quarta-feira, 29 de novembro de 2017

As Revstas Científicas e a Falta de Cientificidade

Os conhecimentos aceitos e sustentados nos tempos atuais se caracterizam pela cientificidade produzida em universidades pelo mundo a fora, com seus métodos rigorosos e suas publicações em revistas especializadas. Nas universidades os programas de pós-graduação se perdem no sentido do que se propõem e se dão em escrever textos cheios de regras, cumprindo exigências burocráticas; a ciência cai no seu sentido em si e passa a ser produzida como resultado de vontades corporativistas e egoístas, determinadas por interesses particulares.
Acontece que as exigências de publicações partem de órgãos acadêmicos e se devem a um pensamento de que os resultados das pesquisas precisam ser publicizados não só como forma de troca de saberes por parte dos cientistas, mas como uma maneira de comprovar os trabalhos feitos e, assim, serem contemplados com mais verbas governamentais. Os auxílios às pesquisas, as bolsas oferecidas, os convênios e os vários sistemas de cursos e intercâmbios mantidos pelos governos se dão baseados nos resultados das publicações.
As exigências desses setores de fomento à pesquisa são tais e o cumprimento por parte dos pesquisadores são tão rigorosos que se perde a ideia central de uma ciência como esteio da sociedade moderna, preocupada com resultados que contribuam para uma vida melhor. Quer dizer: as publicações em artigos científicos acontecem, mas logo que as revistas saem vão para as estantes das bibliotecas ou para as gavetas dos setores de pesquisas e se tornam obsoletas.
Isso se dá porque os órgãos governamentais exigem e as publicações acontecem nas tais revistas, indexadas ou não, mas não são lidas, ou se são lidas só são por outros pesquisadores da mesma área, aqueles que as usam como fundamento para novos textos que também não serão lidos. E tudo acontece de maneira que a maior parte dos pesquisadores, mesmo sabendo muito sobre suas áreas, não terão respostas se forem indagados sobre o sentido de suas pesquisas; suas respostas serão sempre de ordem corporativista e sua área de atuação será sempre a mais importante, de modo que o mundo pararia sem elas.
Certamente que nesses tempos em que se falam tanto da necessidade da leitura, da importância das ciências e que se valorizam as instituições universitárias é pesado demais falar que as revistas científicas encontram-se em condição obsoleta. Mas a despeito dessa necessidade imperiosa, as publicações perderam a própria cientificidade e se quedaram diante da ostentação e da manipulação do mercado.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Livros? Que livros?

Que a leitura é imprescindível para o desenvolvimento intelectual de uma pessoa e, por extensão, para o seu desenvolvimento político, econômico e social, parece algo aceito por todos que, mesmo minimamente, conseguem refletir sobre a vida gregária. Que a consequências da leitura leva uma sociedade a se estruturar de forma a contemplar as diferenças com respeito, com aceitação e com condição de vida digna para cada um dos membros, também parece ser de uma aceitação geral.
Mas essas premissas não podem ser aceitas simplesmente, sem qualquer consideração a respeito. Aliás, considerações que podem fazer toda a diferença. Não basta que se leia, precisa que se leia algo que acrescente, algo que faça refletir sobre o meio em que se vive para que se torne agente eficaz e autônomo. 
As armas não matam, assim como as flores não trazem a paz, bem como os livros não acrescentam algo a aquele que usa simplesmente por ser livro. Tudo depende da intensão e do conteúdo posto. São as pessoas que matam, assim como a paz se consegue com respeito ao outro; da mesma forma, é o conteúdo do livro que acrescenta algo ao que lê e não um monte de letras impressas em papéis encadernados.
Alguns títulos postos nas gôndolas das livrarias - Como Fazer Amigos e Influenciar PessoasO Poder do Agora; Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes etc. - são textos feitos não objetivando aquele que lê, mas o retorno financeiro possível para aquele que escreve. São resultados da vontade de explorar um nicho de mercado que o sistema capitalista oferece.
Da mesma forma títulos como Mentes Tranquilas, Almas Felizes;  Cuidando do Corpo, Curando a Mente etc., são textos postos no mercado tendo em vista o medo, o rancor e as frustrações das pessoa no dia a dia. Como são textos fáceis, lúdicos, cheios de ministérios, pensados na satisfação do cliente - por isso não exigem uma formação básica - e, como todos afirmam, uníssonos, de que é preciso ler, os mais desavisados caem nessas leituras.
E assim, um livro técnico é deixado de lado, da mesma uma literatura exigente e provocativa que exija algo do leitor fica de lado sob a acusação de complexa, de difícil ou coisas dessa natureza. Ora, se a leitura é importante para o indivíduo, da mesma forma que para a sociedade como um todo, é preciso que se pense na leitura: que livro é esse que se apresenta? Quem é o autor, o que quer com esse texto? Que relação estabelece com a sociedade e o mundo à sua volta?

