segunda-feira, 30 de abril de 2018

Entre o Tolo e o Sábio

Já se disse que "o imbecil não sabe que é imbecil, se soubesse deixaria de ser", ou que "a pessoa que não sabe, não sabe que não sabe" e que o primeiro passo para superar as limitações é perceber e admitir as tais limitações. Em outras palavras, o desinformado, exatamente por desinformação, acredita sempre que aquilo que sabe é o suficiente para emitir suposições sobre algo.
Ora, é natural que toda e qualquer pessoa queira um lugar ao sol, que toda e qualquer pessoa queira se mostrar como belo ou como sábio e que, para isso, faça marketing de suas falas, atitudes e ações. Mas alguns ignoram os dados daquilo que está em pauta, não conseguem medir as informações acumuladas, os dados, e se acreditam capazes de intuir sobre algo e emitem pareceres desconexos do objeto em si e mesmo de uma totalidade.
O que eles não se percebem é que o crescimento pessoal, o entendimento sobre algo, só acontece quando se admitem as próprias deficiências, quer seja no modo de pensar ou de ser, se é que pode falar em diferenças entre as duas situações. Mesmo que se enalteçam as próprias potencialidades, mesmo que se falem maravilhas sobre suas qualidades, as pessoas precisam estar a espreita de que sempre haverá outras mais sábias e outras mais belas. Sempre.
Se houver uma pessoa mais sábia, ou uma mais bela, não haverá alguém que saiba tanto que não possa ouvir mais, buscar mais, ou tentar entender mais. Se alguém se pensa como insuperável, como completo, como exato é propriamente essa pessoa que, há muito já fora superada, e que precisa ouvir, buscar e tentar entender aqueles que o cercam.
Não se pode deixar de lembrar que há uma distância, longínqua, entre o tolo e o sábio: enquanto o primeiro se acredita completo, terminado, portanto não tem mais o que aprender, o outro conclui com suas angústias, questões e incertezas que falta tudo para seu entendimento. Isso porque a escalada da sabedoria, ou o entendimento sobre todo e qualquer conhecimento acontece como degraus a subir: quanto mais se sobe e por isso se sabe sobre algo, mais se percebe a imensidão do horizonte dos saberes e mais se tem a noção de nada saber e por isso a necessidade  de mais buscar o saber.
Toda e qualquer pessoa tem algo a dizer e por isso deve se ouvida. Mesmo se esse for um tolo, pois esse em suas falas e atitudes tem a ensinar como acontecem as tolices; e aí, tolos e sábios têm modos de encarar tais tolices e tomar atitudes diante delas diferentes.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

As Afirmações, as Verdades e as Mentiras

Um velho ditado afirma: "diga-me com quem andas que direi quem és!" Outros ditos populares fazem também afirmações um pouco mais parecidas ou mais diferentes, mas sempre abordam a relação entre pessoas e as possibilidades de se definirem alguém pelas companhias, pela roupa, ou por qualquer motivo. Certamente que esse modo de pensar por analogias pode fazer o indivíduo cair em contradições, devido as generalizações. As pessoas e as coisas não são iguais.
No entanto, algumas generalizações são necessárias. Se não fossem elas não seria possível a existência das ciências, já que essas se movem por comparação, dedução, indução etc., ou seja: analogias, referências, matrizes e cópias etc. Pode haver erros, as comparações podem resultar em conclusões estranhas por completo,  mas a possibilidade de acerto é bastante alta. Do contrário não seria possível o planejamento das famílias, dos governos, dos exércitos e das empresas.
Portanto, a afirmação, "diga-me com quem andas que eu direi quem és!", tem sim um fundo de realidade. As pessoas são sim um pouco daquilo que escrevem, assim como são um pouco daquilo que falam. Não que elas sejam exatamente o conteúdo do que escrevem, ou falam, como o mentiroso que diz maravilhas sobre sua pessoa, mas por que dá condição de se fazer leitura em um intertexto de suas afirmações. Aliás, o mentiroso deixa mesmo é mostrar-se como mentiroso. Porque nesse intertexto está escancarada a sua instrução, a sua  capacidade mental, as suas leituras, ou o inverso de tudo isso com seus medos, suas invejas e toda a sorte de problemas existenciais. E, nesses tempos de redes sociais, as pessoas deixam escapar dioturnamente aquilo que não são, quando falam maravilhas sobre si próprias, ou quando fazem suas análises políticas e econômicas.
Mas essas pessoas não devem ser enquadradas como mentirosas, pois nas suas práticas não há consciência de estarem fazendo o diferente, praticando a mentira. Pelo contrário, afirmam suas inverdades com convicção. Acreditam na facilidade do entendimento de um tema e emitem seus pareceres, e assim, se expõem mostrando aquilo que não são e, por continuidade, mostram o que verdadeiramente são.
Portanto, diga-me o que falas que direi quem és, diga-me o que escreves que direi quem és, diga-me o que defendes que direi quem és etc. Então, o "hábito faz o monge", não o hábito enquanto veste monacal, mas enquanto costumes, práticas e repetições desconectas da realidade, sem um pensamento mais elaborado, sem preocupar-se com provas, métodos, estrutura lógica etc.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Entre o Público e o Privado, a Castração Social

