segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Adeodato, um General Descalço

Por mais que se queira a paz, a guerra é inevitável em momentos que os interesses dos grupos humanos são conflitantes, quando a política já não cumpre o seu papel nos acordos, nas negociações. Se sãos inevitáveis os grandes conflitos é interessante observar os seus comandantes, suas estratégias e a disciplina: os generais. Mas pensar em comandantes como soldados adestrados nas grandes escolas militares, cheios de conhecimentos livrescos, parecem tudo muito compreensível; o diferente são os homens descalços, sem instrução (alguns, analfabetos), que se levantam a frente de grupos de pessoas humildes e demonstram a altivez e a perspicácia no comando, nas estratégias, sempre antevendo as decisões do adversário e contra-atracando; esses são o que se que poderia chamar de “generais descalços”. Assim foi com Adeodato Manoel Ramos durante a Guerra do Contestado (1912/1916), um conflito que envolveu Santa Catarina contra o estado do Paraná, em uma faixa de terra contestada e a doação de terras para a construção de uma ferrovia que o governo brasileiro doou à uma empresa estadunidense, sem levar em conta os sertanejos que ali viviam. Conhecido apenas como Adeodato, ele era filho de caboclos de São José do Cerrito, então distrito de Lages; talvez não soubesse o significado do termo general, mas notabilizou-se pela capacidade de comando e montagem de estratégias contra o exercito brasileiro republicano. O conflito estava armado de uma forma que a política não tinha mais qualquer possibilidade: a guerra era iminente e alguém precisava comandar. Nos primeiros entreveros já morrera o grande líder dos caboclos, o monge José Maria, e após um período de dificuldades os líderes do movimento entenderam por bem entregar o comando militar a esse “general descalço”, conhecido apenas como Adeodato. O enfrentamento era desigual já que os sertanejos usavam poucas armas convencionais, como garruchas, espingardas e facas de metal, pois a maioria eram facões feitos de uma madeira chamada de Guamirim, contra os armamentos pesados como metralhadoras, canhões, rifles e até aviões em reconhecimento de área. Se as guerras são fenômenos naturais da existência humana, é natural também que alguém se levante e comande um dos lados; o difícil é entender que alguém como Adeodato, sem condições consiga traçar estratégias de enfrentamentos e resistir durante anos. Enfim, os caboclos perderam suas terras, entre 70 a 80 por cento do território em disputa ficou para Santa Catarina, a empresa estadunidense instalou a ferrovia em definitivo e Adeodato foi levado preso para o Rio de Janeiro, onde foi assassinato em 1916.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O Romantismo e o Idealismo Alemão

Para muito além dos entendimentos produzidos pelo senso comum em que o agente é mostrado, ou como frágil em seu pensamento, ou como suscetível às relações enamoradas, o Romantismo é antes de tudo uma corrente artística engajada ao Idealismo Alemão. Uma corrente mostrada pela história da arte como a maneira de ver o mundo com uma cor diferenciada, valorizando o heroísmo, o desprendimento, as coisas nacionais e a vontade do agente, como motor de transformação. Tudo começou com Emanuel Kant quando, ao ler o empirista Davi Hume, disse que despertou do “sono dogmático”, aceitando que o conhecimento elaborado pela mente necessita receber, primeiro, as informações através dos aparelhos sensoriais, mas que mas que estará continuamente reelaborando os seus entendimentos. Ou ainda: além das informações recebidas pela visão, paladar, tato, ouvido e olfato, o cérebro produz continuamente outros conhecimentos, no que chamou de “juízo analítico”. Com isso, o pensador solitário de Koenigsberg trouxe para filosofia uma nova forma de ver a si e aos outros, bem como todas as noções de certo e errado: uma noção que leva em conta a história. Para ele, a preocupação não deve ser a definição do objeto que se depara, mas o que o sujeito entende por tal objeto. Estaria assim, fazendo uma “revolução copernicana na filosofia”: os homens não trabalham com as coisas em si, mas sim com o que se produz nas mentes. A realidade acontece na mente, o restante são possibilidades. Esse pensamento de valorização do indivíduo como agente fundamental do entendimento político, econômico, científico e artístico generalizou-se sendo chamado na filosofia como Idealismo Alemão e na arte como Romantismo. Sem muito estranhamento, esse último passou a mostrar na música, na literatura ou no teatro o homem como um ser de consciência, que se percebe como indivíduo, mas também enquanto categoria, enquanto nação e que tem o ímpeto da transformação. Por isso, o romantismo ao mesmo tempo em que mostra o herói, aquele que redime uma raça, uma nação ou uma causa qualquer, é também aquele que percebe a importância histórica do indivíduo assim como as suas raízes mais singulares. Da mesma forma os pensadores posteriores, de Marx a Adorno, de Nietzsche a Heidegger, alguns concordando, outros renegando, mas todos trazem em si a marca do pensador de Koenigsberg. Todos um tanto românticos.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Uma Reforma Para o Judiciário

