sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

João Cândido, o Almirante Negro

Algumas pessoas, quando ouvem a canção de João Bosco e Aldir Blanc, O Mestre-Sala dos Mares, não tem noção de que se trata da luta de João Cândido em um evento que ficou conhecido como a Revolta da Chibata, de 1910. Época em que as forças armadas brasileira segregavam profundamente os seus componentes: de um lado figurava o oficialato, composto de filhos da fidalguia das casas grandes e, do outro, os praças, recrutados forçadamente entre negros, pardos e brancos pobres e mantidos em péssimas condições de trabalho, com açoites e impedidos de dar baixa em menos de 15 anos de atividades. Os livros de história dão conta de que a Marinha do Brasil (então chamada de Marinha de Guerra) era ainda a mais cruel entre as forças; alguns afirmam que os marujos eram mantidos como escravos e se a lei determinava 25 chibatadas como pena por uma atividade indevida, os oficiais determinavam 100 ou 150 chibatadas. Mas a situação nos couraçados do Brasil não era tão diferente das condições precárias em terra firme com o restante do povo pobre trabalhador, morando mal, comendo mal, se vestindo mal e tendo que andar distante para chegar ao trabalho. Bosco e Blanc falam “Há muito tempo nas águas da Guanabara / O Dragão do Mar reapareceu...”, fazendo referência a um abolicionista negro, Chico da Matilde, que, no século 19, lutou pela abolição da escravatura no Ceará e ficou conhecido como o Dragão do Mar que agora, segundo eles, voltava “Na figura de um bravo marinheiro”, João Cândido, um líder negro que comandou a luta dos marujos contra os maus tratos a que eram submetidos, conforme descrito no livro que se tornou um clássico sobre esse evento, Revolta da Chibata, de Edmar Morel, publicado em 2016 pela editora Paz & Terra. Por algo em torno de duas semanas o Brasil ficou com sua marinha sob o comando de João Cândido; todos os couraçados, bem como praças, cabos e sargentos ficaram sob suas ordens. Juntamente com seus camaradas redigiu um documento solicitando das autoridades brasileiras que atendessem seus pedidos: melhores condições de vida para os marinheiros, bem como que se extinguisse as práticas dos açoites. O governo brasileiro aceitou prontamente as exigências do Almirante Negro e prometeu anistia a todos os envolvidos. Os marujos baixaram as armas e entregaram os navios ao comando dos oficiais, mas de imediato os envolvidos foram presos; João Cândido foi mandado para a prisão de Ilha das Cobras e a Marinha do Brasil nunca admitiu a Revolta da Chibata como um ato heróico dos bravos marinheiros. O Almirante Negro terminou seus dias como pescador pobre nos arredores do Rio de Janeiro e a canção de Bosco e Blanc lembra que “...o navegante negro / Que tem por monumento / As pedras pisadas do cais”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário