sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

O Corporativismo, s Interesses e o Prejuizo

 Nos tempos atuais se falam em espírito de corpo, ou corporativismo, o pensamento de indivíduos que se fecham em suas categorias profissionais na defesa dos seus interesses. Esse pensamento e as ações que demandam, por mais que não percebam e se queiram manter constantemente os interesses da corporação, é prejudicial para a sociedade como um todo e para os próprios membros da associação nas suas particularidades.
A expressão remonta ainda a segunda metade da Idade Média quando os artesãos se agrupavam nas chamadas corporações de ofício e essas, por sua vez, nas guildas de cada país de acordo com os tipos de atividades. Os cauteleiros, os armeiros, os marceneiros, os pedreiros etc., se agrupavam em entidades herméticas que mais pareciam seitas religiosas, tratavam entre si como irmãos e as suas reuniões eram realizadas com ritos religiosos, frases prontas e orações católicas e em uma mistura de culto religioso e discussões políticas com interesses profissionais. Há que dês dizer que essas associações tinham a beneplácito da Igreja.
A ideia era a de proteção ao mercado dos trabalhos que realizavam com o intuito de que outros profissionais locais, ou de fora, não desempenhassem atividades sem ser admitido pelo grupo ou, pelo menos, autorizado. E o espírito de corpo dessas associações era tão forte e funcionava tão corretamente que reis, príncipes, papas e senhores feudais respeitavam as decisões que os membros tomavam.
Mas esse pensamento, pelo menos é o que se percebe nos tempos atuais, é prejudicial à própria entidade tendo em vista que faz a defesa dos membros de forma incondicional, pelo simples fato de fazer parte do grupo. Acontece que essa atitude acaba tirando a possibilidade de crítica, fenômeno depurativo que extrai os discursos e as práticas que na essência são contrárias aos interesses do grupo e da sociedade.
O pensamento crítico vai além do pensamento corporativista porque, enquanto esse último está preocupado em proteger o indivíduo de forma inconsequente, relevando erros nas condutas e práticas profissionais danosas, o outro, protege-o extirpando todos os males encontrados como forma de elevação do todo. O conceito de crítica entrou no pensamento filosófico por Immanuel Kant com a noção de algo que busca os pontos considerados falhos, os erros e as contrariedades que prejudicam o curso normal.
O corporativismo é destituído de crítica, facilmente se instala em qualquer grupo de profissionais e quando faz desvirtua os interesses na sua essência. Quando se instala em grupos que atuam junto ao estado, como funcionários públicos, militares, procuradores, magistrados etc., prejudica não só as corporações e os profissionais em si, mas a sociedade como um todo.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Capitalismo e Paternalismo

O regime capitalista de produção vai muito além das leis econômicas de oferta e procura, interfere diretamente na distribuição das riquezas da sociedade e, assim, molda as relações das pessoas, mesmo nas menores particularidades. Certamente que as pessoas são dirigidas por sua cultura, pela sua religiosidade, pela autonomia da sua inteligência, mas atras de tudo isso vem o princípio econômico ditando cada passo.
Acontece que o capitalismo se estrutura socialmente a partir de uma divisão entre os possuidores de bens, aqueles que têm muita riqueza, os que têm pouca e aqueles que nada possuem além dos seus braços para o trabalho e sexo para fazer mas braços para o trabalho. Claro que nesse elenco encontram-se os deserdados do sistema, os miseráveis, indivíduos que são descartados completamente. No entanto, mesmo que se fale em livre mercado, em livre concorrência, e todos os pontos da ideologia liberal, para que o regime se mantenha é preciso que algumas condições sejam estabelecidas: o espírito de concorrência, a necessidade de ostentação, a desigualdade social etc.
A lógica de um sistema concorrencial pretende que a "mão invisível" do mercado determine os avanços e os recuos das negociações entre os indivíduos, mas no fundo a lógica é a do "tudo para mim, nada para o outro". E, nesse caso, aparece o papel do estado que dentro dos ensinamentos liberais deve continuamente encolher; no entanto, os investidores capitalistas - com o fim da ética protestante - querem mesmo é um paternalismo público que lhe dê guarida aos investimentos. 
Nesse espírito de concorrência é preciso que se mantenha também entre aqueles que pouco ou nada possuem que paire uma fragilidade para que se envolvam em uma vida inconstante, com buscas perenes e o inevitável medo da perda dos bens que já possuem, do status que por acaso mantemham, do emprego atual etc. Caso contrário, caso haja segurança, camaradagem, haverá parceria, organização social e o inevitável enfrentamento contra o estado de coisas que se apresentam.
Isso porque, quando se fala da mentalidade de um capitalismo paternalista, significa que uma parte da sociedade pensa o estado só para si.  O liberalismo, o livre empreendedorismo, é só da boca pra fora: querem mesmo é proteção. Cobra-se do estado, explora-o, mas quando é preciso dar ao sistema, a contribuição para a estrutura e o funcionamento da sociedade, nega-se. Por isso a necessidade de fragilidade, de medo e um jogo perigoso de desinformação para com a maior parte da população.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Da Violência e a Segurança Pública

Dois fenômenos geralmente tratados de forma igual como se fossem as duas partes da mesma moeda são - na essência - diferentes nas suas bases e tratamentos: violência e segurança pública. Por mais próximos que sejam, ambos carecem de estudos diferenciados: enquanto as pesquisas sobre a violência envolvem diretamente questões de ordem metafísica, psíquica e cultural, a segurança pública envolve sim questões de ordem social e ideologias políticas, mas também políticas públicas, programas de governo, função do estado etc.
A violência diz respeito diretamente à condição humana, relações sociais e suas possibilidades de abstração; se há regras, se há respeito e ética em um dado grupo, sempre haverá quem as viole: desde o começo da humanidade houve o quem assassinasse alguém, quem roubasse ou quem praticasse estupros. A diferença de uma sociedade para outra é a contabilidade dos números; enquanto alguns países contabilizam números menores, quase nulos, outros, enfrentam taxas de criminais para além do que o sistema público pode coibir.
Quando se diz que o fenômeno da violência está ligado às relações sociais significa dizer que trás junto a necessidade de um entendimento sobre distribuição de renda, de educação, de moradia digna etc. Mas também se fala que é uma questão conceitual e que há uma subjetividade por trás do conceito; ou seja: se para um tal atitude é uma violência, para outro, pode não ser.
A segurança pública está ligada umbilicalmente à violência, sim. Ela tem origem na necessidade da manutenção da ordem, mas a complexidade vai muito além da relação ordem/desordem, estado e sociedade. Diz respeito à necessidade desse controle como forma de manutenção das relações entre as pessoas possuidoras de bens e pessoas com pouca ou sem posse alguma,  manter a manutenção do poder, manter a acumulação de riquezas e assim por diante.
Esse é um aspecto, mas há um outro, a efetividade desse controle: os custos de equipamentos, a compra e manutenção de viaturas, a compra de armamentos novos, salário de pessoal etc; e aí, os governos ficam em uma saia justa, precisam investir em segurança, mas dividem o dinheiro com saúde, com educação, com saneamento e em outra áreas importantes. Por fim, há que se dizer da existência de uma indústria da violência: empresas particulares enriquecem fornecendo segurança a particulares e ao próprio estado e mais, aumentam seus ganhos quanto mais violência existir e menos capacidade  do estado de intervir. 

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Do Poder

Por mais que as pessoas falem em poder econômico, ou em outras formas, o certo é que o poder é sempre político porque é um fenômeno de ordem relacional. Porém, se não existe poder econômico a atividade econômica é por excelência um instrumento de poder, mesmo que político, já que quem tem riquezas consegue com as suas posses fazer o outro, ou os outros, agirem conforme a sua vontade. 
Nesse caso, a riqueza é apenas um instrumento, assim como a arma de fogo é para alguém que a impunha e com ela faça as pessoas agirem conforme sua determinação, assim como o eloquente que fala de forma tão convincente, se utilizando de um discurso bem elaborado e que leva o outro a acreditar em cada palavra exposta, e daí por diante. São todas armas do homem gregário na defesa do seu território, da sua comida, dos seus iguais, nos seus interesses por mais riqueza, portanto mais força capaz impor ao outro.
É que o poder não pode ser pensado como uma substância em que alguns têm enquanto outros não, como se fosse algo a ser guardado em um pote, em um baú, e utilizado quando necessário; não, como já se disse é um fenômeno relacional, ou seja: acontece nas relações sociais e somente nas relações sociais. Porque em toda e qualquer relação pairam os jogos de interesses: ou a combinação de mesmos interesses com pequenas discórdias, ou muitas e, consequentemente, o confronto entre as vontades.
A discórdia é mais difícil porque se impõe ao discordante uma sustentação, quer seja discursiva ou um enfrentamento físico; ao contrário, a aceitação nada exige a não ser a supressão das próprias vontades.
Acontece que a política é a arte da negociação. As pessoas possuem suas necessidades, seus sonhos e frustrações, portanto seus interesses, mas a vida em grupo impõe alguns impedimentos para realizá-los já que algumas dessas vontades se confronta com as vontades de outro, ou de outros. Se não há negociação haverá o confronto, se não houver política haverá guerra. É aí que entra o poder como ação de uma pessoa ou de um grupo a impor a alguém em particular ou a um grupo de pessoas as suas vontades. 
Se a posse de riqueza é uma força de poder contra o outro, assim como a arma de fogo, ou outras formas, aquele que for despossuído de riquezas e também não quiser empunhar um arma de fogo, precisa se fazer usar de outros instrumentos para reapresentar suas vontades: a força unida do grupo ao qual faz parte e/ou a elaboração de argumentos convincentes. 

