segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Mentalidade Escravocrata

Os traços econômicos, sociais e políticos, latentes em um povo, não saem, não desgrudam de alguém por decreto, por uma manifestação ou mesmo uma revolução, uma luta armada; eles ficam impregnados nas memórias de cada um dos membros da sociedade. Durante muitas décadas, e até séculos, dominadores e dominados permanecem como antes e até arrancar isso das suas mentes leva tempo, já que aqueles que estão em vantagem tudo fazem para que desse jeito se permaneça. Assim aconteceu com o pensamento escravocrata brasileiro que não foi extinto porque a princesa Isabel promulgou a chamada Lei Áurea ou porque foram realizadas todas as manifestações abolicionistas e libertárias. A mentalidade escravista permaneceu nas mentes das pessoas e hoje é visível nas atitudes do dia a dia, nos trabalhos, nas relações de amizade e até nas expressões culturais artísticas. Muito já se disse sobre a profunda divisão social brasileira com uma distância descomunal entre os que mais possuem e os que têm pouco ou que nada têm. Já foi mostrado que essa contradição dificulta o desenvolvimento econômico já que o País depende de exportações tendo um exercito de miseráveis que poderiam ser postos a consumir e passar a um mercado consumidor auto-suficiente. O que não foi mostrado é que a maior crueldade dessa contradição está num pensamento escravocrata que permanece latente nas mentes das pessoas e agora não mais só o negro, o pardo e os índios, mas também uma parcela expressiva de bancos. O homem da casa grande não aceita que tenha uma vida mais digna – com direito de entrar nos shoppings e consumir, ou viajar de avião - àquele que veio da senzala e da pobreza dos arredores. É preciso que se diga também que muitos dos opressores não são nascidos na casa grande, apenas receberam alguns favores dos seus senhores e, na primeira oportunidade, viraram leões de chácara, capitães do mato, e passaram a oprimir os seus e hoje não são diferentes. Sim, o serviço sujo, o açoite, o marcar em ferro de outrora nunca fora feito pelos senhores, mas por aqueles que foram eleitos entre os que sofriam os desmandos e encarregados de “por a ordem”. Resumindo: se um amontoado de pessoas quiser ser pensado como sociedade, como pessoas dignas de respeito pelos outros povos é preciso primeiro que se arranquem as algemas que continuam a ferrar essa parcela considerável da população.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O Homem e Suas Raízes

Sempre se fala das necessidades do entendimento da cultura, da religião, da língua e da política para entender a formação da sociedade, o que não se fala, ou se fala pouco, é da relação entre esses elementos e da sua soma ao espaço territorial. É que, nesses tempos de avanços científicos, o planeta, na sua totalidade, parece falar mais alto que a Terra Natal com seus palavreados, seus costumes, sua língua ou seu sotaque. Acontece que as novas tecnologias aproximaram demais os espaços e os economistas falam em globalização, as pessoas se comunicam em tempo real de um lado ao outro do planeta e, em algumas horas, se deslocam por longas distâncias. Pessoas de culturas tão diferentes acabam se deparando, se confrontando, ou contribuindo uma a outra, e assim seguem numa constante interação. Um estudante brasileiro que faz intercâmbio no Japão pode conversar com os pais diariamente e, com imagens ao vivo, mostrar onde mora, as roupas e, até mesmo, as praças da cidade e a universidade. Em tempo real os investidores acompanham o crescimento das ações nas bolsas pelo mundo a fora e, de Joinville, Santa Catarina, ele tira seus investimentos de Nova Iorque e os manda para Hong Kong em menos de um minuto. Tudo isso leva a fascinação e as pessoas passam a se ver como cosmopolitas, cidadãos do mundo, o que é louvável já que não se pode discriminar uns aos outros pelas suas diferenças culturais, religiosas e raciais. Mas o homem na sua totalidade está ligado ao espaço físico da Terra Natal e aí se pode pensar as florestas, as pradarias, os vales e as encostas das montanhas. Quando o lageano diz que é preciso ‘campear’ por algo está dizendo que é preciso procurar, mas o estrangeiro não entende. Há, aí, uma relação direta entre o modo de vida campeiro, em que é preciso cavalgar pelo campo a procura de uma rês, e a extensão da palavra que designa procurar pelo campo. É como o homem do vale ou da beira-mar que se identifica com as cheias do rio ou com a ressaca do mar. E, quanto mais se globaliza o mundo, mais o homem precisa do retorno a esse chão que acolheu a sua meninice, como um retorno às suas próprias condições existenciais, como uma busca a própria consciência. Quando ele se vê arrancado do seu mundo, sem condições de retorno a Terra Natal esse indivíduo se mostra uma alma perdida numa busca constante de algo que o identifique.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

