segunda-feira, 28 de abril de 2014

Ciências Humanas, o Estrito e o Lato Senso

Já foi falado que ninguém pode realizar um estudo de forma elaborada, metódica, sem antes dispor de algum conhecimento inicial, um conhecimento que por hora paire no senso comum, uma opinião. Isso é sabido, não se pode negar; há três séculos antes de Cristo, Platão já falara de Doxa e Epsteme. Ou seja:  um edifício não pode ser construído a partir do telhado, tanto quanto o senso estrito não pode ser obtido a partir já dos altos conhecimentos científicos.  Entretanto, o estrito senso precisa  se afastar do lato senso, na busca do saber;  isso quer dizer: depois de muito se debruçar sobre um determinado tema, algumas pessoas sao detentoras de profundos conhecimentos, enquanto outras dominam outros setores. Ora, alguém que passou décadas a estudar uma área, um ponto do saber, parece lógico que detenha mais conhecimentos do que aquela que nao se ocupou de tais estudos.  Neste caso, pode-se acrescentar: um médico não deve ser consultado para uma orientação urbanística, nem um engenheiro mecânico para uma orientação de saúde. E mais, em algumas áreas do saber, ninguém se aventura a dar palpites se não for um estudioso do tema; não se vê um biólogo querendo dar palpites de Arquitetura, ou um químico interferindo nas noções urbanísticas da cidade.  Isso não acontece com as áreas humanas e sociais; qualquer estudioso da sociologia, da antropologia, da pedagogia ou do direito, tem grande dificuldade no trato da coisa humana e social, na fuga do meramente opinativo. Primeiro, é preciso que se considere a existência de uma complexidade nas ciências humanas, devido a proximidade entre o objeto cognoscível e o sujeito cognoscente. Segundo, os médicos, os engenheiros, os químicos, são também cidadãos, pais, mães, adeptos religiosos, seres da cultura e como tal, são detentores de uma opinião e acreditam que isso seja suficiente para emitir noções de certo e errado. Em fim, há uma interferência do senso comum nos conhecimentos humanisticos e cremos não ser possível algo diferente, as pessoas vivem no seu dia a dia a sua sociedade, a sua cultura, a sua linguagem e a sua política. É natural que emitam suas noções de verdades, quer sejam essas sem qualquer fundamento, ou nao. 

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Platão, a Doxa e a Epsteme

O pensador ateniense Platão, quando quis apresentar o processo pelo qual se pode ou não fazer acontecer o conhecimento, estabeleceu uma diferença entre duas expressões gregas, doxa e epsteme.  Interessante, para quem  estuda o platonismo, é perceber que aí fica expresso também o dualismo, retratando - por um lado - o mundo sensível, dos saberes comuns e - por outro - o mundo das ideias, de um saber superior; o mundo onde residem as verdades eternas. O primeiro conceito pode-se mostrar como sendo o conhecimento que perpassa às pessoas de um modo geral, sem a preocupação de qualquer cuidado na sua elaboração e, o segundo, como aquele conhecimento que necessitou - para a sua existência - de uma busca cuidadosa, preocupada com o rigor dos procedimentos. Para o entendimento do pensamento de Platão, esse ultimo é o conhecimento do filósofo, aquele indivíduo que se desprendeu dos saberes sensíveis e busca os conceitos eternos no mundo das ideias. Assim, em outras palavras, nos tempos modernos, é comum que se interprete essas duas expressões - uma, como sendo o conhecimento meramente o opinativo (o nosso tal de eu acho) e - o outro, o conhecimento cientifico. Nesse ultimo caso, esta-se falando do conhecimento que foi o resultado de uma investigação apurada, com o rigor dos recursos metodológicos. Daí vem, da sua derivação, uma disciplina muito importante para qualquer investigação cientifica ou filosófica, a Epistemologia, o estudo da validade dos conhecimentos, da logicidade de um método. Essa disciplina pode ser pensada como autônoma - ensinada como propedêutica em vários cursos de graduação - ou como parte da Gnoseologia, um setor fundamental da Filosofia do Conhecimento. Entretanto, por mais que se exalte a cientificidade de um saber, é preciso que se entenda o fundamento daquilo que mostrou o ateniense. Quando Platão elaborou esses conceitos, ele pretendeu ressaltar sim a necessidade do rigor cientifico, mas não deixou de mostrar também que, por mais bem elaborado e profundo que este seja, partiu da simplicidade de uma opinião. Em fim, não poderá haver elaboração cientifica, se antes não houver alguma ideia inicial - por mais bruta que seja.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Situação, Oposição, Governos e Democracia