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A Lawfare

A decadência do estado moderno se mostra tanto nas relações entre os poderes quanto nos seus mecanismos de ação, com práticas que acabam deteriorando as instituições em suas bases mais fundamentais. Uma dessas práticas, muito recente, por enquanto atende apenas pelo nome em Inglês, lawfare já faz parte de grandes debates de juristas e cientistas sociais das grande universidades pelo mundo a fora. 
O que a, grosso modo, pode ser definido como uma simbiose entre judiciário e legislativo é, mais propriamente, uma prática que faz uso da força jurídica com fins de interferências políticas. A ação tanto pode ter como alvo a prisão de um dos atores do jogo político como forma de alterar a disputa eleitoral, quanto pode - o que é mais comum - envolver alguém em processos jurídicos como forma de desgasta-lo a exaustão, até que caia no descrédito popular.
Alguns traduzem lawfare como "guerra suja", mas em certos países de língua inglesa aparece também como SlAPP, sigla de strategic lawsuit against public participation (ação judicial estratégica contra a participação pública). No início dos anos 80 do século passado, o governo dos Estados Unidos teria contratado algo dessa natureza na Universidade de Harvard, que teria elaborado uma nova estratégia de guerra, não mais com uso de armamentos convencionais, mas o próprio Direito; de forma tal que, ao passo que derrota o inimigo, o faz com a legitimidade popular. 
Acontece que os custos para manter um país com o poderio dos Estados Unidos da América são bastante altos, o que não pode acontecer sem a participação de países periféricos com suas economias dependentes. Mas se os governos desses países não forem alinhados e recusarem a submissão, algo precisa ser feito, só que as intervenções militares de outrora geram custos altos com perdas de vidas e não se consegue fazer sem um desgaste popular.
E aí, o conceito de lawfare, por mais que se traduzam como "guerra suja", é na verdade uma guerra limpa, já que não envolve tantas pessoas, só o estritamente necessário; se receber o apoio midiático, além de limpa a guerra será eficaz, terá apoio popular e os protagonistas vistos como heróis. O problema é que com isso a democracia, sistema político balizado no tripé de Montesquieu, recebe um golpe fulminante e seu construto, o estado moderno, começa perder os seus sinais vitais.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

América Latina, Economias e Soluções

Os países que compõem a América Latina guardam entre si, relações culturais, econômicas e práticas políticas próximas e distantes, de modo que ao mesmo tempo que possuem mais ou menos as mesmas dificuldades e seguem os mesmos caminhos, não se olham, não se encontram em uma relação de busca por soluções. Em maior ou menor grau, todos os países latino-americanos vivem uma economia de dependência em relação às economias centrais, mormente à estadunidense.
Aliás, já nos tempos da Doutrina Monroe, quando os grandes impérios fatiavam o mundo sob suas influências, os Estados Unidos levantavam a bandeira: "a América (toda) é para os americanos (do Norte)". Mas, se os países latino americanos vivem historicamente uma dependência dos países ricos, um não consegue ver e se espelhar na realidade do outro e, assim, tirar algum proveito - os brasileiros nada sabem sobre os bolivianos e esses nada sabem sobre os mexicanos, que nada sabem dos venezuelanos e assim vão - e é onde podem estar as soluções para essas economias tão próximas e tão distantes, com mais trocas culturais e científicas.
O que não se percebe é que a América Latina compreende a maior parte do território americano, com uma população de consumidores que ultrapassa a casa do meio bilhão de almas e uma diversidade imensa em fontes de matéria prima. E aí, de olho nessa expressiva fatia do planeta, os países mais ricos voltam-se para essa parte da América e o resultado é uma constante relação de dependência por parte de cada economia local a esses investimentos internacionais.
Acontece que as relações capitalistas se dão não só entre o possuidor de capital e aquele que detém a força de trabalho, mas também em termos de dominação de um estado sobre o outro; ou seja: para desenvolver uma economia é preciso que a outra seja explorada, a menos que haja uma busca comum por soluções. As práticas das metrópoles para com as colônias econômicas são mais ou menos as mesmas, atrás de um invasão cultural - música, cinema, literatura, ditando as modas e os costumes - vem uma imposição econômica estabelecendo necessidades de consumo a determinados produtos. Em contrapartida, se os países latino-americanos se aproximassem cultural e cientificamente também se aproximariam economicamente e estariam menos sujeitos aos controles dos grandes centros.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Urbanidade e Selvageria

Dois conceitos dão o tom das discussões acadêmicas sobre as atitudes humanas em suas relações sociais e, de certa forma, no que diz respeito aos seus espaços de existência: urbanidade e selvageria. Se se trata de conceitos significa, portanto, que esses possuem uma carga de subjetividade nos seus entendimentos, o que dificulta o estabelecimento de uma compreensão absoluta, mas há uma generalidade usada e aceita, pelo menos no idioma Português: de um lado retrata-se um espírito amistoso em que a parceria e o respeito falam mais alto e, de outro, a ausência de tudo aquilo que caracterizara o anterior
A ideia básica dessa relação selvageria/urbanidade é um entendimento que parte de um darwinismo social em que estabelece um evolucionismo consolidado na idade moderna e que dita a ideia de que os humanos evoluíram a partir de uma existência na selva, sem normas, sem princípios, para uma condição gregária com regras, cultura, princípios e estruturas maiorais. No século 18 os pensadores contratualistas foram os que mais transitaram por essa área quando estabeleceram o que chamaram de estado selvagem em contraposição do estado civil, o contrato social.
Certamente que as transformações que a pessoa humana viveu, e até a construção da humanidade propriamente, está intimamente ligada à cidade. Afinal, foi nela que surgiram a escrita, as leis, a moeda, o comércio, a política, o estado, a instituição igreja e tudo aquilo que se denomina como urbanidade. É também nas cidades que estão as ciências, a filosofia, as técnicas e todas as circunstâncias de saberes, os prédios, as grandes construções e todas as engenharias. E quando tudo isso chega à selva, a selva deixa de ser selva e se tonar mais um espaço urbano.
Acontece que por mais que a tradição estabeleça a selvageria como sendo a ausência de lei, da força de todos contra todos, da anomia e, a urbanidade, a existência do respeito, da dignidade, do estabelecimento das regras, isso não quer dizer haja uma relação direta com as palavras originárias, selva e urbe. As cidades são detentoras sim de de benefícios e mordomias, mas também estão carregadas de toda a sorte de mazelas e sofrimentos que nada coadunam com o entendimento de urbanidade. Por outro lado, os povos ditos selvagens estão muito além do conceito de selvageria, têm encontrado formas de convivência contrarias aos vividos nos espaços urbanos.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A Ignorância e o Saber

A definição de ignorância, a grosso modo, pode ser estabelecida da seguinte maneira: as coisas existem e cada uma, a sua maneira e a seu tempo, e da mesma forma acontecem os conhecimentos das suas existências. E, ao contrário disso, o desconhecimento, a não consciência de que a todo instante as coisas acontecem é o que se pode chamar de não conhecimento, ou de ignorância.
Mas há uma complexidade no conceito. Se a ignorância depende do não conhecimento de algo é preciso que se pense esse algo e todas as possibilidades de sua existência. Os saberes podem ser das existências das coisas concretas: as pedras existem, assim como as árvores e as pessoas - são objetos tratados como aquilo que se tem certeza das existências, ou ideias, noções, valores, ideologias, métodos e conceitos, pensados como noções subjetivas que podem se alterar de pessoa para pessoa. 
Ora, a caneta que está na minha mão não pode ser negada por aquele que a vê, afinal, um fenômeno imagético entra pelos olhos, assim como minha sensibilidade tática, vai ao cérebro e me dá certeza sobre aquilo que vejo e toco, mas não posso pensar com certeza absoluta a existência de tal objeto. Nesse caso, é praticamente impossível pensar em ignorância sobre um saber que está calcado no conhecimento se algo de fato existe ou não.
Questões sobre os conhecimento das coisas, se existem, do que são formadas e a relação entre elas remontam as primeiras tentativas humanas de um pensar elaborado. Contam os historiadores que Thales, da cidade de Mileto, na Ásia Menor, afirmava que homens, árvores, pedras, ferro e tudo do que é formado o mundo tem origem na água e propriamente constituída por ela. Depois cada pensador fora reafirmando o que ele havia dito ou contrariando-o e, assim, aumentando em número os novos saberes.
O ignorante vive aquém do pensamento de Thales de Mileto. Se ele não conhece as relações como se dão, utiliza-se de partes desconexas de mundos paralelos. Não percebendo as conexões existentes nas relações entre as pessoas, entre essas e as situações e mais  entre tudo isso e as coisas físicas, o ignorante tenta estabelecer atalhos para chegar ao ponto em crise, mas o saber não tem atalhos, não tem partes autônomas, é um todo articulado, e ele se desvirtua e se distancia do seu objeto.
Por tanto, a não ignorância significa a dominação dos saberes e, assim, a percepção da complexidade das relações. O ignorante, não detendo informações claras do objeto, tende a simplificar e acaba fazendo discursos desconexos e tomando decisões, às vezes, contrárias áquilo que de fato deseja. Aliás, uma característica básica da ignorância é a atitude de falar e agir de forma desconexa das suas reais vontades.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Filosofia e Ciência no Brasil

