segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Humanos, Existência e Conflitos

Naturalmente as pessoas falam umas com as outras, trabalham, estudam, comem, bebem, dormem e, ao fazerem isso, se relacionam, fazem história. Cada pessoa carrega dentro de si um mundo de memórias, saudades, valores, frustrações e certezas e, ao se relacionar com outra pessoa, é comum que entre em conflito; uma situação que se foge sempre que se pode. Mas, se o conflito mexe com as estruturas dos relacionamentos, derruba os preconceitos, as verdades estabelecidas, os confortos e altera os padrões. Acontece que os humanos, e todas as coisas ao seu redor, navegam através dos tempos, seguindo do nascimento para a morte, movimentando os acontecimentos; hoje se sabe que tudo o que hoje é um dia não foi e tudo o que é um dia não mais será. Heráclito de Éfeso, há 2.400 anos afirmava que ninguém pode tomar banho no mesmo rio duas vezes já que na segunda as mesmas águas teriam passado e o rio já seria outro; seus discípulos afirmavam que não se pode tomar banho nem no rio que vê, pois esse muda a todo instante. Mas o pensamento de Heráclito não teve muito efeito sobre os pensadores de sua época; mais tarde foi Hegel que, após ler Kant, o resgatou para afirmar que sim, tudo está em transformação e que o homem é filho do seu tempo, de sua história. Dessa forma, tudo o que compõem o universo não pode ser tratado como algo que é, mas que está, pois em algum momento deixará de ser. O que restava era pensar: o que impulsiona essa história? O que movimenta esse caminho de uma coisa para outra? Foi Hegel quem afirmou que são os conflitos que movimentam a história, o que chamou de dialética: o que se pensa no momento nada mais é que uma tese, que inevitavelmente vai se confrontar com uma antítese e que do choque das duas, formará uma síntese. A síntese nada mais é que outra tese, que por sua vez vai entrar em conflito com outra antítese e gerará nova síntese e assim por diante. Dessa forma o conflito, por mais dissabores que possa carregar, não é algo a ser evitado, mas entendido como motor de transformação, como algo que alimenta novos horizontes, novos padrões. Portanto, viver é caminhar da juventude para a velhice, do nascimento para a morte, e essa caminhada é feita por conflitos, como combustível da existência.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

As Coisas e as Representações

As pessoas, quando expressam suas noções de entendimento sobre uma obra de arte quer seja literatura, música, plástica, teatro e outras manifestações, o fazem a partir de suas experiências, informações, suas impressões e toda a carga de memória acumulada. Acontece que tudo a volta dos humanos, e eles próprios, são objetos dotados de signos, seus significantes e significados. Mas o signo em si nada é e o objeto do signo não existe para ser signo, mas as pessoas atribuem significados, dão a eles uma representação. Essas representações são transmitidas às pessoas, umas às outras, entendendo como suas verdades a serem transmitidas. Mas cavalo, o animal em si, pode ser forte ou fraco, ele sempre vai representar força se essa for uma cultura que o entenda como tal; numa outra, pode representar a lealdade, a divindade, a rapidez etc. É possível que certos objetos tenham significados gerais para toda a humanidade, mas não se pode dizer que a coisa em si, por ela mesma, necessariamente, seja exatamente aquilo que representa. À coisa em si é sempre atribuído valores pelos agentes, aquele que se deparam diante dos objetos e os interpretam. Isso quer dizer, o mundo não é somente o berço da humanidade enquanto ato e potência, a transformar matérias primas em bens de uso, mas é também um conjunto de representações a povoarem o imaginário dos humanos. Desse modo, uma obra literária, um tratado jurídico ou uma peça teatral de nada servem se não existisse uma conexão de sentido por onde passam as memórias, os ensinamentos, as culturas etc. Em outras palavras: nenhuma obra é isso ou aquilo se não a partir das representações daqueles que a contemplam. Em geral, quando se fala de signos e representações remete-se diretamente a fala, um fenômeno humano dependente direto dos signos, mas as representações vão muito além das relações comunicacionais. Elas podem vir sim a partir da fala, mas que ficam impregnadas na estrutura mental e passam a orientar as interpretações sobre tudo que compõem o mundo. E mais, as coisas podem ser perigosas e incômodas enquanto não se tem nelas a devida representação, mas tão logo isso aconteça, vai ser familiarizada e passará a fazer parte da capacidade de interpretação do indivíduo que contempla.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