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Ciência e Racionalidade

O que existe hoje, e as pessoas chamam de ciência, nada mais é que uma relação do homem com os efeitos da natureza, numa tentativa constante de apreender aquilo que está dado e, quem sabe, dominar, alterar, ou usar em seu benefício. A curiosidade, o medo e o desespero pelo desconhecido impulsionaram os humanos por milhares de anos na busca por algum entendimento sobre os enigmas de tudo que estava a sua volta e até de si mesmo.
Aliás, o homem se humanizou na tentativa de explicar o porquê das coisas serem do jeito que são, de modo que não se pode pensar em ciência separada da condição humana: um surgiu em decorrência do outro. O cérebro, as mãos e todo o corpo do homem se alterou e, por isso, são o que são em decorrência dessa relação de domínio: o fogo, a faca, a roda, a canoa etc., são objetos criados por essa constante busca.
Com isso é preciso que um outro conceito seja levado em conta, o de  técnica, essa capacidade de desempenhar trabalho considerando os conhecimentos elaborados cientificamente. Ou seja: a partir do entendimento de como acontecem a chuva, o sol, a água, o vento, as plantas, os animais etc., surge a capacidade de controles, o saber fazer.
Em tempos remotos essa relação, humano/ciência, homem/natureza, fora tratada sob o controle rigoroso da igreja e do estado, em uma mistura de sagrado, mortes, medos e determinações governamentais. Na modernidade, por se sentirem na idade das luzes, quando o homem se vê como um ser que paira sobre o chão absoluto da razão, constrói-se uma aproximação total entre o homem e a natureza, agora não dos homens em geral, mas de uma elite e a ciência. 
Acontece que, com a criação de conhecimentos científicos, com isso, a elaboração de técnicas de manuseio e, em consequência, as tecnologias modernas, se trancaram nas universidades e passaram a construir comodidades para parcela da população. Esses cientistas, que outrora foram homens que se relacionavam com a natureza como essência da suas humanidades, agora fazem ciência e constróem tecnologias para qualquer fim, desde que remunerados adequadamente. A ciência perdeu seu fim.
Mas a racionalidade, tão reivindicada pelos modernos, só existe se existir um fim; ora, a essência da razão é o planejamento dos meios para se chegar aos fins. Quando a essa atividade, que surgiu como o que existe de mais elevado na humanidade, é feita a qualquer fim, ou sem um fim, perde de imediato a racionalidade, sobrando apenas a capacidade acéfala de se construir tecnologias.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Magistrados, Super-heróis e Suas Capas