Esquerda e direita, progressistas e conservadores, prós e contras ou o bem e o mau, em tudo o que os humanos são levados a fazer, os dois lados aparecem. E isso acontece, mesmo alem das noções ideológicas e até por que é necessária; afinal, numa sociedade que se pretende democrática, a existência das duas posições políticas são fundamentais: a situação e a oposição. Faz parte da natureza da democracia e cada um dos lados tem um papel fundamental: se um deve executar as obras, diante das propostas de campanha, o outro, como observador, deve fiscalizar e denunciar os erros cometidos. E assim, todos os governos convivem com os favoráveis e com os contras, a diferença é que um governo democrático aceita e admite a necessidade, para sua própria sustentação. Nesse caso, nao é a existência ou não de oposição - bem como sua força ou sua fraqueza - que define como bom ou como mau, um projeto de governista. O que define como um bom governo é, em primeiro lugar, a adequação das suas propostas com as necessidades observadas na sociedade, em segundo, a execução eficiente das mesmas e, por fim, a manutenção adequada dos equipamentos públicos. Nesse caso, a oposição a um governo pode ser de grande  importância para com a sociedade e mesmo para com o governo por hora instalado, se fizer uma oposição adequada e democrática. Como? Ora, a oposição nao pode agir como um grupo de derrotados, fazendo política com sangue nos olhos, pretendendo destruir os trabalhos realizados por aqueles que estão a frente do executivo, mas sim apontar o que a situação faz de errado e sugerir ações diferentes. É comum perceber oposicionistas agindo como jogadores que - diante de uma eminente derrota - fazem o lícito e o ilícito no intuito de destruir o adversário na partida. Agindo assim, essas pessoas abandonam suas verdadeiras funções político-partidárias para entregar-se a preocupações narcisísticas de busca do poder. Afinal, a função política é de negociador dos interesses divergentes de cada grupo social,  engajados na situação ou na oposição. Muito além das linhas ideológicas, muito além dos interesses carreiristas de alguns, o que os políticos partidários não podem esquecer é que defendendo ou não  determinado governo - municipal, estadual ou federal - eles ocupam cargos públicos, têm compromisso com a sociedade. 

quinta-feira, 17 de abril de 2014

O teatro e a existência humana

Os gregos antigos nos legaram uma forma própria de fazer política (a democracia), assim como a beleza das suas esculturas, ou das linhas arquitetônicas inconfundíveis e a sua filosofia, pressupostos da cultura ocidental. Entretanto, juntamente com todas estas contribuições, o povo helênico nos legou aquilo que seria uma das bases da estética ocidental, a arte da encenação, a arte da representação, o teatro. Como um vírus incrustado na alma humana, essa maneira de fazer arte, seguiu a história - desde os gregos ate os nossos dias - hora sendo levada às honras dos castelos, hora sendo perseguida pelas vielas da marginalidade. Dos ditirambos à commedia del'art, às operetas, passando pelos musicais, dramas e tragédias, monólogos ou diálogos, seculares ou religiosos, engajados ou sem qualquer pretensão política, a arte da representação levou multidões á catarse e à reflexão. Certamente, a arte em si não é algo que se encomenda sob tal ou qual medida; e, assim, pode-se pensar em música, em artes plásticas, em balé ou em literatura - aliás, o poeta não faz poesia sob encomenda, perderia a essência. A arte, como tal, deve surgir como o suspiro da alma artista que se expõe diante de um público sensível e esperançoso. Assim é o teatro, a arte mais completa. Isso porque uma encenação para ser elaborada na sua totalidade, precisa contar com as demais concepções  artísticas. A arte de fazer teatro conta com as letras - precisa haver um texto (mesmo que improvisado), precisa haver uma iluminação, precisa haver uma cenografia; e ainda, para que o ator desempenhe sua função precisa buscar a expressão corporal e vocal - a dança e o canto. Mas a arte teatral é completa não só por abraçar as demais expressões artísticas - a concepção estética, mas também pela inserção na política, na antropologia, na psicologia, na sociologia etc. O trabalho é inteiramente de equipe, para que a peça que se complete, é preciso que haja o dramaturgo, o diretor, o ator - passando pelo iluminador, o sonoplasta e o contra-regra.   E é assim que a feitura da encenação e apresentação leva os envolvidos a reflexões a respeito de suas próprias incerssões  no mundo social e mesmo existencial, quer seja este o ator, o diretor, o cenografista ou o publico. Isso acontece, mesmo havendo dicotomia entre os agentes e é natural que aja. Porque? A concepção de um situação teatral obtida pelo dramaturgo, não será a mesma que terá o diretor, que por sua vez nao será a mesma do ator e nao será a mesma do público que assiste. 