Cada indivíduo é dotado de duas entidades, uma pública e outra privada. Enquanto a primeira é aquela que relaciona o indivíduo com as demais entidades públicas - já que, necessariamente, se relacionam - a segunda, diz respeito apenas ao indivíduo em si. Certamente que as duas se confrontam, se alimentam e se excluem quando no recôndito de seu quarto acontece a reflexão desse indivíduo. É aí que surgem os seus medos, as suas frustrações, as suas paixões e ainda outras condições enfrentadas.
Mas o que em geral não se leva em conta é que nesse mundo privado, as pessoas desprovidas de recursos financeiros, só vão ter sossego se no no mundo público lutarem com vigor de modo a construírem juntas uma sociedade mais justa, que vá ao encontro das suas necessidades. Pessoas livres lutam por seus interesses, por aquilo que acreditam ser o melhor para si e para os seus filhos.
A castração social acontece quando se tira da população a possibilidade de luta política, ou seja: quando um indivíduo, ou um grupo de indivíduos tomam conta do estado como se fosse seu e, assim, sozinhos, fazem eles a política. Os reis absolutistas tinham essa prática durante o medievo e nos primeiros anos da modernidade e até os ditadores do século 20. Desumanizavam as pessoas porque, alienadas de suas funções, não decidiam por aquilo que desejavam.
O mesmo aconteceu com os cidadãos de Atenas quando viram que sua cidade fora invadida e anexada ao império macedônio. Não havia mais porque debater na ágora os seus destinos. Eram os macedônios; os donos do poder que decidiam. Restava aos atenienses pensarem em si próprios, em suas existências. Restava aos atenienses pensarem em seus mundos privados: seus medos, suas frustrações e suas paixões.
Nesses tempos de Brasil dominado por castas de burocratas a decidirem o que é bom ou o que é ruim para as pessoas, nesses tempos em que não é mais dado o direito de fazer política porque magistrados, procuradores, secretários e assessores se encastelam em torno de suas prerrogativas e conduzem a sociedade como se donos fossem, resta pouco, ou nada resta, para um espaço público. Cabe a cada um voltar-se para suas vidas privadas.
Mesmo que as ciências se dividam, e a Sociologia se volte a estudar a vida pública com os enfrentamentos sociais e as lutas por igualdade e justiça, mesmo que a Psicologia e a Antropologia se voltem a estudar os resultados disso, juntando todas não se pode negar os estragos que a entidade pública pode provocar no mundo privado. Por um lado, tem-se um indivíduo morto por dentro, com medo da vida, sem ver sentido em sua existência, por outro, esse alguém não vê mais possibilidades de enfrentamentos devido ao medo, a frustração e a insegurança.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Burocracia e Absolutismo Corporativista

Nos tempos da modernidade, com as revoluções burguesas contra os antigos regimes, foi trazido ao mundo uma outra forma de fazer vida pública, de fazer estado. Era o fim dos estados absolutos e de suas colônias. A partir do século 18 introduziu-se na administração pública a proposta dos iluministas de reformatar o estado em três partes de poder e, a partir daí, buscaram-se na antiguidade grega o conceito de democracia e suas características: liberdades individuais, administração racionalizada e participação popular.
Se essas características não aconteceram efetivamente, ou não acontece como se esperava, mas essas são as linhas que se ofereceram ao público, ensinado nas universidades, escritos em livros e divulgado aos quatro cantos. Aquilo que se pensara diferente, que se pensara a solução final para as sociedades - teve até alguém que imaginasse "o fim da história" - começara a se mostrar com as mesmas falhas estruturais dos modelos estatais dos antigos regimes: o absolutismo, agora não mais desempenhado por um indivíduo apenas, mas por uma categoria de funcionários públicos que se fecham em corporações de ofício, transformam-se em uma aristocracia e tomam de assalto o estado.
Antes um homem, ou uma mulher, era o soberano, era o dono da vida e da morte de seus suditos, administrando a sociedade de acordo com suas noções de certo e errado, pelo menos eram essas as considerações alegadas pelos modernos ilustrados em seus combates. No entanto, o que se presencia nesses tempos recentes são burocratas, protegidos por leis elaboradas na pressão corporativa a se adonarem do estado, ou de parte dele, como propriedade particular.
É uma espécie de absolutismo porque a categoria atua como corpo único, como indivíduo que decide a partir de suas próprias vontades. Não há espaços para vontades populares e, por tanto - como qualquer absolutismo - é autoritário, já que o restante da população não tem como se defender. E fazem isso alegando defesa da democracia sem se quer pensar que há uma distância imensa entre o conceito pensado na Grécia antiga e o que os tecnocratas estão a executar.
Portanto, como tudo se transforma, vai e volta, pára e segue em frente, as bandeiras dos séculos 18 e 19, nas lutas revolucionárias burguesas contra o autoritarismo e o peso morto da nobreza faustosa, estão de volta. O que se sabe é que é preciso repensar o estado e, com isso, a estrutura burocrática e toda a irracionalidade formada, a prepotência e o custo dessas categorias as cofres públicos.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Sinderese em SantoTomás de Aquino

Quando alguém se depara diante de ações práticas, de pronto tem a noção de que esse ato é justo ou injusto, maléfico ou benéfico, bom ou ruim. Foi Santo Tomaz de Aquino, a partir de suas análises de Aristoteles, que desenvolveu o conceito medieval de sinderese afirmando que o remorso, ou a culpa, diante das coisas que se identifica como maléficas, uma determinação divina. Para alguns, esses seriam os primeiros passos do que mais tarde chamariam de jus-naturalismo.
Tomás de Aquino, tradicionalmente se sabe, foi o grande intérprete do pensador de Estagira, Aristoteles; fora ele o responsável por trazer de o outro lado dos montes Pirineus, da medieval Espanha sarracena, os primeiros textos do pensador macedônico. Nesses tempos, havia o espanhol mouro, Averrois, o primeiro a relacionar o "motor inicial" de Aristoteles a um ser divino primordial, nesse caso, Al-Lá.
Tomás de Aquino partiu desse mesmo entendimento sobre Aristoteles para intuir: ora, tudo que existe teve de ser feito, já que nada pode nascer do nada, então as pedras, as árvores, da mesma forma que os animais e os humanos foram feitos, portanto, necessariamente deve ter existido, sim, um ser que foi o primeiro motor. No caso, assim como Averrois, esse ser inicial foi Deus.
Ora, as três religiões - o cristianismo, o islamismo e o judaísmo - são chamadas de monoteístas por professarem a existência de um só deus e esse dotado das mais elevadas qualidades: onisciência, onipotência e onipresença. Dessa forma: Deus é o sentido máximo do que os humanos pensam sobre a bondade, sobre o amor e sobre a justiça.
Nesse caso, se todas as pessoas foram feitas por Deus e esse, por sua vez, é o sentido máximo de bondade, de justiça e de amor, logo, todas as pessoas têm consigo essa fagulha divina de bondade, de justiça e de amor e seria essa fagulha natural que faria a todos sentirem o remorso, ou a culpa, diante dos atos de maldade.
Certamente que com a passagem da era medieval, teocêntrica, para uma modernidade antropocêntrica a sinderese tomista perdeu força e a atitude ética passou a ser creditada à racionalidade humana. Mas começou com Santo Tomás de Aquino o debate sobre a naturalidade ética dos humanos: o que faz as pessoas rejeitarem naturalmente as ações que as interpreta como maldosas, como injustas, como desonestas etc.?