Algumas vestimentas existem como fora do seu sentido original, a gravata, por exemplo, o lenço, o chapéu, a boina e outras. Inicialmente a gravata fora pensada para não deixar à mostra os "indecentes" botões da camisa, o lenço fora pensado para servir de gola - já que as camisas não as tinham até recentemente, além de servir para enxugar as lágrimas, o suor e cobrir o rosto em estradas de poeira; a boina e o chapéu foram criados para abrigar o usuário do frio, da chuva, do sol etc l.
Todas essas peças de vestimentas já foram superadas em suas originalidades e hoje são usadas como objetos de adorno e até para puxar um saudosismo, ou como parte de uniforme de agentes de polícia, ou ainda como parte de indumentárias folclóricas. Mas, de todas, nenhuma dessas encontrou a relevância da capa, essa peça de roupa pensada no início da modernidade, como um sobretudo sem mangas visando abrigar aquele que a usa do intenso frio europeu e da chuva.
Relevante porque essa vestimenta chegou aos tempos atuais de forma emblemática, como algo que se usa de forma indispensável em determinadas funções, mas que não tem uma serventia prática, necessária: magistrados - seres reais, basilares na administração da justiça, as usam - e super-heróis - seres fantásticos - das revistas em quadrinho, também. Apesar da relevância, ambos não necessitariam de tal roupa para desempenharem as funções: o juiz não seria mais ou menos justo pelo fato de usá-la ou não, tanto quanto não é ela o que faz voarem os heróis dos desenhos e filmes de mocinho e bandido.
Por outro lado, há uma aproximação entre essas duas personagens; enquanto os super-heróis são mostrados com suas capas a fazerem justiça e, por isso, saem em lutas na defesa dos fracos e oprimidos, os  magistrados acreditam que com elas tornam-se heróis, seres ungidos por forças extraterrenas para desempenharem tal função.
Mas as pessoas esperam mesmo a capa em um magistrado, como se isso o diferenciasse dos demais mortais, da mesma forma que esperam vestidas em super-heróis. Assim também é o que se construiu com a imagem do revolucionário latino-americano com sua boina e barba, no estilo Chê. Acontece que as roupas, mais que agasalhos para o abrigo do frio, da chuva e do sol, são indumentárias que definem aquele que as veste, no que caracteriza uma personagem: "o hábito faz o monge". É o caso de A Roupa Nova do Rei, de Hans Christian Andersen, em algum momento alguém grita na multidão: "o rei está nu" ou, quem sabe, alguém ainda grite na sociedade, "não é a capa que faz justiça".

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Amigos e Inimigos: Síndrome de Estocolmo

Certas amizades são duradouras, algumas para a vida toda, outras por um curto período e existem as inimizades que também podem ser duradouras ou não. Isso porque as pessoas se relacionam o tempo inteiro, se amam e se odeiam. E, nessa complexidade de relacionamentos, parece natural que se aja contra alguns princípios éticos e religiosos: amamos os nossos amigos e odiamos os nossos inimigos, queremos o bem para quem nos quer o bem e excluímos, ou desejamos o mal, para quem nos quer o mal.
No entanto, essa relação de amor e ódio é carregada de meandros. Há aquele que se compadeça com o que outrora fora o seu algoz ou, de acordo com princípios cristãos, é possível que se ame o inimigo. E essa dicotomia fica explícita quando se analisa o distúrbio psíquico que ficou conhecido como Síndrome de Estocolmo (Stockholmssyndromet): a afeição que se desenvolve entre o agredido e o agressor.
As condições, e os motivos, que levam alguém a se afeiçoar ao agressor é objeto de estudo por psicólogos, psiquiatras e sociólogos como uma inter-relação difícil de destrinchar. Afinal, a relação pode ir muito além de uma simples amizade e chegar ao nível de cumplicidade ampla e mesmo a intimidade sexual. Parece que se entra em uma zona erógena em que se ama o perigo, se deseja o estranho, o errado. 
Acontece que os dois indivíduos dessa relação se completam: de um lado o medo, a carência afetiva, a necessidade de segurança e a falta de amor próprio e, de outro, a necessidade para o comando, a prepotência e a vontade de poder. Mas esse "amar o inimigo" que se estabelece como a Síndrome de Estocolmo não é o mesmo que se prega no pensamento cristão, de amar a todos mesmo aqueles que nos fizeram algum mal.
Enquanto o pensamento cristão prega um despojar-se por inteiro no resgate daquele que por hora se apresenta como inimigo, nesse outro caso, o oprimido experimenta uma confusão mental e vê aquele que os outros diriam ser "inimigo" como alguém a ser protegido. Acontece que o amor e o ódio são as duas faces de uma mesma moeda, frutos de uma mesma passionalidade e o seu consequente obscurecimento da razão.
Mas o amor está para o bem como o ódio está para o mal. Se o ódio e o amor são conceitos bem definidos como um fenômenos frutos de impulsos provocados por uma força oriunda das correntes sanguíneos, da distribuição hormonal, do sistema nervoso, portanto concreto, o bem e o mal são conceitos a serem definidos, por muitos, relativizados. Nesse caso, se é possível se afeiçoar ao inimigo, há de se questionar o conceito de inimigo; talvez esse nunca o fora.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

A Ignorância e a Opressão

Quando um homem branco, com curso universitário completo, bem sucedido financeiramente, vai às redes sociais para se queixar que pelo fato de não ser homossexual, índio ou negro se sente um deserdado do estado, pela proteção estabelecida a tais setores, é sintoma do que ocorre na sociedade. Ele se diz excluído porque pensa que as leis devem ser simetricamente iguais para todos: a mesma fala feita para um bebê deve ser o discurso feito para um homem de 60 anos e vice-versa.
Pensar assim é não entender o conceito de direito e, por sua extensão, de equidade e de justiça. Ora, se o objeto final do que se quer em uma vida social é justiça, há de se levar em conta que isso não se consegue com a distribuição simétrica das leis para todos. É preciso que se leve em conta que as pessoas são dotadas de condições  sociais, físicas, econômicas e históricas diferentes.
As condições sociais que o estado brasileiro apresenta ao homem negro é uma pequena tentativa de reverter a situação histórica a que fora relegado ao longo dos tempos; a mesma coisa do que acontece com o índio. Historicamente o negro viveu no Brasil por longo período uma condição escravagista e, quando liberto, homens e mulheres foram foi largados à sua própria sorte. Enquanto isso, os índios viram suas terras serem invadidas, saqueadas, cercadas e comercializadas; alguns foram "civilizados": trazidos para as cidades para servirem de mão de obra barata. 
Guardando as peculiaridades, é algo não muito distante o que ocorre com a mulher e o homossexual. O estado não faz concessões para as mulheres por bondade masculina, mas porque elas (algumas) se organizaram, se posicionaram e exigiram condições equitativas ao lado dos homens. As mulheres não querem benefícios, dádivas, mas condições de igualdade.
O homossexualismo, por sua vez, é uma realidade humana, histórica e biológica natural. A perseguição aos homossexuais se origina em uma leitura inconsequente da existência humana, fortalecida por duas situações. De um lado a valorização do sexo no casamento com o intuito de fomentar a procriação e, por outro lado, servir a um controle social a partir da manutenção das famílias, essas instituições que historicamente repassam os valores das elites privilegiadas da sociedade. Os homossexuais só querem um benefício, se é que se pode dizer assim, viver sem serem incomodados como qualquer outro cidadão. 
Então, quando um homem branco, graduado, heterossexual, bem sucedido, vai aos meios de comunicação para se queixar de abandono por parte do estado, fica claro que a ignorância e opressão caminham juntas.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Os Tempos Atuais e o Mundo de Alice

Nesses tempos estranhos, sem limites, encerrados em descaminhos, em que o fanatismo desprovido de motivo dá o tom da história, talvez só faça sentido na releitura de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Não que haja algo de maravilhoso nos tempos recentes, como expressa o título publicado no Brasil (em Inglês foi Alice's Adventures Underground, ou As Aventuras de Alice Embaixo da Terra), mas pelo mundo descabido, contrário de tudo que já fora mostrado e entendido, sem ética, sem lógica, sem sentido.
Quando o estado moderno,fruto do Iluminismo, cambaleia moribundo, tropeçando nas próprias pernas e, mesmo assim, abutres burocratas beliscam o que ainda sobra da carcaça dos poderes e possibilidades de ação, percebe-se que tudo a volta está mais para um mundo de Alice. E aí, um neo-relativismo despe a sociedade de linhas de ação e sentido para seguir em frente.
Os tempos atuais não têm nada de maravilhoso porque é muito mais um submundo onde pessoas caminham sem saber para onde vão e brigam por algo que não entendem e defendem aquilo que pode ser contrário a sua própria condição social. Tempos em que as descobertas científicas são negadas e os pensamentos que já foram deixados há séculos retornam como verdades irretocáveis.
Além do que o fanatismo toma conta das vontades humanas. Mas não um fanatismo em que se segue uma posição imperiosa, dotada de sentido por aqueles que a defendem. Pois mesmo os grandes ditadores, por mais execrados que possam ser por parte da história, seus seguidores vêm nos regimes, nos seus senhores e nas suas ideias sentido e por eles lutavam, ou lutam.
No entanto, o que se percebe nas mídias sociais, nesses tempos estranhos, é um fanatismo do nada, é uma luta por aquilo que não se domina, por aquilo que não se sabe do que está falando. É a preponderância do nada, a defesa de um vazio, porque o econômico já não explica mais e muito menos a cultura ou a história; talvez o mais sensato seja pensar que as explicações - se é que existem - ficam por conta da Política, da Psiquiatria ou da Sexologia.
Pensadores da dialética sempre enfatizaram que o conflito é o motor da história, que é a partir da crise que se dá o salto para a mudança, talvez seja esse um sentido, apesar de que o que se vive não é confronto de posições (tese versus antítese), mas o império do nada, do vazio. Esse mundo de Alice não é nada maravilhoso, mas muito mais uma caverna em que se toma a sombra por real e o real por loucura.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

O Triunfo da Imbecilidade

A busca pelo entendimento das infinitas nuances em uma sociedade sempre foi fascinante: a diversidade dos pensamentos políticos e econômicos, as diferenças de comportamentos religiosos, as tendências artísticas, os entendimentos filosóficos etc. No entanto, o motivo desse fascínio chegou, nos últimos anos, a um nível incomparável de complexidade pelo fato de que um número cada vez maior de pessoas se aventuram a tecer comentários, críticas e teorias desprovidas de noções socio-políticas.
Em contrariedades de entendimentos sobre os caminhos das sociedades, instituições sempre se confrontaram em discussões políticas nos últimos dois séculos; o que muitas vezes caminharam para confrontos bélicos. Mas, em geral, pairaram em um debate firmado a partir de dois conceitos básicos: esquerda e direita. De um lado e do outro, se desdobrando em várias outras teorias, todas tentando nomear linhas teóricas, discursos e práticas do dia a dia.
No entanto, o que se presencia nesses tempos não é mais a luta entre ideologias políticas como fora nos tempos da Guerra Fria, quando liberais e socialistas se engalfinhavam na defesa de suas tendências. O que se percebe hoje é o triunfo da imbecilidade. O volume de pessoas que expressam suas opiniões sem qualquer fundamento é demasiadamente alto. Isso por si só não é o problema, mas a legião de seguidores que parte para o confronto físico e manifestações políticas afim de determinar os programas governamentais e alteração de leis
Se vivesse nesses tempos Michel Foucault repensaria o seu livro, Microfísica do Poder, afinal o saber já não possui força de expressão para ser a fonte de poder. Talvez seja o livro de Boaventura de Sousa Santos o que melhor explicita o que se percebe nesses tempos sombrios, Pela Mão de Alice - o social e o político na pós-modernidade: no fundo do poço há um mundo torto, onde o sorriso se personifica e onde o coelho corre atrasado não se sabe para onde. Um argumento sem lógica, uma luz que não ilumina. Um retorno à caverna.
Nesses tempos, a universidade já não possui a hegemonia do saber, como as luzes dos tempos passados, e zumbis, humanos semimortos pela ignorância, se debatem querendo, a qualquer custo, devorar a tudo e a todos. Como numa regressão rumo à Idade Média, já não são cientistas, os doutos graduados que dão as ordens e as linhas do saber, mas pequenas e simples mensagens de celular, sem provas, métodos ou fundamentos. Onde esse empoderamento da imbecilidade vai dar? Pergunta difícil, só o tempo dirá. 

