sexta-feira, 30 de março de 2018

A Sociedade e os Quatro Cavaleiros

Uma vereadora é assassinada no Rio de Janeiro por fazer a defesa dos direitos humanos, juízes agem politicamente e criam regras como forma de aumentar os seus ganhos, jornais mostram que policiais alteram cena do crime para mostrar que mortes ocorreram como legítima defesa, deputado dorme na cadeia a noite e atua como representante do povo de dia, presidente da República é flagrado fazendo negociatas e é enquadrado pela polícia federal e populares matam com as próprias mãos uma mulher acusada bruxarias.
O espaço é pequeno, esses artigos são compostos por algo em torno de 30 linhas, e não seria possível retratar aqui toda a ordem de corrupção e negligência: desmandos com a coisa publica, "carteiradas", corporativismo etc. E pior, faz-se isso com discursos de ética, de abnegação, de seriedade e de outros conceitos da mesma natureza.
Não se está falando aqui dos tempos medievais - se é que na Idade Média existiu um povo que agisse de tal maneira. Talvez se possa pensar em algo parecido com os tempos bíblicos e também não se está pensando em Sodoma e Gomorra, mas no final dos tempos, retratado pelo apóstolo João de Samos, no livro de Apocalipse, sobre o surgimento dos quatro cavaleiros representando a peste, a fome, a morte e a guerra.
Em uma sociedade que vive a autofagia de um estado natural, de todos contra todos, em que se saqueiam os pertences do moribundo acidentado na beira da estrada sem pensar em socorro. Todos são lobos. Uma sociedade em que os quatro poderes, o legislativo, o executivo, o judiciário e o ministério público constituem quatro castas intocáveis a controlar o estado em uma queda de braço, não buscando o bem comum, mas o seu e dos seus.
E aí, acham-se os culpados, a política, a religião, a educação, a imprensa, o povo, como se esses fossem entidades concretas, separadas das pessoas comuns do dia a dia. O outro é desonesto, o outro é injusto, o outro é mentiroso e como eu não sei quem é esse outro, eu nunca mudo e tudo assim segue.
Que sociedade é essa? Seria um "mundo de Alice"? Alguém já falou que "esse povo não é sério" e já disseram que é um povo "'capado, sangrado' e festeiro". E, como cegos em tiroteio, caminha a multidão. E nessa multidão caminha alguns com visão que lhes resta, já nem almejam mais um projeto de sociedade para o amanhã, mais apenas um pouco de vida, de dignidade, de parceria, ou apenas de bom senso.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Criptomoeda: Interatividade e Fragilidade do Estado

O surgimento das novas moedas, as chamadas de moedas digitais, ou criptomoedas, por mais que causem fascinação de alguns e desespero de outros, nada mais são que moedas e como tal existem enquanto presas às leis de mercado e das condições postas pela sociedade. Há dez anos surgiu no Japão, por alguém chamado de Satoshi Nakamoto, ou por um grupo de investidores chamados por esse nome, a principal delas, o bitcoin, a primeira de um número que já passa de 1.400 e, segundo analistas econômicos, novas surgem a todo instante.
O fascínio de alguns se deve ao fato de ser um dinheiro digital, ligado diretamente a tecnologia, eles são gravados em um banco de dados e distribuídos pelo que ficou conhecido como blockchain. O funcionamento dessas criptomoedas existe como um sistema financeiro alternativo; por exemplo: as transações financeiras acontecem sem intermediários, verificadas diretamente pelos próprios usuários em rede estabelecida.
Nada de estranho em ser uma moeda não física, muitos outros sistemas parecidos já se mostraram no mercado financeiro como os pagamentos em cartões de crédito e de débito, ou alguns sistemas de escambo por vários lugares. A tônica do dinheiro será sempre o valor do trabalho de alguém ali posto, quer seja apresentado fisicamente em cobre, em níquel, em papel ou apresentado de forma digital.
Mas o relevante para uma análise sociológica são dois conceitos que aí estão colocados: a interatividade e a fragilidade do estado moderno. Nesse caso, estão entrelaçados, mas os dois existem e possuem vidas próprias como marcos de um momento da pos-modernidade. Cada vez mais as pessoas querem interagir seja lá no que for - na arte, na educação, na imprensa etc; também na área dos investimentos financeiros.
Por outro lado, a fragilidade do estado moderno que chegou a ser pensado como perene - "o fim da história" - nesses tempos mostra-se ofegante já sem a força de outras épocas. Os bancos que desde o início da era moderna financiam candidatos aos governos como forma de controlar os mercados financeiros nacionais ou internacional, se vêm agora tolhidos de suas ações e ameaçados em suas fortalezas racional-burocráticas.
O dinheiro continua a ser dinheiro seja lá na forma que for, mas o surgimento dessa forma de moeda é, na verdade, um sintoma conjuntural que se explica pelas alterações estruturais dessa era. No mais, a inter-relação entre interatividade e fragilidade do estado está em que o poder como instrumento de uma aristocracia já  se dissolve no ar: alguns se desesperam, outros já esperam e alguns ainda não perceberam.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Entre o Velho e o Novo, Tudo Outra Vez