O Senso Comum e a Fragmentação do Saber

Uma questão crucial nos tempos atuais enfrentado pelas ciências é a fragmentação dos saberes. As pessoas sabem muito de um pouco e, em geral, não conseguem traçar linhas convergentes que, coerentemente, os reúna. Isso implica em duas situações: fica impossível um conhecimento que se sustente, pois o real é uma totalidade; por outro lado, o indivíduo pode ser manipulado politicamente já que seu conhecimento é estanque, pára em um determinado ponto e pode ser direcionado para um fim, contrário a vontade do pesquisador. Isso porque aquele que sabe algo não tem noção do que rodeia o seu saber; e o seu não saber passa a ser um saber. Já se falou que os tolos pensam que muito sabem e os sábios que nada sabem. Ou seja: indivíduo que pouco sabe acredita já ser suficiente para interpretar outros setores do conhecimento; em alguns casos usa como credencial o saber de sua formação acadêmica, mas que nada tem a ver com o que foi posto em debate. Interessante que as pessoas valorizam tanto o sistema educacional e mesmo a fragmentação dos saberes; o indivíduo estufa o peito ao afirmar que foi formado em Economia, em Direito, em Biologia etc. Mas vão aos meios de comunicação para dar “palpites” sobre áreas que pouco ou nada conhecem; e, aí, o artista se acha no direito de falar sobre o meio ambiente, o economista de política; o jurista se acha no direito de falar de Economia, o jornalista da administração pública, os economistas de falarem sobre o sistema educacional e assim por diante. Alguns nem se quer um livro ou um artigo leram sobre o tema ou participaram de um debate, mas o palpite corre solto. Não se quer dizer que as pessoas não possam falar sobre vários assuntos, ou se inteirar deles, mas que tais atitudes se caracterizem como palpite, como um conhecimento que requer mais apuração. Também não se está querendo tecer apologias aos conhecimentos acadêmicos já que é comum autodidata possuír bagagens de conhecimentos maiores que a de graduados e, alguns, mais conhecimentos que mestres e doutores. O que se quer é mostrar a falha existente nos tempos atuais com a constante, e profunda, fragmentação do saber. Algumas pessoas sabem muito sobre determinada área, mas não se conectam com as outras e interpretam o mundo sob um ponto de vista isolado. Isso porque, ao fazerem suas análises, levam em conta os seus saberes mais apurados e acreditam que é o suficiente para entender a totalidade; mas, ao não conseguirem se conectar com as demais áreas, tal análise fica impregnada de senso comum: boatos, crenças, preconceitos etc.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A Existência e o Tempo

