segunda-feira, 4 de junho de 2018

"Farinha Pouca - Meu Pirão Primeiro"

O que leva um país, formado por uma população trabalhadora, com uma diversidade cultural, que se assenta sobre solo fértil e rico em matéria prima, mas vive em constante fragilidade política, com prepotência das classes mais abastadas sobre os mais humildes? A mesma pergunta sob outro ângulo: como é possível uma parcela considerável da população não ter qualquer capacidade de raciocínio político e se deixar levar por jornais tendenciosos e notícias falsas das redes sociais, replicadas sem qualquer análise mais apurada?
Fala-se muito da necessidade de investimentos governamentais em educação, já que outros países que assim fizeram mudaram o modo de vida do povo. No entanto, os que assim falam não dizem que investimento é esse e acabam caindo em um preconceito, já que essa incapacidade de análise política e perpetuação das mazelas não parte somente das pessoas mais humildes, os sem instrução, mas também de advogados, de jornalistas, de médicos, de professores (universitários inclusos), de pequenos proprietários etc.
Ora, as ciências sociais e humanas ensinam que há uma relação direta entre as ações do estado, a acentuada divisão de renda e a falta de instrução, ou de uma instrução mal feita, mal acabada. Acontece que a cultura competitiva, da concorrência, do "farinha pouca - meu pirão primeiro", contrária a cultura de parceria, da ajuda mútua e isso interfere no modo de ser, de querer e agir de um povo.
E o pior disso tudo é que miséria gera miséria, analfabetismo gera analfabetismo, assim como incapacidade política, gera incapacidade política; e a propagação acontece quer seja nos jornais, nas rádios, nas tevês, nas salas de aulas, nos clubes, no botecos etc. Como quebrar esse paradigma que se auto-alimenta e perpetua em um processo que repete políticas danosas, excludentes e que privilegia alguns poucos? É preciso, primeiro, entender a dinâmica do fenômeno que está dado e que inclui um conhecimento da história para então quebrar essa capacidade de reprodução.
Fala-se na necessidade de investir em educação, mas tem professores, graduados em licenciaturas de última hora, lecionando Filosofia e Sociologia a tecerem apologias a candidatos a presidente de República com discursos misóginos, homofóbicos, machistas e racistas. O mercantilismo vivido na educação leva às salas de aula profissionais sem qualquer capacidade de análise mais crítica sobre o mundo do seu entorno, da política e da economia e reproduzem as facilidades encontradas em pequenos textos, descomprometidos, simplistas e viciados.
É preciso largar mão de um simplismo perigoso, setorizado, e analisar a sociedade a partir de um entendimento complexo, de um corpo em funcionamento, um todo organizado e que se reproduz. A riqueza do solo, a riqueza econômica e diversidade cultural não deve ser analisada em separado dos interesses de classes, da distribuição da riqueza, das lutas por privilégios e manutenção do status quo.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Democracia , Intervenção e Ditadura

Cientistas políticos afirmam que o conceito de democracia, na essência, rivaliza com o de guerra, e estão certos, já que quando acaba a política, quando acaba a capacidade de negociar, as pessoas entram em conflito. Nesse caso, a democracia é então um regime político em que um dado povo tem a capacidade de se autogerir: um regime em que a governança acontece de forma partilhada.
Mas sobre isso há algo a ser dito: a democracia rivaliza não necessariamente com a guerra em si - a não ser que o conceito de guerra possa ser mais estendido do que comumente é apresentado - por que, por essência, a democracia rivaliza com toda e qualquer manifestação bruta da força física como modo de impor decisões de um único indivíduo ou de um grupo de indivíduos. Em outras palavras: democracia rivaliza com qualquer sistema de governo absoluto, monárquico, aristocrático - ditatorial.
Quando alguém aceita um sistema dessa natureza subentende-se que esse indivíduo o faz por dois motivos: primeiro, se ele tem algum laço de parentesco, ou de amizade, com o ditador, pois assim poderá ter algum tipo de vantagem pessoal; segundo, se não tem a menor noção do que está defendendo. Mesmo que todo ditador afirme que o que está fazendo é propriamente a democracia, isso não é verdade, em um regime ditatorial encerram-se as liberdades individuais e a capacidade cidadã de definir seus destinos.
É também chamado de regime totalitários e/ou autoritário: de um lado porque se faz  estado se faz presente e controla todos os setores da sociedade, de outro, porque o faz isso com a força das armas e de aparelhos de repressão. Em regimes dessa natureza há um controle sobre toda e qualquer forma de expressão (imprensa, cinema, música, livros, teatro e escolas), de modo que os mais incautos podem sentir até uma espécie de calmaria e a impressão de que tudo está normal.
Por outro lado, a implantação de uma ditadura, está intimamente ligada outros conceitos correlatos: golpe de estado, intervenção militar e manutenção da ordem. São correlatas porque na política não existe vácuo, todas as vezes que se fez intervenção, a intervenção se transformou em um sistema autoritário por extensão. As democracias tem erros, mas abdicar de um regime cidadão, de alguma forma de participação popular e desejar uma ditadura é, por assim dizer, animalesco, é recrudescer na escala evolutiva da humanidade e se desejar ruminante à espera que o dono lhe dê a ordem.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

A Ignorância e o Senso Comum

Os debates sobre temas como sociedade, educação, política, cultura, entre outros, fazem parte do que se chama de ciências sociais ou, mais especificamente, ciências humanas: Sociologia, Antropologia, Política, Economia, Direito etc. Algumas dessas ciências, além da definição clara de seu objeto, enfrentam outros dois pontos relevantes: o senso comum e a cientificidade ou, a possibilidade (ou não) de comprovação científica.
Mas a cientificidade não é propriamente um problema já que as ciências, de um modo geral, nesses tempos pos-modernos, perderam o estatuto da verdade absoluta; se a própria Física que sempre se estabeleceu como exata com o aval da Matemática, hoje se aceita como relativa, ou dentro do que se chamou de teoria quântica, todas as áreas do conhecimento podem se arvorar como científicas, como resultado de pesquisas elaboradas, frutos de métodos rigorosos.
O grande problema, e inerente exclusivamente a essas ciências, é o senso comum. Como cultura, relações sociais, economia, justiça etc; são temas muito próximos das pessoas, alguns acreditam que dominam tais conteúdos, dão palpites e até tomam decisões importantes. Algumas pessoas ocupam altos cargos na administração pública e tomam decisões governamentais, políticas e jurídicas a partir de um senso comum, inexato, nebuloso, sem fundamento.
Por outro lado, pessoas comuns discutem esses temas como se autoridades fossem e pedem para aqueles que os questionam que lhe deixem em paz pois "a democracia dá direito a ter a própria opinião". Em geral, as falas são incoerentes, recortadas, portanto, sem fundamentos e o interlocutor demonstra completa falta de leituras em Política, em História, em Economia, em Direito etc.
Desconhecem, esses, que o próprio tema "democracia", assim como de "liberdades individuais", de "legitimidade", e outros, dão margem a muitos debates e contrariedades, tanto de ordem conceitual quanto de eficiência e prática política. Acontece que vivemos todas as ciências - a Física, a Química, a Medicina - elas vivem em nós, mas não damos conta; mas a nossa existência na sociedade, nossas ações políticas, nossas ações econômicas fazem com que tenhamos alguma consciência: temos um salário, somos pai, mãe, filho, temos conflitos judiciais e daí por diante. Assim, a experiência imediata que temos com temas da Sociologia, da Política, do Direito ou da Antropologia, não nos deixa perceber a complexidade dessas ciências e não percebemos a nossa ignorância e damos palpites, mesmo que sejam "furados".

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Paralização de Caminhoneiros e o Golpe

Após 26 dias de paralisação de caminhoneiros por estradas de todo o País, houve uma tomada de poder no Chile seguindo um plano da CIA (polícia dos Estados Unidos) em obediência a uma determinação expressa de Washington. Havia medo de que a influência estadunidense se perdesse e a decisão, com a mesma preocupação, já havia sido tomada com relação ao Brasil, ao Paraguai e a outros países da América Latina.
A tomada de poder no Chile fora um golpe realizado pelo Exército e a Aeronáutica daquele País contra o presidente Salvador Allende, democraticamente eleito em 1970 com 36% dos votos válidos contra o seu opositor, com 34%. Logo após a vitória nas urnas do Partido Socialista, o secretário de estado estadunidense, o alemão judeu, Henri Alfred Kissinger, declarara seu descontentamento com a posse daquele que faria uma administração contrária aos interesses dos "irmãos do norte".
A constituição chilena mandava que o presidente eleito por voto popular passasse ainda pelo crivo do Congresso e, com as duas aprovações, deveria ser então empossado. Para desgosto de Kissinger, e contrariando os interesses estratégicos dos Estados Unidos no leste da América do Sul, o novo presidente foi empossado de forma legítima e com promessas de maior autonomia para seus país.
No entanto, nos anos de 71 e 72, seu governo foi cada vez mais cercado com dificuldades econômicas e empecilhos nas transações internacionais, impossibilitando-o de efetivamente de administrar o País e fazer as transformações esperadas daquela nova administração. Com isso, as relações do Chile com os Estados Unidos da América foram cada vez mais prejudicadas, o que tornara o governo de Allende insuportável.
A decisão do secretário de estado estadunidense era clara, os militares chilenos precisavam assumir o controle e fazer uma administração parceira, voltada para os seus interesses. Mas, para isso, era preciso que o governo, ora em exercício, ficasse ainda mais insustentável. Foi então que, através da embaixada daquele país, uma paralização de caminhoneiros fora organizada sem a percepção dos chilenos das estratégias montadas, nem mesmo pelos próprios participantes. Em duas semanas a população estava completamente desabastecida dos insumos mais importantes e o caos tomara conta do País do Sul ao Norte.
Quando o governo tornou-se impossibilitado de prosseguimento e, seguindo uma cartilha previamente pensada, os militares começaram a fazer declarações contrárias ao governo estabelecido e, nesse mesmo tempo, grupos de populares incultos, ou desavisados, começaram a pedir intervenção militar. Foi o que aconteceu: em 11 de setembro de 1973, com a negativa de desmontar o governo, a Aeronáutica bombardeou o Palácio de la Moneda e o Exército entrou e assassinou o presidente da República, Salvador Allende, (forjando um suicidio) e o novo governo foi assumido pelo general Augusto Pinochet. Iniciava então, um período de prisões, torturas e mortes e terminava a longa paralisação de caminhoneiros no Chile.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Desigualdades e Movimentos Sociais

Os movimentos sociais são um fenômeno próprio das relações humanas em sociedades baseadas em desigualdades de classes, de estamentos, de castas, ou de credo, de raças etc. Isso quer dizer: desde que os humanos deixaram de ser nômades e criaram as suas civilizações a história tem registrado conflitos calcados no descontentamento com a ordem estabelecida.
Aliás, boa parte dos crucificados na antiga Judeia eram pessoas que faziam enfrentamento contra os privilegiados, naqueles tempos de domínio romano: Jesus de Nazaré é um exemplo disso. Antes dele, Sócrates de Atenas foi condenado a morte acusado de blasfemar contra os deuses e corromper a juventude, ou seja: havia medo que, por liderar um grupo, ele pudesse disseminar ideias contrárias à ordem estabelecida.
Historiadores mostram ainda, na antiguidade, a figura de Spartacus, um escravo romano que se rebelou contra a condição estabelecida, reuniu milhares de escravos e durante meses enfrentou o poderoso exército dos generais de Roma. Da mesma forma na Idade Média, muito diferente do que se fala em obscuridade da época, em vários momentos - quando a opressão chegou a condições intragáveis - servos da gleba e trabalhadores livres se juntaram e fizeram os enfrentamentos necessários contra príncipes e reis.
O termo movimento social é complexo, bastante debatido por sociólogos, cientistas políticos, juristas e antropólogos, começou a ser usado a partir das lutas operárias do século 19. O conceito recentemente se define como a condição de membros da sociedade que se sentem prejudicados por algum motivo, juntam-se com aqueles que se sentem na mesma condição, se organizam e lutam pelos seus interesses.
Os movimentos sociais são, então, todos esses os grupos organizados e suas manifestações podem ser desde uma alegre passeata, uma paralisação, ou uma greve de fome, entre outras, podendo chegar a depredação de ambientes que se relacionem com o que se entende por opressor, ao enfrentamento às forças públicas e/ou à revolta com luta armada. Diferente do que se pode pensar, esses movimentos no mundo moderno existem como elementos catalisadores das grandes transformações: as leis que hoje amparam os trabalhadores são frutos de intensas batalhas; assim como os movimentos de afro-descendentes que conseguiram impor leis de participação em atividades antes resguardadas aos brancos e, de certa forma, impor respeito a sua condição; não foi diferente com as lutas das mulheres que levaram os países a adotarem leis para por fim ao subjugo diante dos indivíduos do gênero masculino; o mesmo ocorre com as pessoas que se identificam com o grupo LGBT, além de outros grupos.
Acontece que há uma legitimidade nas lutas sociais. As sociedades, que por hora se apresentam, são desiguais e, na desigualdade, alguém sempre se sentirá em prejuízo. Portanto, é natural que queira mudanças na estrutura. Não adianta pessoas com posições contrárias fazerem discursos falando dos malefícios - "direito de ir e vir", "liberdades individuais", "respeito aos que pensam contrário" - havendo desigualdades haverá movimento contrário ao sistema vigente. Isso quer dize: quanto mais igualitária uma sociedade for, menos lutas sociais haverá; isso porque o fenômeno chamado de movimento social nada mais é, por natureza, que um instrumento de luta contra as desigualdades.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