Muito se tem falado da necessidade de reformas, de mudanças profundas nos encaminhamentos da sociedade: reforma na previdência, reforma política ou eleitoral, reforma na administração pública, reforma bancária e tantas outras. O que não se fala é de reforma no sistema judiciário, um ponto nevrálgico para qualquer povo que se pretenda autônomo e que queira ver resolvidos os seus conflitos sociais. Claro que todas as transformações devem ser pensadas de forma integrada, tendo em vista que a não eficiência de um setor prejudicará profundamente os demais. No entanto, o sistema jurídico tem as suas particularidades quer seja na distribuição das varas, quer seja nas suas instâncias, quer seja na relação com o ministério público ou na forma de admissão dos membros e, como tal, deve ser repensado urgentemente. Acontece que em todo o mundo, dos países mais ricos – com alto grau de instrução, aos mais pobres – com todas as dificuldades estruturais, se observa uma profunda crise na administração da justiça aos povos. Isso porque o modelo de divisão dos poderes em três partes cumpriu o seu papel dentro do período moderno, mas já esgotou as suas possibilidades de retorno para a população. Vive-se uma espécie de “absolutismo jurídico”, caro e ineficiente. As sociedades avançaram no antigo conceito de democracia e o judiciário foi o único dos poderes que fugiu ao esquema democrático e todo do controle popular; na maioria dos países os seus membros são escolhidos por um sistema meritocrático, sem controle externo. Por mais que se fale em reformas de qualquer setor do estado é preciso que se pense também em uma revisão profunda na função que o judiciário tem desempenhado até os últimos tempos e o papel que deveria desempenhar nos dias atuais. Da forma que está estabelecido, com a mesma ideia inicial, lá do primeiro quartel do século 18, determinando-o como autônomo, como um dos poderes do estado, mudou, virou corporativismo na defesa primeira dos interesses dos seus membros. O resultado é que a justiça passou a ser segregada e segregadora; portanto, a justiça acaba não acontecendo. Então, nesse repensar, nessa reforma (alguns falam em revolução) é necessário que se leve em conta que a administração da justiça não é um centro de grandes decisões, um centro excelência que pense a sociedade, mas é, antes de tudo, um serviço para a população.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