A palavra tempo tem vários significados dependendo do contexto, mas todos os seus empregos são feitos como analogias da expressão primeira, a duração dos fatos, a determinação dos momentos: os períodos, as épocas, as horas, os dias, as semanas, os séculos etc. Já se quis estudá-lo e alguns físicos afirmaram a possibilidade de “viajar no tempo”, enquanto outros a negaram como algo plausível; e, nesse conflito de cientistas, a própria Física e todas as tentativas de entender o homem, o mundo e tudo o que nele há caminham juntos no tempo. As pessoas existem, portanto nasceram e caminham para a morte; nesse meio, vivem apavoradas, olhando ao espelho e percebendo as rugas, os cabelos brancos e a flacidez do corpo que denunciam os novos momentos. As casas podem ser restauradas, demolidas e reconstruídas, os carros podem ser comprados novos ou reformados se a pessoa tiver condições financeiras, mas o horror para esse ser da consciência é perceber que seu corpo denuncia a sua passagem, o seu caminho para o não existir. O tempo passa. Alguns tentam alterar os efeitos, implantando cabelo, tingindo-o, ou esticando a pele e ingerindo toda a sorte de remédios e cosméticos que prometem o rejuvenescimento. Mas, por mais que os cremes e os cosméticos prometam e até escondam momentaneamente, o tempo é implacável e passa. E sem querer – parece que o subconsciente o trai – o indivíduo afirma que “no meu tempo era diferente”, mas ele continua a existir. Acontece que ele percebeu que tudo muda e sente que na curva de sua existência a linha agora é descendente. O “meu tempo” se foi. Outros afirmam que “aqueles eram bons tempos que nunca mais voltaram”. Nem os bons, nem os maus. Os tempos não voltarão. E mesmo que alguém pudesse voltar essa viagem já seria em outro tempo e não mais aquele que já passou. Saber que tudo está no tempo, que não há como viver fora dele ou, quem sabe, pará-lo, é algo, por si só, insano. Saber que esse mesmo tempo em que se está não se tem como dar conta do seu início ou do seu fim deixa qualquer desses passageiros atônitos. Kant colocava o tempo como uma das antinomias da razão: verdadeiros nós que a razão encontra e não as consegue dar jeito. E nesse turbilhão de fatos ocorrendo sempre, ao terminar uma atividade se está mais velho e mais sábio; algumas vezes só mais velho.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

João Cândido, o Almirante Negro

Algumas pessoas, quando ouvem a canção de João Bosco e Aldir Blanc, O Mestre-Sala dos Mares, não tem noção de que se trata da luta de João Cândido em um evento que ficou conhecido como a Revolta da Chibata, de 1910. Época em que as forças armadas brasileira segregavam profundamente os seus componentes: de um lado figurava o oficialato, composto de filhos da fidalguia das casas grandes e, do outro, os praças, recrutados forçadamente entre negros, pardos e brancos pobres e mantidos em péssimas condições de trabalho, com açoites e impedidos de dar baixa em menos de 15 anos de atividades. Os livros de história dão conta de que a Marinha do Brasil (então chamada de Marinha de Guerra) era ainda a mais cruel entre as forças; alguns afirmam que os marujos eram mantidos como escravos e se a lei determinava 25 chibatadas como pena por uma atividade indevida, os oficiais determinavam 100 ou 150 chibatadas. Mas a situação nos couraçados do Brasil não era tão diferente das condições precárias em terra firme com o restante do povo pobre trabalhador, morando mal, comendo mal, se vestindo mal e tendo que andar distante para chegar ao trabalho. Bosco e Blanc falam “Há muito tempo nas águas da Guanabara / O Dragão do Mar reapareceu...”, fazendo referência a um abolicionista negro, Chico da Matilde, que, no século 19, lutou pela abolição da escravatura no Ceará e ficou conhecido como o Dragão do Mar que agora, segundo eles, voltava “Na figura de um bravo marinheiro”, João Cândido, um líder negro que comandou a luta dos marujos contra os maus tratos a que eram submetidos, conforme descrito no livro que se tornou um clássico sobre esse evento, Revolta da Chibata, de Edmar Morel, publicado em 2016 pela editora Paz & Terra. Por algo em torno de duas semanas o Brasil ficou com sua marinha sob o comando de João Cândido; todos os couraçados, bem como praças, cabos e sargentos ficaram sob suas ordens. Juntamente com seus camaradas redigiu um documento solicitando das autoridades brasileiras que atendessem seus pedidos: melhores condições de vida para os marinheiros, bem como que se extinguisse as práticas dos açoites. O governo brasileiro aceitou prontamente as exigências do Almirante Negro e prometeu anistia a todos os envolvidos. Os marujos baixaram as armas e entregaram os navios ao comando dos oficiais, mas de imediato os envolvidos foram presos; João Cândido foi mandado para a prisão de Ilha das Cobras e a Marinha do Brasil nunca admitiu a Revolta da Chibata como um ato heróico dos bravos marinheiros. O Almirante Negro terminou seus dias como pescador pobre nos arredores do Rio de Janeiro e a canção de Bosco e Blanc lembra que “...o navegante negro / Que tem por monumento / As pedras pisadas do cais”.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Sociedade Violenta