A Capital

A raiz da palavra capital vem do Latim - caput - que quer dizer cabeça, a parte principal de um corpo, como é usado metaforicamente em várias áreas do conhecimento. Na Economia se usa quando se quer falar de uma quantia de dinheiro que investida em uma transação financeira, o que se chamaria de capital financeiro, capital comercial ou capital industrial.
Na Sociologia se usa o termo capitalismo quando o regime econômico da população tem a prática de investimento em um mercado como seu modo de produção. Nesse mesmo regime econômico capitalista se fala em "poder do mercado"; ou seja: a força das transações financeira baseadas no capital.
Mas tanto na política, quanto na Geografia, o termo capital é também usado para designar uma cidade que sedia os três poderes de comando de um estado, bem como é a sedes dos principais órgãos governamentais e a residências das pessoas envolvidas nessa estrutura de poder.
Por outro lado, a capital de um país, ou de uma província, não necessariamente é a capital econômica ou a cidade de maior densidade populacional; assim como tem país, como é o caso da África do Sul, que tem duas capitais políticas, uma sedia o legislativo e a outra o executivo.
Mas o importante é que a capital pode ser trocada quando os seus dirigentes assim acharem necessário, que pode ocorrer com ou sem o apoio da população, conforme o caso, e que gera uma série de percalços. Custo altíssimo. O Brasil, por exemplo, mudou de Salvador para o Rio de Janeiro e, depois, - em 1959 - para Brasilia, e provocou um custo financeiro muito além do que a população podia arcar e ainda hoje, quase 60 anos depois, sente o peso dessa mudança.
Da mesma forma, quando se fala em troca da capital de Santa Catarina de Florianópolis para Joinville, como aventado nos últimos dias com o envio de documento nesse sentido para a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, muitos pontos precisam ser levados em consideração: primeiro, o corte cultural que se isso provocaria - Nossa Senhora do Desterro sempre foi o alicerce histórico de Santa Catarina, foi ali que se começou a província; segundo, o custo financeiro de uma troca de capital seria insustentável em uma economia dos tempos atuais.
Joinville tem todos os predicados necessários para se tornar uma grande capital política de uma província, ou até de um país, mas isso não significaria investimento para a sua população, com melhor saúde, melhor educação, melhor segurança etc. Por fim, mais do que trocar a capital, Santa Catarina precisa pensar em si própria: suas vias de transporte, reordenamento da educação, um melhor aparelhamento da saúde, aumento do contigente de segurança etc.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Os Monarquistas e o "Espírito Republicano"

Hoje quando se fala muito em cidadania fala-se reforçando a ideia de um espírito republicano; alguns já nem falam mais em democracia, em justiça social, mas na construção dessa república na elevação de um pensamento que chamam de republicano. Isso soa como um retorno à 1789 na França, quando a lei e a ordem era destruir a monarquia, e sua nobreza, como única forma de se fazer justiça social e cidadania.
Nos tempos atuais, eu não sei porque relacionar república com justiça, com democracia e/ou cidadania; assim posto, parece que tais condições seriam impossíveis de existirem nas monarquias. Mas pelo contrário, algumas monarquias europeias são muito mais justas, mais cidadãs e mais democráticas que qualquer república latino-americana.
No Brasil, aliás, que já foi monarquia, parece que os brasileiros proclamaram a república: saíram da monarquia, mas a monarquia não saiu de suas cabeça. Mesmo 130 anos de pois, continuam a entronar aqueles que se destacaram em algumas atividades: o rei do futebol, o rei Roberto, a rainha dos baixinhos e assim por diante; se o indivíduo for um homem muito bom, simpático, será um lorde.
Mas o mais interessante é a maneira histérica como a mídia nacional trata do tema e é partilhado pela população: os casamentos das famílias monárquicas europeias. Claro que aí está também uma imposição midiática, com suas atitudes sensacionalistas, mas quem faz essa mídia são também brasileiros e com o mesmo espírito.
Quando o filho mais velho da rainha da Inglaterra casou-se já foi uma histeria geral: jornais e revistas anunciavam em primeira página o "grande fato", revistas detalhavam o corte de cabelo da noiva e detalhes das roupas. Anos mais tarde, quando o primeiro e o segundo filhos do príncipe herdeiro da Inglaterra também casam: tudo outra vez. Jornais e revistas noticiam como se fosse fatos de extrema importância para a humanidade; uma emissora de televisão brasileiro transmitiu tudo ao vivo para todo o País.
Mais uma vez aí vai ao espírito monárquico brasileiro e, mais profundamente, aos tempos colonialistas. Um colonialismo que ficou impregnado no modo de ser: um modo de ser em que se dá as costas para seu povo, seus conflitos, suas injustiças e a frente para os europeus, para os estadunidenses.
Fala-se em espírito republicano não porque com isso se está preocupado com justiça, com democracia ou com cidadania - como querem deixar parecer - mas porque se está ouvindo os outros falarem: um sentido novo para a mesma coisas. E quando não se sabe o que é e o que quer, tanto faz ser monarquia ou república, não haverá cidadania, não haverá justiça social e não haverá democracia.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

O Fim do Capitalismo?

Quando se fala que o capitalismo dá sinais de decadência, ou pelo menos de mudanças substanciais, precisa-se levar em conta a sua origem e as etapas porque passou, desde o mercantilismo medieval até as transações internacionais dos grandes conglomerados empresariais dos dias atuais. Mesmo com a demonstração de opulência de alguns investidores e as inovações tecnológicas, o regime econômico capitalista demonstra fadiga desde que seu espírito perdeu aquilo que Max Weber chamou de ética protestante.
A riqueza está formada e acumulada nas mãos de alguns poucos, mas a ideia de trabalho como sendo uma forma de elevação da dignidade humana e até de ascese religiosa saiu de cena para dar lugar a uma voracidade do enriquecimento pelo enriquecimento: rápido e inconsequente. Jovens miram-se nos grandes exemplos daqueles que conseguiram fazer fortunas, tentam repetir o feito e dão-se ao empreendimento de comprar e vender mercadorias, mas o fazem burlando leis de mercado, não cumprindo normas do estado e negando informações ao fisco. Perdeu-se assim o caminho, mas o destino continua o mesmo.
Se tudo que existe um dia não existiu e um dia não mais vai existir, o capitalismo um dia não existiu e, portanto, um dia não mais vai existir. Um dia foi o metalismo mercantilista e corsário dos reinos a disputarem os comércios pelo mundo a fora; depois foi o industrialismo protestante da dedicação ao trabalho, o que acarretou na busca de mais matéria prima e mais mercado consumidor. Acontece que o que se pregara como livre comércio em um capitalismo concorrencial desembocou em duas grandes guerras mundiais, atrocidades políticas e um reajuste econômico estabelecendo uma nova ordem.
O que se pensara inicialmente como liberdade econômica em um capitalismo concorrencial, da valorização do trabalho como dignidade humana, deu-se lugar a uma disputa acéfala e quase autofágica. O fim é o enriquecimento e o caminho "para se chegar lá" e isso pode ser pelas regras do mercado, como pode ser também através de qualquer forma de adulteração de produtos, de sonegação fiscal, de desrespeito às leis trabalhistas etc.
Se isso são sinais de decadência do sistema só o tempo dirá. Da mesma forma só o temp dirá se outro sistema há de vir, ou que sistema será esse outro, mas a verdade é que os tempos não são mais os mesmos e o capitalismo não é mais aquele. Com a capacidade do regime se reinventar, talvez mesmo algo já esteja sendo alterado com vistas a sobrevivência, mas o que parece é seu fim mesmo.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

A Sociedade, os Indivíduo e Seus Papéis

A não ser que seja um eremita a viver escondido nas montanhas, ou um náufrago perdido em uma ilha deserta, as pessoas existem nas sociedades e nelas desempenham papéis, quer sejam papéis exclusivos para determinadas instituições ou delimitados politicamente para servir ao estado e, consequentemente, às pessoas de um modo geral. Mas entre os papéis que lhes foram confiados, suas especificidades e categorias, conforme foram pensados pelo corpo de legisladores, e a sociedade precisa e espera, há diferenças profundas.
O ministro da Saúde, por exemplo, não será ministro da Saúde se não estiver efetivamente preocupado com a administração da saúde, mas com os interesses de determinados grupos em partícular. Da mesma forma o professor não será professor se não estiver preocupado com o ensino dos conhecimentos necessários para o jovem em formação, mas apenas em cumprir um período de permanência em sala de aula.
Determinados juízes são contratados pelo Estado para desempenharem a função de juiz, mas atuam como políticos, com discursos, estratégias de ataque e defesa e articulações junto aos meios de comunicação tradicionais e das redes sociais da internet. Esses não são juízes. De um juiz se espera uma sobriedade, seriedade, imparcialidade: independência das paixões do conflito na administração da justiça.
Igualmente, não se pode ter como policial uma pessoa mal-caráter que por acaso passou em um concurso público, vestiu uma farda e por isso está na ruas a fazer tudo ao contrário do que se espera da atividade militar. Mas a vida pública não é diferente do que ocorre na vida civil, ou eclesiástica: o empresário que faz discursos por lealdade na concorrência, mas é desleal com aqueles da sua categoria e com seus clientes, ou o profissional liberal que não desempenha efetivamente a função que se propôs nos bancos acadêmicos, ou o religioso que desvia suas funções como orientador dos preceitos religiosos.
E a lista segue extensa se formos descrever e exemplificar cada uma das funções de homens públicos, legitimamente contratados para funções específicas, mas que desviam seus afazeres priorizando suas vontades e necessidades. Talvez, se esse ensaio fosse lido por um norte-europeu, diria-me ele: "como podes levantar temas dessa natureza e descrevê-los, como se vivêssemos ainda nas bordas da Idade Média?" Teria eu de dizer: "sim, vivemos isso em nosso país, em pleno ano 2018 da era cristã".
Alguém poderá também argumentar: "mas não são todos os professores", "não são todos os profissionais liberais a agirem dessa maneira". E é verdade, felizmente não são todos. Mas existem esses. Se o cesto tiver dez maçãs, e dessas, uma podre, terá uma podre que deverá ser lançada fora. As nove sãs não recuperam uma estragada, mas essa uma estragada põem a perder as outras nove.
Essas pessoas se distanciam das atividades esperadas pelo conjunto da sociedade por dois motivos: ou por ignorância de que a sociedade necessita para um bom andamento que seus indivíduos executem fielmente as funções às quais foram contratados; ou por serem mesmo de ma-índole e acreditam que o restante da sociedade deve estar ao seu dispor. Os dois casos são muito difíceis de reverter, já que ambos os comportamentos são frutos da educação: o primeiro, da educação formal porque cada vez menos discute a própria sociedade e, o segundo, é fruto da educação informal que repassa vícios e malvadezas pelos exemplos. E a coisa segue.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Jesus de Nazaré, a Política e as Injustiças Sociais