As Ciências e Seus Saberes

Bastante comum que estudiosos delimitem suas ciências e o fazem, cada um, isolados em suas cavernas. Procuram eles determinar não só os fundamentos metodológicos e os objetos de investigação, como também a necessidade e a importância diante dos demais saberes. Ou seja: fixam parâmetros a partir dos limitados conhecimentos de suas áreas e, aí, acontece uma espécie de “totalitarismo cientificista”: cada um vê apenas os seus próprios saberes como necessários, mas o vêem desconectados até mesmo da vida humana em suas necessidades. Nesse caso, é comum ver os biólogos estabelecendo que a Biologia, conforme o nome adianta, é a ciência que estuda os seres vivos, já o químico defendendo que a Química é a ciência que estuda a composição estrutural e as propriedades da matéria, assim como as reações sofridas em suas misturas, enquanto isso, os físicos estão a afirmar que a Física é a ciência que estuda a natureza em seus fenômenos e seus aspectos mais gerais, e assim por diante. Essas áreas do saber, em seus nexos, são verdadeiras e coerentes, mas se perdem porque são pensadas isoladamente. Fragilizam-se diante de uma totalidade filosófica que transcenda a atividade empírica em si. Com as ciências humanas e sociais, em suas determinações de objeto, método e conseqüente segregação do saber, os casos não são diferentes. Cientistas sociais, basicamente aqueles que seguem uma linha mais positivista, tentam se aproximar (ou imitar) os métodos dos conhecimentos biofísicos, principalmente, na tentativa de trazer para si o status de ‘Ciência”. Pode-se afirmar que não é raro sociólogos, politicólogos, antropólogos e juristas, fecharem-se em suas noções de validade, argumentando nexos científicos e se delimitando em seus quintais, como se fossem o bastante para o entendimento maior do mundo e da sociedade. Esse é o grande mal do conhecimento moderno, ser feito sem perceber, ou não querendo ver, a conectividade entre setores e quase um abandono às implicações do mundo a sua volta. Há muito se perdeu o debate filosófico, pensando a Filosofia como o grande guarda-chuva a identificar as conectividades entre os saberes, bem como a ética e mesmo a sua aplicabilidade. As variadas ciências são necessárias e urgem seus desenvolvimentos, mas seus pesquisadores precisam se ater que os saberes transcendem os laboratórios, as publicações de artigos e os livros.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O Judiciário, e Agora?

O judiciário sempre foi um mal dentro da democracia; necessário, porém um mal. Desde os tempos iniciais da civilização, até os primeiros séculos da Idade Moderna, os juízes foram homens fortes do sistema, escolhidos a dedo pelos monarcas mais liberais ou totalitários que, através deles, impunham ao povo as suas vontades absolutas. Ao raiar das revoluções liberais, juntamente com o pensamento iluminista dos séculos 17 e 18 e a opressão desmedida sobre as vontades populares, lideranças dirigiram-se às lutas para a eliminação do estado absolutista. Estava claro que o poder deveria ser partilhado: se continuasse com a monarquia o poder do rei deveria ser reduzido, ou a administração ficaria nas mãos de um presidente, eleito democraticamente, e um parlamento, composto de pessoas da comunidade com o intuito de fazer as leis e fiscalizar o executivo. A história da Filosofia mostra o britânico, John Locke, como o primeiro filósofo a propor a fragmentação do poder do monarca. Mas o que fazer com os juízes do rei que, conservadores que eram, se encarregavam de fortalecer o sistema opressor, trazido até então? Ficariam sob a guarda do legislativo ou do executivo? A igreja deveria ser também mais um poder? E, assim, o debate se aprofundou por mais de dois séculos. A igreja recebeu carta de alforria e se organizou em cada país, conforme as seitas e as religiões, ou a cultura, de cada sociedade; algumas se mantiveram ligadas diretamente com a Santa Sé, em Roma. Ficando o judiciário como a batata quente, um sistema caro, pesado pouco eficiente e, quando não muito, corrupto. O alemão Friedrich Hegel propôs a separação do poder em duas partes, o legislativo e o executivo, ficando os juízes sob a tutela do monarca, como já fora até então, ou do presidente da república. Mas o problema era que havia uma desconfiança para com os juízes por parte de filósofos, políticos e mesmo dos juristas. Foi quando o francês Charles de Montesquieu propôs a partição em três, tal qual se conhece hoje na maioria das sociedades: legislativo, executivo e judiciário. No entanto, a escolha dos dois primeiros ficava claro, através do sufrágio, portanto com controle popular, mas como ficaria o terceiro? Ficou que cada sociedade tem hoje uma dinâmica própria de acordo com as instâncias, alguns são alçados pela meritocracia do concurso, outros por indicação e eleição com mandatos determinados. Enfim, o judiciário é uma necessidade e um mal. Primeiro porque não se pode pensar em uma democracia sem pensar na justiça em sua plenitude e é um mal porque se criaram uma casta de “virgens vestais”, intocáveis, corporativistas, com salário vitalício, praticamente sem controle externo e, pior, mostrando claramente as suas cores político-partidárias.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Humanidade, Uma Construção da Comunicação