Ao mesmo tempo em que se divulgam os casos de presos amotinados por facções criminosas em penitenciárias e que degolando uns aos outros, os noticiários dão conta também de que aumentam os crimes pelas ruas das cidades em assaltos, pequenos e grandes furtos, além de estupros e atentados ao pudor. Com isso as empresas de segurança passam a oferecer os seus novos produtos: cercas elétricas, câmeras de vigilâncias, carros blindados e homens treinados para fazerem serviços de segurança. A população atônita cobra dos governantes o aumento de ações repressivas: mais policiais nas ruas, mais viaturas com combustível e em condições de uso, melhores armas, quem sabe baixar a menoridade penal e novas leis mais repressivas. Recentemente, uma proposta no Congresso Nacional entrou em pauta pedindo a criação de um novo ministério, o da Segurança Pública. Certamente que tudo isso proporcione algum resultado positivo e, no final das contas, dê ao cidadão alguma sensação de tranqüilidade. Mas isso é um paliativo. Daqui a 20 anos esses criminosos estarão velhos, se conseguirem viver até lá, e outras hordas – sempre maiores - serão criadas; isso se a estrutura da sociedade conseguir chegar até lá. E mesmo que se institua a Pena de Morte e se passe a matar indiscriminadamente não se vai eliminar a todos e novas facções, cada vez melhor organizadas, surgirão. Ora, o investimento em segurança pública pode estancar momentaneamente as ações criminosas, mas não será perene; algum tempo depois a casca repressiva arrebenta e se cai em mais ondas criminosas cada vez maiores. Só um ponto pode salvar o País do aumento da criminalidade, atacando-o diretamente, para que daqui a 20 anos as cidades possam voltar a viver com um pouco de paz: redistribuição da renda. Não se está falando da renda dos membros da classe média que ganham 30 ou 40 mil reais que, desinformados, têm medo de perder seu dinheirinho, mas de quem tem renda, muita renda. Parece lógico que qualquer recipiente, por mais forte e impermeável que pareça, depois de uma quantia de ar sendo injetado vai estourar e, dependendo do objeto e da quantia de ar vai estourar de forma avassaladora e as conseqüências podem ser catastróficas. Não se trata de ser ou não ser dessa ou daquela ideologia, ou como os governantes e políticos vão fazer essa distribuição de renda, mas não há alternativa. Aliás, as sociedades pacíficas, em que as forças policiais não têm muito trabalho, em que as pessoas se respeitam e cooperam, são aquelas menos desiguais, em que mora – lado a lado – o médico, o lixeiro, o professor, a faxineira, o juiz etc.