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Da Cidadania

Como é possível uma sociedade complexa existir, em plena era chamada de pos-modernidade, com uma população alheia à sua própria condição de cidadã? Parece estranho, mas isso existe; é só olhar ao redor e perceber que países subdesenvolvidos são assim, distantes dessa condição. Acontece que cidadania é palavra indispensável para se pensar as relações sociais que se pretendam democráticas, tanto entre os membros, quanto entre esses e os seus aparelhos burocráticos. Parece impossível, mas algumas sociedades não são verdadeiramente sociedades, mas amontoados de humanos, pessoas com vida pública desconectada de seus deveres, de seus direitos e sem a mínima compreensão da estrutura e funcionamento dos aparelhos estatais.
Ora, o conceito é indispensável para pensar a relação do indivíduo com os demais membros do grupo e desses com a estrutura em questão tendo em vista que tem na sua essência exatamente as expressões de conhecimento e participação social. Cidadania, já na sua origem é pensada como o conhecimento e participação nas coisas da cidade: quais são as regras, os direitos e os deveres? Quem são as lideranças? O que fazem? E assim por diante.
É possível não existir cidadão sim quando não há de fato uma sociedade, mas um amontado de pessoas, desconectadas dos seus direitos e de seus deveres, pessoas que põem fé em tudo que assistem nas redes sociais, na televisão, ou nos jornais tradicionais. E mais, pessoas não têm lideranças porque o que têm não são líderes, mas chefes a usarem a máquina do estado e de toda a sorte de artifícios para manterem suas vontades, seus privilégios e suas ideologias.
Por mais que se chame de legislativo como tal, esse "poder" legisla e fiscaliza em função de suas necessidades e interesses particulares, da mesma forma o executivo, existe em função daqueles que custearam suas campanhas eleitorais; e também não é diferente com o judiciário, que não julga, mas decide por conveniências de interesses ideológicos, econômicos e até religiosos. Como haver cidadania em um estado que os poderes não se conectam e os outros aparelhos estatais não se consideram como ligados aos demais poderes? Tribunais de conta, ministério público, banco central, polícia federal e forças armadas não estão conectados a qualquer dos ditos poderes constituídos: alguns até fazem de conta que estão ligados ao executivo e nada mais.
Qualquer pensador contratualista diria que isso é o "estado de selvageria" e os hobbesianos diriam ainda que é a luta de todos contra todos, homens, como lobos, a devorarem uns dos outros. E o que se pode dizer disso é que entre lobos não não existem cidadãos. Não há cidadania se as pessoas não são capazes de raciocinar sobre suas próprias vidas, se se deixam levar, se são enganadas, se são exploradas, e pior, fazem isso com a crença de serem expertas. Não há cidadania se não possuem a menor ideia do mundo que o cerca.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Da Justiça Cristã

