quinta-feira, 31 de março de 2016

O Justo, O Juiz e a Justiça

Por mais que se use justiça para descrever as ações de juízes diante dos fatos que se apresentam, a palavra está muito longe de conceituar plenamente aquilo que se pretendeu ou que foi construída ao longo dos séculos, nas lutas pela civilização humana. Aqueles que vestem a capa preta e com ela acreditam alcançarem um outro mundo, onde a verdadeira justitia acontece, mas que agem sem se dar conta da dimensão que podem tomar as suas decisões, convergem-se em dois tipos de homens públicos. Os primeiros são aqueles que se tornaram burocratas, simples engrenagens repetidoras, contando nos dedos a chegada da próxima sexta-feira e, os outros, são os que usam da sua condição pública para extravasarem suas paixões para muito além do que fora estudado nos livros jurídicos, durante os anos de academia, em detrimento do que é legal e do que é legítimo. A grande pergunta que se faz é: pode fazer justiça o não-justo? E a resposta é não; tanto quanto não pode fazer justiça o desconhecedor da lei; afinal: a ação de alguém que não seja justo é por si só a própria injustiça. Da mesma forma: se não conhecer a lei, como poderá medir os delitos de acordo com a vontade popular nela expressa? Nesse caso, não pode ser justo alguém que repete mecanicamente os atos jurídicos sem se dar conta das suas decisões diante da sociedade, assim como não pode ser justo aquele que se dá conta das suas ações, mas que se deixa tomar pelas paixões. A complexidade do entendimento de justiça vai muito além do que quisera o senso comum; ela reside já inicialmente no conceito, o entendimento que cada indivíduo tem sobre esse mesmo objeto. Está certo que as relações humanas são complexas por natureza: enquanto alguns poucos se elevam além da linha dos mortais e, entre a besta e o divino se distanciam da condição bestial. E muitos, ocupando altos cargos na burocracia estatal, não conseguem se desprender das necessidades do capital ou das ilusões das paixões. Diante das suas ações o indivíduo precisa conhecer a si próprio e reconhecer-se como humano, membro de uma sociedade como todos os outros. Se alguém “cair de cabeça” num aparelho do estado, pensando que, por isso, está fazendo justiça, mas age sem a capacidade de reflexão, poderá estar fazendo qualquer coisa, menos justiça. Isso porque a noção de justo no peso das igualdades, na equiparação dos desiguais, ou na restituição do perdedor, vai muito além do mundo legal. Requer racionalidade, com ela a consciência da sociedade em que se está inserido e, conseqüentemente, a percepção do peso das suas ações.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Entre o Reino do Senso Comum e a Ignorância

Por mais que se relacione modernidade com racionalidade e por mais que nos tempos atuais se desenvolvam equipamentos de alta tecnologia, o que se percebe em tempos recentes é o senso comum como um fenômeno crescente, real e determinante na análise de situações sociais, políticas e culturais. Cada vez mais as pessoas se lançam em opiniões despidas de qualquer segurança de comprovação sobre relacionamentos, sobre governos e suas decisões econômicas, políticas etc. Apesar de que isso não é algo próprio da era moderna. Na antiguidade Platão já sabia muito bem separar o que chamou de “doxa” - um conhecimento não elaborado, uma mera opinião e “episteme” - um conhecimento que é emitido a partir de uma investigação produzida com métodos rigorosos, hipóteses definidas e suas comprovações, o que mais tarde se chamaria de científico. A explicação que se pode dar é que o conhecimento acontece com tal complexidade que o indivíduo acredita que as informações até então por ele retidas são suficientes para emitir juízos sobre as mais variadas situações. Isso porque todos os indivíduos ou são pais ou filhos, irmãos, vivem a economia, assistem televisão, ou acompanham as redes sociais, e acreditam que isso deva ser suficiente para saber sobre algo. Diante das mais variadas situações o cérebro reage e tira suas conclusões de imediato e se a pessoa não tiver um controle psíquico ou neurológico vai agir ou emitir os mais estranhos pareceres, ridículos, mas que para ele é o real. Se todos são pais, filhos ou irmãos, se todas as pessoas se relacionam, seguem suas crenças, se vivem a economia ou se vivem a política da sua sociedade - são as áreas que tratam dos relacionamentos humanos as mais afetadas pelo senso comum. Que todos pensem sobre o que está a sua volta é algo humano, mas há um distancia entre o que se pensa e a ação que se realiza diante do que se pensa, ou que se fala ou escreve diante de veículos que podem levar tais afirmações a milhões de pessoas. De uma forma superficial pode-se dizer que sim, as pessoas sabem algo sobre aquilo que o rodeia, mas não o suficiente para pareceres tão categóricos. Por isso um sábio tenha tanta dificuldade em fazer juízos de valor, mesmo sendo ele quem efetivamente sabe, enquanto o tolo grita aos quatro ventos aquilo que não sabe. Isso porque o sábio sabe o quanto sabe e o quanto não sabe, se assusta diante do quanto não sabe e opta por aquietar-se; o tolo não sabe o quanto não sabe, por isso pensa que sabe e põe-se a tecer meras opiniões. Doxa.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Paixão e Morte: Justiça e Privilégios