Quando Belchior cantou, Tudo Outra Vez, falou de um homem jovem que fora para Europa tentar a vida como artista e agora voltara pensando: "quem sabe lá nos trópicos a vida esteja a mil". As letras do cantor cearense foram sempre de cunho filosófico existencial: "o rapaz latino americano sem dinheiro no bolso" que "cai" do Norte e "vai viver na rua" no sul das "grandes cidades".
Mesmo em um caso particular, em Tudo Outra Vez ele faz refletir sobre os cortes e os rompimentos, mas se percebe que tudo está acompanhado dos retornos e os recomeços que ensejam a existência de cada pessoa; e quando aqui se fala de "cada pessoa" está a se dizer também de cada pensamento, de cada ideia. Isso porque viver, estar no mundo com as demais pessoas, é sobreviver às rupturas continuamente impostas pela natureza da própria existência.
A canção provoca uma busca à dialética hegeliana - um pensamento de que tudo caminha para o envelhecimento, o conflito e, com ele, as rupturas e as renovação, uma sequência natural de todas as coisas. Toda tese existe porque se confronta com a antítese, esta por sua vez não é nada mais que uma outra tese e todas caminham para um síntese que é outra tese com outra antítese e assim segue.
Acontece que os sistemas, as relações e as ideias um dia não existiram e um dia não mais existirão em um processo contínuo; tudo segue para o velho e para o novo ao mesmo tempo, para o fim e para o recomeço. O grande mal da humanidade é se iludir com o momento, com a ilusão do estático, como se fosse esse uma eternidade, como se tudo "é" e não tudo está, porque logo tudo que "é" não mais será.
É o grande mal das pessoas porque, pensando assim, o que conseguem é sofrer. Ao pensarem nas coisas como eternas, ao se apegarem a tudo e a todos não conseguem entender o fim de cada coisa, como tudo acaba, se desesperam e sofrem. Tudo tem um prazo de validade, tudo tem um prazo de duração. Quando alguém fala em "eternidade de um momento" está se referindo a intensidade desse instante, mas nada sobrevive. Esse momento que fora "eterno", acabou.
Portanto, segue-se sempre para Tudo Outra Vez. Viver é sobreviver às rupturas e é coragem para enfrentar os recomeços. E assim segue-se de rupturas em rupturas, de recomeços em recomeços até o fim fatal de cada coisa: virar pó e recomeçar em outro ser, outra planta ou outro animal. Tudo Outra Vez.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Natureza e Totalidade