A Burocracia e a Desumanização do Burocrata

Por mais que alguém se posicione contra a ordem burocrática, contra a sistematização dos processos, ou contra as hierarquias, há que pensar na sua extrema necessidade em uma sociedade complexa dos dias atuais. O que se esquece é que toda sistematização é feita por pessoas, com os seus vícios, suas frustrações e induções ideológicas. Em outras palavras: em vez de querer corrigir a burocracia é preciso que esse alguém, antes pense em corrigir o burocrata, um ser que se desumaniza quando faz parte de uma ordem, como se engrenagem de uma máquina fosse. Parece contraditório ressaltar a importância fundamental, a necessidade da burocracia para os dias atuais e, ao mesmo tempo, falar que o burocrata é alguém que, no exercício da função, abandona a sua condição humana. Mas não é. Acontece que há um disparate fundamental na relação homem/sistema. O que se quer ressaltar é que a burocracia foi criada para servir aos homens, não os homens feitos para servir a burocracia. Os processos organizadores, historicamente em toda a racionalização, devem ser pensados enquanto auxiliares da vida humana, não como sistemas existentes por si mesmos, não questionáveis, como se fossem deixados por divindades desde o começo dos tempos. Para alguns burocratas sim, o sistema não pode ser alterado simplesmente por que é assim. Ora, o grande ganho da burocracia foi a possibilidade de os humanos poderem se organizar de tal forma que a população se expandiu, desenvolveu sua economia, sua ciência, sua arte e sua tecnologia; por outro lado, a grande perda, como sua extensão, foi a desumanização dos atores sociais. Os burocratas são humanos, mas humanos que se desumanizam, seres entristecidos na repetição de suas funções e, como tal, sentem a necessidade desenfreada de desumanizar ainda os demais membros da sociedade, exatamente aqueles a quem deveriam servir. Eles desumanizam a si e aos outros quando não pensam como agentes de um sistema que presta serviço, quando repetem suas funções apenas por repetirem, quando não vêm o todo social, mas somente a pequena parte que lhe cabe. Desumanizam-se quando se sentem investidos de poder, pelo controle da sua pequena parte e, como tal, lançam-se, com arrogância, contra os seus senhores, o cidadão, aquele a quem deveriam servir.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Do Nada Para o Nada

O que houve de mais importante, até o momento atual, com qualquer ser vivo foi o seu surgimento, o nascimento; a segunda coisa mais importante será o seu derradeiro momento ou, a morte. Nada pode parecer mais importante para um ser que o seu surgimento e o seu fim. Isso parece contraditório: como podem os seres existirem e nascerem para morrer? Mas é isso mesmo, a contradição é inerente aos seres que surgem como fenômenos da existência para, em fim, deixarem de existir. Em outras palavras: tudo que hoje é, um dia não foi e um dia não mais será. Nesse análise precisa-se levar em conta que o tempo não existe, a não ser como construção abstrata dos humanos, na tentativa de controlar a todo e a todos, determinam períodos em que as pessoais existe, mas que nada mais são do que seres que seguem em um constante caminhar, do não existir para um novamente não existir. Quando os cientistas modernos afirmam que "na natureza nada se cria, nada se perde, mas tudo se transforma" estão se referindo apenas à matéria, um conjunto de elementos, seres que se pretendem concretos mas que as consciências apenas supõem que existam. Não se tem como prova -los absolutamente. Afinal, os saberes residem mesmo é na consciência de cada indivíduo que tenta interpretar a si próprio e a tudo que está a sua volta. Os sofrimentos, os amares, a felicidade, assim como o ódio, o rancor e os medos são todos fenômenos que pairam nas consciências, que por sua vez vêm do nada, existem e regressam sempre para o nada. Nesse caso, todas as certezas caminham para o local de onde um dia vieram: o nada. Portanto o que conta, ou deveria contar, na vida de alguém não são os momentos já ocorridos desde o surgimento de cada um, mas os momentos que ainda deverão ocorrer. Do que passou resta apenas a memória, um conjunto de saberes que pairam na consciência, identifica cada ser pensante e lhe dá o aprendizado. Nada mais. Quem começou a ler este texto há alguns segundos, neste último parágrafo está alguns segundos mais perto da morte, mais perto da não existência. E desse momento até o fim, até o último suspiro muitos outros segundos deverão acontecer; o que conta é a eterna busca pela felicidade para o que lhe resta.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O Corpo

