado nos trens, nos ônibus ou nos metrôs.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Ética Profissional e Corporativismo

Alguns profissionais, arquitetos, médicos, professores, advogados etc; diante de uma atividade mal elaborada por colegas, confundem ética profissional com atitudes corporativistas. Isso se dá mesmo pelos mais bem intencionados profissionais: na tentativa de fazer o que acredita ser justo, ético, acaba por agir de forma antiética e, pior, prejudicando a categoria. A confusão se dá pela definição que se tem por uma e por outra expressão. É preciso que se conceitue adequadamente ética profissional e que se estabeleça diferenças dessa com as atitudes corporativistas. A primeira diz respeito a ética em si que, no sentido kantiano, pode ser traduzido como um querer bem, ou um ato de respeito, e isso de forma incondicional: não se pode respeitar somente os meus – por serem da mesma ocupação profissional minha e deixar os de outras ocupações de lado. O segundo, uma expressão medieval, que lembra a figura de um corpo: os componentes do grupo agem de forma conjunta de maneira que todos saiam protegidos. Diz-se que, nesse caso, os membros do grupo têm um espírito de corpo e o ato de agir dessa maneira é chamado de corporativismo. Durante a Idade Média os mestres artesãos se reuniam em corporações e guildas com o propósito de se protegerem dos monarcas, dos artesãos de outras cidades, dos maus pagadores e daqueles profissionais que não faziam o preço combinado, mas também contra o profissional da referida corporação que não entregava o produto no prazo acordado, ou um trabalho mal feito etc. As corporações medievais ao mesmo tempo que protegiam os bons profissionais, expurgavam aqueles que, com suas atitudes, poderiam prejudicar todo grupo. Nos tempos atuais, a ação corporativista pode ser qualificada como perversa no sentido social porque protege os membros ruins, em detrimento das pessoas de um modo geral. Não sabem que agindo de tal maneira se iludem - pois a categoria acaba protegendo a atitude perversa de um membro em particular e, com isso, acaba maculando o nome de todo o corpo. O adequado seria melhor que se punissem, rigorosamente, todo e qualquer membro com condutas inadequadas; isso seria um ganho pois a sociedade os veria com bons olhos. Em fim, se pode dizer que ética profissional é a atitude de uma dada sociedade corporativa que busca em suas ações o respeito entre colegas, a atitude respeitosa para com os membros de outras categorias, assim como para com os clientes de um modo geral.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Filosofia e Noções de Validade

Assim como os mitos não são mitos para aqueles que vivem e se envolvem em tal relação com o sagrado ou, assim como não é ideologia para aqueles que acreditam em tais noções, assim também as ideias são verdadeiras para aqueles que as escrevem. Se no ato de falar a pessoa expressa uma mera opinião, quando escreve um trabalho de profundidade científica, acadêmica, sempre expressará o que pensa ser necessário, verdadeiro e calcado em suas pesquisas, por mais banal que o tema possa parecer. Mesmo Nicolau Maquiavel, quando escreveu para ensinar o príncipe a governar, precisou contrariar os interesses imediatos dos súditos de Florença, mas pensou, com isso, ensinar o que entendia ser melhor. Do mesmo modo quando Platão escreveu A República, que colocou na boca de Sócrates, aquele que contemplara o agathon, descreveu uma cidade baseada na verdadeira ideia do bem, a kalipolis. Assim, quando Kant expôs suas ideias de juízo, construiu uma noção nova de filosofia na busca pela superação do idealismo alemão, e fez, definitivamente, a “revolução copernicana”. Da mesma forma, ao comparar as estrelas no céu com as leis no coração dos homens, ele construiu o seu pensamento ético/moral com o intuito de responder às necessidades daquele período que se pensava ser o das luzes. A crítica que se faz, acusando um ou outro pensador de romântico por ter feito do seu pensamento a construção de uma noção de verdade, como se fosse apenas um sonho, sem base concreta, como se tal crítico fosse agora o descobridor de uma verdade superior é frágil por si só. Os mesmos argumentos que se fazem sobre tal e tal pensamento, se remetem também àquele que se acredita para além de tais noções. Quando búlgaro, Tzvetan Todorov, se perguntou “Depois da morte de Deus e do desmoronamento das utopias, sobre qual base intelectual e moral queremos construir nossa vida comum?”, em O Espírito das Luzes, trás, intrinsecamente, a construção de mais uma noção de validade. De modo que as mesmas críticas que ele faz à “paz perpétua” de Kant, pode ser pensada para si também. Acontece que as noções de verdades produzidas pela humanidade – mesmo as produções científicas, em suas estruturas complexas - estão em seus cérebros, armazenadas da mesma forma, como os mais precários pensamentos. O grande mal das grandes estruturas de pensamento é ter a pretensão de que a única verdade está posta dessa e dessa forma e não daquela. Isso porque cada pensador, mesmo quando se encontra os erros dos outros, está é formulando outros erros mais.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Propriedade Privada: o Sagrado, o Prazer, o Investimento e o Poder

O conceito de propriedade privada se altera a partir de três linhas: no tempo, no espaço e conforme a ideologia dos debatedores; se num primeiro momento pode-se definir como um direito sagrado, por outro, pode ser o resultado da expropriação de uns para com outros. Ou, aquilo que se estabelecia na Idade Média, a propriedade como algo entrelaçado pelo sistema estamental, nobiliárquico e uma extensão da família e do próprio corpo do senhor, o que é diferente do período moderno, capitalista, que se torna ou um objeto de deleite e prazer, de ostentação, ou algo que serve para troca, um investimento. Numa definição geral, é aquilo que pertence a um indivíduo, em particular, ou a um grupo de indivíduos e que não é público, no sentido de controlado pelo estado. Por essa complexidade toda, e por sua necessidade no debate político, a conceituação e o estabelecimento de sua função é fundamental. Freqüentemente é usado o que se estabelece no contexto jurídico, definindo-a como um direito civil, que "assegura ao seu titular diversos poderes, como usar, gozar e dispor de um item ou espaço, de modo absoluto, exclusivo e perene". No contexto do capitalista a propriedade privada desempenha um papel de maior relevância nas relações socioeconômicas nos países, onde o sistema é adotado. Nessas sociedades, o ordenamento jurídico, as ideologias correntes, bem como os ensinamentos religiosos, são fundamentados na luta pela sua proteção. As grandes guerras entre povos são fundamentadas na defesa da posse de propriedades estabelecidas, ou são lutas econômicas com o intuito de acumular riquezas, de defender a acumulação já estabelecida, ou na disputa de outros mercados para acumulação de ainda mais propriedades. Isso ficou muito claro no final da Segunda Guerra Mundial quando se estabeleceu o direito à propriedade na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Em seu artigo 17 dispõe-se que "todo indivíduo tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros e que ninguém será arbitrariamente privado da sua propriedade". É claro que a acumulação de riquezas leva as pessoas a mais poder, o que redunda em ainda mais riqueza e que, numa espiral crescente parecendo não ter mais fim, leva ainda a mais poder. Agora, o porquê das pessoas necessitarem de mais e mais bens, muito além do que é necessário para viver e ser feliz, é difícil de responder; talvez Freud e Darwin, juntos, possam afirmar que isso se deve a uma vontade, involuntária, da procriação de um número cada vez maior de descendentes. Ou uma loucura, um distanciamento da própria condição humana.