A construção da humanidade fez do animal humano mais que um ente em si - uma figura, fez um conjunto de símbolos com os quais o próprio indivíduo se identifica e identifica os demais. Isso ocorre de modo que mais parece ser o corpo um mero instrumento de condução, um aparelho desse conjunto de símbolos com o qual pensa, age e trata as pessoas que estão ao seu redor, do mesmo modo como assim é tratado.
Desde o nascimento, esse animal deixa de ser um menino, um homem, animal humano para ser o João, a Maria, o Paulo ou a Ana. Mas mesmo se tratado como menino, significará que é diferente de menina e as representações de menino são diferentes das de menina, assim como as de homem são diferentes das representações de mulher. Assim também se é menino, se é um adulto, se é um velho. Esse menino pode ser interpretado de acordo com suas atitudes e maneiras de encarar a vida daqueles que o cerca: como bondoso, carinhoso, justo ou malfazejo, grosseiro e desonesto.
A dona Maria pode ser uma santa, uma boa mãe, qualidade tradicionalmente esperada das mulheres, ou uma intelectual com posições firmes, irredutível, ou ainda uma prostituta que despreza os valores da sociedade. Mas as três são mulheres podem ter pernas, braços, seio, vagina e rosto: três corpos de mulher. Um pouco mais, ou um pouco menos, elas são vaidosas, mas porque se espera das mulheres alguns cuidados a mais com esse corpo.
Ou ainda: dois homens: o juiz e o bandido. Ao primeiro é atribuído a força da lei, representante da força institucional do estado e tem o respeito das demais instituições, ao segundo é atribuído socialmente a condição de fora da lei. Suas condições são simbólicas e os dois - nas suas formações - comungam de alguns dos mesmos símbolos: os dois podem ser machistas, homofóbicas, cristãos, nacionalistas e uma série de outras condições.
Da mesma forma os entendimentos que se tem diante de um objeto sagrado: alguns são monoteístas, politeístas, panteístas e, outros, ateus. Aos monoteístas, a figura do próprio deus tem um conjunto de representações de acordo com a história: um dia ele fora o deus dos exércitos, depois foi o senhor de servos e servas e, depois, tornou-se uma força de energia que irradia aos que crêem; atualmente mais parece um dono de muitas posses a atender os pedidos dos necessitados.
As pessoas carregam nas carteiras documentos com números, senhas e marcas de impressões digitais necessárias para as suas relações com as estruturas dos tempos atuais, o sistema bancário, a academia e os órgãos estatais em geral. Os saberes são presos em códigos de letras e números, além das determinações burocráticas e suas pontuações de desempenho. O corpo desaparece diante dos símbolos.
A condução ideológica desse animal ocorre quando um sistema, através de seus órgãos de sustentação, age diretamente e insistentemente alimentando esses símbolos de modo que os comandos passam a ser, incontestavelmente, as verdades. As pessoas se asseguram nessas representações e são elas que dão sentido às suas vidas e às suas relações e é aí que reside toda dificuldade das revoluções e alteração do sistema, essa torre de símbolos montada em séculos. Até porque as alterações que se sofrem no decorrer da história acabam sendo trocadas algumas peças por outras equivalentes, mas que as torres continuam erguidas com seus propósitos.
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