Dois mil anos se passaram, mas quase nada mudou: as classes sociais mais abastadas reagem de forma muito parecida quando estão sob a ameaça de um perigo iminente. Que mal teria feito aquele moço que, com pouco mais de trinta anos, se juntou aos pobres, à prostituta, aos leprosos e a “todos aqueles que têm fome e sede de justiça”? Acontece que por essa época, toda a região da Palestina estava sob o domínio do grande império de Roma e alguns poucos tinham vantagens diante da submissão; poucos tinham comida em fartura, poucos tinham recursos para socorrer seus enfermos, assim como poucos podiam pensar em viajar para Atenas, para Alexandria ou fazer compras em Biblos. Havia vantagens para esses em tudo continuar como estava; quem era esse moço que se achava no direito de mexer na posição dos bem nascidos? Na sua última festa da Páscoa quando ele pegou o pão, ergueu-o e ensinou aos seus camaradas: “comam e distribuam a todos”; o mesmo fez com o vinho: “bebam e distribuam a todos”. E ainda insistiu: “façam isso quando lembrarem em mim”. Mas tais ensinamentos era uma heresia ao sistema vigente; era totalmente contrario ao pensamento daqueles que detinham os privilégios da submissão ao poder do grande império romano. Quem traduziu a grande preocupação desses poucos privilegiados foi Caifás, o sumo-sacerdote. Ele disse: “é preciso que o condenemos hoje para que não tenhamos que lutar contra todos amanhã”. Não havia crime algum para incriminá-lo; o próprio representante do grande império dissera: “não vejo crime algum nesse homem”; mas isso nunca foi problema quando o crime fora mexer em privilégios. Como resultado, esse moço, traído por um de seus discípulos e ignorado por outro, levado a julgamento diante do Grande Sinédrio. Era preciso ser julgado diante dos homens da lei para que fosse mostrado ao povo e, assim, houvesse a legitimidade de que merecera tal condenação. E pior, tudo fora feito com o acompanhamento e a complacência dos escribas, aqueles que se encarregavam de propagarem tais acontecimentos por todos os cantos da Palestina. Por isso que parte dessa mesma população, que fora atendida por esse moço, preferiu o pensamento dos hipócritas fariseus e optou por prendê-lo, condená-lo a morte e libertar o verdadeiramente criminoso, Barrabás. Mas tudo não acaba assim; as ideias, quando libertadoras, não são assassinadas, elas se mantém vivas renascendo sempre na luta por um mundo mais justo e mais fraterno.

segunda-feira, 21 de março de 2016

As Hierarquias e o Estado de Direito

A grande discussão que tem persistido na Ciência Política, ao longo dos anos, diz respeito à definição de Estado e ao papel deste na condução da sociedade. Socialistas, anarquistas, liberais e social-democratas, por exemplo, se definem a partir do estado que retratam em seus programas. Mesmo os anarquistas que afirmam defenderem a sua supressão, assim como toda e qualquer forma de governo, admitem a necessidade de alguma estrutura com controle popular que possibilite a condução das vontades mais importantes da sociedade. As demais tendências políticas que admitem em seus programas a necessidade de um governo prezam por uma definição de estrutura do estado, bem como das instituições que o compõem. Enfim, qualquer individuo com alguma leitura política entende a importância do respeito aos papéis que se desempenhe frente ao estado e demais instituições, suas hierarquias, bem como o rigor do controle na observância de uma legislação que o defina. Acontece que a tripartição do poder, em qualquer sociedade que se identifique com os valores da democracia, se define pelo estabelecimento muito claro de papéis e obediências hierárquicas. Ao executivo cabe a administração da riqueza pública e a prestação dos serviços à população; o seu controle é feito através do voto a cada quatro anos, por isso cabe às corporações públicas (forças armadas, polícia, banco central, receita federal etc, que são concursados;) a obediência. Ao legislativo incumbe-se a fiscalização, a elaboração de leis e a denúncia de qualquer atitude dos entes públicos que denigram seus reais papeis frente a coisa pública. A natureza do legislativo é a ação política, o debate dos contrários sobre tudo aquilo que diz respeito às vontades da população; nesse caso, um partido fiscaliza o outro e o seu controle maior é da popular a partir de vias democráticas (o voto) a cada quatro anos. Ao judiciário e ao ministério público cabe unicamente a observância da lei: tanto para si, quanto para os demais entes do estado e para população. É contra o que se entende como os seus reais papeis, em uma sociedade democrática, a demonstração de tendência, ou preferência, político-partidária no uso de seus poderes públicos. Resumindo tudo: não cabe ao executivo a elaboração de leis, isso só existe em regimes de exceção - não cabe ao legislativo a distribuição de verbas públicas, assim como não cabe ao judiciário fazer leis. O estado precisa ser pensado como uma maquina burocrática com cada peça desempenhando o seu papel legal e legitimado ao longo dos tempos. Qualquer ente público que não respeite os papeis e as hierarquias, por mais boa intenção que tenha, está mesmo é fazendo um grande mal ao sistema público e à população de um modo geral.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Engels, o Parceiro de Marx