Em geral as pessoas sabem a importância do instrumental social que é o idioma, a língua falada, e a capacidade de transmitir informação, bem como todos os demais meios de comunicação. O que não se leva em conta é: como isso se dá, como acontecem essas falas e escritas de modo a acontecerem, de fato, o fenômeno da comunicação, ou não. As pessoas parecem viver em um turbilhão de monólogos, inaudíveis e desprovidos de fundamentos. Para pensar a esse respeito é preciso, primeiro, perguntar: se os homens e mulheres de hoje são frutos de uma evolução da espécie, como isso se deu? Como todos os outros animais, evoluíram a partir de suas necessidades, adaptações e seleções, mas – diferentemente - construíram uma humanidade e isso não foi fruto simplesmente da relação com o meio e todas as adversidades enfrentadas. A humanidade foi construída, primordialmente, na relação entre os membros dos grupos em suas lutas conjuntas para sobreviver. Mas a interação entre pessoas só acontece a partir da comunicação, a capacidade de fazer o outro entender aquilo que, no momento, se está entendendo. Aliás, se pessoas fossem postas, desde o nascimento, seja no numero que for, uma ao lado da outra, mas de forma que não ocorresse qualquer tipo de comunicação, portanto, sem interação, não haveria sociedade e, mesmo essas pessoas, não poderiam se chamadas de humanas. Isso porque é a comunicação que faz as interações entre indivíduos, os aproxima ou os repele, mas os constrói. Nesse caso, quanto melhor for a comunicação, melhor será o entendimento entre os membros do grupo, mais acertos, mais paz e mais harmonia; o seu inverso também é verdadeiro, quanto menos comunicação mais desentendimento, mais angústia e mais violência. Quando as pessoas se fecham em seus mundos de “verdades absolutas”, sem a capacidade de ouvir (não necessariamente de aceitar o pensamento do outro, mas de ponderá-lo, traçar as suas conveniências e inconveniências) a comunicação não acontece. Nos tempos atuais, com todos os avanços das ciências e com toda tecnologia de informação, se fala demais e se ouve de menos e a comunicação acontece cada vez menos. Nesse caso, se a comunicação formou a humanidade parece lógico pensar que a sua falta está a desumanizar esses novos homens e mulheres desses novos tempos.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Uma Nova Esquerda