O conceito de natureza carrega uma historicidade o que implica em qualquer análise científica, teológica ou política que se pretenda mais efetiva, com validade absoluta. No entanto, nos tempos atuais pode-se pensar que natureza representa a totalidade de tudo que existe, desde a flor do campo, as árvores, os animais, toda ordem de minerais, oceanos, montanhas, até os dejetos, as fumaças de poluição, lixos depositados nos aterros sanitários, vírus, pesticidas e produções radioativas.
Em outras palavras: aquilo que a razão humana faz no seu dia a dia mudando as coisas de um lugar para outro, transformando-as em bem de uso - a árvore vira tábua que vira mesa e que vai para o lixo, o petróleo que vira fumaça ou que vira plástico e é posto fora é natureza. Mas, como movimento próprio, em algum momento, provoca uma reação e, a seguir, a recuperação. O mesmo acontece com relação  aos seres vivos: no aumento de cada população de uma espécie surge a reestruturação com moléstias que dizimam parte dos indivíduos, portanto alteram a condição que estava dada até então e em seguida a acomodação.
Mas é preciso que se diga que não se está a falar de um ser com capacidade de raciocínio a determinar ações contra as práticas humanas. Não. Essa capacidade não existe como uma condição racional. Não existe um indivíduo autônomo capaz de punir os humanos pelo mal uso de tudo que está ao se redor. O que existe é uma totalidade a defender-se sim, mas articulada em uma vivacidade a mover-se pelo acaso, e faz isso sempre obedecendo a uma logicidade de ação, reação e acomodação. E, por mais que a razão faça o confronto com a natureza, ela mesma faz parte dessa totalidade.
A dificuldade em destrincha-la está no entendimento do conceito. Se tudo é natureza, dispensa-se a definição e nada mais é natureza. Como e por que falar de "A" se não existissem as demais letras do alfabeto? Nesse caso, estaria-se a falar de algo que não existe. Mas, como falei acima, o conceito de natureza obedece uma historicidade, portanto as definições que elaboramos nos tempos atuais são apenas elaborações dos tempos atuais.
Os panteístas pensam: se somos parte dessa natureza e dela recebemos tudo e a ela sempre devolvemos, até nós mesmos, é ela - portanto - a essência da de uma divindade possível. No entanto, se a natureza é ou não uma divindade, essa situação não passa de uma condição conceitual. Não altera a vida de ninguém. Mas pensar a si como parte dela, como algo de onde tudo vem e para onde tudo vai, muda o modo de compreender o mundo, as pessoas e a si próprio. E mais: faz surgir outros conceitos: respeito, igualdade, dedicação, equidade etc.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Da Tristeza

Assim como preto e o branco, o certo e o errado, a noite e o dia, o bem e o mal, assim como as demais inúmeras contrariedades de opostos, somam-se a esses conceitos a felicidade e a tristeza. As pessoas, em geral calam-se sobre essa última como uma condição a ser afugentada para o mais longe possível, mas ela permanece ali, indubitavelmente ela está ali, como algo inerente à própria existência.
Certamente que a manutenção e aumento da população da espécie busca o conforto, a abundância e a felicidade, mas a história não caminha pela felicidade das pessoas, pelo bem-estar de cada um. Se eu estou bem, feliz com aqueles que estão ao meu redor, sem qualquer contrariedade, não haverá da minha parte porque entrar em conflito com os que me cercam, não farei uma revolução, ou não estarei disposto a realizar qualquer tipo de transformação em minha vida ou na de outros.
Portanto, mesmo que se busquem a felicidade como a tônica da vida, a tristeza sempre se fará presente e se fará necessária como condutora dos destinos das pessoas, alterando o que está dado, saindo sempre de um ponto para seguir em direção a outro. É na tristeza que o homem, esse ser pensante, encontra-se consigo mesmo, revê suas ações, dimensiona e censura suas práticas, pensa nos avanços possíveis e nos regressos necessários.
Já no deleite de uma felicidade, tudo é ao contrário, não se abre espaço para reflexão existencial. Aquele que  encontra-se em estado de regozijo é entorpecido por uma corrente de hormônios que se espalham pelo corpo e, extasiado, esse ser existirá em uma catarse de momento, ou seja: sem qualquer capacidade de análise de pretérito ou futuro. Portanto, se viver é construir-se socialmente, se é pensar a sua própria vida junto aos demais, se viver é fazer sua história, agora inerte para a existência, esse indivíduo permanece jaz desfalecido.
Nesse caso, aquilo que chamam de felicidade, e a pensam apenas a partir de um estado de espírito, é muito mais que isso, é aceitação do estado de coisas que estão dadas e isso só acontece devido à carga de informações e de cultura que a pessoa carrega. A tristeza, por sua vez, é acima de tudo uma não aceitação das coisas como estão e acontece a partir de uma carga de instruções e cultura do indivíduo. Aquele que é triste, só é porque sente um impacto entre o que almeja e o que está dado pelas condições do que o cerca.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Violência, Estrutura e Sociedade