domingo, 15 de janeiro de 2017

Pensamentos Separatistas

O Brasil foi formado a partir de grupos humanos organizados em núcleos urbanos e agrários ao longo de um território que foi mantido coeso sob a força de um poder central. Até pouco mais de 100 anos forças locais espalharam-se em lutas separatistas visando à formação de novos países, pequenos ou grandes, de acordo com o poder a extensão territorial e o tipo populacional estabelecido nas regiões. Os pensamentos nesse sentido não se encerraram por completo e o grupo dos três estados do sul do Brasil ainda ensaia uma possível separação, mas agora sem qualquer pensamento factível. Primeiro: as pessoas que dizem defender tais idéias não possuem a dimensão de um empreendimento dessa natureza; segundo: bem ou mal, o País construiu um sentimento de unidade nacional o que dificultará imensamente qualquer tentativa de separação. Para entender o que seria esse empreendimento no Brasil é preciso que se leve em conta as tentativas dos grupos, em todo o planeta, que lutam por emancipação política; é o caso dos vascos, dos curdos, dos palestinos e tantos outros. Atualmente, até alguns californianos, nos Estados Unidos, foram às ruas defendendo ideias separatistas; se não há uma diferença étnica acentuada, a tendência é que essas iniciativas aconteçam quando a economia dos países não esteja atendendo os interesses regionais. Observando se percebe que não são plebiscitos, em que o povo diz se quer ou não, que dará a emancipação desejada, mas luta armada e que pode se arrastar por anos ou até décadas. E as pessoas que estão à frente desse movimento no sul do Brasil não parecem dispostas e nem com instrução bélica necessária para tal empreendimento; mesmo os cidadãos comuns que põem adesivos nos carros dizendo “o sul é meu país” têm a noção da mortandade que antecede um possível êxito separatista. Em havendo sucesso, começam as lutas diplomáticas para o reconhecimento por parte dos demais países como um novo estado de direito, um estado como digno de respeito. Nesse caso, entram os interesses comerciais e políticos dos vários países; aquele que na sua geopolítica levar vantagem na fragmentação do Brasil dará apoio de imediato, mas os outros que levarão vantagem em um único bloco não reconhecerão. O reconhecimento final ficaria com o próprio Brasil que poderia exigir para tal a cobrança dos gastos de guerra ou outros pontos que lhe couberem exigir. Finalmente, esse novo país teria que se consolidar internamente de modo que o grupo das lideranças que empreenderam a separação consiga legitimidade para se impor sobre o povo, para criar as leis e fazer justiça. Tudo isso, além dos mortos e feridos, leva tempo e prejudica a economia por anos, ou décadas.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

A Comunicação Social e Sua Decadência

Para analisar as condições e o papel social desempenhado pelos meios de comunicação social, nesse início do terceiro milênio, necessita levar em conta as suas relações tão próximas com a economia capitalista; mas muito mais se essa análise for feita levando em conta um espaço de tempo que venha desde o seu surgimento, no século 15, até os dias atuais e toda a sua existência como um fenômeno próprio da modernidade. Isso porque, quando se analisa uma instituição, uma atividade laboral, ou práticas religiosas, necessariamente tem de levar em conta os meios econômicos que se vive na sociedade de então. Assim é se quiser entender, na Idade Média, o papel social das confrarias, da Igreja, da produção de alimentos, da organização social, dos exércitos etc. Não se trata de um “economicismo”, já que é sabida a influência de outros parâmetros históricos e culturais que contribuem sobremaneira para a totalidade do entendimento. Parece que a influência econômica na imprensa esteve presente em toda a sua existência nesses cinco séculos, mas que veio aumentando nas últimas décadas de forma que enfrenta atualmente um processo de autofagia. Acontece que no século 19 o aumento dos meios de comunicação tornou-o apenas mais uma área empresarial, um empreendimento como qualquer outro, comercial, imobiliário, bancário, industrial, serviços etc. Como se denota, a palavra empreendimento quer dizer a ação de alguém que empreende, atividade do empresário, aquele que espera retorno ao investimento de seu capital. Ora, uma lei econômica no regime capitalista dá conta de que é necessária uma maior produção com menor custo, além de apresentar sempre o produto que o mercado espera. Nesse caso, fica explícita uma contradição entre as regras do regime econômico, necessárias a qualquer empreendimento, e a atitude ética de levar ao público informações mais isentas possíveis. Isso sem contar com a disponibilidade do administrador da empresa em transformar o seu poder de informação, de acordo com seus interesses, em um instrumento de ingerência nas políticas governamentais como se não fosse fazedor de opiniões, mas um empresário da área do calçado, do parafuso ou do sistema financeiro. Isso sem contar com o espírito de corpo da própria categoria que se fecha de modo que seus componentes nunca mais estarão errados; e também o medo do desemprego, a ambição por melhores cargos e melhores salários que leva a todos a seguirem a cartilha apresentada. Tudo isso tem levado a deterioração de um sistema comunicacional que, assim como nasceu com a modernidade, parece fadado a também morrer com ela.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Fé e Verdade