O pensamento e as ações de Jesus de Nazaré, para além dos dogmas do Cristianismo,  preceitos culturais e tradições religiosas, tem presente uma prática política: o combate ao domínio do Império Romano e as injustiças sociais naquela Judeia de 2.000 anos atrás. O homem foi preso, julgado e condenado a morte devido as exortações contra os desmandos das classes privilegiadas que levavam vantagem com o fato de ter seu próprio povo dominado por uma potência.
A dominação romana tinha uma prática peculiar, deixava que os povos continuassem suas tradições religiosas e até as monarquias com todas as pompas permaneciam se pagassem em dia os tributos que os governadores enviados a exigiam. Em troca davam-lhe uma contrapartida: a proteção contra outras possíveis invasões e mantinham a ordem interna interferindo contra qualquer possível rebeldia ao sistema vigente.
Nesse tempos de Judeia, duas instituições eram muito fortes: a Igreja e o Estado. As duas agiam com independências entre si, mas se mantinham interligadas de modo que uma dava sustentação às ações da outra: Herodes precisava do apoio dos sacerdotes, tanto quanto esses precisavam do monarca. Desse modo, havia um punhado de famílias ligadas ao Estado e/ou ligadas a Igreja, bem vividas, que obtinham vantagens com a dominação estrangeira.
Ocorre que uma rebeldia política, contrária ao sistema estabelecido, poderia interferir no modo de ser das famílias e isso precisava ser eliminado o quanto antes; a fala do chefe maior dos sacerdotes, quando se referiu  ao nazareno, é esclarecedora: "é preciso que matemos esse homem, antes que tenhamos de matar a muitos". Em outras palavras, qualquer pessoa que dá atenção aos mais necessitados, que combate às injustiças, contraria os interesses de uma elite privilegiada e precisa ser condenada e, quem sabe, morta.
Jesus de Nazaré tinha o apoio de uma parcela considerável da população mais necessitada, pobres, doentes, prostituas, pescadores, funcionários públicos e ampliava mais a sua capacidade de penetração nesses grupos, mas acontece que se formaram a sua frente três grupos poderosos adversários, a monarquia judaica,  a categoria dos sacerdotes e a governança romana. A sua opção pelos mais injustiçados era coerente com as exortações, mas estava fadada a um fracasso político, já que o povo, mesmo sendo em grande número, tinha apenas a força do número, o poder político - e consequentemente das armas - estava com os três grupos unidos em seu intento. E o resultado foi sua condenação e prisão, como sempre ocorre.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

A Reinvenção da Esquerda

Já se disse que "é preciso reinventar a esquerda". A frase trás em si um paradoxo: como é possível inventar o que já foi inventado? A palavra reinventar é recente e trás consigo uma vontade de pensar sobre os rumos de algo e, quem sabe, dar novas diretrizes. Portanto, a esquerda não pode ser mais uma vez inventada porque já existe, já atuou em muitas batalhas, o que precisa é que seus militantes repensem as estratégias e táticas que tiveram até os tempos atuais.
O século 19, viu o surgimento das lutas políticas socialistas. O momento era de calcar em combates à exploração burguesa e à inoperância medieval da aristocracia: de um lado o estado a serviço do capital e de outro o estado absoluto. Esse era o período do capital nacional, sedento de regras protetivas para os seus ganhos; nesses tempos a esquerda tinha nomes e endereços de seus adversários. E os meios de comunicação ficavam por conta apenas dos jornais impressos, instrumentos que estavam ao alcance dos partidos para mostrar as contradições sociais resultantes do embate, capital versos trabalho.
Mas os tempos mudaram. Duas grandes guerras separam nossos tempos e o modo de realizar a exploração acontece hoje de forma diferente: não há mais estado absoluto e quase não há mais estado nacional. O controle se faz não mais pelo capital nacional, mas pelo capital das grandes corporações que transcendem as burocracias e as leis nacionais. Pelo contrário, os atuais estados nacionais, voluntariamente ou não, seguem os ditames do grande capital multinacional. Além do mais, as comunicações de hoje são feitas também por grandes empresas que por sua vez fazem parte dos grandes conglomerados econômicos.
Se a esquerda é um braço da sociedade que se opõem ao regime econômico político e social implantado, faz-se necessário que se repense o modo de ser desses organismos. Se a imprensa já não é mais a mesma, se a elite econômica já não é mais aquela, se a distribuição de riquezas já não ocorre do mesmo jeito que ocorrera no século 19, o estado nacional já não é mais o de outrora, portanto os instrumentos de combate devem ser outros.
Nesses tempos de mídias sociais, de velocidade na comunicação via internet, é preciso que se congregue as antigas lutas sindicais e partidárias dos tempos passados, com os movimentos contrários ao sistema vigente como os movimentos de combate à homofobia, os de combate ao racismo, os de defesa da mulher, os de defesa da educação. Mas essa congregação de lutas precisa ser feita por grupos de vanguarda a emitirem constantemente textos integradores a respeito, como se fossem casas editoriais a chamarem atenção para a unidade na luta.
Como isso pode ser feito? E difícil de prever já que o dia a dia de homens e mulheres é fruto da história; portanto, só o tempo pode dizer. Se isso é reinventar a esquerda, que seja, mas é preciso que temhamos conta da necessidade de um novo direcionamento.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Mudanças, Revolução e Moralismo

A ideia de movimento contínuo, de início e fim, de vida e morte, tanto em objetos concretos quanto de figuras abstratas, símbolos e noções de verdade consagradas, gera perplexidade nas pessoas, quando não, um certo desespero. Afinal, quando se observa as pedras imóveis a noção que se tem é que elas são pedras e assim permanecem através dos tempos, da mesma forma os pensamentos religiosos, as filosofias de vida, as ideologias e todas as "verdades" construídas ao longo dos tempos.  A sensação que se tem é de perenidade.
Mas as pedras um dia não foram pedras, assim como as flores um dia não foram flores e um dia não mais serão pedras e um dia não mas serão flores. Eu que agora vos escrevo, um dia não mais vos escreverei e assim obedecerei à ordem natural de todas as coisas. Acontece que a história é dinâmica e, como uma enxurrada constante, remove o que está plantado, arranca até as raízes mais profundas e traz novas sementes, novos brotos, o que faz nascerem novas plantas e assim tudo segue.
Quando olho o rio não percebo a sua dinâmica natural, mas a condição para ser rio é ter águas a passarem continuamente em direção ao mar, que irão evaporar, subir ao céu, descer novamente, procurar novo rio e assim seguir em direção ao mar. Se tudo muda, se tudo o que é depois não mais será, a preocupação fica com as afirmações categóricas, com as "verdades" únicas e inabaláveis.
A Filosofia já se debruçou muito sobre as mudanças às quais a consciência se depara e se atemoriza: Heráclito de Abdera, já afirmara no século IV aC que "ninguém pode tomar banho duas vezes no mesmo rio", já que as águas passam e o rio será sempre um outro. Friedrich Hegel, pensador alemão do século XVIII, dissera que tudo se transforma a partir do choque dos contrários no que ele chamou de lógica dialética; Karl Marx, por sua vez, afirmou que essas mudanças ocorrem sim, mas isso se dá a partir das relações sociais na luta pela produção de riquezas materiais.
Para as pessoas, de um modo geral, o maior pavor diante da possibilidade de mudanças constantes ocorre devido segurança das certezas morais. Ora, o conservadorismo e sua força reacionária, advém da percepção de que suas certezas podem não ser tão certas e que se assim for levaria-o a perda do controle, ao medo e  por fim e ao cabo, ao desespero.
Mas queiramos nós ou não, tudo muda. Cada dia é um outro dia, assim como cada noite é uma nova noite. Os princípios morais de hoje, firmeza irretocável dos moralistas, um dia foram altamente revolucionários, assim como aquilo que hoje é altamente revolucionário e provoca medo e desespero, um dia será defendido pelos mais retrógrados dos moralistas. Aliás, a essência do moralismo é a incapacidade de percepção das mudanças.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Animal Simbólico

A construção da humanidade fez do animal humano mais que um ente em si - uma figura, fez um conjunto de símbolos com os quais o próprio indivíduo se identifica e identifica os demais. Isso ocorre de modo que mais parece ser o corpo um mero instrumento de condução, um aparelho desse conjunto de símbolos com o qual pensa, age e trata as pessoas que estão ao seu redor, do mesmo modo como assim é tratado.
Desde o nascimento, esse animal deixa de ser um menino, um homem, animal humano para ser o João, a Maria, o Paulo ou a Ana. Mas mesmo se tratado como menino, significará que é diferente de menina e as representações de menino são diferentes das de menina, assim como as de homem são diferentes das representações de mulher. Assim também se é menino, se é um adulto, se é um velho. Esse menino pode ser interpretado de acordo com suas atitudes e maneiras de encarar a vida daqueles que o cerca: como bondoso, carinhoso, justo ou malfazejo, grosseiro e desonesto.
A dona Maria pode ser uma santa, uma boa mãe, qualidade tradicionalmente esperada das mulheres, ou uma intelectual com posições firmes, irredutível, ou ainda uma prostituta que despreza os valores da sociedade. Mas as três são mulheres podem ter pernas, braços, seio, vagina e rosto: três corpos de mulher. Um pouco mais, ou um pouco menos, elas são vaidosas, mas porque se espera das mulheres alguns cuidados a mais com esse corpo.
Ou ainda: dois homens: o juiz e o bandido. Ao primeiro é atribuído a força da lei, representante da força institucional do estado e tem o respeito das demais instituições, ao segundo é atribuído socialmente a condição de fora da lei. Suas condições são simbólicas e os dois - nas suas formações - comungam de alguns dos mesmos símbolos: os dois podem ser machistas, homofóbicas, cristãos, nacionalistas e uma série de outras condições.
Da mesma forma os entendimentos que se tem diante de um objeto sagrado: alguns são monoteístas, politeístas, panteístas e, outros, ateus. Aos monoteístas, a figura do próprio deus tem um conjunto de representações de acordo com a história: um dia ele fora o deus dos exércitos, depois foi o senhor de servos e servas e, depois, tornou-se uma força de energia que irradia aos que crêem; atualmente mais parece um dono de muitas posses a atender os pedidos dos necessitados.
As pessoas carregam nas carteiras documentos com números, senhas e marcas de impressões digitais necessárias para as suas relações com as estruturas dos tempos atuais, o sistema bancário, a academia e os órgãos estatais em geral. Os saberes são presos em códigos de letras e números, além das determinações burocráticas e suas pontuações de desempenho. O corpo desaparece diante dos símbolos.
A condução ideológica desse animal ocorre quando um sistema, através de seus órgãos de sustentação, age diretamente e insistentemente alimentando esses símbolos de modo que os comandos passam a ser, incontestavelmente, as verdades. As pessoas se asseguram nessas representações e são elas que dão sentido às suas vidas e às suas relações e é aí que reside toda dificuldade das revoluções e alteração do sistema, essa torre de símbolos montada em séculos. Até porque as alterações que se sofrem no decorrer da história acabam sendo trocadas algumas peças por outras equivalentes, mas que as torres continuam erguidas com seus propósitos.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Karl Marx

A base teórica do pensamento de Marx é imensa. O conjunto dos temas tratados por ele vai da Economia Política, à Sociologia, ao Direito Constitucional, à História, à Antropologia Cultural, à Ciência Política e à Filosofia, entre outras. Interessante que os dados tratados seguem de uma disciplina para outra, mas pertencem a um conjunto de unidades coerentes entre si, fundamentando os aspectos econômicos, culturais e políticos das sociedades.
O grande revolucionário russo, Wladimir Lenin, em escreveu em 1913 um texto em que dividia o marxismo em três partes: as críticas ao idealismo alemão, o socialismo francês e a economia política inglesa. Com relação ao idealismo alemão, ressaltam-se as contribuições de Kant e Hegel que são absorvidas, mas criticadas e repensadas. Marx, como ele mesmo diz, vira Hegel de ponta-cabeça. Ao estudar o socialismo dos franceses o pensador alemão propõe métodos científicos e não pensamentos soltos e utópicos, como eram as afirmações de Fourrier, Proudhon, Saint-Simon e outros.  Da economia política inglesa, por sua vez, ele comprova que é mesmo o trabalho que produz as riquezas das sociedades; afinal, o produto do trabalho tem um pouco do trabalhador nela.
Quanto ao materialismo que surge no pensamento de Marx, pode-se dizer que sua origem está no grupo de estudos, conhecido como Jovens Hegelianos. Nesses tempos de absolutismo prussiano, era preciso combater a instituição que mais apoiava o kaizer, a Igreja, dando origem às mais variadas críticas contra toda forma de espiritualismo.
O jovem Marx assevera que a estrutura da igreja é apenas parte do processo e que o materialismo deveria ser pensado a partir das lutas de classes oriundas do capitalismo vigente. Segundo ele, as pessoas vivem sem entendimentos filosóficos, sem crer em Deus e sem qualquer forma de ideologias, ou sistemas políticos; o que as pessoas concretamente necessitam, sem o qual morrem, são bases materiais: comida, água, roupa, remédio, um teto etc.
Mas há que se ressaltar aqui a sua tese de doutoramento, defendida na Universidade de Jena, em que ele, ainda na sua juventude, dá as linhas do que viria a ser seu passamento na totalidade. O título tese é As Diferenças da Natureza em Demócrito e  Epicuro. Ele mostra que  o primeiro, Demócrito, apresenta uma natureza comprometida, necessária, quase dirigida por um destino, enquanto Epicuro apresenta o indivíduo humano livre para satisfazer suas próprias necessidades. Por isso, na totalidade de seu pensamento, Marx mostra que os homens são frutos de sua própria história e também seus agentes.