Corpo pode ter um sentido literal, designando cada objeto que existe fisicamente: o corpo de.um homem, o corpo de um cachorro, o corpo de um cavalo ou de um elefante; ou apenas uma representação: Um corpo clínico ou um corpo de dança. Alguns falam em corporativismo, em corporação, ou espírito de corpo. Mas, além do uso metafórico e literal, o termo pode trazer conotações variadas, como um trabalho que exija a presença do agente,dito corpo a corpo, assim como pode ter a conotação de um ato sexual ou de uma atividade político-partidário. Para Santo Agostinho, baseando-se no pensador ateniense, Platão, a carne (e aqui se faz referência ao corpo humano) tem a sua relação direta com o mundo terreno - diferente da"Cidade de Deus" - é a origem e o destino de todos os prazeres mundanos. A carne é terrena em sua origem e destino, só experimenta os sofrimentos e prazeres do mundo terreno, portanto, é suscetível ao pecado. Por outro lado, Santo Tomaz de Aquino viu esses mesmo corpo, 600 anos depois, de forma diferente. Leitor de Aristóteles que era, dizia ele que se tudo existe teve que ser feito e se tudo foi feito teve que haver quem o fizesse; ora, se todo corpo humano foi feito por Deus tem nele uma fagulha da sua existência. Nesse caso, deixa de ser um objeto do pecado, da transgressão, para ser algo de admiração e de entendimento porque é um tabernáculo do próprio Deus. Mundano ou divino, o corpo é o único ser que os humanos têm para saberem que existem. A única certeza que se tem é que se está de posse de um corpo e que nele se experimenta todas as sensações: a fome, o frio, a sede, o cansaço e tudo aquilo lhe é inerente. Mas também é nele, ou através dele, que se experimenta a dor, a felicidade, a saudade e todos os sentimentos de amor e ódio. Por mais espiritualista que se queira ser, é no corpo que se encontram todas as possibilidades de experiência, é nele e somente nele que se encontram todos os saberes. Isso porque esse mesmo corpo em funcionamento cria aquilo que a Psicanálise e o Marxismo chamaram de consciência, o saber de si e daquilo que está à sua volta; não é possível pensar o espírito sem antes pensar esse corpo que pensa o espírito. O que se pode deduzir é que tudo que os humanos entendem como verdades, ou pensam entender, não passam de construtos do corpo ( direito, economia, ética, ciência, fé etc.) e por esses construtos matam-se uns aos outros.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Savonarola: os Novos Moralistas

Em todos os tempos, em maior ou menor escala, a humanidade viu crescer os seus conservadores, hipócritas e fariseus, homens que se viram como salvadores da pátria. Assim foi com o italiano Jerônimo Savonarola, nascido em Ferrara, no dia 21 de setembro de 1452 e morto na cidade de Roma em 23 de maio de 1498, por Cesar Bórgia, a mando do papa Alexandre VI. Savonarola foi um padre dominicano e pregador na Florença nos tempos da Renascença. Ficou conhecido por suas profecias, pela determinação de que as famílias deveriam prezar pelos bons costumes, por apelos à reforma da Igreja Católica, assim como pela destruição de objetos de arte e artigos de origem mundana. Monge dominicano vindo de uma tradicional família do interior, devotou-se ao estudo da filosofia e medicina. Conta-se que em 1474, durante uma viagem a Faenza, ouviu um sermão que o fez renunciar às coisas do mundo, passando a viver em Florença e, em exclusividade, para as causas da sua congregação e ao combate a devassidão, a formicação e a toda sorte de imoralidade. Ele se via como um "enviado de Deus" para combater os desvios da humanidade e todos os desvios em que a estrutura governamental florentina havia caído. Mas as ações de um homem que se acha investido de poderes acima de tudo e de todos chega a loucuras inimagináveis. Livros como os de Ovídio, Propertius, Boccacio, entre outros foram queimados a seu mando, no que ficou conhecido como "fogueira das vaidades"; condenando a todos que se desviaram para o mal caminho e propondo a remissão dos pecados. Savonarola declarava-se um profeta: escreveu um livro sobre suas visões, Compendium Revelationum, e conseguiu apoio da população para afastar os Médici do poder e declarar Florença uma "república popular". O interessante é que durante certo tempo, enquanto lhe convinha, a burguesia comerciante o apoiou, mas quando se viu demasiadamente enfrentando a Cúria Romana, retirou-lhe o apoio. Não se dando conta disso, Savonarola recusou a convocação papal e prosseguiu a desafiar a todos que considerava desviados do caminho, pregando e declarando Florença o novo centro do cristianismo no mundo. Já descartado pela elite privilegiada, foi capturado pelo exército, levado a Roma e condenado por blasfêmias e heresias. Nos tempos atuais, novos moralistas tomam acento em igrejas, meios de comunicação e redes sociais para destilarem seu veneno contra pessoas que nada fizeram, a não ser lutar por um mundo melhor. Alguns, com poderes junto ao estado, chegam a acreditar que são mandados por Deus, mas não passam de novos Savonarola que, perdendo o apoio da burguesia, nada lhes restará a não ser a "porta dos fundos" da história.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