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Ridículo, o conceito e o adjetivo

Algumas pessoas, sem pensar no que falam, jogam aos outros uma pecha, um adjetivo, uma alcunha - não que retrate necessariamente o outro - mas que pode ser uma forma de externar algo que lhe oprime, que está dentro de si.  Em geral, a situação ocorre nos momentos de maior exaltação, essas pessoas elevam suas vozes em direção aos seus desafetos e chamam-nos de grosso, de estúpido, de ridículo e assim por diante.  Pegando apenas uma das expressões: o que vem a ser ridículo? Ora, os dicionários definem como sendo aquele que é digno de riso, o que é merecedor de escárnio ou de zombaria, aquele que se presta à exploração do lado cômico, do risível e assim por diante. Alguns dicionários acrescentam: aquele que tem pouco valor, o insignificante, o irrisório etc. Entretanto, sabe-se que o conceito, aquilo que as pessoas sentem quando exprimem tal palavra, vai alem do que dizem os dicionários. Vamos por parte: se isso acontece em momentos de excitação, momento em que a razão é eclipsada pelos sentimentos; por certo falam-se sem pensarem em uma definição adequada para o que estão falando. Por exemplo, ao chamar o outro de ridículo, faz-se necessário que o agente da chamada tenha noções psíquicas e intelectuais para que se possa analisar a pessoa a qual se refere; caso contrário, será ele que merece tal adjetivo.  Certamente que quando alguém se refere ao outro como ridículo, está fazendo isso com a intenção de ferir. E fere. Neste caso, o ferimento pode acontecer a partir de duas duas formas, ou ao se chamar diretamente a pessoa com tal pecha, ou fazendo referencia às suas ações. De qualquer forma nada muda, se digo que alguém é idiota, ou se tem atitudes de idiota, compartilha-se um mesmo conceito. Enfim, para encerrar, e não fazer aqui papel ridículo, ou papel de ridículo, é preciso que se diga: chamar alguém por uma determinada expressão, pode ser que o outro não a mereça e isso  nao passe de um efeito espelho. Ou mesmo, em outras palavras, aquele que chama o outro de ridículo é quem pode ser, exatamente, o que merece assim ser chamado por tal adjetivo.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Um santo, um grego e o cristiansimo

Quando se converteu, Santo Agostinho afirmou que Platão fora um enviado de Deus, viera para antecipar a verdadeira filosofia  que nasceria mais tarde, o Cristianismo. Nos dias de hoje sabe-se que se não estudar o filósofo ateniense, juntamente com bispo de Hipona, não será possível concatenar idéias para entender o pensamento pregado pelos apóstolos cristãos. Platão (Atenas - 427/347 a.C) defendeu a existência de dois mundos; primeiro, o mundo das ideias e, segundo, o mundo sensível; no primeiro estão as coisas plenas e verdadeiras - no segundo, as copias imperfeitas, as sombras. O verdadeiro homem, a verdadeira árvore, a verdadeira justiça e o verdadeiro amor, estão no mundo das idéias; já, as inúmeras árvores que contemplamos, a justiça que praticamos e o amor que conhecemos, estão no mundo sensível. Depois de vagar pelo mundo da antigüidade, Aurélio Agostinho (Hipona, Argélia - 354 /430 d.C) se converteu e aproximou o pensamento platônico ao entendimento do Cristianismo. Platão tinha a chave para compreender o evangelho: o mundo das idéias é o céu, onde reina  o verdadeiro Homem, Deus - com sua plenitude e verdade suprema e o mundo sensível, o mundo terreno, onde se iludem os humanos com seus pecados, suas incertezas e seus medos. Acontece que, para estruturar o Cristianismo, Santo Agostinho juntou ao platonismo, o maniqueismo e o estoicismo, correntes difundidas na antigüidade. A primeira, era calcada nos ensinamentos do persa Maniqueu que defende a ideia de que o mundo é governado por duas forças antagônicas, representando o bem e o mal - a segunda, calcada no pensamento dos estóicos gregos de que a depreciação do corpo, o sacrifício físico - eleva o espirito. A partir daí estão montadas as bases do ocidente cristão e a sua a noção de que o que é terreno é humano, tem a força do pecado, da culpa e deve ser evitado - por outro lado, para alcançar as coisas celestiais, é preciso a intermediação da Igreja. Afinal, se para Platão quem liga o mundo das idéias ao mundo sensível é o filosofo, aliás - este deve ser o governante - para Agostinho quem faz tal  ligação é o santo, o homem da Igreja, o clero.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