Em primeiro lugar, a violência é humana; isso que dizer: onde houver homens e mulheres haverá assassinatos, estupros, furtos e outras atitudes ilícitas. A dificuldade são os excessos, o número de atos violentos muito além do que podem as autoridades estabelecer como controle. Nesse caso, duas perguntas se fazem presentes: uma, o aumento da violência está ligado diretamente a que?; duas, sabendo responder a primeira, qual a solução?
Se a violência é naturalmente humana, o seu controle é de ordem social e aí reside toda a complexidade da análise. Para alguns, a grande maioria da população, a solução está no investimento cada vez maior em segurança pública: mais soldados nas ruas, melhores armamentos, viaturas, melhores salários etc. Outros preferem pensar em grandes engenharias sociais com deslocamentos de populações de uma área para outra e investimentos em equipamentos sociais; pensam isso resumindo em uma frase muito batida: "maior presença do estado".
Alguns governos fazem de bairros inteiros, verdadeiros laboratórios sociológicos. Localidades, onde a violência está muito longe de ser controlada, recebem investimentos em saúde, segurança, educação, habitação, transporte etc. Essas atitudes não passam de laboratórios porque mesmo que afugentem marginais da comunidade a violência não se encerra, mas se desloca para outros lugares e tudo permanece igual em outra localidade.
Também não é uma solução final a aproximação da polícia às comunidades, ou órgãos públicos e ongs, que vão às comunidades carentes cortar cabelo, fazer casamentos coletivos, fazer carteira de identidade, levar lanches etc. Todas são soluções paliativas e simpáticas, mas muito boas para quem quer promoção. Não são soluções finais por serem pontuais, alteram apenas pontos aqui e acolá e não a estrutura.
Acontece que algumas pessoas, frutos da estrutura social sim, se tornaram "foras da lei" e assim serão até o fim de seus dias. Portanto, só se poderá pensar em diminuir a violência para as futuras gerações e isso acontecerá com investimentos pesados em educação. Mas isso precisa ser feito acompanhado de maior distribuição de renda, com habitação e trabalho. Pode não se fazer isso, pôde-se estancar o volume aqui e acolá, mas o resultado em algum momento será sempre maior violência, rumo ao caos.

sexta-feira, 16 de março de 2018

O Espaço Urbano e a Selvageria

Logo que os jornais e redes sociais anunciaram a morte a tiros de uma moça do Rio do Janeiro quando voltava para casa, lideranças comunitárias e militantes de seu partido político a enalteceram como uma reconhecida defensora dos direitos humanos. Pelo mundo afora as agências de noticia deram conta do fato, ressaltando as suas ações junto às mulheres negras, aos favelados e aos mais injustiçados da sociedade.
De imediato multiplicaram-se os comentários a respeito; nada mais natural que seus correligionários, apoiadores e todos aqueles que se sentiam representados por ela emitissem suas condolências, que ressaltassem suas qualidades e que pedissem ao estado brasileiro para que fizesse justiça. Nada mais justo também que pessoas mais próximas, tocadas pelo fato, expressassem a necessidade da ação de todos no combate a casos como esse.
O estranho é que também não demorou para que pessoas fossem às redes sociais para expressarem uma espécie de satisfação por saberem do assassinato de uma mulher com pensamentos contrários aos seus. Alguns, até inverteram os fatos e disseram que seus partidários, seus companheiros militantes, teriam agido em uma tática perversa e executado o ato criminoso para se destacarem politicamente ou para porem a culpa em agentes policiais.
Não tardou ainda para que alguém lembrasse uma outra moça, que também fora assassinada no Rio de Janeiro, mas que "por não ser negra, não ser pobre, não morar em favela, não apoiar gays e lésbicas ninguém se comoveu". Um outro ainda acentuou: "uma pessoa de esquerda morre e todo mundo comenta, 50 de direita morrem e ninguém diz nada".
A pergunta necessária é: o que leva alguém a não perceber a relevância do fato, uma mulher negra, favelada, defensora dos direitos humanos fora assassinada de forma brutal? Não há explicação se não a de que tais humanos, mesmo estando fisicamente entre pessoas, estão apartadas do mundo urbano e das suas implicações. Qual a razão de um fenômeno dessa natureza acontecer? Aí reside o complexo da urbanidade: algumas pessoas são frutos do espaço urbanos, nascem e vivem nas cidades, mas se encontram alheias a esse mesmo espaço. A mesma urbes que aproxima pessoas e as carrega de informações, construindo vidas de interação cosmopolitas, produz pessoas ignorante, viventes da selvageria. Porque a selvageria pode ser urbana e leva pessoas a estranharem-se umas às outras; aliás, a ideia de outro, ou de outra, o estranho, está aí mais evidente.
Afinal, a comoção não foi pela morte de uma pessoa apenas, mas daquilo que ela representava, uma liderança e defensora de ideias fortes tão necessárias nesses tempos de exclusão de quem é diferente, de quem não está envolvido diretamente no sistema de produção.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Do Estado: a Esquerda e a Direita