À Direita Ingênua

Nesses tempos de ostentação, de aparências, as pessoas, em geral, não sabem muito sobre economia, política ou sociedade – algumas simplesmente nada sabem, mas precisam, ou acham que precisam mostrar que sabem. Seus conhecimentos se reduzem ao que leram nas redes sociais, comentários de outros que sabem menos ainda; alguns o nível vai um pouco acima e sobe para a audiência do Jornal Nacional, da Rede Globo, ou seu equivalente e, outros, sobem até uma leitura no Google e nada mais. Ao saberem em nível zero sobre temas tão relevantes para a vida em sociedade, essas pessoas se sentem acuadas e, por vezes, até agressivas. Ao saberem pelo senso comum que esses que o contrariam, e que lhe dizem o que até então não sabiam, são pessoas politicamente engajadas na posição de esquerda, tentam se posicionar e mostrar que sabem algo se dizendo de direita. Mas, se nada sabem sobre Economia Política, também nada sabem sobem sobre posições políticas de esquerda ou de direita, ou o que movem essas duas tendências. O que se percebe é que se essas pessoas soubessem a exata medida do sentido político daquilo que afirmam, sentiriam vergonha e, no mínimo, fugiriam do debate. Na maioria das vezes as posições que defendem são radicalmente contrárias ao seu modo de vida, as suas necessidades e até aos seus sofrimentos como pessoas trabalhadoras com uma vida difícil no dia a dia. Nesse caso, o interlocutor que detenha alguma leitura, tem dois caminhos: ou entra no embate, tentando mostrar a contradição daquilo que o interlocutor afirma, ou deixa-o de lado, entendendo que não há algo a fazer, que esse é um caso perdido. O que não percebem esses atores sociais, que ingenuamente se auto-afirmam de direita, é que aquilo que dizem não são seus discursos, mas discursos daqueles que detém o poder econômico. A sociedade moderna é uma sociedade de segregações: mantém privilégios para alguns e reserva as dificuldades para outros. Mas o mais estranho é que pessoas que não detém privilégio algum não percebam que aquilo que as redes sociais, que o Jornal Nacional e outros meios de comunicação afirmam, e reafirmam, são apenas réplicas de discurso dominante, daqueles que defendem os seus próprios privilégios. Acontece que na política não vale a ostentação, as aparências, ou qualquer tentativa de mostrar aquilo que não é ou não tem. As pessoas podem ser de direita ou de esquerda, mas precisam saber o que é isso e se aquilo que defendem é, na verdade, a afirmação de sua ingenuidade.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Mudanças, Reformas e Revoluções