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Voto, Coisa Pública e Vigilância

Símbolo máximo de um regime democrático, o voto é a possibilidade que um cidadão tem de escolher livremente aquele que, por um período, terá o referendo para agir de acordo com os seus interesses. É um símbolo máximo porque trás na condição daquele que vota a expressão de um ato politico, necessário para que cada indivíduo se sinta um ser humano integral, partícipe nas decisões da sua sociedade.
Para isso precisa ser o voto precisa ser livre pois, do contrário, não estaria sendo um ato seu, mas de outro, de alguém que, ocultamente, de fato, está decidindo. Aliás, pode ser pensado como uma redundância falar em voto livre, já que um conceito é a condição do outro; ou seja: um homem livre vota e pode ser votado, tanto quanto o homem que vota e pode ser votado é livre.
Nesse caso, há uma relação direta entre liberdade e o ato de votar; ser livre é escolher aquele que expresse a possibilidade de que seus anseios estarão em pauta. Precisa-se agora pensar naquele que recebe o voto, naquele que é escolhido por cada cidadão. E aí é que paira a liberdade do voto, a possibilidade, ou não, de uma escolha adequada; quem é o candidato que se apresenta? jJ foi escolhido outras vezes? O que fez, ou deixou de fazer? Qual o programa que esse que se candidata apresenta para que se possa votar nele mais ma vez?
Esses conceitos estão todos juntos: justiça que se espera, ação necessária para fazer o que deve ser feito, liberdade para escolher adequadamente e a culpa por agir corretamente, ou não. Se não houve liberdade para escolher não pode haver culpa por fazer algo errado, mas se houve liberdade, necessariamente haverá culpa sim por escolher aquele que não deveria.
Ora, se a sociedade pertence a todos, se cada um é responsável pelo que acontece na sociedade, a escolha errada é tão perversa quanto qualquer ação ruim do escolhido. Se  houve descaso para com a coisa pública - corrupção, ineficiência, desleixo, elaboração de leis injustas etc. - mas se houve também liberdade para escolher essas pessoas que agora estão à frente do executivo, ou em mandatos parlamentares, a culpa é de ambos: do eleito e do eleitor. 
Também não adianta falarem uns aos outros que todos devem votar de forma consciente, pois quando se fala em votar livre precisa se levar em conta a possibilidade de mentiras, de enganos e de toda sorte de ilusão. Aquele que é iludido tem sempre a convicção de estar fazendo o que deveria ser feito. Portanto, falar em voto passa por um outro conceito importante, o de vigilância. Quem quer acertar na escolha de um candidato precisa ser vigilante. Vigilância. 

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

O Mundo e a Fuga Dele

O mundo é o que é. Mas aquilo que é pode estar muito além da compreensão; por isso alguns optam pela fuga se abrigando em um amplo leque de mitos, crenças e tendências religiosas - quer seja de matizes pre-cristãs, africanas ou ameríndias. Outros ainda, se abrigam sob as asas de ensinamentos orientais e praticam uma mistura de hinduísmo, budismo, xintoísmo e taoismo, reunindo fragmentos esparsos de pensadores como Confúcio, Lao Tse, entre outros.
Interessante porque poucos são aqueles que se encontram em uma condição ortodoxa, seguindo uma religião oficial, com práticas efetivas diárias ou semanais, levando em conta os ensinamentos dos sacerdotes. Boa parte faz mesmo é uma mistura que leva em conta vários preceitos e práticas que vão dos ensinamentos católicos romanos, aos rituais orientais, africanos e indígenas.
Mas existem aqueles que preferem seguir o cristianismo de cabeça pra baixo e, adoram Satanás. De cabeça pra baixo porque seguem o mesmo pensamento cristão, sob o mesmo ponto de vista teológico, a mesma necessidade de servir a um senhor protetor a quem se deve render graças e o mesmo pensamento de oposição entre bem e mal; só que fazem a adoração àquele que, no cristianismo, representa o mal. Talvez exista aí um pensamento contra-hegemônico, de enfrentamento à estrutura religiosa vigente, o que não vem ao caso.
A verdade é que o homem em toda a sua existência, diante das dificuldades para com o real, caminha para o irreal, para aquilo que não é. Acontece que essa foi a forma encontrada para fugir da complexidade e da amargura da existência e, assim, esse homem passa a construção de um mundo que lhe dê as explicações necessárias para aquilo que foge da sua compreensão.
Depois de penetrar nesse mundo mágico, o indivíduo quererá ainda mais ir avante e, em algum momento, passará a espelhar cada situação, cada objeto existente no mundo real. Tudo será remodelado agora a partir de concepções mágicas. Aí, o aquecimento global passa a ser motivado por um karma a ser vivido pela humanidade, ou os sofrimentos motivados para pagamento  dos pecados e assim por diante.  Desse modo terá explicações para boa parte do que o cerca; e aquilo que ainda assim não conseguiu explicar, ele vai imputar à existência de mais um mistério.
Ora, quando se diz que o mundo é o que é - significa dizer que é dotado de uma concretude difícil de ser assimilada, muito além do que querem as consciências humanas. Mas mesmo que não se queira e que se abrigue embaixo de concepções metafísicas e espiritualistas, mesmo que se fuja para um além, o mundo é aquilo que é. Nenhuma flor, nenhum poema, nenhuma frase feita o deixará menos complexo e amargo.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Autoritarismo e Corpo Burocrático