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Primeiro de Maio

Falar sobre o Dia do Trabalhador e relaciona-lo às lutas dos operários, às greves, às revoltas, aos levantes e mesmo às revoluções dos povos é bastante comum nos dias de primeiro de maio. A cada ano os jornais comerciais publicam artigos com datas, nomes de líderes e fatos ocorridos em torno dessa data.
Mesmo assim, também é bastante comum que pessoas que atuem, não só como operários sindicalizados, mas também como profissionais liberais e até como professores universitários não relacionem os fatos: as comemorações e as lutas políticas daqueles que vieram antes.
Acontece que algumas pessoas vivem em bolhas existenciais consumindo intelectualmente o que os meios de comunicação de massa sugerem e, assim, querem uma folga no Dia do Trabalhador. Quando precisam querem a proteção do estado, mas ainda assim recusam o seu fortalecimento. Essas pessoas vivem uma dicotomia entre o mundo real (lutas salariais, leis de proteção ao trabalhador, economia do País etc.) e a sua bolha (vontades particulares, imaginárias, construídas dioturnamente pelo sistema político e econômico vigente.
Para alguns, a data nada mais é que um momento comemorativa qualquer, assim como o Dia das Mães, o Dia dos Namorados, o Dia da Criança e assim por diante. Talvez, para eles, sejam essas datas ainda mais importantes que a dos trabalhadores porque concretamente possuem uma mãe, uma criança, ou uma namorada para dar presentes.
Há um movimento contrário ao discurso político, mesmo sendo esse indivíduo um trabalhador, necessitando de organização da sua categoria e das classes em geral, ou de lutas por melhores condições de vida e trabalho. Como uma paralisia intelectual as pessoas permanecem inertes. Alguns sindicatos se organizam e oferecem festas com guloseimas e músicas, abrilhantadas por artistas contratados com recursos dos próprios sindicalizados.
Trabalhadores melhor remunerados, em geral, vão para praia, ou saem em visita aos parentes, os de remuneração mais baixa ficam em casa ou vão  a essas festas dos sindicatos, mas o debate sobre a essência da organização sindical e das conquistas históricas ficam em deficiência. Sobre as lutas dos trabalhadores, nada mais paira que a sobrevivência de um tema para os grupos de estudos nas universidades, ou em alguns partidos políticos identificados mais com a esquerda.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Entre o Tolo e o Sábio

Já se disse que "o imbecil não sabe que é imbecil, se soubesse deixaria de ser", ou que "a pessoa que não sabe, não sabe que não sabe" e que o primeiro passo para superar as limitações é perceber e admitir as tais limitações. Em outras palavras, o desinformado, exatamente por desinformação, acredita sempre que aquilo que sabe é o suficiente para emitir suposições sobre algo.
Ora, é natural que toda e qualquer pessoa queira um lugar ao sol, que toda e qualquer pessoa queira se mostrar como belo ou como sábio e que, para isso, faça marketing de suas falas, atitudes e ações. Mas alguns ignoram os dados daquilo que está em pauta, não conseguem medir as informações acumuladas, os dados, e se acreditam capazes de intuir sobre algo e emitem pareceres desconexos do objeto em si e mesmo de uma totalidade.
O que eles não se percebem é que o crescimento pessoal, o entendimento sobre algo, só acontece quando se admitem as próprias deficiências, quer seja no modo de pensar ou de ser, se é que pode falar em diferenças entre as duas situações. Mesmo que se enalteçam as próprias potencialidades, mesmo que se falem maravilhas sobre suas qualidades, as pessoas precisam estar a espreita de que sempre haverá outras mais sábias e outras mais belas. Sempre.
Se houver uma pessoa mais sábia, ou uma mais bela, não haverá alguém que saiba tanto que não possa ouvir mais, buscar mais, ou tentar entender mais. Se alguém se pensa como insuperável, como completo, como exato é propriamente essa pessoa que, há muito já fora superada, e que precisa ouvir, buscar e tentar entender aqueles que o cercam.
Não se pode deixar de lembrar que há uma distância, longínqua, entre o tolo e o sábio: enquanto o primeiro se acredita completo, terminado, portanto não tem mais o que aprender, o outro conclui com suas angústias, questões e incertezas que falta tudo para seu entendimento. Isso porque a escalada da sabedoria, ou o entendimento sobre todo e qualquer conhecimento acontece como degraus a subir: quanto mais se sobe e por isso se sabe sobre algo, mais se percebe a imensidão do horizonte dos saberes e mais se tem a noção de nada saber e por isso a necessidade  de mais buscar o saber.
Toda e qualquer pessoa tem algo a dizer e por isso deve se ouvida. Mesmo se esse for um tolo, pois esse em suas falas e atitudes tem a ensinar como acontecem as tolices; e aí, tolos e sábios têm modos de encarar tais tolices e tomar atitudes diante delas diferentes.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

As Afirmações, as Verdades e as Mentiras

Um velho ditado afirma: "diga-me com quem andas que direi quem és!" Outros ditos populares fazem também afirmações um pouco mais parecidas ou mais diferentes, mas sempre abordam a relação entre pessoas e as possibilidades de se definirem alguém pelas companhias, pela roupa, ou por qualquer motivo. Certamente que esse modo de pensar por analogias pode fazer o indivíduo cair em contradições, devido as generalizações. As pessoas e as coisas não são iguais.
No entanto, algumas generalizações são necessárias. Se não fossem elas não seria possível a existência das ciências, já que essas se movem por comparação, dedução, indução etc., ou seja: analogias, referências, matrizes e cópias etc. Pode haver erros, as comparações podem resultar em conclusões estranhas por completo,  mas a possibilidade de acerto é bastante alta. Do contrário não seria possível o planejamento das famílias, dos governos, dos exércitos e das empresas.
Portanto, a afirmação, "diga-me com quem andas que eu direi quem és!", tem sim um fundo de realidade. As pessoas são sim um pouco daquilo que escrevem, assim como são um pouco daquilo que falam. Não que elas sejam exatamente o conteúdo do que escrevem, ou falam, como o mentiroso que diz maravilhas sobre sua pessoa, mas por que dá condição de se fazer leitura em um intertexto de suas afirmações. Aliás, o mentiroso deixa mesmo é mostrar-se como mentiroso. Porque nesse intertexto está escancarada a sua instrução, a sua  capacidade mental, as suas leituras, ou o inverso de tudo isso com seus medos, suas invejas e toda a sorte de problemas existenciais. E, nesses tempos de redes sociais, as pessoas deixam escapar dioturnamente aquilo que não são, quando falam maravilhas sobre si próprias, ou quando fazem suas análises políticas e econômicas.
Mas essas pessoas não devem ser enquadradas como mentirosas, pois nas suas práticas não há consciência de estarem fazendo o diferente, praticando a mentira. Pelo contrário, afirmam suas inverdades com convicção. Acreditam na facilidade do entendimento de um tema e emitem seus pareceres, e assim, se expõem mostrando aquilo que não são e, por continuidade, mostram o que verdadeiramente são.
Portanto, diga-me o que falas que direi quem és, diga-me o que escreves que direi quem és, diga-me o que defendes que direi quem és etc. Então, o "hábito faz o monge", não o hábito enquanto veste monacal, mas enquanto costumes, práticas e repetições desconectas da realidade, sem um pensamento mais elaborado, sem preocupar-se com provas, métodos, estrutura lógica etc.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Entre o Público e o Privado, a Castração Social

Cada indivíduo é dotado de duas entidades, uma pública e outra privada. Enquanto a primeira é aquela que relaciona o indivíduo com as demais entidades públicas - já que, necessariamente, se relacionam - a segunda, diz respeito apenas ao indivíduo em si. Certamente que as duas se confrontam, se alimentam e se excluem quando no recôndito de seu quarto acontece a reflexão desse indivíduo. É aí que surgem os seus medos, as suas frustrações, as suas paixões e ainda outras condições enfrentadas.
Mas o que em geral não se leva em conta é que nesse mundo privado, as pessoas desprovidas de recursos financeiros, só vão ter sossego se no no mundo público lutarem com vigor de modo a construírem juntas uma sociedade mais justa, que vá ao encontro das suas necessidades. Pessoas livres lutam por seus interesses, por aquilo que acreditam ser o melhor para si e para os seus filhos.
A castração social acontece quando se tira da população a possibilidade de luta política, ou seja: quando um indivíduo, ou um grupo de indivíduos tomam conta do estado como se fosse seu e, assim, sozinhos, fazem eles a política. Os reis absolutistas tinham essa prática durante o medievo e nos primeiros anos da modernidade e até os ditadores do século 20. Desumanizavam as pessoas porque, alienadas de suas funções, não decidiam por aquilo que desejavam.
O mesmo aconteceu com os cidadãos de Atenas quando viram que sua cidade fora invadida e anexada ao império macedônio. Não havia mais porque debater na ágora os seus destinos. Eram os macedônios; os donos do poder que decidiam. Restava aos atenienses pensarem em si próprios, em suas existências. Restava aos atenienses pensarem em seus mundos privados: seus medos, suas frustrações e suas paixões.
Nesses tempos de Brasil dominado por castas de burocratas a decidirem o que é bom ou o que é ruim para as pessoas, nesses tempos em que não é mais dado o direito de fazer política porque magistrados, procuradores, secretários e assessores se encastelam em torno de suas prerrogativas e conduzem a sociedade como se donos fossem, resta pouco, ou nada resta, para um espaço público. Cabe a cada um voltar-se para suas vidas privadas.
Mesmo que as ciências se dividam, e a Sociologia se volte a estudar a vida pública com os enfrentamentos sociais e as lutas por igualdade e justiça, mesmo que a Psicologia e a Antropologia se voltem a estudar os resultados disso, juntando todas não se pode negar os estragos que a entidade pública pode provocar no mundo privado. Por um lado, tem-se um indivíduo morto por dentro, com medo da vida, sem ver sentido em sua existência, por outro, esse alguém não vê mais possibilidades de enfrentamentos devido ao medo, a frustração e a insegurança.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Burocracia e Absolutismo Corporativista