Já se disse da existência do "yin" e do "yang", da tese e da antítese, do bem e do mal, de Deus e o Diabo, mas - para muito além de qualquer pensamento de forças contrárias e maniqueístas - há de se pensar que uma sociedade só será democrática se sobreviver ao jogo político em uma relação de esquerda e direita. Isso porque o fortalecimento da democracia depende da compreensão desses dois polos e, de tais polos, o seu equilíbrio.
Para isso, faz-se necessário que haja lideranças políticas que tenham e sigam um programa que se reconheça como de esquerda, com ações firmes do estado nas áreas mais importantes como da saúde, da segurança, da educação, da renda, da habitação e por aí vai. Mas não basta que mandatários se elejam com tais propostas se não houver, conjuntamente, uma parcela da população que compreenda - mesmo que minimamente - teoria política e econômica e que possa acompanhar tais ações, dar sustentação e fazer as provocações necessárias.
Por outro lado, faz-se necessário que haja lideranças que se identifiquem com pensamentos políticos de direita e que produzam os seus programas de intervenção cada vez menor do estado na economia e uma sempre maior participação da inciativa privada: com menos gastos na saúde, menos gastos na segurança, menos gastos na educação etc. Da mesma forma, para isso será necessário que uma parcela da população se identifique com essa corrente da Economia Política, saiba do que se trata e faça as cobranças necessárias para que o programa seja executado dentro de uma normalidade cidadã.
Acontece que ser de esquerda não se resume em não gostar de quem é de direita, ou  apenas em defender as ações do estado, mas em ver uma totalidade nas ações políticas e na espera de que essas estejam direcionadas para atender às populações mais carentes, aos trabalhadores, aqueles que efetivamente produzem. Assim como ser de direita não é simplesmente não gostar de quem é de esquerda, mas ter tantas posses que, então, consiga se manter financeiramente sem interferências do estado.
Caso contrário haverá mesmo é uma confusão de ações e de pensamentos: uma guerra de surdos, um não ouve o outro e todos falam, mas não têm certezas do que dizem; uma guerra, mas sem saber quem bate ou quem apanha, ou porque bate e porque apanha. É preciso ter muito bem definido o papel do estado: um "regente de orquestra", ou um agente "de bem estar social"? É preciso que se tenha claro: a riqueza dos povos, como podem ou devem ser distribuídas? O tema é mais complexo do que se podem imaginar em intrigas nas redes sociais. O que não se pode é ver isso como quem vê uma torcida organizada: vascaínos e flamenguistas, ou corintianos e palmeirenses, torcendo pelo nada. No caso político, podem é estar torcendo contra si próprios.