O estudo da fé, em si, não fornece condições para o seu entendimento. A fé necessita de complemento: quem a tem direciona, necessariamente, essa condição a um dado objeto. A fé precisa ser entendida como se corresse em um sulco na mente, por onde corre uma estrutura de pensamento conduzindo o indivíduo a um entendimento tal. Dessa forma, aquele que a tem, tem em uma ideologia política, em uma corrente de artística, em noções de cientificidade, bem como em noções de pensamentos teológicos e cosmogônicos. Os grandes erros nos debates dessa natureza são em pensar a fé apenas ligada a um único objeto e, esse, sob o cunho religioso, ou mítico; e, assim, se fazem as comparações entre fé e ciência, a aceitação (ou não) de certos princípios religiosos, a crença (ou não) em um ou mais deuses e assim por diante. Ora, para pensá-la é preciso levar em conta todas as condições que envolvem esse sulco, por onde percorre o pensamento do crente. Essa estrutura é diferente para cada crença: para aquele que crê no espiritismo, para aquele que crê no pentecostalismo, como é diferente para aquele que crê em uma ideologia política e/ou no rigor dos métodos científicos. Certamente que juntar ciência e teologia sempre produzirá um conjunto de dificuldades. O agente, em algum momento deverá desembarcar de uma condução, deixá-la vazia, para seguir em outra; mesmo que, ao terminar, retorne às tais convicções. Essa é uma das grandes dificuldades, despir-se de uma estrutura, de um conjunto de “verdades”, mesmo que por hora, sem deixar de lado o objeto da fé. Portanto, não basta elaborar métodos de pesquisa ou de buscas ao objeto em si, mas entender esse sulco por onde correm as noções de validade e desembocam no que se chamam de conhecimento. A outra grande dificuldade é ter esse entendimento de que o sulco por onde percorrem as suas “verdades” tem a mesma estrutura, as mesmas condições, as mesmas armações e empecilhos do canal vizinho tem com relação a outra crença, a outra fé. A não percepção desses canais, ou sulcos, ou estruturas, leva o agente a entender que suas convicções são as únicas dotadas do real: lava-o ao fundamentalismo.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Acidente. O Que é Isso?

Algumas palavras são cunhadas primitivamente para designar algo muito próprio, mas com o tempo acabam caindo no senso comum com uma noção um tanto diferenciada do original: esse é o caso do termo ‘acidente’. Diferente do o usado comumente como algo catastrófico, o termo não tem como sinônimo, tragédia, perda, desastre, desgraça ou fatalidade. O entendimento dessa forma indica a falta de conhecimento filosófico, já que acidente pode designar o outro lado, o cuidado, o ganho, a graça, o carinho, ou a dedicação, caso isso não seja algo que aconteça sempre. Acidente fora uma das categorias usadas por Aristóteles, na Grécia antiga, quando tratou da Metafísica, na sua oposição ao pensamento do mestre, Patão. Para ele, o termo precisa ser entendido de forma correlata a outro termo, essência - que também é um daquelas expressões que entraram no senso comum um tanto diferente do seu original. Na oposição a Platão, Aristóteles afirmou que não existem dois mundos, mas apenas um dotado de substâncias e, essas, de acidentes e essências. Explicando: para que um objeto seja entendido como ‘casa’ é precisa que possua uma série de pontos entendidos como a essência de tal objeto, mas todas as ‘casas’ são dotadas também de acidentes, aqueles pontos que as diferencia. Ou, um objeto entendido como ‘humano’; por que é possível olhar para as pessoas e entende-las como humanas? Ora, todas elas possuem uma essência que lhes aproxima e as identifica; mas por que, ao olhar as tais pessoas, percebe-se que são diferentes entre si? Porque todas possuem acidentes que lhes diferenciam. Em outras palavras: por que se olha para um objeto e se identifica como ‘casa’? Porque o referido objeto é dotado de portas, janelas e coberturas que são pontos essenciais para caracterizá-la como tal? No entanto, cada casa é diferente da outra na cor, no tamanho, no modelo, nos tipos de portas e janelas etc. Ou seja: as casas são dotadas de acidentes que diferenciam uma da outra. Da mesma forma quando se olha uma pessoa e se percebe como tal; as pessoas possuem uma essência humana, algo que perpassa a todas e lhes aproxima, mas também todas são dotadas de acidentes, o tamanho do nariz, da boca, a cor do cabelo etc. Por tanto, essência é aquilo que se repete em todos os elementos do gênero e, acidente, não é o catastrófico, o terrível, mas aquilo que não é comum aos indivíduos de um grupo, aquilo que não se repete. Por isso, quando se quer suavizar um fato, trata-se como algo que não é comum que aconteça, trata-se como acidente.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O Catolicismo Romano e a Fragmentação