Os partidos políticos existentes pelo mundo a fora são agremiações remanescentes das antigas disputas pelo controle do estado que vêm desde os movimentos revolucionários do século 18. De um lado os grupos conservadores defendendo a manutenção do status quo e todo o modelo feudal, de outro os revolucionários, lutando por mudanças na estrutura vigente e, por fim, a correr pelo centro, os reformistas acreditando que alguns consertos pontuais podem manter a economia e a política do mesmo jeito. Mas se os conservadores da direita são frutos do sistema enquanto tal e o centro, reformista, ambos se adéquam às necessidades do momento e se alteram conforme a conveniência, deixam, como único o motor de transformação que as bases da sociedade têm para fazer valer as suas mais profundas necessidades, os partidos de esquerda. O problema é que os tais partidos de esquerda, embora seus programas sejam revolucionários, foram cunhados pelos mesmos moldes dos demais. Os partidos de esquerda seguem sob duas orientações, os democráticos – aqueles que optam pela via eleitoral para chegar ao controle do estado – e os exércitos populares, que optam pela luta armada. Mas ambos foram constituídos a imagem e semelhança do mesmo estado, desigual, prepotente, oligárquico, ao qual combatem comandantes fortes militarmente ou parlamentares com capacidade de discursos carismáticos e envolventes. Por mais que em seus discursos defendam a democracia, dificilmente a experimentam, devido à extrema concentração de poder nas mãos de poucos. Além do mais, só conseguem enxergar como mal a concentração de renda nas sociedades, levando a exploração “do homem sobre o homem”. Ora, a concentração de renda leva sim a degradação social, à baixa escolaridade, à marginalidade, à delinqüência etc; e precisa ser combatida, mas as últimas décadas trouxeram outros pontos importantes, e necessários, para o palco dos debates políticos e os grupos de esquerda precisam estar atentos: a tolerância ao outro, àquele que não tem a mesma orientação sexual, que não tem o mesmo credo, que não tem a mesma etnia, que não é do mesmo gênero e a lista segue. A esquerda é sim o caminho natural das grandes mudanças que as sociedades necessitam e o instrumento é sim o partidário – ninguém pode ficar fazendo criticas ao léu, nem alardeando mudanças sem uma estrutura organizacional – mas esse instrumento político precisa ser repensado. Uma nova esquerda precisa saber ler a historia e a sociedade atual, suas necessidades mais prementes e mais, esse instrumento de luta precisa ser horizontal e não vertical mais como tem sido ate o momento. Afinal, não pode fazer bem aquilo que caminha mal.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

História, Rumos e Retornos

Uma análise dos rumos que as sociedades seguem, nesse início do século 21, dá conta de que a humanidade segue, agora, com características muito próximas daquilo que já fora outrora. Percebem-se nas sociedades pelo mundo a fora, pessoas comuns – homens e mulheres - defendendo pensamentos muito próximos do que já se defendeu um dia; e governos autoritários, cujos discursos se imaginavam terem sido encerrados há mais de um século, voltam aos palanques e, mais uma vez, atraindo multidões aguerridas e fanáticas. Interessante que duas décadas se passaram desde que um nipo-estadunidense, Francis Fukujama, publicou o livro O Fim da História e o Último Homem, seguindo uma linha filosófica de história próxima de Hegel, propondo que os humanos chegavam, a época, ao fim da história com a economia dos Estados Unidos e sua política liberal. Nada mais seria verdadeiro. Todos os sistemas econômicos, políticos e sociais se encerrariam ao estágio que chegaram os Estados Unidos da América. Nos últimos anos Fukujama tem dado entrevistas admitindo que estava errado e que a humanidade não chegara ao fim da história. O que o escritor nipo-estadunidense não percebia, e que nos tempos atuais tudo fica mais claro, é que a história segue um encadeamento que não vai se dar como se fosse uma seqüencia lógica, necessária, em que tudo, num fim determinado, se encerra; uma visão de começo meio e fim. Não. A história segue, retrocede, se repete, dá meia volta, camba para um lado, camba para outro e vai em frente. Os governos totalitários da primeira metade do século 20 e todos os relatos de prepotências e barbáries, não foram os únicos até então e nem poderiam ser os últimos; da mesma forma como os governos aclamados como democráticos, suas fragilidades e quedas. Ora, desde o fim do positivismo não se levou mais a sério a ideia de a história seguir um caminho inevitável, um determinismo. É aí, portanto, que reside a importância do conhecimento não só da história, mas também da historiografia: os fatos ocorridos e a dinâmica em que os fatos ocorreram. Dessa forma, a história ensina. Por isso, é preciso que se fique atento aos retornos que os fatos, em seus encadeamentos, e os sistemas seguem e às conseqüências desses retornos, o que ocorreu e o que pode novamente ocorrer.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A Filosofia é Inútil?