segunda-feira, 12 de março de 2018

Do Popular e do Populismo

Toda palavra cuja raiz é acompanhada pelo sufixo "ismo", sempre designará uma corrente de pensamento que pode ser filosófica, política, religiosa etc.; nesse caso, populismo deveria designar uma corrente de pensamento político que eleva a qualidade do que é popular. Mas uma coisa são as palavras e outra são os conceitos. Esses últimos designam mais do que aquilo que os dicionaristas determinam para as palavras em si, eles tomam corpo e se expressam a partir de uma vontade social.
Todo governante quer ser chamado de popular, o que quer dizer: um governo aclamado pela população. Bem-visto. No entanto, nenhum governante quer ser chamado de populista, pois assim seria ele um assistencialista, alguém que quer manter a população sob controle; que por sua vez pode acontecer por sistemas midiáticos, pela imposição militaresca, ou mesmo por outro modo qualquer.
Hittler fora chamado de populista, assim como fora Mussolini, Franco e Salazar, mas também chamou-se (ou chama-se) para Getulio, no Brasil, para Peron, na Argentina, e para Stalin, na União Soviética. E não se usou somente para governos totalitários; alguns, ditos democráticos, também foram alcunhado de tal forma, como foi o caso de Roosevelt e Kennedy, nos Estados Unidos, ou de Gaulle, na França, entre outros.
Então, não existe em si um governo populista; o termo não é contraponto de democracia, de socialismo, ou de liberalismo político etc; qualquer mandatário que trace um programa que vá efetivamente ao encontro da população pode ser chamado dessa forma. No mais, alguns estudiosos dividem o termo traçando-o como  populismo de direita e/ou de esquerda, mas isso só mostra apenas que a condição pode ser tanto de um lado, quanto de outro.
Em geral, relaciona-se o termo com outro muito próximo, o assistencialismo. Usam-se a palavra para acusar certos governantes de assistirem à população; sendo assim, um governo populista teria como característica o assistencialismo. Mas a acusação não se sustenta, pois se assim fosse seria necessário re-discutir a essência do estado, ou seja: a sua relação com o indivíduo. Qual a função do estado?
O próprio termo populismo, como bem se percebe, está muito distante das definições que fazem os dicionários: "aquilo que é do povo"; "qualidade do que é popular". Portanto, esse conceito político está mesmo é carregado de uma forte carga negativa, de modo que nenhum governante a aceitaria como definição de seu governo. Mesmo assim, as pessoas continuam a usar como sinônimo de popular, ou de assistencialismo. Aí está a complexidade e a beleza das áreas humanas.

sexta-feira, 9 de março de 2018

Marx Permanece

Nessas comemorações dos 200 anos de nascimento do pensador alemão, Karl Marx, muitas análises sobre o materialismo histórico devem acontecer em todo o Planeta, tanto por conta dos estudiosos do pensamento, quanto dos seguidores e mesmo dos seus detratores. Congressos e seminários estão sendo programados, o que é por demais interessante e necessário tendo em vista que dois séculos o separa dos dias de hoje, mas seus textos continuam atuais.
Em primeiro lugar, a despeites  dos adjetivos diabólicos ou santificados, o pensamento de Karl Heinrich Marx não se esgotou nos tempos do século 19 porque sua crítica ao sistema capitalista sobreviveu às circunstâncias históricas. Claro, essas adaptações foram mais uma entrega dos anéis para não perder os dedos e por isso é sabido que hoje algumas leis trabalhistas protegem os trabalhadores.
No entanto, o materialismo histórico vai muito além das críticas miúdas que comumente acontecem aqui e acolá. É preciso que se busque as origens, já que nada surge do nada. Marx não foi o primeiro a falar de socialismo, pelo contrário, em sua época de juventude as ideias socialistas e libertárias já povoavam a intelligentsia do momento. O que ele fez foi readequar aqueles pensamentos de então dentro de ideias de ordem científicas; ou seja: estabeleceu com clareza o objeto e o método dessas análises, a percepção histórica sob um ponto de vista dialético.
Depois, é preciso que se busque as leituras do jovem Marx; algumas muito fortemente presentes em seu pensamento, como é o caso de Epicuro com ideias de prazer e felicidade, ou de Rousseau com um discurso fortemente contrário ao sistema absolutista vigente e até o liberal, Adam Smith, e a posição de que a origem da riqueza está no trabalho e não na terra como então se pensara.
Se o pensador grego, Epicuro, despertou em Marx a ideia de que a razão da existência humana é a busca pela felicidade, Rousseau mostrou-lhe que é possível um contrato social que propicie essa felicidade. Da mesma forma o economista Adam  Smith mostrou-lhe que a origem da riqueza do homem está na transformação da matéria prima em bens de uso, portanto, o trabalho. Ora, o que Marx fez foi juntar tudo isso e mostrar que esse responsável pela transformação de matéria prima em bens de uso - o responsável pela produção da riqueza humana - deve buscar a sua felicidade, porque uma outra sociedade é possível.