Quando se discute a cultura ocidental, com suas políticas econômicas e sociais, necessariamente precisa se levar em conta o Cristianismo com seus preceitos bíblicos e históricos; e isso deve acontecer nas variadas matizes, como as reformas e cismas ocorridos ao longo dos tempos. Com a ciência do Direito não é diferente, há uma ligação direta entre o pensamento jurídico e as verdades religiosas. Quer dizer: mesmo que se fale em direito romano, germânico, ou inglês, não se pode deixar de levar em conta a justiça cristã, com a influência da filosofia de Santo Agostinho e de Santo Tomaz de Aquino, entre tantos outros.
Se Santo Agostinho repetia o platonismo, ordenando um cristianismo em que a justiça terrena nada mais é que cópia imperfeita da verdadeira que paira na presença de Deus; ou seja: a verdadeira bondade, a verdadeira liberdade, a verdadeira justiça encontra-se juntas ao verdadeiro ser, do qual todos os humanos são cópias imperfeitas, Deus. Santo Tomás de Aquino, seguindo o aristotelismo, afirmara que a verdadeira justiça e a verdadeira bondade pode sim acontecer no mundo terreno, mas para isso é preciso a racionalidade fornecida pelo ato primordial.
Mas o mais interessante é que, observando os dois teóricos católicos, percebe-se uma linha que unifica o que se poderia chamar de justiça cristã, o fim da bondade, o fim da justiça. Por que ser justo? O que move um indivíduo a praticar boas ações? Dentro do pensamento cristão, a resposta está em uma relação direta com Jesus, ou Cristo, o nome grego que se deu mais tarde.
E, nessa relação, a resposta está mesmo é no pos-morte: tudo que se faz em vida estará evidente em uma existência futura; os preceitos bíblicos ensinam: "bem aventurado os pobres, porque herdarão a terra", ou "se não tiver pecado, atire a primeira pedra!" Ou ainda, "dai a Cézar o que é de Cézar e a Deus o que é de Deus!", "é preciso nascer de novo para entrar no reino do céu" etc.
Se a justiça está em Deus, o que se faz em vida - a ação da humildade, o perdão, a honestidade etc - dará, a aquele que pratica, uma existência em um pôs-morte junto a Cristo. Mesmo que o Iluminismo tenha redirecionado o direito moderno para dar-lhe um caráter antropocêntrico, não é possível pensar a justiça sem levar em conta os preceitos de vida e morte, de pecado e perdão, de culpa e de livre-arbítrio.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Da Epistemologia

O modo como ocorre o conhecimento, como as pessoas aprendem, ou o que é o conhecimento, o que é o saber, são pontos de uma área da Filosofia por demais importante e muito já estudada, muito pensada, mexida e remexida, a Epistemologia. A relação entre o sujeito congnocente e o objeto cognoscível sempre esteve na berlinda, na busca por entender como aquilo que está no mundo sensível, em algum momento, poderá estar no mundo das ideias de cada indivíduo.
Certamente que a Epistemologia (episteme quer dizer entendimento científico e logos, o saber), ou os conhecimentos sobre a cientificidade de uma determinada área, por sua vez é oriunda de uma área ainda maior, a Gnosiologia. Uma coisa é estudar o objeto em si, o que se poderia chamar de Ontologia, a outra, é estudar os procedimentos de como acontece a formação do conhecimento, com seus métodos de investigação, metodologia etc.
Mas esta Gnosiologia é o groso da coisa. Refere-se a todo e qualquer conhecimento sobre algo: tanto o vulgar, o senso comum, que vem carregado de paixões, de preconceitos e interesses particulares, quanto o epistêmico, o elaborado, fruto de uma investigação racionalizada. A Epistemologia, portanto, é o estudo a respeito da investigação científica de uma dada ciência; é propriamente o modo como acontecem as produções de conhecimento e, por extensão, toda a elaboração das teorias existentes.
Isso porque na discussão a respeito da cientificidade das variadas áreas estuda-se, além dos métodos e procedimentos lógicos, determina-se o objeto de investigação da área que se pretende ciência. Na sequência, determinando o objeto de investigação, delimita-se propriamente a área do conhecimento em si, delimita-se a ciência e as relações dela com as demais, os seus limites e as contribuições.
Direito, História, Biologia, Química, todas as ciências, elas não existem concretamente. Se o universo é fruto de um Big-bang, ou de uma vontade divina, a verdade é que nenhuma delas existe desde o principio dos tempos, como se fossem inquestionáveis. Não. São abstrações, áreas do conhecimento, delimitadas e denominadas pelas civilizações com o intuito de aprofundar as particularidades dos saberes e elaboradas pela racionalidade.
A Epistemologia, por tanto, tem como propósito não discutir a coisa em si, mas a produção de conhecimento e os seus limites; limites tanto de possibilidades de acertos e veracidade de suas pesquisas, quanto a sua relação com as outras ciências.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

