Quando Belchior cantou, Tudo Outra Vez, falou de um homem jovem que fora para Europa tentar a vida como artista e agora voltara pensando: "quem sabe lá nos trópicos a vida esteja a mil". As letras do cantor cearense foram sempre de cunho filosófico existencial: "o rapaz latino americano sem dinheiro no bolso" que "cai" do Norte e "vai viver na rua" no sul das "grandes cidades".
Mesmo em um caso particular, em Tudo Outra Vez ele faz refletir sobre os cortes e os rompimentos, mas se percebe que tudo está acompanhado dos retornos e os recomeços que ensejam a existência de cada pessoa; e quando aqui se fala de "cada pessoa" está a se dizer também de cada pensamento, de cada ideia. Isso porque viver, estar no mundo com as demais pessoas, é sobreviver às rupturas continuamente impostas pela natureza da própria existência.
A canção provoca uma busca à dialética hegeliana - um pensamento de que tudo caminha para o envelhecimento, o conflito e, com ele, as rupturas e as renovação, uma sequência natural de todas as coisas. Toda tese existe porque se confronta com a antítese, esta por sua vez não é nada mais que uma outra tese e todas caminham para um síntese que é outra tese com outra antítese e assim segue.
Acontece que os sistemas, as relações e as ideias um dia não existiram e um dia não mais existirão em um processo contínuo; tudo segue para o velho e para o novo ao mesmo tempo, para o fim e para o recomeço. O grande mal da humanidade é se iludir com o momento, com a ilusão do estático, como se fosse esse uma eternidade, como se tudo "é" e não tudo está, porque logo tudo que "é" não mais será.
É o grande mal das pessoas porque, pensando assim, o que conseguem é sofrer. Ao pensarem nas coisas como eternas, ao se apegarem a tudo e a todos não conseguem entender o fim de cada coisa, como tudo acaba, se desesperam e sofrem. Tudo tem um prazo de validade, tudo tem um prazo de duração. Quando alguém fala em "eternidade de um momento" está se referindo a intensidade desse instante, mas nada sobrevive. Esse momento que fora "eterno", acabou.
Portanto, segue-se sempre para Tudo Outra Vez. Viver é sobreviver às rupturas e é coragem para enfrentar os recomeços. E assim segue-se de rupturas em rupturas, de recomeços em recomeços até o fim fatal de cada coisa: virar pó e recomeçar em outro ser, outra planta ou outro animal. Tudo Outra Vez.
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