quarta-feira, 7 de março de 2018

Padre Fachini, a Miséria e a Luta

A Igreja Católica Apostólica Romana, há muito está fracionada: de um lado uma igreja conservadora, retrógrada, interpretando o Cristianismo a partir de uma carga de símbolos que obscurecem os mandamentos do "homem de Nazaré" e, de outro, uma interpretação que aproxima a fé cristã às lutas sociais e políticas por um mundo melhor. Desse último lado está uma teologia que ficara conhecido como Teologia da Libertação, um pensamento gestado ainda na encíclica Herum Novarum (das coisas novas), do papa Leão 13, que expõe as primeiras linhas sociais de Igreja.
Num entra e sai de papas, chegou-se às décadas de 50 e 60, do século 20, com João 23, o papa que abriu as portas do Vaticano "para que a brisa do rio Tibre tire o mofo da Instituição". Com ele inúmeros bispos ligados a Teologia da Libertação foram chamados, como foi o caso de Dom Hélder Câmara, de Dom Paulo Evaristo Arns ou na América Central, de Dom Oscar Romero, entre tantos outros.
Mas muitos padres e freiras, ao longo das Américas, dedicaram suas vidas nas lutas por um mundo mais humano e fraterno e um deles merece destaque pelo desprendimento e dedicação: padre Luiz Fachini, de Joinville, Santa Catarina. Dizem que um homem se mede pelas suas obras e ele, sempre preocupado com o outro, com o irmão, marcou sua história, essa é a sua medida.
Nos piores momentos políticos vividos pelos trabalhadores no enfrentamento com o sistema implantado, padre Fachini tornou-se um esteio com as suas comunidades eclesiais de base. A ele as populações mais carentes, os rejeitados socialmente, recorriam em busca de apoio contra toda a sorte de miséria e fome. Aqueles tempos se foram, mas as suas lutas continuaram: na periferia da cidade ele criou as conhecidas cozinhas comunitárias que levaram comida às crianças mais pobres todos os dias.
A sua teologia era simples, uma aproximação da Igreja aos fundamentos do que pregaram os apóstolos: "bem aventurado os que tem fome e sede de justiça...", "bem aventurados os pobres..."; ou quando Jesus fora interceptado pelo homem rico que lhe perguntou o que seria necessário fazer para entrar no Reino de Deus, falou: "vende tudo que tens, dá aos pobres, vem e segue-me".
De acordo com os fundamentos da Teologia da Libertação, padre Fachini seguiu à risca os ensinamentos do Homem de Nazaré quando dividiu pão e falou: "dividam o pão e façam isso quando lembrarem de mim". O padre Luiz Fachini faleceu no último dia cinco: a Igreja perdeu um padre, a Teologia perdeu um teórico e a luta por um mundo melhor perdeu um soldado. Permaneceram suas obras.