Sempre se soube que o subdesenvolvimento econômico gera outros tipos de subdesenvolvimento caracterizados na má distribuição de renda, na precariedade da organização social e, como não poderia deixar de ser, também das produções artística, científica e filosófica. No caso das produções científicas e filosóficas brasileiras, o subdesenvolvimento se percebe em uma dependência dos grandes centros mundiais, mormente dos Estados Unidos da América e da Europa.
Dentro de uma generalidade, pode-se afirmar que não existe propriamente uma ciência no Brasil se pensá-la como fenômeno livre para criar métodos e técnicas para investigar a natureza e criar procedimentos de interferências. Não existe porque o que tem sido feito é experimentar aquilo que os europeus ou estadunidenses já experimentam e fazem isso baseados em métodos, técnicas e conceitos ditados na Europa ou Estados Unidos. Seria isso um conceito de ciência subdesenvolvida?
No campo da filosofia é anda mas forte, estranho e difícil de entendimento e aceitação, pois se nas ciências existe um custo de montagem, custeio e manutenção de equipa, o que naturalmente tudo encarece e precariza, os estudos filosóficos se dão entre pessoas e livros. Da mesma forma, no Brasil não se faz filosofia, mas comentários aos filósofos alemães e franceses: um parágrafo e uma citação de Foucault, mais um parágrafo e uma citação de Heidegger, mais um parágrafo e uma citação de outro europeu e assim seguem. 
Não haver ciência nas áreas da química, da biologia e da física em um país subdesenvolvido parece natural pois o custo é bastante alto em manutenção, mas no caso das ciências de base teórica e filosófica ocorre devido a atitude que se tem para com o estudioso. Não quer dizer que não haja grandes pensadores em terras do Brasil. O que ocorre é que se o brasileiro se aventura pelo mundo do pensamento e se faz um livre pensador, livre de qualquer amarras, condição necessária para pensar, será visto com desconfiança pelos seus pares, tratado com descrédito, quando não com sarcasmo.
Talvez a situação toda vá além do poder econômico e o seu subdesenvolvimento, já que alguns países latino-americanos têm mostrado que é possível uma ciência, uma arte ou filosofia além das amarras eurocêntricas e produzem, a despeito das dificuldades, trabalhos legítimos, originais. As dificuldades econômicas existem, mas é preciso que isso não deixe chegar a um subdesenvolvimento intelectual, dependente, copiador, sem alma, sem vida própria.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Homens, Mulheres, Maniqueísmo e Relações Sociais

No princípio tudo é ignorância e dela surge o medo, o pavor por não entender aquilo que é. A capacidade de entender o mundo e a incapacidade são as condições que movimentam a humanidade desde os primórdios dos tempos.  Os antigos gregos costumavam separar o caos do cosmo; o primeiro - pensavam eles - põe a mente em uma condição estranha ao perceber tudo o que está a sua volta, mas não as compreende e, o segundo, a tentativa dessa mesma mente, diante do caos, de estabelecer uma ordem à qual possa confiar e, assim, controlar a tudo e a todos. 
Seguindo linhas próximas às dos gregos, os demais povos ocidentais estabeleceram os seus sistemas bi-polares, maniqueístas, de anjos e demônios, do bem contra o mal, de machos e fêmeas, do sim como contrário ao não, do melhor e o pior, do ser e do não ser. Isso porque assentar a sociedade a partir de dois polos simplifica o sistema e fornece à estrutura linhas para o controle e, assim, à manutenção do poder.
Dessa forma, os povos chegaram aos entendimentos atuais, reforçados por um pensamento mais que maniqueístas e que paira em uma ordem necessariamente binária de zero e um, de um mais um e zero ou de zero mais zero e um. Acontece que essa construção intelectual simplista entrava qualquer ensejo em transcender para novas concepções, para novos olhares ou novos sistemas sociais e um engessamento  toma conta do pensamento geral.
É nesse sentido a dificuldade de entender uma sociedade para além das condições de gênero estabelecidas pela normalidade dos costumes: homens e mulheres, humanos constituídos apenas como machos e fêmeas. Pensa-se isso como se o mundo devesse ser estruturado em apenas uma condição de dois polos, de preto e branco, de ricos e pobres, de crentes e ateus e assim por diante.
Certamente que os humanos precisam de machos e fêmeas para procriarem, fazendo nascer mais e mais pessoas no mundo, mas assim como entre o bem e o mal existe uma infinidade de outros comportamentos, que entre o preto e o branco existe uma infinidade de mais cores, os humanos não param por aí e desfilam um cem número de gêneros e diferentes comportamentos sexuais. Mas é a persistência nessa bipolaridade, na não aceitação de condições diferenciadas que gera o simplismo e que, por sua vez,  leva ao medo e às práticas sociais excludentes.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Da Hipocrisia

Um dos maiores males da humanidade é a hipocrisia, uma espécie de fingimento em que a pessoa tem consciência de ser aquilo que é, mas diz, faz e tenta ser, ou parecer, o que não é. Isso, no entanto, não pode ser pensado como uma mentira simplesmente, pois essa paira no campo do discurso falso, no dizer a falsidade. A hipocrisia é mais que isso, implica em um discurso, mas também em ações falsas. 
Pessoas que agem com propósitos maldosos já existiram em todos os tempos; algo que é inerente à raça humana, mas que na atualidade isso tem aumentado grandemente. E esse aumento se deve a vários fatores; entre eles o meio cultural em que se está inserido e a estrutura psíquica do indivíduo, por exemplo, mas deve-se principalmente à força da economia capitalista que, na defesa da propriedade privada, conduz as pessoas a uma tentativa constante de ostentação e, consequentemente, a uma necessidade de parecer o que, em geral, não é. Nesse sentido as condições foram mudando, num primeiro momento as pessoas precisavam demonstrar que eram alguém para serem aceitas na sociedade em que viviam, em outro momento, precisavam ter algo de próprio e isso era o que lhes dava prestígio; atualmente, tudo foi substituído apenas pelo parecer. Não precisa mais ser ou ter, apenas parecer que é ou que tem.
hipocrisia é a ação de fingir virtudes, ideias, crenças e sentimentos que na verdade não se têm. Etimologicamente deriva do  Latim hypocrisis e/ou do Grego hupokrisis; ambas significavam uma representação artística, uma atuação, um fingimento no sentido teatral. Mas a palavra que outrora significou o ofício do ator passou depois a designar a atitude de qualquer pessoa que representa, que finge determinados comportamentos.
Algumas pessoas deixam isso transparecer quando fazem exposições afirmando a necessidade de se amar uns aos outros, ou fazem condenações às práticas desonestas, mas em outras ocasiões essas mesmas pessoas expressam o ódio ou praticam atos injustos, ou desonestos (se é que esses dois conceitos podem ser entendidos separadamente). Acontece que aquele que pratica o mal não o vê como mal, mas como algo que pelo momento é o que deveria ser feito. 
Assim, o hipócrita não se vê como tal, de modo que o indivíduo que se pode imputar-lhe o adjetivo recusaria-o de imediato, mas do contrário aquele que não é tem consciência de não o ser. Dessa forma, o hipócrita é um indivíduo incapaz de se ver como tal e o é por essa incapacidade; portanto, no primeiro momento em que ele se percebe nessa condição possibilita a si mesmo a mudança. 

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Paraguai ou Tríplice Aliança? Guerra do Cone Sul

Passados mais de 160 anos, a Guerra do Paraguai continua sendo um espetáculo decisivo para a geopolítica sul-americana, principalmente no que diz respeito aos países Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. O que para um lado foi Guerra do Paraguai, para  outro, os paraguaios, foi Guerra da Tríplice Aliança, um momento que o País se viu forçado a lutar contra os seus três vizinhos mais próximos.
No Brasil se ensina que essa que foi a maior guerra da América do Sul e que fora motivada pelos sonhos gananciosos do ditador Solano Lopes ao pretender ampliar seus territórios até o oceano Atlântico. Para ver um Paraguai maior, almejaria ele anexar as terras do sul do  Brasil, do nordeste da Argentina e toda a República Oriental do Uruguai.
No entanto, os tais relatos não condizem com os fatos. Se por um lado não havia uma definição clara nos limites de cada território, por outro, os quatro países, ainda estavam em formação, com problemas econômicos e sociais graves e forças políticas lutando por hegemonia.
No Brasil, enfrentavam-se liberais e conservadores, com a participação dos republicanos que desejavam o fim da monarquia, além dos separatistas e abolicionistas. Nesse período o País não tinha definição exata dos seus 
Imites; ninguém sabia até onde seguiria a província de Santa Catarina, ou do Rio Grande do Sul, tanto é que, por volta de 50 anos mais tarde, essas questões de limite estourariam o conflito que ficou conhecido como Guerra do Contestado.
Na Argentina os conflitos também já eram mais que políticos, já que ficavam por conta da tentativa de Buenos Aires se impor sobre os demais territórios platinos: época em que os portenhos lutavam contra os confederados. Já o Uruguai, depois que se independeu da Espanha, ficou sob a égide do governo brasileiro por um curto período e recobrou sua soberania, passando a viver intermináveis lutas políticas e militares entre o partido Blanco e o Colorado.
O Paraguai de Solano Lopes queria sim uma saída para o mar e podia, já que os territórios não estavam definidos e havia um tratado assinado entre Portugal e Espanha que afirmava o uti possedetis (o território seria de quem primeiro o ocupasse). O pensamento corrente dos países em conflito era de que quem controlasse tais territórios controlaria os rios Paraguai, Uruguai e Paraná e poderia escoar sua produção agrícola livremente.
O resultado de tudo foram cinco anos e meio de guerra entre uma coalizão formada por Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai que, isolado, foi derrotado. Passados os 160 anos, as comunicações fluviais acontecem satisfatoriamente e os conflitos internos de cada país continuam, mas as relações entre os parceiros do cone sul ficaram marcadas. Os quatro permanecem com dificuldades econômicas, social e dependência internacional.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Família