Nos tempos da modernidade, com as revoluções burguesas contra os antigos regimes, foi trazido ao mundo uma outra forma de fazer vida pública, de fazer estado. Era o fim dos estados absolutos e de suas colônias. A partir do século 18 introduziu-se na administração pública a proposta dos iluministas de reformatar o estado em três partes de poder e, a partir daí, buscaram-se na antiguidade grega o conceito de democracia e suas características: liberdades individuais, administração racionalizada e participação popular.
Se essas características não aconteceram efetivamente, ou não acontece como se esperava, mas essas são as linhas que se ofereceram ao público, ensinado nas universidades, escritos em livros e divulgado aos quatro cantos. Aquilo que se pensara diferente, que se pensara a solução final para as sociedades - teve até alguém que imaginasse "o fim da história" - começara a se mostrar com as mesmas falhas estruturais dos modelos estatais dos antigos regimes: o absolutismo, agora não mais desempenhado por um indivíduo apenas, mas por uma categoria de funcionários públicos que se fecham em corporações de ofício, transformam-se em uma aristocracia e tomam de assalto o estado.
Antes um homem, ou uma mulher, era o soberano, era o dono da vida e da morte de seus suditos, administrando a sociedade de acordo com suas noções de certo e errado, pelo menos eram essas as considerações alegadas pelos modernos ilustrados em seus combates. No entanto, o que se presencia nesses tempos recentes são burocratas, protegidos por leis elaboradas na pressão corporativa a se adonarem do estado, ou de parte dele, como propriedade particular.
É uma espécie de absolutismo porque a categoria atua como corpo único, como indivíduo que decide a partir de suas próprias vontades. Não há espaços para vontades populares e, por tanto - como qualquer absolutismo - é autoritário, já que o restante da população não tem como se defender. E fazem isso alegando defesa da democracia sem se quer pensar que há uma distância imensa entre o conceito pensado na Grécia antiga e o que os tecnocratas estão a executar.
Portanto, como tudo se transforma, vai e volta, pára e segue em frente, as bandeiras dos séculos 18 e 19, nas lutas revolucionárias burguesas contra o autoritarismo e o peso morto da nobreza faustosa, estão de volta. O que se sabe é que é preciso repensar o estado e, com isso, a estrutura burocrática e toda a irracionalidade formada, a prepotência e o custo dessas categorias as cofres públicos.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Sinderese em SantoTomás de Aquino

Quando alguém se depara diante de ações práticas, de pronto tem a noção de que esse ato é justo ou injusto, maléfico ou benéfico, bom ou ruim. Foi Santo Tomaz de Aquino, a partir de suas análises de Aristoteles, que desenvolveu o conceito medieval de sinderese afirmando que o remorso, ou a culpa, diante das coisas que se identifica como maléficas, uma determinação divina. Para alguns, esses seriam os primeiros passos do que mais tarde chamariam de jus-naturalismo.
Tomás de Aquino, tradicionalmente se sabe, foi o grande intérprete do pensador de Estagira, Aristoteles; fora ele o responsável por trazer de o outro lado dos montes Pirineus, da medieval Espanha sarracena, os primeiros textos do pensador macedônico. Nesses tempos, havia o espanhol mouro, Averrois, o primeiro a relacionar o "motor inicial" de Aristoteles a um ser divino primordial, nesse caso, Al-Lá.
Tomás de Aquino partiu desse mesmo entendimento sobre Aristoteles para intuir: ora, tudo que existe teve de ser feito, já que nada pode nascer do nada, então as pedras, as árvores, da mesma forma que os animais e os humanos foram feitos, portanto, necessariamente deve ter existido, sim, um ser que foi o primeiro motor. No caso, assim como Averrois, esse ser inicial foi Deus.
Ora, as três religiões - o cristianismo, o islamismo e o judaísmo - são chamadas de monoteístas por professarem a existência de um só deus e esse dotado das mais elevadas qualidades: onisciência, onipotência e onipresença. Dessa forma: Deus é o sentido máximo do que os humanos pensam sobre a bondade, sobre o amor e sobre a justiça.
Nesse caso, se todas as pessoas foram feitas por Deus e esse, por sua vez, é o sentido máximo de bondade, de justiça e de amor, logo, todas as pessoas têm consigo essa fagulha divina de bondade, de justiça e de amor e seria essa fagulha natural que faria a todos sentirem o remorso, ou a culpa, diante dos atos de maldade.
Certamente que com a passagem da era medieval, teocêntrica, para uma modernidade antropocêntrica a sinderese tomista perdeu força e a atitude ética passou a ser creditada à racionalidade humana. Mas começou com Santo Tomás de Aquino o debate sobre a naturalidade ética dos humanos: o que faz as pessoas rejeitarem naturalmente as ações que as interpreta como maldosas, como injustas, como desonestas etc.?

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Da Cidadania

Como é possível uma sociedade complexa existir, em plena era chamada de pos-modernidade, com uma população alheia à sua própria condição de cidadã? Parece estranho, mas isso existe; é só olhar ao redor e perceber que países subdesenvolvidos são assim, distantes dessa condição. Acontece que cidadania é palavra indispensável para se pensar as relações sociais que se pretendam democráticas, tanto entre os membros, quanto entre esses e os seus aparelhos burocráticos. Parece impossível, mas algumas sociedades não são verdadeiramente sociedades, mas amontoados de humanos, pessoas com vida pública desconectada de seus deveres, de seus direitos e sem a mínima compreensão da estrutura e funcionamento dos aparelhos estatais.
Ora, o conceito é indispensável para pensar a relação do indivíduo com os demais membros do grupo e desses com a estrutura em questão tendo em vista que tem na sua essência exatamente as expressões de conhecimento e participação social. Cidadania, já na sua origem é pensada como o conhecimento e participação nas coisas da cidade: quais são as regras, os direitos e os deveres? Quem são as lideranças? O que fazem? E assim por diante.
É possível não existir cidadão sim quando não há de fato uma sociedade, mas um amontado de pessoas, desconectadas dos seus direitos e de seus deveres, pessoas que põem fé em tudo que assistem nas redes sociais, na televisão, ou nos jornais tradicionais. E mais, pessoas não têm lideranças porque o que têm não são líderes, mas chefes a usarem a máquina do estado e de toda a sorte de artifícios para manterem suas vontades, seus privilégios e suas ideologias.
Por mais que se chame de legislativo como tal, esse "poder" legisla e fiscaliza em função de suas necessidades e interesses particulares, da mesma forma o executivo, existe em função daqueles que custearam suas campanhas eleitorais; e também não é diferente com o judiciário, que não julga, mas decide por conveniências de interesses ideológicos, econômicos e até religiosos. Como haver cidadania em um estado que os poderes não se conectam e os outros aparelhos estatais não se consideram como ligados aos demais poderes? Tribunais de conta, ministério público, banco central, polícia federal e forças armadas não estão conectados a qualquer dos ditos poderes constituídos: alguns até fazem de conta que estão ligados ao executivo e nada mais.
Qualquer pensador contratualista diria que isso é o "estado de selvageria" e os hobbesianos diriam ainda que é a luta de todos contra todos, homens, como lobos, a devorarem uns dos outros. E o que se pode dizer disso é que entre lobos não não existem cidadãos. Não há cidadania se as pessoas não são capazes de raciocinar sobre suas próprias vidas, se se deixam levar, se são enganadas, se são exploradas, e pior, fazem isso com a crença de serem expertas. Não há cidadania se não possuem a menor ideia do mundo que o cerca.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Da Justiça Cristã

Quando se discute a cultura ocidental, com suas políticas econômicas e sociais, necessariamente precisa se levar em conta o Cristianismo com seus preceitos bíblicos e históricos; e isso deve acontecer nas variadas matizes, como as reformas e cismas ocorridos ao longo dos tempos. Com a ciência do Direito não é diferente, há uma ligação direta entre o pensamento jurídico e as verdades religiosas. Quer dizer: mesmo que se fale em direito romano, germânico, ou inglês, não se pode deixar de levar em conta a justiça cristã, com a influência da filosofia de Santo Agostinho e de Santo Tomaz de Aquino, entre tantos outros.
Se Santo Agostinho repetia o platonismo, ordenando um cristianismo em que a justiça terrena nada mais é que cópia imperfeita da verdadeira que paira na presença de Deus; ou seja: a verdadeira bondade, a verdadeira liberdade, a verdadeira justiça encontra-se juntas ao verdadeiro ser, do qual todos os humanos são cópias imperfeitas, Deus. Santo Tomás de Aquino, seguindo o aristotelismo, afirmara que a verdadeira justiça e a verdadeira bondade pode sim acontecer no mundo terreno, mas para isso é preciso a racionalidade fornecida pelo ato primordial.
Mas o mais interessante é que, observando os dois teóricos católicos, percebe-se uma linha que unifica o que se poderia chamar de justiça cristã, o fim da bondade, o fim da justiça. Por que ser justo? O que move um indivíduo a praticar boas ações? Dentro do pensamento cristão, a resposta está em uma relação direta com Jesus, ou Cristo, o nome grego que se deu mais tarde.
E, nessa relação, a resposta está mesmo é no pos-morte: tudo que se faz em vida estará evidente em uma existência futura; os preceitos bíblicos ensinam: "bem aventurado os pobres, porque herdarão a terra", ou "se não tiver pecado, atire a primeira pedra!" Ou ainda, "dai a Cézar o que é de Cézar e a Deus o que é de Deus!", "é preciso nascer de novo para entrar no reino do céu" etc.
Se a justiça está em Deus, o que se faz em vida - a ação da humildade, o perdão, a honestidade etc - dará, a aquele que pratica, uma existência em um pôs-morte junto a Cristo. Mesmo que o Iluminismo tenha redirecionado o direito moderno para dar-lhe um caráter antropocêntrico, não é possível pensar a justiça sem levar em conta os preceitos de vida e morte, de pecado e perdão, de culpa e de livre-arbítrio.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Da Epistemologia

O modo como ocorre o conhecimento, como as pessoas aprendem, ou o que é o conhecimento, o que é o saber, são pontos de uma área da Filosofia por demais importante e muito já estudada, muito pensada, mexida e remexida, a Epistemologia. A relação entre o sujeito congnocente e o objeto cognoscível sempre esteve na berlinda, na busca por entender como aquilo que está no mundo sensível, em algum momento, poderá estar no mundo das ideias de cada indivíduo.
Certamente que a Epistemologia (episteme quer dizer entendimento científico e logos, o saber), ou os conhecimentos sobre a cientificidade de uma determinada área, por sua vez é oriunda de uma área ainda maior, a Gnosiologia. Uma coisa é estudar o objeto em si, o que se poderia chamar de Ontologia, a outra, é estudar os procedimentos de como acontece a formação do conhecimento, com seus métodos de investigação, metodologia etc.
Mas esta Gnosiologia é o groso da coisa. Refere-se a todo e qualquer conhecimento sobre algo: tanto o vulgar, o senso comum, que vem carregado de paixões, de preconceitos e interesses particulares, quanto o epistêmico, o elaborado, fruto de uma investigação racionalizada. A Epistemologia, portanto, é o estudo a respeito da investigação científica de uma dada ciência; é propriamente o modo como acontecem as produções de conhecimento e, por extensão, toda a elaboração das teorias existentes.
Isso porque na discussão a respeito da cientificidade das variadas áreas estuda-se, além dos métodos e procedimentos lógicos, determina-se o objeto de investigação da área que se pretende ciência. Na sequência, determinando o objeto de investigação, delimita-se propriamente a área do conhecimento em si, delimita-se a ciência e as relações dela com as demais, os seus limites e as contribuições.
Direito, História, Biologia, Química, todas as ciências, elas não existem concretamente. Se o universo é fruto de um Big-bang, ou de uma vontade divina, a verdade é que nenhuma delas existe desde o principio dos tempos, como se fossem inquestionáveis. Não. São abstrações, áreas do conhecimento, delimitadas e denominadas pelas civilizações com o intuito de aprofundar as particularidades dos saberes e elaboradas pela racionalidade.
A Epistemologia, por tanto, tem como propósito não discutir a coisa em si, mas a produção de conhecimento e os seus limites; limites tanto de possibilidades de acertos e veracidade de suas pesquisas, quanto a sua relação com as outras ciências.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