O Estado, a Aristocracia e a Lei

O estado não existe como entidade concreta, algo que se possa tocar, cheirar ou escutar. O estado não são as pessoas, nem são as casas, ou as construções, mas um pacto, livre ou forçado, mas um pacto e o qual paira é nas cabeças dos pactuados. O papel em que se grafam as leis que regulam o estado, as inúmeras brochuras em que se grafam os códigos nada mais são que um recurso usado para que esse pacto não seja alterado ponto a ponto, vírgula a vírgula, por conta de esquecimentos, ou vontades de alguém, ou de grupos com interesses alheios.
Algumas ciências como a Hermenêutica, a Semiótica, a Linguística etc., ensinam que os textos juridicos, assim como outras literaturas, por mais que sejam grafados e assim permanecerem, são interpretados de acordo com o momento histórico, casos diversos, e até por interesses religiosos, ideológicos e políticos. O legislador tem um pensamento diante de um projeto de lei, o executivo tem outro - quando sanciona a lei, o magistrado, ainda outro, quando a põem em prática e, o apenado, um outro - ainda mais diferente.
E é perfeitamente aceitável quando isso ocorre em uma naturalidade humana. Espera-se que as interpretações ocorram dentro do que se acredita ser aquilo que se entende como o certo, o melhor para a sociedade. Aliás, o que se espera das pessoas não é a verdade, pois ela é abstrata, pra não dizer intangível; o que se espera daqueles que interpretam a letra da lei, é a ética, a consciência da busca pela pela verdade, mas essa enquanto inseparável da justiça e da liberdade.
Se, por qualquer motivo diferente, dá-se outra interpretação que não a plena busca pela verdade, pela igualdade e pelo justo, se lá no fundo da consciência daquele que julga, estiver um outro motivo, interesses de vantagens próprias, ou de grupos, não haverá justiça. E, não havendo justiça, não haverá estado.
Não haverá estado, na haverá leis e não haverá justiça se grupos de pessoas, se achando iluminados, interpretam a letra da lei para muito além da Hermenêutica e de toda a contribuição da Filosofia Jurídica. Não haverá. E a explicação só se dará, talvez, não pelas ciências citadas acima, como seria de se pensar, mas pela Sociologia Política, aquela que mostra as lutas de classes a ocorrer no seio das instituições e, nesse caso, do estado.
Ocorre que uma aristocracia, aos moldes medievais se adona da coisa pública e interpreta as leis segundo as suas conveniências: a manutenção dos privilégios, dos ganhos e da admiração nos círculos dos estamentos mais abastados. O estado, a justiça e suas leis, serão sempre aquilo que perpassam nas mentes dos burocratas e de seus sustentáculos econômicos,  bem como nas mentes dos dominados. E, assim, como diria Assis Chatobriand, "A lei? Ah, lei".

segunda-feira, 9 de abril de 2018

A História e os Algozes

Na história não existe anjos ou demônios, mas ela é implacável com os algozes, com os tiranos, com aqueles que nos seus tempos perseguiram e encarceraram e mataram, apoiados por uma parcela da população - crente de que estava fazendo trabalhos de salvação. Tempos de higienização social. Os juízes que julgaram Nelson Mandela, Martin Luther King Jr, Mahatma Gandhi, para ficar apenas nas maiores evidências do último século, desapareceram. Os que não desapareceram, foram para a "porta dos fundos" da história; não são dignos de nem mesmo uma página.
O religioso espanhol, Torquemada, quando ordenava a morte na fogueira para aqueles que contrariavam os preceitos pregados pela estrutura de poder, e era aclamado como pessoa abençoada por Deus, hoje quando se fala em seu nome é para negar-lhe, é para lembrar o modo de como não ser. O mesmo aconteceu com Savonarola, o clérigo que gritava aos quatro ventos - na Itália quinhentista - condenando á morte aqueles que, segundo ele, desviavam dos preceitos da Santa Madre Igreja, e hoje a sua figura não passa de um desvairado reacionário, incapaz de perceber que a história não pára, mesmo que os mais conservadores tenham medo disso.
A história está cheia de exemplos de homens e mulheres desvairados em suas ações como imperadores, generais, magistrados e ditadores que decidiram impor suas vontades sobre os povos. De todos eles, restam hoje apenas as suas caricaturas ridicularizadas, mesmo que em seus tempos ostentassem o clamor e o louvor daqueles que viam nessas ações alguma forma de levar vantagem: Nero, Hitler, Richilieu, Stalin, Pinochet e tantos outros.
Nem anjos, nem demônios, na história não há lugar para maniqueísmo: todos esses homens e mulheres que julgaram e condenaram aqueles que por alguma forma destoaram do canto oficial eram humanos e se deixaram levar pela estrutura posta, mas com todos o tempo foi implacável condena-os ao lixo da história, a servir como base para se saber o que não se deve ser.
O estranho é que nenhuma dessas personalidades era iletrada. E há de se convencer que alguns até agiam acreditando que o que faziam era o que devia ser feito, porque acreditavam haver encontrado o verdadeiro caminho, mas não basta conhecimentos gerais, nem mesmo boas intenções, é preciso que se perceba que além das boas vontades e das aparências há sempre uma humanidade que não pára, que produz história e as interpreta. Amanhã é sempre outro dia.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