O surgimento dos humanos, como seres vivíparos,  acontece a partir de uma cópula (pelo menos em condições naturais) que pode ser tanto dentro ou quanto fora da instituição família. Essa, por sua vez, nasce das circunstâncias às quais os humanos foram postos, tanto é que se percebem as suas diferenças no tempo e no espaço. 
Para alguns, os laços familiares são muito fortes e agregam, além de irmãos, pai e mãe, também tios e primos - de primeiro e segundo grau; para outros, família é apenas o núcleo primário de pai, mãe e filhos. Entre os muçulmanos a instituição familiar trás a poligamia (poliginecogâmica). Por outro lado, no interior da África constatou-se a existência de famílias machistas, mas com costumes e tradições repassados de forma matrilinear e mais, sem a figura paterna. Não existe o papel de pai. Nesse caso, as pessoas nascem e permanecem na família da mãe e o que o Ocidente chamaria papel de pai, é desempenhado pelos tios maternos.
Mas as instituições, não sendo naturais, são frutos da história; isso quer dizer: se alteram com o tempo adquirindo sempre novas facetas, como é o que tem acontecido com o estado, com a escola, com o exército, com a igreja etc. Essas instituições hoje não são mais aquelas que vieram do passado. Os clãs, as organizações familiares da antiguidade, não sobreviveram até os dias atuais, assim como não sobreviveram os nomes, os brasões, e todas as honrarias se desfizeram.
Portanto, se a família de hoje é bastante diferente da de outrora, o que sobreviveu? Talvez aí esteja a essência dessa instituição que tanto se fala e pouco se conhece. O que permaneceu em todos os tempos foi sua função primordial e que não é exatamente a de parir os humanos, mas protejer os membros do grupo, dar-lhes o aconchego, dar-lhes o amparo.
Se, por acaso, um indivíduo recebesse de seu médico uma noticia catastrófica que estaria com uma doença terminal e que, por isso, possuiria só mais alguns meses de vida, para quem ele contaria no desespero da realidade que lhe atormenta? Quem são essas pessoas, as únicas que ele quereria ver, ouvir e abraçar? Essas pessoas são a sua família e que não serão, necessariamente, os seus pais, os seus filhos, irmãos, primos ou netos.
Os pensamentos mais conservadores defendem uma família tradicional, afirmando a importância da tradição e dos bons costumes. No entanto, alguns agrupamentos de pais e filhos, que já não podem ser chamados de família, violentam uns aos outros, matam-se e estupram seus vulneráveis, enquanto grupos de pessoas sem qualquer laço de parentesco vivem conjuntamente respeitando os espaços, as vontades e os interesses dos outros. E aí, para encerrar, a pergunta fundamental: se a tal instituição é tão elevada, nos dois exemplos acima, qual o grupo é mais digno de ser chamado de família?

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

As Revstas Científicas e a Falta de Cientificidade

Os conhecimentos aceitos e sustentados nos tempos atuais se caracterizam pela cientificidade produzida em universidades pelo mundo a fora, com seus métodos rigorosos e suas publicações em revistas especializadas. Nas universidades os programas de pós-graduação se perdem no sentido do que se propõem e se dão em escrever textos cheios de regras, cumprindo exigências burocráticas; a ciência cai no seu sentido em si e passa a ser produzida como resultado de vontades corporativistas e egoístas, determinadas por interesses particulares.
Acontece que as exigências de publicações partem de órgãos acadêmicos e se devem a um pensamento de que os resultados das pesquisas precisam ser publicizados não só como forma de troca de saberes por parte dos cientistas, mas como uma maneira de comprovar os trabalhos feitos e, assim, serem contemplados com mais verbas governamentais. Os auxílios às pesquisas, as bolsas oferecidas, os convênios e os vários sistemas de cursos e intercâmbios mantidos pelos governos se dão baseados nos resultados das publicações.
As exigências desses setores de fomento à pesquisa são tais e o cumprimento por parte dos pesquisadores são tão rigorosos que se perde a ideia central de uma ciência como esteio da sociedade moderna, preocupada com resultados que contribuam para uma vida melhor. Quer dizer: as publicações em artigos científicos acontecem, mas logo que as revistas saem vão para as estantes das bibliotecas ou para as gavetas dos setores de pesquisas e se tornam obsoletas.
Isso se dá porque os órgãos governamentais exigem e as publicações acontecem nas tais revistas, indexadas ou não, mas não são lidas, ou se são lidas só são por outros pesquisadores da mesma área, aqueles que as usam como fundamento para novos textos que também não serão lidos. E tudo acontece de maneira que a maior parte dos pesquisadores, mesmo sabendo muito sobre suas áreas, não terão respostas se forem indagados sobre o sentido de suas pesquisas; suas respostas serão sempre de ordem corporativista e sua área de atuação será sempre a mais importante, de modo que o mundo pararia sem elas.
Certamente que nesses tempos em que se falam tanto da necessidade da leitura, da importância das ciências e que se valorizam as instituições universitárias é pesado demais falar que as revistas científicas encontram-se em condição obsoleta. Mas a despeito dessa necessidade imperiosa, as publicações perderam a própria cientificidade e se quedaram diante da ostentação e da manipulação do mercado.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Livros? Que livros?

Que a leitura é imprescindível para o desenvolvimento intelectual de uma pessoa e, por extensão, para o seu desenvolvimento político, econômico e social, parece algo aceito por todos que, mesmo minimamente, conseguem refletir sobre a vida gregária. Que a consequências da leitura leva uma sociedade a se estruturar de forma a contemplar as diferenças com respeito, com aceitação e com condição de vida digna para cada um dos membros, também parece ser de uma aceitação geral.
Mas essas premissas não podem ser aceitas simplesmente, sem qualquer consideração a respeito. Aliás, considerações que podem fazer toda a diferença. Não basta que se leia, precisa que se leia algo que acrescente, algo que faça refletir sobre o meio em que se vive para que se torne agente eficaz e autônomo. 
As armas não matam, assim como as flores não trazem a paz, bem como os livros não acrescentam algo a aquele que usa simplesmente por ser livro. Tudo depende da intensão e do conteúdo posto. São as pessoas que matam, assim como a paz se consegue com respeito ao outro; da mesma forma, é o conteúdo do livro que acrescenta algo ao que lê e não um monte de letras impressas em papéis encadernados.
Alguns títulos postos nas gôndolas das livrarias - Como Fazer Amigos e Influenciar PessoasO Poder do Agora; Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes etc. - são textos feitos não objetivando aquele que lê, mas o retorno financeiro possível para aquele que escreve. São resultados da vontade de explorar um nicho de mercado que o sistema capitalista oferece.
Da mesma forma títulos como Mentes Tranquilas, Almas Felizes;  Cuidando do Corpo, Curando a Mente etc., são textos postos no mercado tendo em vista o medo, o rancor e as frustrações das pessoa no dia a dia. Como são textos fáceis, lúdicos, cheios de ministérios, pensados na satisfação do cliente - por isso não exigem uma formação básica - e, como todos afirmam, uníssonos, de que é preciso ler, os mais desavisados caem nessas leituras.
E assim, um livro técnico é deixado de lado, da mesma uma literatura exigente e provocativa que exija algo do leitor fica de lado sob a acusação de complexa, de difícil ou coisas dessa natureza. Ora, se a leitura é importante para o indivíduo, da mesma forma que para a sociedade como um todo, é preciso que se pense na leitura: que livro é esse que se apresenta? Quem é o autor, o que quer com esse texto? Que relação estabelece com a sociedade e o mundo à sua volta?

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Ciência e Racionalidade

O que existe hoje, e as pessoas chamam de ciência, nada mais é que uma relação do homem com os efeitos da natureza, numa tentativa constante de apreender aquilo que está dado e, quem sabe, dominar, alterar, ou usar em seu benefício. A curiosidade, o medo e o desespero pelo desconhecido impulsionaram os humanos por milhares de anos na busca por algum entendimento sobre os enigmas de tudo que estava a sua volta e até de si mesmo.
Aliás, o homem se humanizou na tentativa de explicar o porquê das coisas serem do jeito que são, de modo que não se pode pensar em ciência separada da condição humana: um surgiu em decorrência do outro. O cérebro, as mãos e todo o corpo do homem se alterou e, por isso, são o que são em decorrência dessa relação de domínio: o fogo, a faca, a roda, a canoa etc., são objetos criados por essa constante busca.
Com isso é preciso que um outro conceito seja levado em conta, o de  técnica, essa capacidade de desempenhar trabalho considerando os conhecimentos elaborados cientificamente. Ou seja: a partir do entendimento de como acontecem a chuva, o sol, a água, o vento, as plantas, os animais etc., surge a capacidade de controles, o saber fazer.
Em tempos remotos essa relação, humano/ciência, homem/natureza, fora tratada sob o controle rigoroso da igreja e do estado, em uma mistura de sagrado, mortes, medos e determinações governamentais. Na modernidade, por se sentirem na idade das luzes, quando o homem se vê como um ser que paira sobre o chão absoluto da razão, constrói-se uma aproximação total entre o homem e a natureza, agora não dos homens em geral, mas de uma elite e a ciência. 
Acontece que, com a criação de conhecimentos científicos, com isso, a elaboração de técnicas de manuseio e, em consequência, as tecnologias modernas, se trancaram nas universidades e passaram a construir comodidades para parcela da população. Esses cientistas, que outrora foram homens que se relacionavam com a natureza como essência da suas humanidades, agora fazem ciência e constróem tecnologias para qualquer fim, desde que remunerados adequadamente. A ciência perdeu seu fim.
Mas a racionalidade, tão reivindicada pelos modernos, só existe se existir um fim; ora, a essência da razão é o planejamento dos meios para se chegar aos fins. Quando a essa atividade, que surgiu como o que existe de mais elevado na humanidade, é feita a qualquer fim, ou sem um fim, perde de imediato a racionalidade, sobrando apenas a capacidade acéfala de se construir tecnologias.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Magistrados, Super-heróis e Suas Capas