A Mudança e o Discurso da Mudança

De tanto ouvir falar que é preciso inventar e tentar fazer algo diferente, tem muita gente fazendo o que não deveria fazer ou, pelo menos, estão sendo prejudicadas nos seus afazeres diarios. As mudanças são necessárias sempre, já que há uma dinamicidade na existência humana, o que não se pode é querer fazer diferente sem uma analise criteriosa do que se pode ou  se deve fazer. O discurso da necessidade de mudança remonta ainda a Idade Media, quando se pensou que o mundo não era exatamente aquilo que os europeus, até então, pensaram: a terra era redonda, girava em torno do sol, os povos ameríndios andavam nus - não eram cristãos e pareciam ser felizes. Era preciso mudar o pensamento dos dirigentes daquela sociedade medieval, era preciso tirar o poder político das mãos dos homens da Igreja. Essa discurso da necessidade de mudanças entrou na modernidade com os pensadores expondo as formas de organizações sociais, a importância - ou não - do estado e os resquícios da medievalidade precisavam ser extirpados. Para alguns, algo poderia ser feito radicalmente diferente na sociedade; porque temos de morrer primeiro para depois herdar o céu? não, façamos um céu na terra e temos racionalidade suficiente para isso. Alias, a construção do pensamento socialista foi calcado na possibilidade de alterações profundas no seio da sociedade, no caminho da construção de uma sociedade melhor, Saint-Simon, Charles Fourier, Louis Blanc e Robert Owen. Karl Marx elevou as tais necessidades de mudanças à categoria de revolução; a sociedade posta estava estruturada para servir apenas à nova classe social em ascensão, a burguesia. A partir daí, vários pensadores e artistas tiveram como linha mestra de seus trabalhos, criticas ao sistema político, econômico e social, propondo mudanças. Foi assim com filósofos como Jacques Derrida, Gilles Deleuse e outros, no campo da arte, Charlie Chaplin ou Bertold Brecht. No Brasil, dois nomes também devem ser postos nesse panteão dos grandes revolucionários sociais, como o pedagogo Paulo Freire e o teatrólogo Augusto Boal. O problema é quando o discurso da necessidade de mudanças entra no senso comum, passa a ser falado até pelos mais reacionários e assim, muitos pensam que é preciso mudar por mudar. Sim, devemos ser agentes das transformações sociais, devemos lutar por uma sociedade menos desigual, mais democrática, com mais educação e direitos sendo respeitados. Não devemos é pensar em mudar apenas pela mudança, devemos mudar, mas para alcançar aquilo que entendemos como algo bom para nós e para a nossa sociedade.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Terrorismo, o conceito e o medo

O pensador francês Gilles Deleuze, em seu livro O que é a Filosofia? argumenta que o objeto central da discussão filosófica é o conceito. O sentido que eu atribuo à palavra é o que forma o entendimento do discurso. Immanuel Kant propõe que antes de qualquer conversa é preciso discutir os conceitos: "Todos os conhecimentos, isto é, todas as representações conscientemente referidas a um objeto, são ou intuições ou conceitos..." (verTugendhat, Lição 11, Apêndice). Penso em conceito quando ouço, com tanta facilidade, as pessoas atribuírem a determinados ativistas políticos, religiosos ou ambientalistas a pecha de terroristas. E se é para discutir conceitos, vamos por parte: o que venha a ser terror? Para alguns a invocação do mal, qualquer coisa de aspecto feio, horroroso, ou seja: algo que provoca o medo. Quando se ameaça o outro, acusando-o de terrorista esta-se impondo o medo a alguém em especial, ou a um grupo de pessoas. Ora, algumas palavras são usadas com sentidos diferentes por aqueles que fazem parte do grupo e por aqueles que não fazem  parte. Por exemplo: mito é sempre o de outros povos, nunca é o meu - o meu é sempre religião, é fé; da mesma forma o folclore, é sempre as danças e os folguedos de  outros povos ou de outras épocas, nunca as minhas, nunca as de hoje. Da mesma forma a palavra terrorista, ela é sempre dita por grupos adversários, contrários às ações. Já os membros do grupo envolvido, os têm como heróis, como guerreiros, mártires e assim por diante. Em O Suicídio, Emile Durkheim diz que o indivíduo pode chegar a um estagio de anomia altruísta, qual seja: colocar o valor de uma causa acima de um valor maior, a própria vida. A Historia está carregada de casos de personagens cristãos, santificados por colocarem a sua causa acima da própria vida, o mesmo pode-se dizer dos kamikazes japoneses, ou dos homens bombas muçulmanos. Enfim, analisando o caso mais de perto: chamar alguém de ladrão é, de imediato, já ter julgado e condenado o tal indivíduo envolvido; assim também, é chamar alguém de terrorista. Quer dizer, é - de prontidão - posicionar-se politicamente de um dos lados do conflito. Ou seja: se digo que são terroristas, estou de um lado do conflito, se digo que não são terroristas, estou do outro lado. Uma questão de conceito, ele expressa os meus valores.