O Estado, a Aristocracia e a Lei

O estado não existe como entidade concreta, algo que se possa tocar, cheirar ou escutar. O estado não são as pessoas, nem são as casas, ou as construções, mas um pacto, livre ou forçado, mas um pacto e o qual paira é nas cabeças dos pactuados. O papel em que se grafam as leis que regulam o estado, as inúmeras brochuras em que se grafam os códigos nada mais são que um recurso usado para que esse pacto não seja alterado ponto a ponto, vírgula a vírgula, por conta de esquecimentos, ou vontades de alguém, ou de grupos com interesses alheios.
Algumas ciências como a Hermenêutica, a Semiótica, a Linguística etc., ensinam que os textos juridicos, assim como outras literaturas, por mais que sejam grafados e assim permanecerem, são interpretados de acordo com o momento histórico, casos diversos, e até por interesses religiosos, ideológicos e políticos. O legislador tem um pensamento diante de um projeto de lei, o executivo tem outro - quando sanciona a lei, o magistrado, ainda outro, quando a põem em prática e, o apenado, um outro - ainda mais diferente.
E é perfeitamente aceitável quando isso ocorre em uma naturalidade humana. Espera-se que as interpretações ocorram dentro do que se acredita ser aquilo que se entende como o certo, o melhor para a sociedade. Aliás, o que se espera das pessoas não é a verdade, pois ela é abstrata, pra não dizer intangível; o que se espera daqueles que interpretam a letra da lei, é a ética, a consciência da busca pela pela verdade, mas essa enquanto inseparável da justiça e da liberdade.
Se, por qualquer motivo diferente, dá-se outra interpretação que não a plena busca pela verdade, pela igualdade e pelo justo, se lá no fundo da consciência daquele que julga, estiver um outro motivo, interesses de vantagens próprias, ou de grupos, não haverá justiça. E, não havendo justiça, não haverá estado.
Não haverá estado, na haverá leis e não haverá justiça se grupos de pessoas, se achando iluminados, interpretam a letra da lei para muito além da Hermenêutica e de toda a contribuição da Filosofia Jurídica. Não haverá. E a explicação só se dará, talvez, não pelas ciências citadas acima, como seria de se pensar, mas pela Sociologia Política, aquela que mostra as lutas de classes a ocorrer no seio das instituições e, nesse caso, do estado.
Ocorre que uma aristocracia, aos moldes medievais se adona da coisa pública e interpreta as leis segundo as suas conveniências: a manutenção dos privilégios, dos ganhos e da admiração nos círculos dos estamentos mais abastados. O estado, a justiça e suas leis, serão sempre aquilo que perpassam nas mentes dos burocratas e de seus sustentáculos econômicos,  bem como nas mentes dos dominados. E, assim, como diria Assis Chatobriand, "A lei? Ah, lei".

segunda-feira, 9 de abril de 2018

A História e os Algozes

Na história não existe anjos ou demônios, mas ela é implacável com os algozes, com os tiranos, com aqueles que nos seus tempos perseguiram e encarceraram e mataram, apoiados por uma parcela da população - crente de que estava fazendo trabalhos de salvação. Tempos de higienização social. Os juízes que julgaram Nelson Mandela, Martin Luther King Jr, Mahatma Gandhi, para ficar apenas nas maiores evidências do último século, desapareceram. Os que não desapareceram, foram para a "porta dos fundos" da história; não são dignos de nem mesmo uma página.
O religioso espanhol, Torquemada, quando ordenava a morte na fogueira para aqueles que contrariavam os preceitos pregados pela estrutura de poder, e era aclamado como pessoa abençoada por Deus, hoje quando se fala em seu nome é para negar-lhe, é para lembrar o modo de como não ser. O mesmo aconteceu com Savonarola, o clérigo que gritava aos quatro ventos - na Itália quinhentista - condenando á morte aqueles que, segundo ele, desviavam dos preceitos da Santa Madre Igreja, e hoje a sua figura não passa de um desvairado reacionário, incapaz de perceber que a história não pára, mesmo que os mais conservadores tenham medo disso.
A história está cheia de exemplos de homens e mulheres desvairados em suas ações como imperadores, generais, magistrados e ditadores que decidiram impor suas vontades sobre os povos. De todos eles, restam hoje apenas as suas caricaturas ridicularizadas, mesmo que em seus tempos ostentassem o clamor e o louvor daqueles que viam nessas ações alguma forma de levar vantagem: Nero, Hitler, Richilieu, Stalin, Pinochet e tantos outros.
Nem anjos, nem demônios, na história não há lugar para maniqueísmo: todos esses homens e mulheres que julgaram e condenaram aqueles que por alguma forma destoaram do canto oficial eram humanos e se deixaram levar pela estrutura posta, mas com todos o tempo foi implacável condena-os ao lixo da história, a servir como base para se saber o que não se deve ser.
O estranho é que nenhuma dessas personalidades era iletrada. E há de se convencer que alguns até agiam acreditando que o que faziam era o que devia ser feito, porque acreditavam haver encontrado o verdadeiro caminho, mas não basta conhecimentos gerais, nem mesmo boas intenções, é preciso que se perceba que além das boas vontades e das aparências há sempre uma humanidade que não pára, que produz história e as interpreta. Amanhã é sempre outro dia.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

A Universidade e as Corporações

As organizações de profissionais em torno de seus afazeres e defesa dos seus interesses é algo natural  desde os tempos da antiguidade, quando construtores se uniam na busca de soluções para os trabalhos impostos pelos monarcas. Da mesma forma as guildas e suas corporações de ofício nos tempos do medievo, quando união mestres artesãos em defesa da qualidade do trabalho e da reserva de mercado.
Mais tarde, com a revolução industrial, surgiram as organizações de sindicatos que congregavam os operários na defesa de seus interesses trabalhistas. Sem leis que regulassem o trabalho, homens e mulheres eram explorados por longas horas em máquinas perigosas e condições subumana. Muitas dessas organizações sindicais, mas tarde, transformaram-se em instrumentos de extrema importância para os movimentos sociais e lutas revolucionárias pelo mundo a fora.
Mesmo nos tempos atuais, as chamadas organizações classicistas, continuam com suas importâncias na defesa legal dos interesses dos trabalhadores de áreas afins. E essas ações são perfeitamente aceitáveis como morais e éticas, dentro do princípio de luta pela sobrevivência e produção de riquezas.
Em todos esses tempos as corporações cumpriram e cumprem um papel preponderante na proteção ás categorias, dentro dos inúmeros jogos de interesses a que enfrentam. O que não pode acontecer é deixar que esse espírito de corpo e todos os jogos de interesses tomem conta da universidade, um local de produção de conhecimento. É aí que dois conceitos se enquadram: a diversidade na universidade. Quando se fala em aceitar a primeira é com o propósito de caminhar para a segunda e não o seu contrário.
Ora, a universidade como instituição de ensino superior, preocupada como o tripé, ensino pesquisa e extensão, precisa atuar junto ao mundo do trabalho na sua totalidade ou ficará alijada da sua própria condição de produtora do conhecimento; o que tem de caracteriza-la é a aceitação das diferenças e a colaboração.
O mundo não é formado apenas por médicos, apenas advogados, por engenheiros, ou por economistas, mas por uma constelação imensa de áreas de trabalho importantes na constituição da estrutura da existência moderna. A universidade não pode ser formada para dar sustentação a essa ou aquela categoria, mas deve se querer retrato desse universo de saberes, dessa totalidade.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

O Surgimento da Filosofia e a Teorização das Ciências

Que os humanos desde os primórdios produziram artefatos que lhe facilitaram a sobrevivência e que isso ocorrera dentro de uma evolução que se fez chegar até os dias atuais é bastante claro e aceito. Afinal, todo o processo de autoconstrução da humanidade é, em si, uma forma de racionalização, cuja inventividade é parte inseparável da luta pela sobrevivência da espécie.
O que não fica claro e provoca contrariedade entre estudiosos orientalistas e ocidentalistas é como ocorreu o surgimento do pensamento filosófico, bem como a teorização das ciências como pensamento metódico, racional, portanto despregado do entendimento mítico dos primeiros tempos. Inúmeras são as questões que surgem; por exemplo: por que a tradição determina que essa transição ocorrera primeiro entre os gregos, ponto esse referendado pelos ocidentalistas? Ou, não fora somente com os gregos, como retrucam os orientalistas? E assim, por diante.
É sabido que o início da teorização dos processos científicos ocorrera devido a algumas descobertas e invenções que provocaram nos indivíduos humanos uma capacidade maior de abstração ainda nos primeiros tempos do que se convencionou chamar de antiguidade. O surgimento da moeda, um pedaço de metal que traz implicitamente a noção de valor, ou a lei positiva - ações de poder racionalizadas em normas postas, assim como a escrita e, nela, a percepção da capacidade de simbolizar aquilo que se quer.
A transição entre um pensamento preso na concretude para a liberdade de voar pelo mundo da abstração se aceita como grega pelo despontar da civilização helênica para esse tema e sua inegável contribuição intelectual para a história. Por que a Grécia? Um dos fatores é a localização geográfica, uma península e ilhas que adentram o Mediterrâneo tendo como posição um ponto de intersecção entre as navegações do mundo antigo; outro, não tinham um livro sagrado aonde se pudesse recorrer ao se depararem com as angústias pela percepção de que tudo existe, além de outros pontos como a política ateniense e a estrutura religiosa.
Com isso não se nega a grandeza dos pensamentos originados nos diversos pontos do Planeta, nas diversas civilizações. Os livros védicos, por exemplo, trazem reflexões sobre a existência humana que são de excelência inegável, assim como não se pode negar a contribuição dos pensadores chineses como Lao-Ze e Kung-Fu-Zu, entre outros. Assim como também não se pode negar que os primeiros helênicos tiveram suas cargas de influências a partir de contatos feitos com pensadores do Oriente Próximo e até do Extremo Oriente.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Reflexões Sobre a Justiça

Um bom exemplo de que há uma distância entre o saber não elaborado, a simples opinião, e o saber que surge de uma análise apurada, de dentro de um rigor metódico, é a palavra justiça. Sim, uma coisa é o que as pessoas comuns falam no dia a dia quando afirmam que algo é, ou não, justo - a outra é propriamente a justiça na sua essência, em todas as suas implicações.
Sendo assim, pensar em algumas situações concretas faz perceber que o entendimento metódico, científico, está muito além do que se pretendo com o senso comum. Por exemplo: a luva que aperta a mão é dita como muito justa e, nesse mesmo sentido, aquela que for frouxa, ao ponto de cair da mão, não é justa; por outro lado, de um juiz extremamente rigoroso na aplicação da pena pode-se dizer que é injusto, mas nesse caso, o que se poderá dizer se ele agir com frouxidão? Não será ele injusto da mesma forma?
Percebe-se então que a qualidade do que é justo não se encontra na condição repressiva ou, no seu contrário, simplesmente uma liberação, mas em uma medida que se possa considerar adequada. Haverá sim, sempre, o rigor da lei, mas conjuntamente a interpretação subjetiva daquele que julga. O problema, nesse caso, é onde, na solidão de sua consciência, poderá encontrar a justa medida que possa ele considerar como ponto de equilíbrio de forma a qualificar sua decisão?
Aristoteles, o pensador macedônico, do século 4 aC, propôs o que chamou de "temperança"; ou seja: é preciso encontrar o equilíbrio entre os excessos, mas afirmou também que isso só se poderia encontrar após o reconhecimento de suas próprias condições, dos seus próprios acertos e defeitos. O que o estagirita mostrou, então, é que a justiça não se encontra no ato daquele que cometeu o delito, mas na ação produzida pelo que julga.
Portanto, esse árbitro só será justo quando for capaz de excluir suas possíveis condicionantes existenciais: preconceitos, paixões, medos, frustrações etc; juntamente com sua profissão de fé, ideologia política, condição sexual e outras condicionantes que lhe possam tolher o seu pensar como justo. Da mesma forma não haverá justiça se aquele que julga, além do conhecimento de si mesmo, não conhecer o espaço ao qual está inserido: a sociedade, a cultura, a economia, a política. O resultado é que os cursos de Direito entopem seus acadêmicos de leis e mais leis, suas precedências e jurisprudências e poucas reflexões sobre sobre os  agentes e sobre o espaço onde vivem, sobre suas gentes e condições econômicas em que são postos. E aí se tem operadores do direito desconectados do mundo, impossibilitados de fazer justiça.