Uma das figuras mais importante da filosofia política contemporânea, Friedrich Engels – juntamente com seu amigo, Karl Marx, com quem seu nome ficara vinculado até o final de sua vida - foi o criador da teoria do Socialismo Científico, em particular, e esteve engajado nas lutas operárias do século 19, de um modo geral. O pensador nasceu em Barmen, distrito de Wupertal, Renânia do Norte-Vestifália, oeste da Alemanha, no dia 28 de novembro de 1820 e morreu em Londres, no dia 5 de agosto de 1895; ele era o mais velho dos nove filhos de um dos mais ricos industriais da região. Na sua juventude, ficou impressionado com a miséria em que viviam os trabalhadores das fábricas de sua família na Inglaterra e, como fruto dessa indignação, desenvolveu um detalhado estudo sobre a situação da classe operária naquele país. Ainda quando estudante aderiu às idéias políticas de esquerda, o que o levou a aproximar-se do movimento operário. Quando assumiu, por alguns anos, a direção de uma das fábricas do pai em Manchester, Engels escreveu uma de suas principais obras: A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, que seria publicada em 1845. Toda a sua trajetória intelectual e política estão ligadas diretamente a Karl Marx, com quem construiu uma longa amizade, tendo um papel de destaque ao seu lado, na elaboração do Materialismo Histórico e o Socialismo Cientifico. Foi também com esse amigo que outros de seus trabalhos foram produzidos; o mais famoso, o Manifesto Comunista, foi publicado em 1848, era um texto que fora feito para atender a uma solicitação da Associação Internacional dos Trabalhadores. Ainda com o amigo Marx escreveu também A sagrada família e A Ideologia Alemã, entre outros textos. Sozinho, Friedrich Engels escreveu algumas das obras mais importantes para o Materialismo Histórico e o movimento operário, como Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico e A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, entre outras. Em vários momentos auxiliou financeiramente o amigo Marx, a figura emblemática do movimento operário internacional, de quem permaneceu próximo até o fim da vida. Como Marx morreu enquanto escrevia a obra maior, O Capital, foi Friedrich Engels quem escreveu o último tomo, fez toda a revisão e o publicou em 1890. Sobre sua morte pouco se sabe, a não ser que morreu de um câncer na garganta em Londres, no ano de 1895 e, conforme seu pedido, o corpo foi cremado e as cinzas espalhadas ao mar.