As pessoas filosofam mesmo que não saibam disso: o professor universitário que se depara diante de muitas novas produções científicas, o camponês que percebe a terra como o seio onde germina o alimento, ou o operário que se percebe como produtor de riquezas transformando a matéria em bens de uso. Todos filosofam. E a maior parte, não sabe que aquela busca, aquela tentativa de entendimento é um filosofar. Acontece que ao se perceber no mundo, o indivíduo experimenta uma espécie de dor, uma aflição por não saber por que todas as coisas são aquilo que são. Por mais que se multipliquem as inúmeras disciplinas em ciências positivas, juntas, não são mais que uma grande filosofia; e, essa, como um grande guarda chuva a abrigar todos os anseios pelo entendimento sobre as coisas. Isso porque os humanos despertam para si e para o mundo e querem saber o que são, como funcionam e, desde quando todas as coisas são assim como são. Já se disse que a filosofia é inútil. Porque, em um mundo capitalista, em que tudo tem que ter uma finalidade utilitária, um custo e um ganho, espera-se que toda busca de conhecimento acarrete um retorno financeiro para aquele que a pratique. Mas a filosofia não existe para dar ao portador um ganho a mais, ou mesmo uma erudição que se possa apresentar nos grandes salões da sociedade e que se possa citar frases e nomes dos grandes vultos que fizeram a historia do pensamento. As pessoas filosofam porque é algo inerente a existência dos seres portadores de alguma consciência. Aquele que filosofa alimenta, desfaz e refaz conceitos na tentativa de compreender o que está à volta mas, não acha respostas, ao contrário, ainda mais perguntas. E assim, a filosofia segue em sua perene autofagia. Talvez se possa pensá-la como uma provocação ao pensamento, espécie de terapia em que o exercício persistente e sistemático leva o praticante a descobertas de seu próprio espírito a se debater sobre a face da terra. Talvez os humanos não passem de “...degredados filhos de Eva, gemendo e chorando nesse vale de lágrimas...” Aquele que busca a filosofia, aquele que se interessa pelo saber foge das convenções, mas também percebe que ela não pode ser pensada como algo que existe para fugir das convenções. Se todos filosofam, apenas alguns buscam a filosofia e, aquele que a busca sofre a angústia de existir e nesse sofrimento se percebe como agente. E assim, a história segue.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Engajamento Político

Quando se fala em engajamento, de imediato se pensa em intelectuais orgânicos defendendo politicamente idéias, não só de observação e interpretação do mundo, mas a partir de ações transformadoras. O que não se fala é que aqueles que não têm consciência das suas ações no mundo também o transformam, também estão engajados em um pensamento político e defendem suas opiniões, mesmo sem a menor noção do que está dizendo ou fazendo. Assim como os cavalos, os cachorros e os porcos, também as pessoas agem no mundo, comem, bebem, defecam, dormem e andam; podem devastar áreas inteiras do planeta se não encontrarem o seu predador natural. A diferença é que os humanos construíram uma maneira de usar o cérebro que a chamam de consciência (com saber) de sua existência; com isso, sabem que existem e sabem que sabem. Acontece que não há um limite definidor para essa consciência, o que significa que as pessoas podem ter mais ou menos consciência; alguns podem concatenar mais e mais pontos, interligando-os e aumentando a sua compreensão do mundo. Algumas pessoas percebem mais suas vidas ligadas, diretamente, com o restante dos objetos físicos que estão ao seu redor e, outras, além disso, percebem também as suas vidas ligadas diretamente a um desenrolar de tramas políticas e econômicas. No entanto, certas pessoas se percebem no mundo, mas não conseguem relacionar suas existências com as arvores, com as pedras, com o lixo, com a água; ou não conseguem relacionar seus proventos, seus ganhos mensais, e seu acesso a bens culturais, com o crescimento das grandes corporações, com o enriquecimento de alguns e com as relações entre nações. Ora, todos estão engajados e transformam o mundo em que vivem. A diferença é que alguns reproduzem, e as põem em prática, noções que não são suas, são reproduções de ideias exógenas. Não se pode dizer que a pessoa que não tem noção do que acontece no mundo a sua volta não é engajada; porque ela acredita no que afirma e pensa que aquilo que defende é noção originalmente sua e, por essa razão, ajuda a manter os encaminhamentos que ocorrem no mundo física e politicamente. O interessante é que qualquer tentativa de se mostrar um novo encaminhamento, um novo olhar, é rechaçada como uma interferência na “sua individualidade”, na “sua própria concepção de mundo”. Ela é engajada, mas seu engajamento é a reprodução sempre das mesmas condições a que se chegou até então; o seu engajamento é para que tudo assim continue. E isso, mesmo que, por fascinação, pronuncie um discurso de mudanças.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