Que tudo está em constante transformação de tal modo que o verbo ser parece obsoleto e que, em seu lugar, se deveria usar apenas o estar, já que aquilo que agora é um dia não foi e um dia não será mais é algo, há muito tempo, aceitável. Assim como as montanhas, os mares e as estrelas que um dia não existiram e que um dia não mais existirão, também as ideias e, com elas as ideologias, os costumes e as crenças um dia não mais serão como hoje. Para alguns, essas transformações acontecem de forma evolucionista num sentido de que tudo caminha do inferior para o superior; isso implica que tudo que hoje existe é melhor do que aquilo que um dia foi. Para outros, essas mudanças não são evolução já que alguns pontos de hoje não são melhores do que aquilo que fora no passado; aliás, para alguns, o que se tem hoje é até pior. Existem ainda as reformas e as revoluções. As primeiras figuram como pequenos reajustes em pontos frágeis, ou pequenas mudanças localizadas, mas que na totalidade não se deve sofrer alterações. E as segundas, as revoluções, como mudanças completas, totais, de modo a não ficar pedra sobre pedra daquilo que já fora um dia. Diante disso, os governos falam de reformas políticas, reformas administrativas, reformas do judiciário, reformas educacionais, reformas econômicas etc. Mas o interessante em todas as idéias de mudanças é que isso fascina a humanidade há muito tempo, mas fascina pelo conceito, apenas pela palavra, como se fosse possível o entendimento de algo apenas pelo conjunto fonético, sem o conteúdo que ele representa. As pessoas falam umas às outras sobre a importância e a necessidade de mudanças e os meios de comunicação veiculam frases enfatizando a urgência de transformações, de reformas. O que não se fala é do conteúdo da mudança. Ora, se tudo está em transformação de forma inevitável e se os humanos podem interferir no caminho porque seguem, convém que se pergunte: que mudanças são essas? Aonde vai chegar? De outra forma se poderia perguntar sobre a sua intensidade: o que se necessita é mesmo uma reforma, apenas algumas mudanças aqui ou acolá? Ou se faz necessário muito mais que isso, uma profunda transformação, algo que se poderia chamar de revolução?

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Che, Uma Luta

Para alguns, um exemplo revolucionário de alguém que dedicou a vida na luta por um mundo mais justo e fraterno, para outros, um assassino frio a serviço da União Soviética, mas ninguém pode discordar da sua importância para o mundo contemporâneo: Ernesto Guevara de la Serna, conhecido como Che Guevara. Nascido em Rosário, na Argentina em 14 de junho de 1928 e morto em La Higuera, na Colômbia, em 9 de outubro de 1967, ele foi um guerrilheiro, político, jornalista, escritor e médico que lutou por uma causa que acreditava. Como socialista, foi um dos ideólogos e comandantes que lideraram a Revolução Cubana de 1959: desembarcou na Baía dos Porcos com os demais revolucionários, fez a longa marcha pela Sierra Maestra até Havana, alterou o regime político cubano e tirou o País da influência estadunidense. Desde então, até 1965, desempenhou em Cuba vários cargos na administração, como presidente do Banco Nacional, como ministro da Indústria e, na área diplomática, foi encarregado de várias missões internacionais. Seu ideal socialista o fez deixar Cuba e ampliar a luta revolucionaria por toda a América Latina e África, já que ele acreditava que esses povos sempre estiveram oprimidos, como resultado das políticas de países ricos. Após lutar no Congo, Che foi capturado na Amazônia boliviana e assassinado, após uma tocai de vários dias, pelo exército boliviano, em colaboração com a CIA, no dia 9 de outubro de 1967, conforme noticiaram os jornais de todo o mundo nos meses posteriores. No próximo ano, em 2017, será lembrado em todo o mundo, os 50 anos da sua luta e morte. 49 anos depois, alguns o odeiam, outros o amam e, outros ainda, dão palpite, mas não têm a mínima noção de sua importância; alguns só o conhecem pela fotografia de Alberto Korda, retratada nas bolsas e camisetas da cultura contemporânea. No entanto, não dá para pensar a história política recente sem incluí-lo no cenário; recentemente a revista Time o considerou Che Guevara como uma das figuras mais importantes do século 20. Dois filmes mostram-no em sua luta política por justiça social: “Diários de Motocicleta”, filme brasileiro de Walter Salles que o retratou ainda jovem, em viajem pela América Latina, e “Che”, filme argentino de Stevem Soderbergh que expôs a sua luta e morte, com Benício Del Toro fazendo seu papel. Todas as leituras e observação em filmes e documentários mostram que não se pode negar a importância dessa personalidade e seu empenho pela construção de um mundo menos desigual.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A Contrariedade dos Reacionários