segunda-feira, 14 de março de 2016

O Direito e a Filosofia

Os acadêmicos de Direito estudam Aristóteles, Kant, Hegel e Marx na disciplina de Filosofia Jurídica logo que iniciam o curso, já no primeiro ou segundo semestre. Aprendem um pouco de cada um dos pensadores que, tradicionalmente se sabe, contribuíram sobremaneira para as teorias jurídicas. Como é uma disciplina propedêutica, não tem a pretensão de formar filósofos – apesar de que é muito comum surgirem filósofos entre os estudiosos do Direito – o objetivo é dar fundamentos teóricos, elementos para discussões sobre métodos e reflexões sobre conceitos importantes ao mundo jurídico. Assim como um edifício que se agüenta em pé porque, por baixo, se plantou fundamentos profundos que o sustentem, também as disciplinas propedêuticas – como a Filosofia, a Política, a História, a Economia, a Antropologia, a Introdução ao Estudo do Direito etc; dão firmeza aos estudos acadêmicos do Direito. Não se pode conceber um jurista que não tenha condições de fazer uma profunda reflexão histórica ou filosófica, por exemplo, do seu objeto de estudo. Os acadêmicos não precisam concluir o curso sabendo a teoria completa de uma série de pensadores listados, mas com noções razoáveis sobre conceitos como “razão pura”, “razão prática”, “socialismo científico”, “dialética materialista”, “dialética idealista” etc. Certamente que há acadêmicos que, por problemas pessoais ou displicência, não lêem o que deveriam ler, ou não participam das aulas como deveriam, mas conseguem as notas necessárias por meios não ortodoxos e acabam passando de período. Entretanto há uma dicotomia quando se trata da filosofia e das ciências humanas de um modo geral, ao serem usadas como auxiliares ao conhecimento das outras ciências, são vistas por certos profissionais como desnecessárias e até chamam-nas de “perfumaria”. Por outro lado, esses mesmos querem sempre dizer que conhecem história, que conhecem economia, que conhecem sociologia ou que conhecem filosofia etc. Não percebem a importância de tais conhecimentos, mas entendem-nos como portadores de status. No final das contas, algumas situações acontecem aos que não tiveram qualquer aproveitamento nas matérias propedêuticas: vão sofrer amargamente para fazer um mestrado ou doutorado, tendo em vista que a base é filosófica; vão cometer erros nas suas decisões profissionais devido a equívocos nos aprendizados e, no extremo; na vida particular haverá quem pense que falar de Marx é falar unicamente de comunismo, ou que falar de Maquiavel é falar de algo maligno ou até que Aristóteles só citou uma única frase “o homem é, por natureza, um animal social e político”. Alguns chegarão a confundir Hegel com Engels.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Comunicação Social e Liberdade

Qualquer pessoa que por ventura não esteja acorrentada ou presa entre paredes, se consultada, afirmará categoricamente que é livre de todo tipo de influência e que por isso pode agir autonomamente sobre as suas ações. Mas as pessoas podem sim serem dominadas, em maior ou menor grau, por uma série de instrumentos de controle existentes nos tempos modernos. Não só as instituições como as descritas comumente pelos sociólogos e psiquiatras como a família, a escolar, a igreja etc, ou as estudadas pelo francês Michel Foucault, como a prisão, o hospício, o orfanato etc, mas os meios que na modernidade se usa para a comunicação: o jornal, o rádio, as revistas e, mais particularmente, a televisão. Mas não se está aqui pensando pelo angulo dos teóricos da Escola de Frankfurt, os meios de comunicação de massa como instrumento de dominação a partir da coisificação dos pensamentos. Pensa-se em levar também esses pontos em consideração, mas tentando ir além. Acontece que o cérebro obtém impressões sobre tudo que se lhe aparece e, com isso, formula conclusões e as estabelece como verdades prontas para conduzir-lhe a vida. As novas impressões virão constantemente e as suas conclusões estarão sempre sendo refeitas de modo que o que já foi estabelecido fará parte das seguintes orientações. Nos tempos modernos os meios de comunicação e, mais especialmente a televisão, se estabeleceram como senhores das vontades, das necessidades e até da sensibilidade estética de cada individuo. Profissionais de propaganda e “marketing” munidos sempre de novas teorias a serem veiculadas, constantemente rearticulam outras investidas atacando constantemente a subjetividade dos leitores, ouvintes ou telespectadores, ditando-lhe os modos de vida. Liberdade, esse conceito difícil de estabelecer, denota sempre uma perspectiva de ausência de submissão ou de servidão. Isso porque liberdade está ligada diretamente a razão e os meios de comunicação, nos últimos tempos, tiram o que poderia ser qualificado como racional: a autonomia e a espontaneidade. Entretanto, as pessoas não parecem preocupadas com a liberdade em si, mas com a sensação da liberdade. E isso os meios de comunicação conseguem imprimir-lhe na subjetividade de modo que o individuo obedece aos ditados de um sistema sem se dar conta de que obedece e o reproduz; o mais interessante nisso é que muitas vezes acontece contra sua própria condição social, sua cor, seu gênero etc.