Algumas vestimentas existem como fora do seu sentido original, a gravata, por exemplo, o lenço, o chapéu, a boina e outras. Inicialmente a gravata fora pensada para não deixar à mostra os "indecentes" botões da camisa, o lenço fora pensado para servir de gola - já que as camisas não as tinham até recentemente, além de servir para enxugar as lágrimas, o suor e cobrir o rosto em estradas de poeira; a boina e o chapéu foram criados para abrigar o usuário do frio, da chuva, do sol etc l.
Todas essas peças de vestimentas já foram superadas em suas originalidades e hoje são usadas como objetos de adorno e até para puxar um saudosismo, ou como parte de uniforme de agentes de polícia, ou ainda como parte de indumentárias folclóricas. Mas, de todas, nenhuma dessas encontrou a relevância da capa, essa peça de roupa pensada no início da modernidade, como um sobretudo sem mangas visando abrigar aquele que a usa do intenso frio europeu e da chuva.
Relevante porque essa vestimenta chegou aos tempos atuais de forma emblemática, como algo que se usa de forma indispensável em determinadas funções, mas que não tem uma serventia prática, necessária: magistrados - seres reais, basilares na administração da justiça, as usam - e super-heróis - seres fantásticos - das revistas em quadrinho, também. Apesar da relevância, ambos não necessitariam de tal roupa para desempenharem as funções: o juiz não seria mais ou menos justo pelo fato de usá-la ou não, tanto quanto não é ela o que faz voarem os heróis dos desenhos e filmes de mocinho e bandido.
Por outro lado, há uma aproximação entre essas duas personagens; enquanto os super-heróis são mostrados com suas capas a fazerem justiça e, por isso, saem em lutas na defesa dos fracos e oprimidos, os  magistrados acreditam que com elas tornam-se heróis, seres ungidos por forças extraterrenas para desempenharem tal função.
Mas as pessoas esperam mesmo a capa em um magistrado, como se isso o diferenciasse dos demais mortais, da mesma forma que esperam vestidas em super-heróis. Assim também é o que se construiu com a imagem do revolucionário latino-americano com sua boina e barba, no estilo Chê. Acontece que as roupas, mais que agasalhos para o abrigo do frio, da chuva e do sol, são indumentárias que definem aquele que as veste, no que caracteriza uma personagem: "o hábito faz o monge". É o caso de A Roupa Nova do Rei, de Hans Christian Andersen, em algum momento alguém grita na multidão: "o rei está nu" ou, quem sabe, alguém ainda grite na sociedade, "não é a capa que faz justiça".

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Amigos e Inimigos: Síndrome de Estocolmo

Certas amizades são duradouras, algumas para a vida toda, outras por um curto período e existem as inimizades que também podem ser duradouras ou não. Isso porque as pessoas se relacionam o tempo inteiro, se amam e se odeiam. E, nessa complexidade de relacionamentos, parece natural que se aja contra alguns princípios éticos e religiosos: amamos os nossos amigos e odiamos os nossos inimigos, queremos o bem para quem nos quer o bem e excluímos, ou desejamos o mal, para quem nos quer o mal.
No entanto, essa relação de amor e ódio é carregada de meandros. Há aquele que se compadeça com o que outrora fora o seu algoz ou, de acordo com princípios cristãos, é possível que se ame o inimigo. E essa dicotomia fica explícita quando se analisa o distúrbio psíquico que ficou conhecido como Síndrome de Estocolmo (Stockholmssyndromet): a afeição que se desenvolve entre o agredido e o agressor.
As condições, e os motivos, que levam alguém a se afeiçoar ao agressor é objeto de estudo por psicólogos, psiquiatras e sociólogos como uma inter-relação difícil de destrinchar. Afinal, a relação pode ir muito além de uma simples amizade e chegar ao nível de cumplicidade ampla e mesmo a intimidade sexual. Parece que se entra em uma zona erógena em que se ama o perigo, se deseja o estranho, o errado. 
Acontece que os dois indivíduos dessa relação se completam: de um lado o medo, a carência afetiva, a necessidade de segurança e a falta de amor próprio e, de outro, a necessidade para o comando, a prepotência e a vontade de poder. Mas esse "amar o inimigo" que se estabelece como a Síndrome de Estocolmo não é o mesmo que se prega no pensamento cristão, de amar a todos mesmo aqueles que nos fizeram algum mal.
Enquanto o pensamento cristão prega um despojar-se por inteiro no resgate daquele que por hora se apresenta como inimigo, nesse outro caso, o oprimido experimenta uma confusão mental e vê aquele que os outros diriam ser "inimigo" como alguém a ser protegido. Acontece que o amor e o ódio são as duas faces de uma mesma moeda, frutos de uma mesma passionalidade e o seu consequente obscurecimento da razão.
Mas o amor está para o bem como o ódio está para o mal. Se o ódio e o amor são conceitos bem definidos como um fenômenos frutos de impulsos provocados por uma força oriunda das correntes sanguíneos, da distribuição hormonal, do sistema nervoso, portanto concreto, o bem e o mal são conceitos a serem definidos, por muitos, relativizados. Nesse caso, se é possível se afeiçoar ao inimigo, há de se questionar o conceito de inimigo; talvez esse nunca o fora.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

A Ignorância e a Opressão

Quando um homem branco, com curso universitário completo, bem sucedido financeiramente, vai às redes sociais para se queixar que pelo fato de não ser homossexual, índio ou negro se sente um deserdado do estado, pela proteção estabelecida a tais setores, é sintoma do que ocorre na sociedade. Ele se diz excluído porque pensa que as leis devem ser simetricamente iguais para todos: a mesma fala feita para um bebê deve ser o discurso feito para um homem de 60 anos e vice-versa.
Pensar assim é não entender o conceito de direito e, por sua extensão, de equidade e de justiça. Ora, se o objeto final do que se quer em uma vida social é justiça, há de se levar em conta que isso não se consegue com a distribuição simétrica das leis para todos. É preciso que se leve em conta que as pessoas são dotadas de condições  sociais, físicas, econômicas e históricas diferentes.
As condições sociais que o estado brasileiro apresenta ao homem negro é uma pequena tentativa de reverter a situação histórica a que fora relegado ao longo dos tempos; a mesma coisa do que acontece com o índio. Historicamente o negro viveu no Brasil por longo período uma condição escravagista e, quando liberto, homens e mulheres foram foi largados à sua própria sorte. Enquanto isso, os índios viram suas terras serem invadidas, saqueadas, cercadas e comercializadas; alguns foram "civilizados": trazidos para as cidades para servirem de mão de obra barata. 
Guardando as peculiaridades, é algo não muito distante o que ocorre com a mulher e o homossexual. O estado não faz concessões para as mulheres por bondade masculina, mas porque elas (algumas) se organizaram, se posicionaram e exigiram condições equitativas ao lado dos homens. As mulheres não querem benefícios, dádivas, mas condições de igualdade.
O homossexualismo, por sua vez, é uma realidade humana, histórica e biológica natural. A perseguição aos homossexuais se origina em uma leitura inconsequente da existência humana, fortalecida por duas situações. De um lado a valorização do sexo no casamento com o intuito de fomentar a procriação e, por outro lado, servir a um controle social a partir da manutenção das famílias, essas instituições que historicamente repassam os valores das elites privilegiadas da sociedade. Os homossexuais só querem um benefício, se é que se pode dizer assim, viver sem serem incomodados como qualquer outro cidadão. 
Então, quando um homem branco, graduado, heterossexual, bem sucedido, vai aos meios de comunicação para se queixar de abandono por parte do estado, fica claro que a ignorância e opressão caminham juntas.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Os Tempos Atuais e o Mundo de Alice

Nesses tempos estranhos, sem limites, encerrados em descaminhos, em que o fanatismo desprovido de motivo dá o tom da história, talvez só faça sentido na releitura de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Não que haja algo de maravilhoso nos tempos recentes, como expressa o título publicado no Brasil (em Inglês foi Alice's Adventures Underground, ou As Aventuras de Alice Embaixo da Terra), mas pelo mundo descabido, contrário de tudo que já fora mostrado e entendido, sem ética, sem lógica, sem sentido.
Quando o estado moderno,fruto do Iluminismo, cambaleia moribundo, tropeçando nas próprias pernas e, mesmo assim, abutres burocratas beliscam o que ainda sobra da carcaça dos poderes e possibilidades de ação, percebe-se que tudo a volta está mais para um mundo de Alice. E aí, um neo-relativismo despe a sociedade de linhas de ação e sentido para seguir em frente.
Os tempos atuais não têm nada de maravilhoso porque é muito mais um submundo onde pessoas caminham sem saber para onde vão e brigam por algo que não entendem e defendem aquilo que pode ser contrário a sua própria condição social. Tempos em que as descobertas científicas são negadas e os pensamentos que já foram deixados há séculos retornam como verdades irretocáveis.
Além do que o fanatismo toma conta das vontades humanas. Mas não um fanatismo em que se segue uma posição imperiosa, dotada de sentido por aqueles que a defendem. Pois mesmo os grandes ditadores, por mais execrados que possam ser por parte da história, seus seguidores vêm nos regimes, nos seus senhores e nas suas ideias sentido e por eles lutavam, ou lutam.
No entanto, o que se percebe nas mídias sociais, nesses tempos estranhos, é um fanatismo do nada, é uma luta por aquilo que não se domina, por aquilo que não se sabe do que está falando. É a preponderância do nada, a defesa de um vazio, porque o econômico já não explica mais e muito menos a cultura ou a história; talvez o mais sensato seja pensar que as explicações - se é que existem - ficam por conta da Política, da Psiquiatria ou da Sexologia.
Pensadores da dialética sempre enfatizaram que o conflito é o motor da história, que é a partir da crise que se dá o salto para a mudança, talvez seja esse um sentido, apesar de que o que se vive não é confronto de posições (tese versus antítese), mas o império do nada, do vazio. Esse mundo de Alice não é nada maravilhoso, mas muito mais uma caverna em que se toma a sombra por real e o real por loucura.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