É comum que se estabeleça uma relação muito próxima entre os governos totalitários e a figura de um determinado príncipe, imperador ou presidente; a história retrata fatos relevantes dos monarcas semideuses da antiguidade, da sequência dos césares romanos, ou de príncipes alemães e italianos dos séculos 15, 16 e 17, bem como os ditadores do século 20. Mas aí reside o grande erro: imputar os fatos históricos vividos por um povo a apenas um indivíduo, mesmo que esse esteja ao centro do sistema de decisões.
Nem anjos nem demônios, nem heróis nem vilões: todas as pessoas, mesmo aquelas que vivem ao centro de um sistema de poder, não são as únicas responsáveis pela sequência de fatos que se sucedem. Todos os grandes governantes só conseguiram dirigir os destinos de uma população porque tiveram um povo subserviente o suficiente para aceitar as coisas do jeito que estavam, ou porque uma elite privilegiada os cercou e possibilitou que tudo fosse possível.
Nenhum monarca da antiguidade governou sozinho por mais que os textos bíblicos e as pesquisas históricas falem em faraós do Egito antigo, em Nabucodonossor ou em Salomão. Nenhum deles governou sozinho por mais poder que tivessem; dessa forma não se pode imputar apenas à figura de um Hitler ou a de um Mussolini os feitos de uma grande guerra ou o que dela demandou. Todos eles tiveram um corpo de funcionários, donos de um saber burocrático, que agiu o tempo inteiro em nome de uma verdade que se queria e se alimentava.
Certamente que a relação existente entre os membros de um corpo funcional, e que gravita em torno de um governante autoritário, é baseada em dois pontos basicamente: no medo e, do medo, a desconfiança, por um lado, e na obtenção de privilégios por outro. É esse corpo burocrático que faz o controle da saúde da população, que faz o controle da educação, que faz o controle da segurança etc. Não pode haver um sistema totalitário que não tenha a seu serviço uma polícia, um exército, um sistema judiciário, um conselho de ministro etc.
Algumas vezes esse corpo diretivo é tão forte e eficiente naquilo que se propõem que a figura do governante passa a ser até decorativa, sendo foçado a agir conforme o sistema lhe impõem. Outras vezes sim, a figura do governante é altamente impositiva e até cruel, mas nenhum deles poderia ser o ditador que é ou foi, ninguém poderia ser o príncipe ou o césar que foi se não tivesse ao seu redor uma estrutura que lhe amparasse.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