O “Empurrar Com a Barriga”

Uma das frases que retratam com fidelidade o modo de fazer política em sociedades desagregadas, com baixa escolaridade, ou com uma educação elitizada, é: “empurrar com a barriga”. A expressão mostra a tendência em deixar uma atividade necessária, ou uma decisão importante, para depois; tal pensamento é que, em algum momento, os interessados vão esquecer e a atividade pode não mais ser feita e a decisão não mais ser tomada. A política é, por excelência, a atividade humana da mais alta complexidade, mas que parece ser de uma simplicidade imensa e, por isso, na sua complexidade, os mais terríveis vícios - como a corrupção, o desleixo e a hipocrisia - fazem assento. Aliás, esses três vícios políticos podem estar presentes a partir da tendência de frases congêneres do “deixar pra depois”, do “ir levando” ou, outras expressões parecidas. A figura de linguagem mostra que quem “empurra com a barriga” não põe as mãos para trabalhar e, assim, vai levando aos poucos e a ação efetiva não acontece; quando interpelado, o agente diz apenas que está encaminhado e nada segue adiante. Mas isso vai além das esferas governamentais, em quaisquer circunstâncias em que as relações sociais necessitam que se tomem decisões importantes, a idéia de deixar sempre para depois, de “ir levando”, é um fenômeno muito bem entranhado nos pensamentos daqueles que deveriam tomar decisões. Alguns deles “empurram com a barriga” e admitem fazer isso, ou que tal fato precisa que se leve de tal forma e não se dão conta do mal que fazem para as pessoas que estão a sua volta. Muitas vezes são indivíduos que estão a frente de grupos religiosos, grupos de educadores, grupos de sindicalistas, grupos de intelectuais, e até de artistas, e não percebem que liderança é enfrentamento, é posição clara diante das alternativas que aparecem. Ora, se o fazer da política é a atividade em que as diferenças entre grupos – em alguns casos, conflitos fortes - tornam-se evidentes, o “empurrar com a barriga” significa então o medo, a maledicências e a covardia diante das necessidades prementes. É covarde porque tem medo do enfrentamento, da reação do opositor ou, é maldoso tendo em vista que sua decisão já está tomada, mas é contraria àquele que está a frente a pedir posição; ele já toma partido, mas quer agradar também a parcela da sociedade que não contará com seu apoio.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Tolstoi: Guerra e Paz