O Triunfo da Imbecilidade

A busca pelo entendimento das infinitas nuances em uma sociedade sempre foi fascinante: a diversidade dos pensamentos políticos e econômicos, as diferenças de comportamentos religiosos, as tendências artísticas, os entendimentos filosóficos etc. No entanto, o motivo desse fascínio chegou, nos últimos anos, a um nível incomparável de complexidade pelo fato de que um número cada vez maior de pessoas se aventuram a tecer comentários, críticas e teorias desprovidas de noções socio-políticas.
Em contrariedades de entendimentos sobre os caminhos das sociedades, instituições sempre se confrontaram em discussões políticas nos últimos dois séculos; o que muitas vezes caminharam para confrontos bélicos. Mas, em geral, pairaram em um debate firmado a partir de dois conceitos básicos: esquerda e direita. De um lado e do outro, se desdobrando em várias outras teorias, todas tentando nomear linhas teóricas, discursos e práticas do dia a dia.
No entanto, o que se presencia nesses tempos não é mais a luta entre ideologias políticas como fora nos tempos da Guerra Fria, quando liberais e socialistas se engalfinhavam na defesa de suas tendências. O que se percebe hoje é o triunfo da imbecilidade. O volume de pessoas que expressam suas opiniões sem qualquer fundamento é demasiadamente alto. Isso por si só não é o problema, mas a legião de seguidores que parte para o confronto físico e manifestações políticas afim de determinar os programas governamentais e alteração de leis
Se vivesse nesses tempos Michel Foucault repensaria o seu livro, Microfísica do Poder, afinal o saber já não possui força de expressão para ser a fonte de poder. Talvez seja o livro de Boaventura de Sousa Santos o que melhor explicita o que se percebe nesses tempos sombrios, Pela Mão de Alice - o social e o político na pós-modernidade: no fundo do poço há um mundo torto, onde o sorriso se personifica e onde o coelho corre atrasado não se sabe para onde. Um argumento sem lógica, uma luz que não ilumina. Um retorno à caverna.
Nesses tempos, a universidade já não possui a hegemonia do saber, como as luzes dos tempos passados, e zumbis, humanos semimortos pela ignorância, se debatem querendo, a qualquer custo, devorar a tudo e a todos. Como numa regressão rumo à Idade Média, já não são cientistas, os doutos graduados que dão as ordens e as linhas do saber, mas pequenas e simples mensagens de celular, sem provas, métodos ou fundamentos. Onde esse empoderamento da imbecilidade vai dar? Pergunta difícil, só o tempo dirá. 

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Voto, Coisa Pública e Vigilância

Símbolo máximo de um regime democrático, o voto é a possibilidade que um cidadão tem de escolher livremente aquele que, por um período, terá o referendo para agir de acordo com os seus interesses. É um símbolo máximo porque trás na condição daquele que vota a expressão de um ato politico, necessário para que cada indivíduo se sinta um ser humano integral, partícipe nas decisões da sua sociedade.
Para isso precisa ser o voto precisa ser livre pois, do contrário, não estaria sendo um ato seu, mas de outro, de alguém que, ocultamente, de fato, está decidindo. Aliás, pode ser pensado como uma redundância falar em voto livre, já que um conceito é a condição do outro; ou seja: um homem livre vota e pode ser votado, tanto quanto o homem que vota e pode ser votado é livre.
Nesse caso, há uma relação direta entre liberdade e o ato de votar; ser livre é escolher aquele que expresse a possibilidade de que seus anseios estarão em pauta. Precisa-se agora pensar naquele que recebe o voto, naquele que é escolhido por cada cidadão. E aí é que paira a liberdade do voto, a possibilidade, ou não, de uma escolha adequada; quem é o candidato que se apresenta? jJ foi escolhido outras vezes? O que fez, ou deixou de fazer? Qual o programa que esse que se candidata apresenta para que se possa votar nele mais ma vez?
Esses conceitos estão todos juntos: justiça que se espera, ação necessária para fazer o que deve ser feito, liberdade para escolher adequadamente e a culpa por agir corretamente, ou não. Se não houve liberdade para escolher não pode haver culpa por fazer algo errado, mas se houve liberdade, necessariamente haverá culpa sim por escolher aquele que não deveria.
Ora, se a sociedade pertence a todos, se cada um é responsável pelo que acontece na sociedade, a escolha errada é tão perversa quanto qualquer ação ruim do escolhido. Se  houve descaso para com a coisa pública - corrupção, ineficiência, desleixo, elaboração de leis injustas etc. - mas se houve também liberdade para escolher essas pessoas que agora estão à frente do executivo, ou em mandatos parlamentares, a culpa é de ambos: do eleito e do eleitor. 
Também não adianta falarem uns aos outros que todos devem votar de forma consciente, pois quando se fala em votar livre precisa se levar em conta a possibilidade de mentiras, de enganos e de toda sorte de ilusão. Aquele que é iludido tem sempre a convicção de estar fazendo o que deveria ser feito. Portanto, falar em voto passa por um outro conceito importante, o de vigilância. Quem quer acertar na escolha de um candidato precisa ser vigilante. Vigilância. 

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

O Mundo e a Fuga Dele

O mundo é o que é. Mas aquilo que é pode estar muito além da compreensão; por isso alguns optam pela fuga se abrigando em um amplo leque de mitos, crenças e tendências religiosas - quer seja de matizes pre-cristãs, africanas ou ameríndias. Outros ainda, se abrigam sob as asas de ensinamentos orientais e praticam uma mistura de hinduísmo, budismo, xintoísmo e taoismo, reunindo fragmentos esparsos de pensadores como Confúcio, Lao Tse, entre outros.
Interessante porque poucos são aqueles que se encontram em uma condição ortodoxa, seguindo uma religião oficial, com práticas efetivas diárias ou semanais, levando em conta os ensinamentos dos sacerdotes. Boa parte faz mesmo é uma mistura que leva em conta vários preceitos e práticas que vão dos ensinamentos católicos romanos, aos rituais orientais, africanos e indígenas.
Mas existem aqueles que preferem seguir o cristianismo de cabeça pra baixo e, adoram Satanás. De cabeça pra baixo porque seguem o mesmo pensamento cristão, sob o mesmo ponto de vista teológico, a mesma necessidade de servir a um senhor protetor a quem se deve render graças e o mesmo pensamento de oposição entre bem e mal; só que fazem a adoração àquele que, no cristianismo, representa o mal. Talvez exista aí um pensamento contra-hegemônico, de enfrentamento à estrutura religiosa vigente, o que não vem ao caso.
A verdade é que o homem em toda a sua existência, diante das dificuldades para com o real, caminha para o irreal, para aquilo que não é. Acontece que essa foi a forma encontrada para fugir da complexidade e da amargura da existência e, assim, esse homem passa a construção de um mundo que lhe dê as explicações necessárias para aquilo que foge da sua compreensão.
Depois de penetrar nesse mundo mágico, o indivíduo quererá ainda mais ir avante e, em algum momento, passará a espelhar cada situação, cada objeto existente no mundo real. Tudo será remodelado agora a partir de concepções mágicas. Aí, o aquecimento global passa a ser motivado por um karma a ser vivido pela humanidade, ou os sofrimentos motivados para pagamento  dos pecados e assim por diante.  Desse modo terá explicações para boa parte do que o cerca; e aquilo que ainda assim não conseguiu explicar, ele vai imputar à existência de mais um mistério.
Ora, quando se diz que o mundo é o que é - significa dizer que é dotado de uma concretude difícil de ser assimilada, muito além do que querem as consciências humanas. Mas mesmo que não se queira e que se abrigue embaixo de concepções metafísicas e espiritualistas, mesmo que se fuja para um além, o mundo é aquilo que é. Nenhuma flor, nenhum poema, nenhuma frase feita o deixará menos complexo e amargo.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Autoritarismo e Corpo Burocrático

É comum que se estabeleça uma relação muito próxima entre os governos totalitários e a figura de um determinado príncipe, imperador ou presidente; a história retrata fatos relevantes dos monarcas semideuses da antiguidade, da sequência dos césares romanos, ou de príncipes alemães e italianos dos séculos 15, 16 e 17, bem como os ditadores do século 20. Mas aí reside o grande erro: imputar os fatos históricos vividos por um povo a apenas um indivíduo, mesmo que esse esteja ao centro do sistema de decisões.
Nem anjos nem demônios, nem heróis nem vilões: todas as pessoas, mesmo aquelas que vivem ao centro de um sistema de poder, não são as únicas responsáveis pela sequência de fatos que se sucedem. Todos os grandes governantes só conseguiram dirigir os destinos de uma população porque tiveram um povo subserviente o suficiente para aceitar as coisas do jeito que estavam, ou porque uma elite privilegiada os cercou e possibilitou que tudo fosse possível.
Nenhum monarca da antiguidade governou sozinho por mais que os textos bíblicos e as pesquisas históricas falem em faraós do Egito antigo, em Nabucodonossor ou em Salomão. Nenhum deles governou sozinho por mais poder que tivessem; dessa forma não se pode imputar apenas à figura de um Hitler ou a de um Mussolini os feitos de uma grande guerra ou o que dela demandou. Todos eles tiveram um corpo de funcionários, donos de um saber burocrático, que agiu o tempo inteiro em nome de uma verdade que se queria e se alimentava.
Certamente que a relação existente entre os membros de um corpo funcional, e que gravita em torno de um governante autoritário, é baseada em dois pontos basicamente: no medo e, do medo, a desconfiança, por um lado, e na obtenção de privilégios por outro. É esse corpo burocrático que faz o controle da saúde da população, que faz o controle da educação, que faz o controle da segurança etc. Não pode haver um sistema totalitário que não tenha a seu serviço uma polícia, um exército, um sistema judiciário, um conselho de ministro etc.
Algumas vezes esse corpo diretivo é tão forte e eficiente naquilo que se propõem que a figura do governante passa a ser até decorativa, sendo foçado a agir conforme o sistema lhe impõem. Outras vezes sim, a figura do governante é altamente impositiva e até cruel, mas nenhum deles poderia ser o ditador que é ou foi, ninguém poderia ser o príncipe ou o césar que foi se não tivesse ao seu redor uma estrutura que lhe amparasse.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