segunda-feira, 7 de março de 2016

O Medo, a Fraqueza e o Ódio

Assim como a vergonha e a dor, o ódio pode ser interpretado como um instrumento de defesa do indivíduo já que acontece quando a consciência interpreta os seres ou as ações que se avizinham como perigosos para a sua existência. Por outro lado, se o amor – o seu inverso – pode ser interpretado como um querer o outro, um estar para o outro, o ódio deve ser observado com as características contrarias: de execrar, de prejudicar, de destruir e de tudo que venha reduzir ou até eliminar o outro do combate. O ódio é uma expressão que vem do Latim (odiu) e que também é chamado de raiva, rancor ou ira é um sentimento intenso de contrariedade. Algumas vezes traduzem-se como antipatia, aversão, desgosto, inimizade ou mesmo repulsa contra uma pessoa, um grupo de pessoas ou algo em particular. A grande questão que se põe filosoficamente é: o que move alguém a desenvolver esse sentimento de destruição contra o outro? De antemão pode-se dizer que o ódio se fundamenta basicamente no medo, consciente ou não. O medo, por sua vez, poderá ser daquilo que já alterou o seu modo de vida ou limitou os anseios, como também contra a ameaça do que poderá vir a ser. Interessante é que se o ódio se origina do medo, esse - por sua vez, não tem necessariamente a sua origem em fundamentos reais, mas em grande parte no fantástico, no imaginário ou na mentira. Isso porque o medo é uma sensação que proporciona um estado de alerta demonstrado pelo receio de fazer algo por se sentir ameaçado tanto fisicamente quanto psicologicamente. Mas o ódio pode se encaminhar para mais que alguém em particular ou para algo: pode ser contra grupos de pessoas de uma dada identidade que, na fraqueza do odioso, provocam-lhe o medo. É assim que se manifesta a homofobia, o racismo, o ódio político ou social. Uma fraqueza originada na ignorância dos fatos que leva essas pessoas a sentirem-se ameaçadas devido às origens étnicas e sociais, opções sexuais, ou a maneira de pensar dos outros. Enfim, o odioso é um fraco tendo em vista que o objeto do seu sentimento se origina no medo do estranho e no pavor do seu enfrentamento; é um fraco porque o seu ódio ocorre devido à ignorância das particularidades sim, mas também pelo não conhecimento do todo. Isso quer dizer: quando o odioso perceber que as diferenças são partes necessárias para compor um todo largará mão de tais sentimentos.

quinta-feira, 3 de março de 2016

A Experiência da Tristeza

Se o que caracteriza a alma humana é a eterna busca pela felicidade, isso significa que a tristeza, um afecto experimentado em maior ou menos grau a todo instante, por todas as pessoas, também deve ser levado em conta quando se discute a existência. Acontece que a vida das pessoas é dotada de duas experiências emocionais distintas, porém correlacionadas: a felicidade e a tristeza. Na filosofia de Arthur Schopenhauer mostra-se que os humanos sofrem constantemente e que só esporadicamente experimentam a felicidade. Os humanos vivem no sofrimento em uma eterna busca pelo que lhes falta e no momento que encontram o objeto da suas buscas experimentam a felicidade, mas depois, quando os efeitos dos encontros já se encerraram voltam-se para as suas tristezas. A experiência da tristeza se altera e se intensifica de acordo com uma série de fatores que podem ser de ordem social ou biológica; ou seja: dependendo do caso, pessoas deprimidas podem ser curadas com a ingestão de produtos químicos; ou, quando a tristeza é originada na solidão ou em ações cotidianas (ou falta de ações), algumas pessoas praticam esporte, fazem arte ou viajam para fugirem de outro vetor de tristeza, o tédio. O sofrimento e a tristeza são dois conceitos sabidamente distintos, mas em geral, experimentados conjuntamente; o primeiro indica uma ação, enquanto o segundo, o resultado da ação. Isso significa que aquele que sofre enfrenta uma contrariedade diante das circunstâncias a que está submetido, que isso pode ser proveniente de uma dor ou do enfrentamento de situações sociais e que podem causar-lhe tristeza ou não. Ou seja: o sofrimento não desemboca necessariamente na tristeza. É possível sentir uma dor física ou um cansaço intenso, o que caracteriza um sofrimento, mas se for originada por uma causa bem-vista, de extrema relevância para o individuo, pode-se sentir com o dever cumprido e não experimentar a tristeza. Para enfrentar a experiência da tristeza é preciso levar em conta que esse é um fenômeno inerente a alma humana e que essa é mais que um sentimento, é um olhar para si mesmo, se entender como agente do mundo e reconhecer as próprias fraquezas. Nesses termos é possível concluir que a posse do seu carro novo, ou do seu novo emprego, ou mesmo de uma nova graduação não tira o individuo da tristeza, mas sim o conhecer-se e o aceitar-se como tal.