Quando eclodiu a Revolução Francesa, em 1789, os maiores intelectuais saudaram-na como o grande evento de profundas transformações políticas, sociais e econômicas em todo o Ocidente. E foi mesmo. A Revolução Francesa foi um período de intensa agitação e de profundas transformações não só na França e na Europa, mas na América e em boa parte do mundo. Os privilégios feudais, aristocráticos e até religiosos evaporaram-se do dia para noite, sob um ataque sustentado por grupos políticos de esquerda, com o intuito de levar em frente o ideal de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Em conseqüência, os antigos privilégios da tradição e hierarquia aristocrática foram abruptamente derrubados pelos novos princípios: cada indivíduo é um cidadão, com direitos, deveres e benefícios iguais. Mas toda revolução tem um período de grande transformação que é seguido por outro de terror, por outro de restauração e, finalmente, o de continuação dos avanços daquilo que outrora fora iniciado. Alguns anos, após iniciada a Revolução, a França se viu envolta no que ficara conhecido como período do Terror e, logo a seguir, chegava Napoleão Bonaparte para a Restauração; com a queda do grande general a voltou-se para a implementação dos ideias revolucionários. Acontece que as grandes mudanças por que passam as sociedades não são aceitas por todos o tempo todo. Quando os privilégios são arrebatados, os ofendidos praguejam no início, mas depois reagem e avançam contra os revolucionários. A tentativa é sempre de eliminar até os menores resquícios do que até então fora mudado. No entanto, assim como é natural a reação dos perdedores de privilégios, é natural também que aqueles que sentiram o gosto bom das inovações sociais e econômicas e, em algum momento, reajam e queiram que as mudanças continuem. Aquele que aprendeu que comer todos os dias é possível, que aprendeu que também pode dar um presente para os familiares, ou que pode por o filho para estudar, vai querer mais. Enfim, a França é hoje o centro cultural do mundo, fez a sua reforma agrária e uma profunda distribuição de rendas (os castelos desocupados hoje são restaurados para apreciação pública) e vive aquilo que se chama: “estado de bem estar social”. Acontece que se o individuo é senhor e mora num palácio ou é plebe e mora num casebre não importa: todos têm sonhos e vontades represadas por dentro.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Entre o Capitalismo e a Ostentação