Para alguns, apenas um livro chato e inacessível por conta dos encadeamentos do tema em suas 2500 páginas, para outros, Guerra e Paz, a novela do escritor russo, Liev Tolstoi, é um clássico da literatura universal, indispensável para literatos, historiadores, sociólogos, psicólogos e eruditos de um modo geral. A obra de ficção se passa entre 1805 e 1820 e narra a história da Rússia à época de Napoleão Bonaparte. Lev Nikolayevich Tolstoi (em Português, alguns preferem Leon ou Liev) viveu e entre 1828 e 1910 e escreveu várias outras obras, mas que não tiveram maior penetração em outras regiões fora do Império Russo. Guerra e Paz e seu outro texto, Anna Karenina, são aceitos como obras universais, juntamente com A Mãe, de Max Gorki, assim como Crime e Castigo e Irmãos Karamazov, de Fiódor Dostoiévski. Em Guerra e Paz, Tolstói elabora uma teoria social em que o livre-arbítrio é posto em importância menor de modo que é a história que envolve o indivíduo e o conduz pelos acontecimentos; e as pessoas obedecem a esse determinismo. Pierre Bezukhov, personagem central, passa toda a trama procurando um sentido para a vida e só encontra no final, ao ser preso em Moscou, por Napoleão Bonaparte, e encontra o servo Platão Karataev, um exemplo de homem trabalhador, humilde e honesto. Outro ponto que chama atenção na novela são as riquezas de detalhes e o realismo em numerosas descrições psicológicas em suas longas páginas, em partes e publicadas em periódico, até ser publicada como livro em 1863. O certo é que Guerra e Paz inaugurou um novo gênero de ficção e que leva, ainda hoje, estudiosos a buscarem uma definição mais precisa que a classifique. Um olhar atencioso percebe que a obra retrata o autor em pontos específicos de sua vida como o seu pacifismo, as suas posições políticas a esquerda e as leituras de Pierre-Joseph Proudhon, político anarquista francês. Duas das suas frases mais conhecidas e citadas são: “Os ricos fazem tudo pelos pobres, menos descer de suas costas;” ou, “Quem deve aprender com quem: as crianças camponesas devem aprender conosco ou nós, com as crianças camponesas?” Guerra e Paz foi escrita parte em Russo e parte em Francês, já que essa última era a língua preferida da nobreza russa nos séculos 17 e 18, na busca por elegância e fineza. Enfim, é uma obra da literatura universal que retrata os aspectos mais contraditórios e escondidos, ou negados, da alma humana: hipocrisias, medos e frustrações, por trás de bons modos, palavras bem elaboradas, sorrisos e cordialidades.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

As Duas Pontas do Capitalismo

O capitalismo se define como uma corrente de pensamento calcada na acumulação de capital. O capital, por sua vez, se define como cabeça (capta), a parte em dinheiro que é usado para o investimento e que, com as transações, deverá voltar para o investidor com alguma acumulação. Dessa acumulação se destinará uma parte para o sustento do investidor e a outra, para o aumento do capital. Mas, para que isso se dê, é preciso que a economia capitalista aconteça como um vetor de políticas balizadoras: o estado, as leis e toda a estrutura burocrática devem estar em consonância com esse pensamento de compra e venda de mercadorias. Não se quer aqui tocar no ponto das necessidades ideológicas - o fetiche do dinheiro, a disputa, a concorrência, ou a figura do herói - que tomam conta das mentes, impregnadas pelas instituições como igrejas, escolas, famílias, clubes etc; e que levam as pessoas a votarem em mais políticas voltadas para a acumulação de capital e todo o direcionamento das ações para mais acumulação. Mas é preciso que se leve em conta que se a economia dirige as ações do estado, dirige então a política das relações internacionais e, nesse caso, aparecem duas linhas básicas que caracterizam dois conceitos da Ciência Política, imperialismo e nacionalismo; dois pontos extremos em uma reta que a Matemática ensina: suporta os infinitos outros pontos. O primeiro a aparecer no mundo ocidental foi o nacionalismo em um momento que os primeiros capitalistas necessitavam que o espaço do seu comércio estivesse delimitado com impedimentos a investidores externos, além de regras claras que vigesse em um determinado espaço. O enriquecimento desses investidores, o crescimento econômico de alguns países e a saturação dos seus mercados internos levou-os a um anseio de que se abrissem as fronteiras; claro, o intuito era abocanhar novos mercados. Agora, essa nova fase, passava a ser chamada de imperialismo tendo em vista a sua necessidade de ampliar os tentáculos do mercado com políticas expansionistas. Essas duas pontas só têm em comum a necessidade de acumulação; no mais, um quer ampliar seus mercados para outros quintais e, para isso, desenvolve ideologias cosmopolitas, de acabar com as fronteiras, de globalização etc; mas por traz sustenta a exploração entre povos. Do outro, o capitalismo nacionalista tende a se fechar, impedir imigração, valoriza a terra (agora chamada de pátria), valoriza a raça, seus costumes, sua cultura etc. Em alguns casos, na luta pelo controle do mercado interno, esse protecionismo pode chegar a uma xenofobia por parte expressiva da população; isso é o fascismo.