A Morte e a Angústia do Fim

Um pouco mais de 300 anos de separação, dois povos, dois homens, dois enfrentamentos a um poder central, duas condenações e dois modos de encarar a morte: de um lado Sócrates de Atenas e, de outro, Jesus de Nazaré. A forma como viram o mundo e a sociedade estiveram retratados nos modos como foram publicadas as suas mortes e assim se inscreveram na cultura do Ocidente. 
Um foi acusado de corromper a juventude e de blasfemar contra os deuses; por isso, foi levado a julgamento, fez sua própria defesa, mostrou a incoerência dos seus detratores, reafirmou suas convicções e foi condenado. Em seus minutos finais  teria conversado com os discípulos e afirmado que não se deve temer a morte: "eu vou para a morte e vocês para a vida. Quem de nós tem o melhor destino?"
O outro foi acusado de heresia por se dizer o filho de Deus e encarado como alguém perigoso, portanto era preciso matassem-no antes que tivessem de matar a tantos outros com suas ideias. Por isso foi levado a julgamento diante dos homens da lei, dos sacerdotes e de governantes. Condenado a morte por crucificação, em um espetáculo público conduziu seu instrumento de morte até o local da execução e, em seus minutos finais, teria exclamado: "pai, em tuas mãos entrego o meu espírito".
Nesses dois mil e tantos anos o modo como os dois encararam suas morte, em continuação de seus pensamentos, entrou definitivamente na alma humana e construiu um imaginário que até hoje emoldura um modo de pensamento, com suas noções de verdade e estrutura moral. Se os discípulos de Sócrates se preocuparam em descrever a morte do mestre como um momento de questionamentos,  os discípulos de Jesus descreveram como um momento de volta para o reino de Deus. Mas a morte dos dois foram descritas como grandes passagens, distantes e estranhas.
Acontece que o homem vive um hiato entre a vida e a morte e os ocidentais aprenderam a ver essa relação como a existência de algo que o espreita sem qualquer controle efetivo e que dirige os destinos.
Dois modos de encarar o que mais atormento o espírito, uma angústia: o que pode haver para além do suspiro final, um grande pai a esperar e para julgar os feitos dos filhos como bons ou maus, ou um nada que nos aguarda a todo instante? Os homens ocidentais inventaram máquinas, teorias filosóficas, toda a sorte de ciências, foi a lua, acumulou riquezas, mas não consegue se encontrar com seu próprio destino: um pai a julgar suas ações ou a eternidade de um nada.

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

A História e o Idealismo Alemão

A origem do Idealismo Alemão tem alguns pontos estranhos, mas que se reúnem formando um sentido que mas tarde influenciaria não só a filosofia, mas as artes e a história mundial. Os pontos originais são: de um lado o racionalismo dos séculos 16 e 17, expressados por figuras como Descartes, Espinosa, Leibniz etc., e, do outro, os empiristas como é o caso de Hume, Berkley, Locke etc.
Foi Kant o elemento agregador dessas duas pontas, pois foi ele que, ao ler o livro de Hume afirmara ter "despertado do sono dogmático", ou seja: entendera que os empiristas estavam certos na afirmação de que tudo que o conhecimento surge com a captação feita pelos aparelhos sensoriais, mas também afirmou que, de outra forma, os racionalistas também estavam já que tais informações não entravam na mente de forma inerte como se o cérebro fosse uma espécie de recipiente onde se acondiciona tudo é tudo permanece da mesma forma.
Para ele cada informação, cada impressão sensorial, que entra na mente sofre de imediato um julgamento por parte das informações já existentes e é esse nresultado que vai nos dar um sentido, um entendimento, aquilo que podemos chamar de conhecimento. Dessa forma, Kant - mesmo admitindo a dificuldade para entender o tempo, estava ele pondo-o na filosofia. O que hoje se tem um entendimento amanhã pode ser bem diferente. Baseado nisso, mais tarde, Hegel afirmaria que os nossos entendimentos nada mais são que frutos de nossa história.
Estava formado o Idealismo Alemão que de uma forma, ou de outra, influenciaria os pensadores ocidentais vindouros. Não só os filósofos, mas os cientistas sociais de um modo geral, foram influenciados; do mesmo modo a arte com o surgimento do Romantismo que reuniu traços idealistas e compôs um modo muito próprio de entender o mundo,  dessa forma rompeu na só com todo o racionalismo de então, mas também com as pretenções empirista dos ingleses.
Interessante é que também aqueles que questionaram o pensamento idealista como algo a ser execrado e cm isso construíram um pensamento traçando linhas opostas, involuntariamente deixam explícitos os pontos herdados de Kant. E mesmo pensamentos politicamente bem contrários trazem no se seio características fundamentais. 
Sendo assim, não poderia ser diferente: o idealismo e seu romantismo penetrou fortemente no pensamento médio do povo alemão de modo que para pensar a história  de todo o Planeta nos dois últimos séculos necessariamente deve ser levado em consideração.