No sistema econômico capitalista há a necessidade constante da figura do empreendedor, já que a iniciativa dos investimentos é transferida do campo público para o campo privado. Nesse caso, o burguês, como ficou conhecido o capitalista, é aquele que realiza os tais investimentos e aguarda, deles, os ganhos financeiros: o capital. Nos tempos atuais é muito comum as pessoas qualificarem uns aos outros como capitalistas; fazem isso, em geral, quando alguém, compulsivamente, compra mais e mais objetos supérfluos, ou sente a necessidade de ostentar riquezas. No entanto, não é esse o capitalista. Capital vem de cabeça que quer dizer a parte principal de uma soma de dinheiro que se investe esperando sempre o seu aumento. Nesse caso, o capitalista, o empreendedor, é aquele que tira o dinheiro do seu bolso e o investe em uma atividade privada com o intento de obter retornos financeiros maiores do que fora, então, o investido. A fina flor do capitalismo, o seu crescimento avassalador, dominando o Planeta não é feita com ostentações, mas com os três elementos básicos: investimentos privados, trabalho e, obvio, a expectativa de lucros. O sociólogo alemão, Max Weber, deixou isso muito claro em seu famoso livro, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. A ostentação nada tem a ver com a acumulação de capital, a não ser que o capitalismo em sua origem, no final da Idade Média e início da Idade Moderna, quando o burguês, já enriquecido, não conseguia entrar nos espaços políticos e sociais, ocupados pela nobreza e o absolutismo de então; restava-lhes uma única opção: usar as vestes mais caras que encontrava, ou as jóias mais raras, as mais belas carruagens e os casarios imponentes, como forma de impressionar a todos. A ostentação foi um artifício encontrado pelo burguês para se impor àquele mundo dominado pela sociedade feudal. Meio milênio depois, a economia capitalista predomina no Planeta, mas o espírito do capitalismo, a vontade do empreendedor, daquele que acumula capital, morre a cada dia; em algumas sociedades mais que outras. Em seu lugar toma acento apenas a ostentação pela ostentação; mesmo que os objetos a serem mostrados sejam comprados a duras penas, com pagamentos em prestações mensais infindáveis, provocando endividamentos inimagináveis. O interessante é que alguns se arvoram em se autodenominar capitalistas, ou empreendedores, mas não são já que o que querem é atuar com dinheiro público ou esperam que o governo realize renuncias fiscais em seus favores. Pior, fazem isso já esperando usar os retornos de tais investimentos em mais ostentação e, ainda, se achando no direito de se ausentar do trabalho. .

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Em Tempo de Eleição

Em período eleitoral, quando os nervos estão à flor da pele, quando alguns vêm como um momento de possíveis transformações sociais, enquanto outros, como momento de angariar algumas vantagens é preciso que se faça uma análise. Ainda mais se essa sociedade necessita urgentemente de reforma política, reforma administrativa, reforma judiciária; enfim, uma reforma do estado. Quem sabe, o que se precisa é uma revolução. Em primeiro lugar, não há muito a ser feito se aquele que deveria se comportar com cidadão, cônscio dos seus direitos e observador dos seus deveres, não é conhecedor dos direitos, tanto quanto não é praticante dos deveres. Nesse caso a política passa a ser algo alheio, uma prática de alguns indivíduos distantes, grandes “pais do povo”, que tudo devem fazer aos demais que o esperam inertes. Não há o que fazer porque se fizer será feito por alguém, ou um grupo - uma vanguarda, que provoca a transformação ao restante da sociedade; sendo que quem deveria fazer é o próprio indivíduo no exercício de sua cidadania. Como se não bastasse, e integrado a esse pensamento despolitizado, observa-se um sistema de comunicação social praticando um desserviço à sociedade alimentando os seus espectadores com um comodismo e alheamento a partir de uma visão social e política baseado em senso comum. Observação: algumas empresas de comunicação não são despolitizadas e alheias, mas transmitem suas informações baseadas em interesses econômicos e políticos. O resultado da junção de todos esses ingredientes, em uma prática de tantos anos, é a contínua reeleição de pessoas completamente desconectadas dos interesses daqueles que os elegeram. Aliás, aquilo que os livros de Ciência Política dizem de uma democracia: “as pessoas elegem aqueles que vão representá-los”; acontece diferente: elege-se pessoas que não vão representar os que elegeram, mas a si próprios. E, num círculo vicioso, entra eleição e sai eleição e tudo se repete. A pergunta que fica é: o que fazer? A resposta vem forte de todos os lados: investir em educação. Mas isso deveria ser feito por aqueles que foram eleitos e estão satisfeitos com o estado de coisas aí colocado. Além disso, como pode a educação fazer algo já que se retira da sala de aula aquelas disciplinas que por ventura fariam pensar? As nuvens são pesadas e pouco, ou nada, se pode fazer.