sexta-feira, 30 de março de 2018

A Sociedade e os Quatro Cavaleiros

Uma vereadora é assassinada no Rio de Janeiro por fazer a defesa dos direitos humanos, juízes agem politicamente e criam regras como forma de aumentar os seus ganhos, jornais mostram que policiais alteram cena do crime para mostrar que mortes ocorreram como legítima defesa, deputado dorme na cadeia a noite e atua como representante do povo de dia, presidente da República é flagrado fazendo negociatas e é enquadrado pela polícia federal e populares matam com as próprias mãos uma mulher acusada bruxarias.
O espaço é pequeno, esses artigos são compostos por algo em torno de 30 linhas, e não seria possível retratar aqui toda a ordem de corrupção e negligência: desmandos com a coisa publica, "carteiradas", corporativismo etc. E pior, faz-se isso com discursos de ética, de abnegação, de seriedade e de outros conceitos da mesma natureza.
Não se está falando aqui dos tempos medievais - se é que na Idade Média existiu um povo que agisse de tal maneira. Talvez se possa pensar em algo parecido com os tempos bíblicos e também não se está pensando em Sodoma e Gomorra, mas no final dos tempos, retratado pelo apóstolo João de Samos, no livro de Apocalipse, sobre o surgimento dos quatro cavaleiros representando a peste, a fome, a morte e a guerra.
Em uma sociedade que vive a autofagia de um estado natural, de todos contra todos, em que se saqueiam os pertences do moribundo acidentado na beira da estrada sem pensar em socorro. Todos são lobos. Uma sociedade em que os quatro poderes, o legislativo, o executivo, o judiciário e o ministério público constituem quatro castas intocáveis a controlar o estado em uma queda de braço, não buscando o bem comum, mas o seu e dos seus.
E aí, acham-se os culpados, a política, a religião, a educação, a imprensa, o povo, como se esses fossem entidades concretas, separadas das pessoas comuns do dia a dia. O outro é desonesto, o outro é injusto, o outro é mentiroso e como eu não sei quem é esse outro, eu nunca mudo e tudo assim segue.
Que sociedade é essa? Seria um "mundo de Alice"? Alguém já falou que "esse povo não é sério" e já disseram que é um povo "'capado, sangrado' e festeiro". E, como cegos em tiroteio, caminha a multidão. E nessa multidão caminha alguns com visão que lhes resta, já nem almejam mais um projeto de sociedade para o amanhã, mais apenas um pouco de vida, de dignidade, de parceria, ou apenas de bom senso.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Criptomoeda: Interatividade e Fragilidade do Estado

O surgimento das novas moedas, as chamadas de moedas digitais, ou criptomoedas, por mais que causem fascinação de alguns e desespero de outros, nada mais são que moedas e como tal existem enquanto presas às leis de mercado e das condições postas pela sociedade. Há dez anos surgiu no Japão, por alguém chamado de Satoshi Nakamoto, ou por um grupo de investidores chamados por esse nome, a principal delas, o bitcoin, a primeira de um número que já passa de 1.400 e, segundo analistas econômicos, novas surgem a todo instante.
O fascínio de alguns se deve ao fato de ser um dinheiro digital, ligado diretamente a tecnologia, eles são gravados em um banco de dados e distribuídos pelo que ficou conhecido como blockchain. O funcionamento dessas criptomoedas existe como um sistema financeiro alternativo; por exemplo: as transações financeiras acontecem sem intermediários, verificadas diretamente pelos próprios usuários em rede estabelecida.
Nada de estranho em ser uma moeda não física, muitos outros sistemas parecidos já se mostraram no mercado financeiro como os pagamentos em cartões de crédito e de débito, ou alguns sistemas de escambo por vários lugares. A tônica do dinheiro será sempre o valor do trabalho de alguém ali posto, quer seja apresentado fisicamente em cobre, em níquel, em papel ou apresentado de forma digital.
Mas o relevante para uma análise sociológica são dois conceitos que aí estão colocados: a interatividade e a fragilidade do estado moderno. Nesse caso, estão entrelaçados, mas os dois existem e possuem vidas próprias como marcos de um momento da pos-modernidade. Cada vez mais as pessoas querem interagir seja lá no que for - na arte, na educação, na imprensa etc; também na área dos investimentos financeiros.
Por outro lado, a fragilidade do estado moderno que chegou a ser pensado como perene - "o fim da história" - nesses tempos mostra-se ofegante já sem a força de outras épocas. Os bancos que desde o início da era moderna financiam candidatos aos governos como forma de controlar os mercados financeiros nacionais ou internacional, se vêm agora tolhidos de suas ações e ameaçados em suas fortalezas racional-burocráticas.
O dinheiro continua a ser dinheiro seja lá na forma que for, mas o surgimento dessa forma de moeda é, na verdade, um sintoma conjuntural que se explica pelas alterações estruturais dessa era. No mais, a inter-relação entre interatividade e fragilidade do estado está em que o poder como instrumento de uma aristocracia já  se dissolve no ar: alguns se desesperam, outros já esperam e alguns ainda não perceberam.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Entre o Velho e o Novo, Tudo Outra Vez

Quando Belchior cantou, Tudo Outra Vez, falou de um homem jovem que fora para Europa tentar a vida como artista e agora voltara pensando: "quem sabe lá nos trópicos a vida esteja a mil". As letras do cantor cearense foram sempre de cunho filosófico existencial: "o rapaz latino americano sem dinheiro no bolso" que "cai" do Norte e "vai viver na rua" no sul das "grandes cidades".
Mesmo em um caso particular, em Tudo Outra Vez ele faz refletir sobre os cortes e os rompimentos, mas se percebe que tudo está acompanhado dos retornos e os recomeços que ensejam a existência de cada pessoa; e quando aqui se fala de "cada pessoa" está a se dizer também de cada pensamento, de cada ideia. Isso porque viver, estar no mundo com as demais pessoas, é sobreviver às rupturas continuamente impostas pela natureza da própria existência.
A canção provoca uma busca à dialética hegeliana - um pensamento de que tudo caminha para o envelhecimento, o conflito e, com ele, as rupturas e as renovação, uma sequência natural de todas as coisas. Toda tese existe porque se confronta com a antítese, esta por sua vez não é nada mais que uma outra tese e todas caminham para um síntese que é outra tese com outra antítese e assim segue.
Acontece que os sistemas, as relações e as ideias um dia não existiram e um dia não mais existirão em um processo contínuo; tudo segue para o velho e para o novo ao mesmo tempo, para o fim e para o recomeço. O grande mal da humanidade é se iludir com o momento, com a ilusão do estático, como se fosse esse uma eternidade, como se tudo "é" e não tudo está, porque logo tudo que "é" não mais será.
É o grande mal das pessoas porque, pensando assim, o que conseguem é sofrer. Ao pensarem nas coisas como eternas, ao se apegarem a tudo e a todos não conseguem entender o fim de cada coisa, como tudo acaba, se desesperam e sofrem. Tudo tem um prazo de validade, tudo tem um prazo de duração. Quando alguém fala em "eternidade de um momento" está se referindo a intensidade desse instante, mas nada sobrevive. Esse momento que fora "eterno", acabou.
Portanto, segue-se sempre para Tudo Outra Vez. Viver é sobreviver às rupturas e é coragem para enfrentar os recomeços. E assim segue-se de rupturas em rupturas, de recomeços em recomeços até o fim fatal de cada coisa: virar pó e recomeçar em outro ser, outra planta ou outro animal. Tudo Outra Vez.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Natureza e Totalidade

O conceito de natureza carrega uma historicidade o que implica em qualquer análise científica, teológica ou política que se pretenda mais efetiva, com validade absoluta. No entanto, nos tempos atuais pode-se pensar que natureza representa a totalidade de tudo que existe, desde a flor do campo, as árvores, os animais, toda ordem de minerais, oceanos, montanhas, até os dejetos, as fumaças de poluição, lixos depositados nos aterros sanitários, vírus, pesticidas e produções radioativas.
Em outras palavras: aquilo que a razão humana faz no seu dia a dia mudando as coisas de um lugar para outro, transformando-as em bem de uso - a árvore vira tábua que vira mesa e que vai para o lixo, o petróleo que vira fumaça ou que vira plástico e é posto fora é natureza. Mas, como movimento próprio, em algum momento, provoca uma reação e, a seguir, a recuperação. O mesmo acontece com relação  aos seres vivos: no aumento de cada população de uma espécie surge a reestruturação com moléstias que dizimam parte dos indivíduos, portanto alteram a condição que estava dada até então e em seguida a acomodação.
Mas é preciso que se diga que não se está a falar de um ser com capacidade de raciocínio a determinar ações contra as práticas humanas. Não. Essa capacidade não existe como uma condição racional. Não existe um indivíduo autônomo capaz de punir os humanos pelo mal uso de tudo que está ao se redor. O que existe é uma totalidade a defender-se sim, mas articulada em uma vivacidade a mover-se pelo acaso, e faz isso sempre obedecendo a uma logicidade de ação, reação e acomodação. E, por mais que a razão faça o confronto com a natureza, ela mesma faz parte dessa totalidade.
A dificuldade em destrincha-la está no entendimento do conceito. Se tudo é natureza, dispensa-se a definição e nada mais é natureza. Como e por que falar de "A" se não existissem as demais letras do alfabeto? Nesse caso, estaria-se a falar de algo que não existe. Mas, como falei acima, o conceito de natureza obedece uma historicidade, portanto as definições que elaboramos nos tempos atuais são apenas elaborações dos tempos atuais.
Os panteístas pensam: se somos parte dessa natureza e dela recebemos tudo e a ela sempre devolvemos, até nós mesmos, é ela - portanto - a essência da de uma divindade possível. No entanto, se a natureza é ou não uma divindade, essa situação não passa de uma condição conceitual. Não altera a vida de ninguém. Mas pensar a si como parte dela, como algo de onde tudo vem e para onde tudo vai, muda o modo de compreender o mundo, as pessoas e a si próprio. E mais: faz surgir outros conceitos: respeito, igualdade, dedicação, equidade etc.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Da Tristeza

Assim como preto e o branco, o certo e o errado, a noite e o dia, o bem e o mal, assim como as demais inúmeras contrariedades de opostos, somam-se a esses conceitos a felicidade e a tristeza. As pessoas, em geral calam-se sobre essa última como uma condição a ser afugentada para o mais longe possível, mas ela permanece ali, indubitavelmente ela está ali, como algo inerente à própria existência.
Certamente que a manutenção e aumento da população da espécie busca o conforto, a abundância e a felicidade, mas a história não caminha pela felicidade das pessoas, pelo bem-estar de cada um. Se eu estou bem, feliz com aqueles que estão ao meu redor, sem qualquer contrariedade, não haverá da minha parte porque entrar em conflito com os que me cercam, não farei uma revolução, ou não estarei disposto a realizar qualquer tipo de transformação em minha vida ou na de outros.
Portanto, mesmo que se busquem a felicidade como a tônica da vida, a tristeza sempre se fará presente e se fará necessária como condutora dos destinos das pessoas, alterando o que está dado, saindo sempre de um ponto para seguir em direção a outro. É na tristeza que o homem, esse ser pensante, encontra-se consigo mesmo, revê suas ações, dimensiona e censura suas práticas, pensa nos avanços possíveis e nos regressos necessários.
Já no deleite de uma felicidade, tudo é ao contrário, não se abre espaço para reflexão existencial. Aquele que  encontra-se em estado de regozijo é entorpecido por uma corrente de hormônios que se espalham pelo corpo e, extasiado, esse ser existirá em uma catarse de momento, ou seja: sem qualquer capacidade de análise de pretérito ou futuro. Portanto, se viver é construir-se socialmente, se é pensar a sua própria vida junto aos demais, se viver é fazer sua história, agora inerte para a existência, esse indivíduo permanece jaz desfalecido.
Nesse caso, aquilo que chamam de felicidade, e a pensam apenas a partir de um estado de espírito, é muito mais que isso, é aceitação do estado de coisas que estão dadas e isso só acontece devido à carga de informações e de cultura que a pessoa carrega. A tristeza, por sua vez, é acima de tudo uma não aceitação das coisas como estão e acontece a partir de uma carga de instruções e cultura do indivíduo. Aquele que é triste, só é porque sente um impacto entre o que almeja e o que está dado pelas condições do que o cerca.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Violência, Estrutura e Sociedade