Em todo o mundo o cristianismo, desde o seu surgimento há 2000 anos com as pregações dos apóstolos, sofreu mutações, mas não foram tão profundas quanto às vivenciadas nos últimos tempos num constante esfacelamento em várias pequenas seitas e religiões. Nos tempos dos apóstolos, com a criação das comunidades cristãs ao longo da Ásia Menor, do Oriente Próximo, da África e da Europa, já se observavam as heresias - pensamentos contrários a linha central de uma teologia unificada. Já no primeiro concílio, o de Nicéia, convocado pelo imperador romano Constantino, em 325, um grupo de bispos, reunidos na cidade de Nicéia da Bitínia, atual Iznik, na Turquia, concluíram que precisavam delimitar as noções teológicas do recém criado cristianismo, então com apenas 300 anos, sob o nome de Igreja Católica Apostólica. Ficariam de fora os vários textos de pregações comuns e evangelhos, que passaram a ser chamados de apócrifos, e as inúmeras seitas rechaçadas como um desvio da verdadeira fé. Se o imperador governava a partir cidade de Roma, deveria ser também a partir da capital do Império que a cristandade se unificaria e sob o poder central do bispo local. Além do que a tradição cristã afirmava que fora nela que o discípulo Pedro, uma espécie de líder religioso, teria sido martirizado. No entanto, por volta de 600 anos depois, as parcelas da Igreja organizadas em Atenas, em Moscou, em Constantinopla e em outros centros do Oriente, se rebelaram contra o bispo de Roma e se constituíram as igrejas católicas apostólicas, grega, russa, bizantina e outras. Essas ficaram conhecidas no Ocidente como igrejas católicas ortodoxas ou orientais. Mesmo assim a igreja romana continuou forte, em todo o ocidente europeu, centralizando a cultura, a política e a economia das populações, até o surgimento dos reformadores, homens religiosos impulsionados pelos novos tempos que fizeram frente ao poder central e provocaram um cisma profundo. Ainda assim o poder da Igreja Católica Apostólica Romana continuou forte, mas seus líderes já viam com preocupações o surgimento dos adventistas, dos anglicanos, dos luteranos e dos batistas surgirem e, deles, as inúmeras outras denominações. A partir daí, a cristandade ocidental viu uma constante fragmentação e em uma aceleração constante, de modo que o poder central romano vê com muita preocupação o fenômeno da proliferação das seitas pentecostais, essas pequenas agremiações religiosas que seguem a ideia do recebimento de dons do Espírito Santo, baseados na antiga Festa de Pentecostes dos judeus. Aliás, na America Latina o catolicismo só não se fragmentou mais devido ao fato desse mesmo pentecostalismo ter entrado também na igreja romana com o nome de Renovação Carismática Católica, RCC.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Verdades, Signos e Representações