segunda-feira, 5 de março de 2018

O Muro, o Morno, o Cinza

Quando o apóstolo João, refugiado na ilha de Patmo, ao refletir sobre os modos de vida dos cristãos, escreveu em seu livro, Apocalipse, capítulo 3, versículos 15 e 16: "Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca".
Ou se é A, ou se é B - ou se é sim, ou se é não. O intermediário, o muro, o não querer se comprometer com um dos lados é a grande desgraça da humanidade. E é esse não querer se comprometer com um dos lados que impede o crescimento humano com espírito fraterno, de preocupação para com o outro.
Da mesma forma a posse do conhecimento: o saber e o inteiro "não saber" nunca foram os problemas, mas o saber pela metade, o muro, o saber pouco; é isso que faz o indivíduo a acreditar que sabe muito sobre o problema e põe-se ao debate e para a busca do entendimento que, então, não acontecerá.
As pessoas precisam sair dessa estranha mania dos tempos pos-moderno de não querer se indispor e se mostrar em uma ou outra cor; ficam em uma vida cinza que não se assume. Nesses tempos vive-se aquilo que Siegmunt Baumann chamou de sociedade líquida, uma maneira de ver o mundo em que as personalidades escorregam pelos dedos e as pessoas querem se  moldar de acordo com o ambiente, como a água que toma a forma de qualquer recipiente. Mesmo quando dizem que querem ser diferentes, nesse querer existe uma busca para o mesmo, para o não comprometimento. E tudo se repete.
Há uma história antiga que conta a aflição de um homem que permanecia atônito sobre um muro; de um lado havia um anjo que o chamava constantemente para que descesse e ficasse junto de dele, do outro lado havia  o Diabo, sem dizer nada, observava a sua indecisão. O homem não entendeu e perguntou ao diabo: "meu caro, de um lado do muro há um anjo que vive a me chamar para que eu vá para com ele e tu não me chamas, só me observas. Por que?" Após olhá-lo atentamente, o Diabo sorriu e a seguir falou: "É que o muro também é meu".
Resumo da ópera: é preciso viver plenamente, mas isso significa mostrar-se por inteiro ao mundo - mostrar um lado, uma cor, uma tendência, uma busca. E seguir por esse caminho. Todos têm um querer, todos têm uma cor, uma vontade e, livre das amarras do convencional, mostrar-se-ão em preto ou em branco, ou vermelho, ou verde. Um homem livre não fica encima do muro, acizentado.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Da Morte

O ponto mais cruel da existência humana é a certeza de que, em algum dia, essa existência não mais vai existir. A morte. É essa certeza, o desespero diante do fim iminente, que constrói os medos, esses acompanhantes dos humanos por toda a vida e, com eles, constroem-se os mitos, as lendas, os costumes e todas as estruturas de pensamentos místicos. Mas o que em geral não se diz é que aí surgem a fé, as religiões e as crenças em vidas após a morte.
Os cristãos acreditam que ao nascer os homens recebem um sopro divino e esse é o seu espírito que o animará até seu último momento, quando tal espírito voltará e ficará "no altar de Cristo a espera do soar das trombetas", "quando Jesus voltará para julgar os vivos e os mortos". Acontece aí que a ideia de poder viver em espírito com Deus, por toda a eternidade, o conforta - a existência continua.
Com os judeus e islâmicos não é muito diferente, há sempre a possibilidade de uma vida no pós morte. Nos pensamentos orientais há uma mistura de crenças em várias formas de vida no além túmulo e a aceitação da morte como algo natural e que pode não ser tão cruel como pensam os ocidentais.
Os espíritas são os que mais se confortam diante da própria morte e da de alguém próximo, pois crêem que os espíritos se encontram em algum lugar maravilhoso e podem voltar a essa vida terrena encarnados em pessoas próximas aos entes queridos de vidas passadas. Nesse caso, parece que a eternidade está numa constância de nascimento, vida terrena e morte, nada mais sendo que uma passagem para outra vida e assim subsequentemente.
Do outro lado dessas expressões religiosas encontra-se o ateu, aquele que rechaça qualquer possibilidade da existência de deuses, de vidas passadas ou futuras. Para ele, o que existe é apenas aquilo que se mostra aos sentidos. Nesse caso, a morte é uma transição cruel do existir para o não existir. Uma passagem para o nada. É simplesmente o existir que se confronta com o não existir, é um "ser ou não ser?" ou "o ser e o nada".
De qualquer forma os humanos vivem, mas o fazem com consciência; isso quer dizer: têm noção de que um dia surgiram e que um dia não mais vão estar ali - a não ser que suas crenças expressem a verdade. Mas o melhor mesmo é a aceitação da morte como algo natural; afinal, tudo um dia começou e tudo um dia terminará.