Em primeiro lugar, a violência é humana; isso que dizer: onde houver homens e mulheres haverá assassinatos, estupros, furtos e outras atitudes ilícitas. A dificuldade são os excessos, o número de atos violentos muito além do que podem as autoridades estabelecer como controle. Nesse caso, duas perguntas se fazem presentes: uma, o aumento da violência está ligado diretamente a que?; duas, sabendo responder a primeira, qual a solução?
Se a violência é naturalmente humana, o seu controle é de ordem social e aí reside toda a complexidade da análise. Para alguns, a grande maioria da população, a solução está no investimento cada vez maior em segurança pública: mais soldados nas ruas, melhores armamentos, viaturas, melhores salários etc. Outros preferem pensar em grandes engenharias sociais com deslocamentos de populações de uma área para outra e investimentos em equipamentos sociais; pensam isso resumindo em uma frase muito batida: "maior presença do estado".
Alguns governos fazem de bairros inteiros, verdadeiros laboratórios sociológicos. Localidades, onde a violência está muito longe de ser controlada, recebem investimentos em saúde, segurança, educação, habitação, transporte etc. Essas atitudes não passam de laboratórios porque mesmo que afugentem marginais da comunidade a violência não se encerra, mas se desloca para outros lugares e tudo permanece igual em outra localidade.
Também não é uma solução final a aproximação da polícia às comunidades, ou órgãos públicos e ongs, que vão às comunidades carentes cortar cabelo, fazer casamentos coletivos, fazer carteira de identidade, levar lanches etc. Todas são soluções paliativas e simpáticas, mas muito boas para quem quer promoção. Não são soluções finais por serem pontuais, alteram apenas pontos aqui e acolá e não a estrutura.
Acontece que algumas pessoas, frutos da estrutura social sim, se tornaram "foras da lei" e assim serão até o fim de seus dias. Portanto, só se poderá pensar em diminuir a violência para as futuras gerações e isso acontecerá com investimentos pesados em educação. Mas isso precisa ser feito acompanhado de maior distribuição de renda, com habitação e trabalho. Pode não se fazer isso, pôde-se estancar o volume aqui e acolá, mas o resultado em algum momento será sempre maior violência, rumo ao caos.

sexta-feira, 16 de março de 2018

O Espaço Urbano e a Selvageria

Logo que os jornais e redes sociais anunciaram a morte a tiros de uma moça do Rio do Janeiro quando voltava para casa, lideranças comunitárias e militantes de seu partido político a enalteceram como uma reconhecida defensora dos direitos humanos. Pelo mundo afora as agências de noticia deram conta do fato, ressaltando as suas ações junto às mulheres negras, aos favelados e aos mais injustiçados da sociedade.
De imediato multiplicaram-se os comentários a respeito; nada mais natural que seus correligionários, apoiadores e todos aqueles que se sentiam representados por ela emitissem suas condolências, que ressaltassem suas qualidades e que pedissem ao estado brasileiro para que fizesse justiça. Nada mais justo também que pessoas mais próximas, tocadas pelo fato, expressassem a necessidade da ação de todos no combate a casos como esse.
O estranho é que também não demorou para que pessoas fossem às redes sociais para expressarem uma espécie de satisfação por saberem do assassinato de uma mulher com pensamentos contrários aos seus. Alguns, até inverteram os fatos e disseram que seus partidários, seus companheiros militantes, teriam agido em uma tática perversa e executado o ato criminoso para se destacarem politicamente ou para porem a culpa em agentes policiais.
Não tardou ainda para que alguém lembrasse uma outra moça, que também fora assassinada no Rio de Janeiro, mas que "por não ser negra, não ser pobre, não morar em favela, não apoiar gays e lésbicas ninguém se comoveu". Um outro ainda acentuou: "uma pessoa de esquerda morre e todo mundo comenta, 50 de direita morrem e ninguém diz nada".
A pergunta necessária é: o que leva alguém a não perceber a relevância do fato, uma mulher negra, favelada, defensora dos direitos humanos fora assassinada de forma brutal? Não há explicação se não a de que tais humanos, mesmo estando fisicamente entre pessoas, estão apartadas do mundo urbano e das suas implicações. Qual a razão de um fenômeno dessa natureza acontecer? Aí reside o complexo da urbanidade: algumas pessoas são frutos do espaço urbanos, nascem e vivem nas cidades, mas se encontram alheias a esse mesmo espaço. A mesma urbes que aproxima pessoas e as carrega de informações, construindo vidas de interação cosmopolitas, produz pessoas ignorante, viventes da selvageria. Porque a selvageria pode ser urbana e leva pessoas a estranharem-se umas às outras; aliás, a ideia de outro, ou de outra, o estranho, está aí mais evidente.
Afinal, a comoção não foi pela morte de uma pessoa apenas, mas daquilo que ela representava, uma liderança e defensora de ideias fortes tão necessárias nesses tempos de exclusão de quem é diferente, de quem não está envolvido diretamente no sistema de produção.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Do Estado: a Esquerda e a Direita

Já se disse da existência do "yin" e do "yang", da tese e da antítese, do bem e do mal, de Deus e o Diabo, mas - para muito além de qualquer pensamento de forças contrárias e maniqueístas - há de se pensar que uma sociedade só será democrática se sobreviver ao jogo político em uma relação de esquerda e direita. Isso porque o fortalecimento da democracia depende da compreensão desses dois polos e, de tais polos, o seu equilíbrio.
Para isso, faz-se necessário que haja lideranças políticas que tenham e sigam um programa que se reconheça como de esquerda, com ações firmes do estado nas áreas mais importantes como da saúde, da segurança, da educação, da renda, da habitação e por aí vai. Mas não basta que mandatários se elejam com tais propostas se não houver, conjuntamente, uma parcela da população que compreenda - mesmo que minimamente - teoria política e econômica e que possa acompanhar tais ações, dar sustentação e fazer as provocações necessárias.
Por outro lado, faz-se necessário que haja lideranças que se identifiquem com pensamentos políticos de direita e que produzam os seus programas de intervenção cada vez menor do estado na economia e uma sempre maior participação da inciativa privada: com menos gastos na saúde, menos gastos na segurança, menos gastos na educação etc. Da mesma forma, para isso será necessário que uma parcela da população se identifique com essa corrente da Economia Política, saiba do que se trata e faça as cobranças necessárias para que o programa seja executado dentro de uma normalidade cidadã.
Acontece que ser de esquerda não se resume em não gostar de quem é de direita, ou  apenas em defender as ações do estado, mas em ver uma totalidade nas ações políticas e na espera de que essas estejam direcionadas para atender às populações mais carentes, aos trabalhadores, aqueles que efetivamente produzem. Assim como ser de direita não é simplesmente não gostar de quem é de esquerda, mas ter tantas posses que, então, consiga se manter financeiramente sem interferências do estado.
Caso contrário haverá mesmo é uma confusão de ações e de pensamentos: uma guerra de surdos, um não ouve o outro e todos falam, mas não têm certezas do que dizem; uma guerra, mas sem saber quem bate ou quem apanha, ou porque bate e porque apanha. É preciso ter muito bem definido o papel do estado: um "regente de orquestra", ou um agente "de bem estar social"? É preciso que se tenha claro: a riqueza dos povos, como podem ou devem ser distribuídas? O tema é mais complexo do que se podem imaginar em intrigas nas redes sociais. O que não se pode é ver isso como quem vê uma torcida organizada: vascaínos e flamenguistas, ou corintianos e palmeirenses, torcendo pelo nada. No caso político, podem é estar torcendo contra si próprios.

segunda-feira, 12 de março de 2018

Do Popular e do Populismo

Toda palavra cuja raiz é acompanhada pelo sufixo "ismo", sempre designará uma corrente de pensamento que pode ser filosófica, política, religiosa etc.; nesse caso, populismo deveria designar uma corrente de pensamento político que eleva a qualidade do que é popular. Mas uma coisa são as palavras e outra são os conceitos. Esses últimos designam mais do que aquilo que os dicionaristas determinam para as palavras em si, eles tomam corpo e se expressam a partir de uma vontade social.
Todo governante quer ser chamado de popular, o que quer dizer: um governo aclamado pela população. Bem-visto. No entanto, nenhum governante quer ser chamado de populista, pois assim seria ele um assistencialista, alguém que quer manter a população sob controle; que por sua vez pode acontecer por sistemas midiáticos, pela imposição militaresca, ou mesmo por outro modo qualquer.
Hittler fora chamado de populista, assim como fora Mussolini, Franco e Salazar, mas também chamou-se (ou chama-se) para Getulio, no Brasil, para Peron, na Argentina, e para Stalin, na União Soviética. E não se usou somente para governos totalitários; alguns, ditos democráticos, também foram alcunhado de tal forma, como foi o caso de Roosevelt e Kennedy, nos Estados Unidos, ou de Gaulle, na França, entre outros.
Então, não existe em si um governo populista; o termo não é contraponto de democracia, de socialismo, ou de liberalismo político etc; qualquer mandatário que trace um programa que vá efetivamente ao encontro da população pode ser chamado dessa forma. No mais, alguns estudiosos dividem o termo traçando-o como  populismo de direita e/ou de esquerda, mas isso só mostra apenas que a condição pode ser tanto de um lado, quanto de outro.
Em geral, relaciona-se o termo com outro muito próximo, o assistencialismo. Usam-se a palavra para acusar certos governantes de assistirem à população; sendo assim, um governo populista teria como característica o assistencialismo. Mas a acusação não se sustenta, pois se assim fosse seria necessário re-discutir a essência do estado, ou seja: a sua relação com o indivíduo. Qual a função do estado?
O próprio termo populismo, como bem se percebe, está muito distante das definições que fazem os dicionários: "aquilo que é do povo"; "qualidade do que é popular". Portanto, esse conceito político está mesmo é carregado de uma forte carga negativa, de modo que nenhum governante a aceitaria como definição de seu governo. Mesmo assim, as pessoas continuam a usar como sinônimo de popular, ou de assistencialismo. Aí está a complexidade e a beleza das áreas humanas.

sexta-feira, 9 de março de 2018

Marx Permanece

Nessas comemorações dos 200 anos de nascimento do pensador alemão, Karl Marx, muitas análises sobre o materialismo histórico devem acontecer em todo o Planeta, tanto por conta dos estudiosos do pensamento, quanto dos seguidores e mesmo dos seus detratores. Congressos e seminários estão sendo programados, o que é por demais interessante e necessário tendo em vista que dois séculos o separa dos dias de hoje, mas seus textos continuam atuais.
Em primeiro lugar, a despeites  dos adjetivos diabólicos ou santificados, o pensamento de Karl Heinrich Marx não se esgotou nos tempos do século 19 porque sua crítica ao sistema capitalista sobreviveu às circunstâncias históricas. Claro, essas adaptações foram mais uma entrega dos anéis para não perder os dedos e por isso é sabido que hoje algumas leis trabalhistas protegem os trabalhadores.
No entanto, o materialismo histórico vai muito além das críticas miúdas que comumente acontecem aqui e acolá. É preciso que se busque as origens, já que nada surge do nada. Marx não foi o primeiro a falar de socialismo, pelo contrário, em sua época de juventude as ideias socialistas e libertárias já povoavam a intelligentsia do momento. O que ele fez foi readequar aqueles pensamentos de então dentro de ideias de ordem científicas; ou seja: estabeleceu com clareza o objeto e o método dessas análises, a percepção histórica sob um ponto de vista dialético.
Depois, é preciso que se busque as leituras do jovem Marx; algumas muito fortemente presentes em seu pensamento, como é o caso de Epicuro com ideias de prazer e felicidade, ou de Rousseau com um discurso fortemente contrário ao sistema absolutista vigente e até o liberal, Adam Smith, e a posição de que a origem da riqueza está no trabalho e não na terra como então se pensara.
Se o pensador grego, Epicuro, despertou em Marx a ideia de que a razão da existência humana é a busca pela felicidade, Rousseau mostrou-lhe que é possível um contrato social que propicie essa felicidade. Da mesma forma o economista Adam  Smith mostrou-lhe que a origem da riqueza do homem está na transformação da matéria prima em bens de uso, portanto, o trabalho. Ora, o que Marx fez foi juntar tudo isso e mostrar que esse responsável pela transformação de matéria prima em bens de uso - o responsável pela produção da riqueza humana - deve buscar a sua felicidade, porque uma outra sociedade é possível.