A Morte e a Angústia do Fim

Um pouco mais de 300 anos de separação, dois povos, dois homens, dois enfrentamentos a um poder central, duas condenações e dois modos de encarar a morte: de um lado Sócrates de Atenas e, de outro, Jesus de Nazaré. A forma como viram o mundo e a sociedade estiveram retratados nos modos como foram publicadas as suas mortes e assim se inscreveram na cultura do Ocidente. 
Um foi acusado de corromper a juventude e de blasfemar contra os deuses; por isso, foi levado a julgamento, fez sua própria defesa, mostrou a incoerência dos seus detratores, reafirmou suas convicções e foi condenado. Em seus minutos finais  teria conversado com os discípulos e afirmado que não se deve temer a morte: "eu vou para a morte e vocês para a vida. Quem de nós tem o melhor destino?"
O outro foi acusado de heresia por se dizer o filho de Deus e encarado como alguém perigoso, portanto era preciso matassem-no antes que tivessem de matar a tantos outros com suas ideias. Por isso foi levado a julgamento diante dos homens da lei, dos sacerdotes e de governantes. Condenado a morte por crucificação, em um espetáculo público conduziu seu instrumento de morte até o local da execução e, em seus minutos finais, teria exclamado: "pai, em tuas mãos entrego o meu espírito".
Nesses dois mil e tantos anos o modo como os dois encararam suas morte, em continuação de seus pensamentos, entrou definitivamente na alma humana e construiu um imaginário que até hoje emoldura um modo de pensamento, com suas noções de verdade e estrutura moral. Se os discípulos de Sócrates se preocuparam em descrever a morte do mestre como um momento de questionamentos,  os discípulos de Jesus descreveram como um momento de volta para o reino de Deus. Mas a morte dos dois foram descritas como grandes passagens, distantes e estranhas.
Acontece que o homem vive um hiato entre a vida e a morte e os ocidentais aprenderam a ver essa relação como a existência de algo que o espreita sem qualquer controle efetivo e que dirige os destinos.
Dois modos de encarar o que mais atormento o espírito, uma angústia: o que pode haver para além do suspiro final, um grande pai a esperar e para julgar os feitos dos filhos como bons ou maus, ou um nada que nos aguarda a todo instante? Os homens ocidentais inventaram máquinas, teorias filosóficas, toda a sorte de ciências, foi a lua, acumulou riquezas, mas não consegue se encontrar com seu próprio destino: um pai a julgar suas ações ou a eternidade de um nada.

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

A História e o Idealismo Alemão

A origem do Idealismo Alemão tem alguns pontos estranhos, mas que se reúnem formando um sentido que mas tarde influenciaria não só a filosofia, mas as artes e a história mundial. Os pontos originais são: de um lado o racionalismo dos séculos 16 e 17, expressados por figuras como Descartes, Espinosa, Leibniz etc., e, do outro, os empiristas como é o caso de Hume, Berkley, Locke etc.
Foi Kant o elemento agregador dessas duas pontas, pois foi ele que, ao ler o livro de Hume afirmara ter "despertado do sono dogmático", ou seja: entendera que os empiristas estavam certos na afirmação de que tudo que o conhecimento surge com a captação feita pelos aparelhos sensoriais, mas também afirmou que, de outra forma, os racionalistas também estavam já que tais informações não entravam na mente de forma inerte como se o cérebro fosse uma espécie de recipiente onde se acondiciona tudo é tudo permanece da mesma forma.
Para ele cada informação, cada impressão sensorial, que entra na mente sofre de imediato um julgamento por parte das informações já existentes e é esse nresultado que vai nos dar um sentido, um entendimento, aquilo que podemos chamar de conhecimento. Dessa forma, Kant - mesmo admitindo a dificuldade para entender o tempo, estava ele pondo-o na filosofia. O que hoje se tem um entendimento amanhã pode ser bem diferente. Baseado nisso, mais tarde, Hegel afirmaria que os nossos entendimentos nada mais são que frutos de nossa história.
Estava formado o Idealismo Alemão que de uma forma, ou de outra, influenciaria os pensadores ocidentais vindouros. Não só os filósofos, mas os cientistas sociais de um modo geral, foram influenciados; do mesmo modo a arte com o surgimento do Romantismo que reuniu traços idealistas e compôs um modo muito próprio de entender o mundo,  dessa forma rompeu na só com todo o racionalismo de então, mas também com as pretenções empirista dos ingleses.
Interessante é que também aqueles que questionaram o pensamento idealista como algo a ser execrado e cm isso construíram um pensamento traçando linhas opostas, involuntariamente deixam explícitos os pontos herdados de Kant. E mesmo pensamentos politicamente bem contrários trazem no se seio características fundamentais. 
Sendo assim, não poderia ser diferente: o idealismo e seu romantismo penetrou fortemente no pensamento médio do povo alemão de modo que para pensar a história  de todo o Planeta nos dois últimos séculos necessariamente deve ser levado em consideração. 

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

A Gênese do Conservadorismo

A falta de leitura leva ao desconhecimento, tal situação - por sua vez - leva ao medo e o medo ao conservadorismo. Essa deve ser pensada como a regra de ouro para a entrada do ser humano em qualquer área do saber e, consequentemente, ao debate sobre os mais variados temas e à sua (in)capacidade de intervenção na vida política. 
Mas essa leitura precisa ser de algo que o leve a ter um pensamento que, mesmo indo fundo em uma especificidade, o indivíduo consiga abrir-se para a de totalidade; ou seja: uma leitura que vá além daquilo que o cérebro comodamente espera. Se por um lado precisa haver provocações ao conjunto dos saberes já detectados, por outro precisa que tais conteúdos acrescentem informações e lhes dê capacidade para sempre outras conexões. 
Não havendo leitura, não haverá busca para além do mundo imediato e surgirá o medo, esse fenômeno que por vezes domina e impede o prosseguimento em uma ação e limita as conexões de sentido. O fenômeno do medo nada mais é que um estranhamento experimentado diante de algo, de modo que o indivíduo se desespera e o rejeita. Acontece que essa situação está intimamente ligada a ausência de certezas, a uma obscuridade e quem vive o medo percebe-se em uma penumbra, uma encruzilhada e por isso procura um porto seguro para sua firmeza.
Na busca desesperada por certezas que lhes deem guarida a pessoa vai atrás de ideias, dados, mas sem bases referenciais se assenta em noções simplistas, fáceis de acesso e que lhes deem respostas às suas angústias. Acontece que as ideias conservadoras, a princípio, são as mais seguras pois, mesmo que depois possam se tornar cruéis e agressivas, o seu nexo causal é a manutenção das coisas do jeito que estão. 
Após se assentar em pensamentos conservadores o que vem a seguir serão suas ações baseadas em tais entendimentos: tratamento com descaso as pessoas com com outros entendimentos, às pessoas com práticas religiosas diferentes, com condição sexual diferente, de raça diferente etc. Se num primeiro momento tudo não passa de discursos raivosos, "cheios de razão", num prosseguimento encaminha para a agressão e toda a sorte de práticas cruéis e agressivas.
Algumas pessoas levam vantagem com atitudes conservadoras, com a ideia de que tudo permaneça do modo que está, são aquelas questão no ápice da pirâmide e detém privilégios com as coisas do jeito que estão. O conservadorismo desses não é a ignorância, mas ao contrário; o medo aqui vem da certeza das mudanças. O conservadorismo nas classes médias e pobres (assalariados, profissionais liberais, professores e pequenas lideranças esse sim é oriundo da ignorância e, por ela, o medo.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Revolução Russa de 1917

A revolução russa de 1917 foi um marco na história da humanidade por um motivo claro: pela primeira vez um grande país derrubava um regime monárquico que já existia há muito tempo, uma dinastia que ultrapassava a casa dos 300 anos, para experimentar um sistema socialista. A explosão começou quando, liderado por Vladimir Ilich Ulianov, conhecido como Lenin, um grupo de revolucionários saiu de trem de Berlin rumo a Finlândia, entrou na Rússia e marchou até Petrogrado onde encontrava-se o palácio de inverno dos Romanov.
Mas no ano de 1917 já acontecera uma outra convulsão política em fevereiro: um grupo de sociais liberais, liderado por Kerenski, forçou o czar Nicolau II a assinar a carta de renúncia. Mas o governo burguês de Alexander Kerenski não conseguiu contornar o descontentamento das camadas mais prejudicadas da população e os levantes se ampliaram, o que facilitou a entrada triunfal de Vladimir Lenin a frente dos trabalhadores.
Outros pontos que não se pode deixar de citar quando se trata da Revolução Russa são a morte de Lenin e o conflito entre Stalin e Trotski: desses dois últimos, o primeiro tornara-se o governante da agora chamada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e o último, o grande teórico marxista, criador do Exército Vermelho. Os dois divergiam em vários pontos, mas especialmente no quesito condução estratégica do movimento socialista: enquanto Stalin defendia a consolidação do movimento na Rússia, Trotski pretendia levar as lutas revolucionárias para um nível global, terminando com o assassinato desse último no México anos depois.
As mudanças na Rússia foram profundas: o campo foi coletivizado, a produção urbana foi estatizada, os grupos dos sovietes tornaram-se importantes e o estado forte, com capacidade de levar o movimento para além dos montes Urais. Através dos partidos comunistas pelo mundo a fora o partido russo conseguiu influenciar os movimentos socialistas fomentando revoluções operárias em vários países.
E como resultado, o antigo Império Russo, agora União Soviética que abandonou a primeira Grande Guerra em situação de penúria, com uma economia atrasada e a sociedade com uma expressiva injustiça na divisão de renda, para uma condição de disputar de igual para igual com a maior potência mundial em termos econômico e bélico.
O que se implantou na Rússia, e por hora se completa 100 anos, foi uma releitura de Lenin ao pensamento do alemão, Karl H. Marx. Após isso, novas leituras e suas aplicações foram feitas por todo o Planeta e isso ao longo do século 20. A União Soviética caiu e as lutas revolucionárias recrudesceram, mas os ânimos permanecem em vários cantos do mundo e o sonho por uma sociedade melhor continua.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Universidade, Desenvolvimento e Autonomia