O cérebro não tem acesso à coisa em si, mas apenas aos fenômenos que lhes chegam através dos aparelhos sensoriais, conjuntos de representações, reunidos em imagens, sons, tato, olfato e paladar. A partir dessas representações, juntamente com as informações já estabelecidas anteriormente, o cérebro reelabora constantemente e as transmite, se for esse o seu interesse, aos seus iguais naquilo que se chama comunicação. Portanto, comunicação nada mais é que uma tentativa de sintetizar ideias e transmiti-las ao interlocutor, mas para que isso aconteça o cérebro precisa codificá-las de forma a transmiti-las; nesse caso, a comunicação só vai acontecer se os interlocutores conhecerem os códigos usados. Os códigos podem ser gestuais, sonoros, gráficos e outros, que por sua vez podem ser desdobrados em um conjunto de signos articulados em expressões complexas que podem transmitir mais eficazmente ou não as ideias pensadas. A expressão gestual tanto pode ser uma mão levantada significando ‘pare!’, quanto pode se pensá-la como uma expressão corporal, facial ou um conjunto de códigos que elaborados expressem uma noção de verdade. Ou expressões gráficas como é o caso da palavra ‘casa’: um conjunto de quatro signos ‘c’, ‘a’ (posto na segunda e na terceira casa) e ‘s’ constrói a noção de um objeto que, a princípio, nada tem a ver com aquilo que foi escrito, mas que a partir de uma convenção se aceita como tal. Da mesma forma a fonética: o conjunto de sons a formarem a fala ‘casa’, aqueles sons que saem da boca para expressar a palavra nada têm a ver com o objeto referido. Tanto é que em outros idiomas o mesmo objeto é chamado de haus ou house. Mas a comunicação vai além da fala, dos gestos e da escrita. Uma mão fechada posta para o alto pode significar determinação e vontade de lutar, ou a manga da camisa arregaçada até meio braço pode passar a ideia de uma vontade de trabalho. Da mesma forma, quando o prefeito se veste de gari quer passar a ideia de alguém próximo dos trabalhadores ou que vai fazer uma limpeza geral nos setores da prefeitura. O problema é que a comunicação pode ser também fruto de uma vontade de engano, de uma vontade de mentira; e, caso for bem elaborada, vai ser recebida pelo interlocutor como verdade inquestionável.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

A Imaturidade Política e os Salvadores da Pátria

Se um povo não está maduro o suficiente para viver a sua política, dentro de um processo democrático, enfrentará desajustes econômico, cultural e social. Com isso será mais fácil a dominação de parcela da sociedade sobre as outras mais frágeis. Como política democrática se entende votar e ser votado a partir de programas debatidos e defendidos publicamente, de modo que o eleitor deve fazer a escolha a partir das suas próprias convicções visando o bem comum da população. Em uma sociedade, desajustada politicamente, os papeis representados pelos atores públicos não são respeitados, tanto moralmente quanto legalmente, e uma oligarquia se apodera de setores do estado e usam a lei que lhe convém, como lhe convém. Fazem isso com o apoio dos grandes de meios de comunicação de massa que manipulam as vontades mais sagradas e as direcionam a para os seus interesses de tal forma que o mesmo sofredor manipulado, sai em sua defesa. Nesse caso, as pessoas percebem o desajuste, já que é perceptível a decadência social, e diante do descontentamento generalizado surgem os “salvadores da pátria”, pessoas lotadas em setores do estado que alteram a vocação de seus trabalhos para fazerem “justiças”. Mas, ao fazerem isso, para além do que dispõem a lei e que efetivamente é o seu trabalho, acabam fazendo é um serviço de auxilio àqueles que se apoderam do estado. Alguns casos são emblemáticos: os policiais se sentem no direito de limitar as liberdades individuais, de invadir a propriedade de alguém sem a determinação legal ou impedir o direito de ir e vir; ainda mais sob o efeito de uma possível popularidade promovida pelos jornais televisivos. Da mesma forma, os procuradores que rezam as leis para os outros, mas se zangam quando a mesma é pensada para todos, ou os magistrados que se aventuram a legislar e determinam o que é bom ou ruim para a sociedade e não apenas a observação da lei. Isso sem contar com setores do executivo e do legislativo manipulados, comprados, ou arredios. Uma sociedade imatura politicamente não percebe os resultados de sua ação política, não entendem que é preciso agir, mas que essa ação deve acontecer em confronto partidário, na defesa de programas, na determinação do voto e no respeito às regras eleitorais. Não existem “salvadores da pátria”. Quem precisa de heróis é um abominável tolo, imbecil a fazer o jogo dos outros, daqueles que efetivamente estão levando vantagens no jogo político, mas que não vão para o procênio.