A Universidade e as Corporações

As organizações de profissionais em torno de seus afazeres e defesa dos seus interesses é algo natural  desde os tempos da antiguidade, quando construtores se uniam na busca de soluções para os trabalhos impostos pelos monarcas. Da mesma forma as guildas e suas corporações de ofício nos tempos do medievo, quando união mestres artesãos em defesa da qualidade do trabalho e da reserva de mercado.
Mais tarde, com a revolução industrial, surgiram as organizações de sindicatos que congregavam os operários na defesa de seus interesses trabalhistas. Sem leis que regulassem o trabalho, homens e mulheres eram explorados por longas horas em máquinas perigosas e condições subumana. Muitas dessas organizações sindicais, mas tarde, transformaram-se em instrumentos de extrema importância para os movimentos sociais e lutas revolucionárias pelo mundo a fora.
Mesmo nos tempos atuais, as chamadas organizações classicistas, continuam com suas importâncias na defesa legal dos interesses dos trabalhadores de áreas afins. E essas ações são perfeitamente aceitáveis como morais e éticas, dentro do princípio de luta pela sobrevivência e produção de riquezas.
Em todos esses tempos as corporações cumpriram e cumprem um papel preponderante na proteção ás categorias, dentro dos inúmeros jogos de interesses a que enfrentam. O que não pode acontecer é deixar que esse espírito de corpo e todos os jogos de interesses tomem conta da universidade, um local de produção de conhecimento. É aí que dois conceitos se enquadram: a diversidade na universidade. Quando se fala em aceitar a primeira é com o propósito de caminhar para a segunda e não o seu contrário.
Ora, a universidade como instituição de ensino superior, preocupada como o tripé, ensino pesquisa e extensão, precisa atuar junto ao mundo do trabalho na sua totalidade ou ficará alijada da sua própria condição de produtora do conhecimento; o que tem de caracteriza-la é a aceitação das diferenças e a colaboração.
O mundo não é formado apenas por médicos, apenas advogados, por engenheiros, ou por economistas, mas por uma constelação imensa de áreas de trabalho importantes na constituição da estrutura da existência moderna. A universidade não pode ser formada para dar sustentação a essa ou aquela categoria, mas deve se querer retrato desse universo de saberes, dessa totalidade.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