A instituição universitária, uma escola de terceiro e quarto graus, penetrou na vida comum das mais variadas sociedades modernas, de modo que seria praticamente impossível pensa-las separadamente. Portanto, é necessário entender a dinâmica de uma sociedade a partir de um estudo sobre a capacidade da instituição dar retornos tanto em projetos de desenvolvimento para iniciativas governamentais, quanto à preparação dos jovens para o desempenho de funções necessárias.
Um consenso determina o tripé que soergue a universidade - ensino, pesquisa e extensão - que nem sempre é entendido, ou levada em consideração, mas de extrema importância para o entendimento. Nem sempre entendido porque esse tripé não se mantém em uma gama expressiva de instituições em países em desenvolvimento, ou com uma economia mais fragilizada; o que se percebe é um acomodamento a partir das condições culturais de cada sociedade. 
Aí reside um ponto necessário para o entendimento, a condição de sua manutenção. Possui independência financeira, é custeada pelo estado, ou é dependente do pagamento das mensalidades pelos acadêmicos? No primeiro caso, por mais que se fale em autonomia universitária, vive-se uma dependência burocrática de repasses financeiros com atrasos de pagamento o que fragiliza iniciativas académicas; no segundo, sofre o aperto de duas paredes, de um lado precisa mostrar-se como universidade com uma autonomia científica, por outro, inevitavelmente se vê inserida em uma economia de mercado devoradora das melhores vontades. 
Perdendo-se na sua sustentação financeira, o tripé ensino, pesquisa e extensão se desfaz. A lógica universitária é a busca por um ensino de melhor qualidade e, por isso, a pesquisa existe para que esse não seja um constante repasse de informações do que se buscou em outras universidades e, para que não se façam pesquisas sem os pés no chão, sem dar respostas à sociedade, faz-se a extensão.
Não havendo sincronia entre esses três pés, ou mesmo não havendo esse tripé, a intensão essencial da instituição universitária se perde: se não consegue dar uma educação de qualidade elevada aos jovens, também não consegue dar repostas aos projetos governamentais.  O resultado é que se as economias fragilizadas esperam que essas instituições deem retornos necessários, importantes para seus desenvolvimentos, não é isso que acontece, mas sim um peso nos gastos. No  máximo fará ensino, mas não será mais que um repasse dos conhecimentos elaborados nos grandes centros.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Tudo Muda, Sempre

Mesmo que a história mude, que tudo sempre se altere, que o que hoje é um dia não foi e um dia não mais será, a tendência das mentalidades médias é fincar o pé como se pudessem segurar para sempre o modo de ser e de querer. Mas uma coisa é pensar que se pode segurar tudo do jeito que está para que nada mude, a outra é pensar que pode forçar retrocessos com o intuito de fazerem voltar ao que um dia já foi. 
O mundo entrou, nas últimas décadas, em uma dicotomia perversa e de difícil saída, de um lado não se aceita a pecha de conservador, com falas de avanços e inovações, fascinados pelas novas tecnologias, de outro, um agir medroso e uma crença generalizada de que as decisões políticas e institucionais devem retroceder. Um saudosismo. Dicotômica e perversa porque põe a sociedade em uma certa berlinda: de um lado não consegue avançar em um curso natural e, de outro, não sedimenta condutas e relações estáveis necessárias.
Mas o interessante desse conservadorismo é o argumento usado para a defesa da manutenção das coisas do jeito que pensa que sempre deveriam ser; mesmo que sejam país relapsos e que não acompanhem a vida escolar dos filhos, mesmo que não tirem tempo para se dedicar aos filhos, argumentam a defesa da família. Alguns fazem discursos em defesa das instituições nacionais, mas corrompem a ordem na hora de declarar seus impostos; outros transformam a crença do povo em balcão de negócios, mas falam em manutenção de uma "fé viva".
Tanto as coisas materiais quanto às ideias, bem como as relações entre as ideias e a produção material, sofrem alterações constantes e isso sempre influenciou as artes, a filosofia, as ciências, as religiões e a política, de modo que tudo muda. Acontece que essas alterações provocam medos às mentes médias e menores, com dificuldades para perceber que há uma totalidade e, nessa, uma constância de mudanças.
Mas o pavor com às alterações é naturalmente compreensível, desde os tempos mais remotos houve movimentos reacionários com pensamentos de que tudo tem de ser estancado, segurado, contornado. As grandes revoluções transformadoras   da história sempre foram seguidas de períodos restauradores, de retrocessos e, em geral, com terror e crueldades.
O que foge da normalidade não é o querer parar ou diminuir o concurso de mudanças, mas o pensamento de que é possível fazer os pensamentos voltarem às condições que já foram há bastante tempo, há séculos até, como é o caso de discussões recentes na defesa da "terra plana", por exemplo. Talvez isso se explique pelo fato de que conservadores e ciências não se encontrem em uma mesma sintonia: se o conservadorismo tem pavor ao novo, as ciências são implacáveis, as suas existências são marcadas pelo novo, pelo diferente.  O conservador não sabe, mas por mais que grite e esperneie, não é possível segurar, tudo muda,  até ele mesmo.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Fim

A ideia de fim é sempre muito trágica para a mente das pessoas. É comum que se ligue esse conceito com a morte, com o final de um relacionamento, com a quebra de um contrato, com uma traição, com a perda de algo importante e assim por diante. A ideia de fim pode trazer uma melancolia pelo encerramento de uma etapa, como se isso, por si só, significasse o final de algo bom; há aí  também um pensamento de perda. Ora, esse pensamento só acontece porque não se leva em conta que o término de uma fase pode significar também o de parar um sofrimento e o início de uma felicidade; no entanto, não é o fim que provoca nas pessoas a melancolia e sim a ideia que as pessoas fazem.
O pensamento de relacionar o fim com algo trágico não se sustenta porque se assim fosse teria que se aceitar que a simples existência de algo seria boa por si só, por extensão, tudo que não existe teria que ser, necessariamente, mal. Nesse caso, haveria uma relação direta entre bondade e existência, assim como maldade e não existência, o que seria ilógico. Afinal, o mundo é composto de coisas boas e ruins já que as ações humanas tanto podem ser boas quanto más. 
Acontece que o conceito de fim é muito amplo para se simplificar com a tristeza pelo encerramento de algo. O fim de uma guerra, o fim de um sequestro, o fim de uma doença etc., é sempre comemorado como algo relevante que acontece entre os humanos; por outro lado, o começo pode ser o de sofrimento, de longas caminhadas, de torturas e assim vai.
O real é um ciclo continuo, tudo que hoje existe no universo um dia não existiu e um dia não vai mais existir em um eterno final e recomeço. Se tudo está em um ciclo constante de vida e morte os conceitos de fim, de começo, bem como o de continuidade, de parada e de recomeço estão todos imbricados em uma mesma complexidade. Não podem ser pensados separadamente.
A aproximação direta entre o fim e o sofrimento, ou tristeza, se deve basicamente pela relação que se estabelece com a morte, o encerramento da existência de um ser consciente; talvez isso ocorra pelo sofrimento diante do desconhecido, diante do que não se domina. O sexo e a morte, por representarem o início da vida e o seu fim, é sempre algo de difícil entendimento, ou de aceitação, para o humano, o que o faz encher de mitos e todo tipo tabus e crenças. Ora, se o fim, o início, a continuidade e o recomeço são conceitos que estão todos imbricados em um mesmo sentido, não há que se ter medo de um encerramento: a luta só começa depois de um preparo exaustivo e quando termina começa um descanso e assim seguem todas as coisas em seu curso natural.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Ética: o Conceito e a Prática


Para alguns ética se isola como um conceito cuja importância paira em si mesma, muito acima daqueles conceitos elaborados em um regramento da vida humana, para outros, confunde-se com o de moral, como sinônimo, podendo-se usá-lo ao gosto do usuário e, ainda outros, preferem pensá-lo como uma ciência que estuda as condutas morais. De uma forma ou de outra o conceito se impõe como uma necessidade para a orientação humana e, com isso, o seu entendimento leva ao esclarecimento sobre conceitos que lhe seguem, como o de dignidade, o de respeito, o de liberdade, o de verdade etc.
Mas é preciso dizer ainda que o homem que é ético não pensa no conceito quando se depara diante de uma realidades em que se necessita agir fortemente de alguma maneira; ele apenas vai ser bom, respeitoso e verdadeiro porque acredita que assim deve ser. Portanto se ética é um conceito que se usa comumente para qualificar uma atitude virtuosa, teóricos também o usam para estudar as relações das pessoas nas práticas cotidianas e em suas decisões diante de fatos relevantes.
Além do mais, a palavra em si ou mesmo a atitude ética tem uma historicidade, afinal as pessoas usam os conceitos de dignidade, de respeito, de liberdade, de verdade etc., de forma diferenciada ao longo dos tempos. Os antigos estoicos, os cristãos, os liberais ou os socialistas sempre deram uma coloração conceitual própria para cada uma dessas palavras, o que provoca uma alteração ao sentido que se pode ter de ética. 
Porque para cada uma dessa orientações intelectuais pesa o nexo causal de cada uma; por exemplo, respeito: se os estoicos preocupam-se com o prazer é, por extensão a felicidade; nesse caso, o respeito ao outro deve ser medido pela possibilidade de retorno prazeiroso. Mas essa mesma liberdade, se pensada pelos liberais, tende para um liberação do estado diante dos domínios da economia, assim também com os cristão que tendem para a promessa de um galardão celestial como o sentido primeiro  e se interliga com ainda outros conceitos como o de livre-arbítrio e culpa, por exemplo.
E nessa longa jornada pela qual percorre o conceito de ética chega-se aos dias atuais pensando-se para além de uma disciplina, de sinônimos e todas as definições, mas em conduta responsável de respeito à dignidade do outro. Se o homem virtuoso é aquele que passa por cima de suas emoções, de suas vontades pessoais e vai ao encontro daquilo que entende como o bem, isso significa que o virtuoso é ético.