O Surgimento da Filosofia e a Teorização das Ciências

Que os humanos desde os primórdios produziram artefatos que lhe facilitaram a sobrevivência e que isso ocorrera dentro de uma evolução que se fez chegar até os dias atuais é bastante claro e aceito. Afinal, todo o processo de autoconstrução da humanidade é, em si, uma forma de racionalização, cuja inventividade é parte inseparável da luta pela sobrevivência da espécie.
O que não fica claro e provoca contrariedade entre estudiosos orientalistas e ocidentalistas é como ocorreu o surgimento do pensamento filosófico, bem como a teorização das ciências como pensamento metódico, racional, portanto despregado do entendimento mítico dos primeiros tempos. Inúmeras são as questões que surgem; por exemplo: por que a tradição determina que essa transição ocorrera primeiro entre os gregos, ponto esse referendado pelos ocidentalistas? Ou, não fora somente com os gregos, como retrucam os orientalistas? E assim, por diante.
É sabido que o início da teorização dos processos científicos ocorrera devido a algumas descobertas e invenções que provocaram nos indivíduos humanos uma capacidade maior de abstração ainda nos primeiros tempos do que se convencionou chamar de antiguidade. O surgimento da moeda, um pedaço de metal que traz implicitamente a noção de valor, ou a lei positiva - ações de poder racionalizadas em normas postas, assim como a escrita e, nela, a percepção da capacidade de simbolizar aquilo que se quer.
A transição entre um pensamento preso na concretude para a liberdade de voar pelo mundo da abstração se aceita como grega pelo despontar da civilização helênica para esse tema e sua inegável contribuição intelectual para a história. Por que a Grécia? Um dos fatores é a localização geográfica, uma península e ilhas que adentram o Mediterrâneo tendo como posição um ponto de intersecção entre as navegações do mundo antigo; outro, não tinham um livro sagrado aonde se pudesse recorrer ao se depararem com as angústias pela percepção de que tudo existe, além de outros pontos como a política ateniense e a estrutura religiosa.
Com isso não se nega a grandeza dos pensamentos originados nos diversos pontos do Planeta, nas diversas civilizações. Os livros védicos, por exemplo, trazem reflexões sobre a existência humana que são de excelência inegável, assim como não se pode negar a contribuição dos pensadores chineses como Lao-Ze e Kung-Fu-Zu, entre outros. Assim como também não se pode negar que os primeiros helênicos tiveram suas cargas de influências a partir de contatos feitos com pensadores do Oriente Próximo e até do Extremo Oriente.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Reflexões Sobre a Justiça

Um bom exemplo de que há uma distância entre o saber não elaborado, a simples opinião, e o saber que surge de uma análise apurada, de dentro de um rigor metódico, é a palavra justiça. Sim, uma coisa é o que as pessoas comuns falam no dia a dia quando afirmam que algo é, ou não, justo - a outra é propriamente a justiça na sua essência, em todas as suas implicações.
Sendo assim, pensar em algumas situações concretas faz perceber que o entendimento metódico, científico, está muito além do que se pretendo com o senso comum. Por exemplo: a luva que aperta a mão é dita como muito justa e, nesse mesmo sentido, aquela que for frouxa, ao ponto de cair da mão, não é justa; por outro lado, de um juiz extremamente rigoroso na aplicação da pena pode-se dizer que é injusto, mas nesse caso, o que se poderá dizer se ele agir com frouxidão? Não será ele injusto da mesma forma?
Percebe-se então que a qualidade do que é justo não se encontra na condição repressiva ou, no seu contrário, simplesmente uma liberação, mas em uma medida que se possa considerar adequada. Haverá sim, sempre, o rigor da lei, mas conjuntamente a interpretação subjetiva daquele que julga. O problema, nesse caso, é onde, na solidão de sua consciência, poderá encontrar a justa medida que possa ele considerar como ponto de equilíbrio de forma a qualificar sua decisão?
Aristoteles, o pensador macedônico, do século 4 aC, propôs o que chamou de "temperança"; ou seja: é preciso encontrar o equilíbrio entre os excessos, mas afirmou também que isso só se poderia encontrar após o reconhecimento de suas próprias condições, dos seus próprios acertos e defeitos. O que o estagirita mostrou, então, é que a justiça não se encontra no ato daquele que cometeu o delito, mas na ação produzida pelo que julga.
Portanto, esse árbitro só será justo quando for capaz de excluir suas possíveis condicionantes existenciais: preconceitos, paixões, medos, frustrações etc; juntamente com sua profissão de fé, ideologia política, condição sexual e outras condicionantes que lhe possam tolher o seu pensar como justo. Da mesma forma não haverá justiça se aquele que julga, além do conhecimento de si mesmo, não conhecer o espaço ao qual está inserido: a sociedade, a cultura, a economia, a política. O resultado é que os cursos de Direito entopem seus acadêmicos de leis e mais leis, suas precedências e jurisprudências e poucas reflexões sobre sobre os  agentes e sobre o espaço onde vivem, sobre suas gentes e condições econômicas em que são postos. E aí se tem operadores do direito desconectados do mundo, impossibilitados de fazer justiça.