segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Adeodato, um General Descalço

Por mais que se queira a paz, a guerra é inevitável em momentos que os interesses dos grupos humanos são conflitantes, quando a política já não cumpre o seu papel nos acordos, nas negociações. Se sãos inevitáveis os grandes conflitos é interessante observar os seus comandantes, suas estratégias e a disciplina: os generais. Mas pensar em comandantes como soldados adestrados nas grandes escolas militares, cheios de conhecimentos livrescos, parecem tudo muito compreensível; o diferente são os homens descalços, sem instrução (alguns, analfabetos), que se levantam a frente de grupos de pessoas humildes e demonstram a altivez e a perspicácia no comando, nas estratégias, sempre antevendo as decisões do adversário e contra-atracando; esses são o que se que poderia chamar de “generais descalços”. Assim foi com Adeodato Manoel Ramos durante a Guerra do Contestado (1912/1916), um conflito que envolveu Santa Catarina contra o estado do Paraná, em uma faixa de terra contestada e a doação de terras para a construção de uma ferrovia que o governo brasileiro doou à uma empresa estadunidense, sem levar em conta os sertanejos que ali viviam. Conhecido apenas como Adeodato, ele era filho de caboclos de São José do Cerrito, então distrito de Lages; talvez não soubesse o significado do termo general, mas notabilizou-se pela capacidade de comando e montagem de estratégias contra o exercito brasileiro republicano. O conflito estava armado de uma forma que a política não tinha mais qualquer possibilidade: a guerra era iminente e alguém precisava comandar. Nos primeiros entreveros já morrera o grande líder dos caboclos, o monge José Maria, e após um período de dificuldades os líderes do movimento entenderam por bem entregar o comando militar a esse “general descalço”, conhecido apenas como Adeodato. O enfrentamento era desigual já que os sertanejos usavam poucas armas convencionais, como garruchas, espingardas e facas de metal, pois a maioria eram facões feitos de uma madeira chamada de Guamirim, contra os armamentos pesados como metralhadoras, canhões, rifles e até aviões em reconhecimento de área. Se as guerras são fenômenos naturais da existência humana, é natural também que alguém se levante e comande um dos lados; o difícil é entender que alguém como Adeodato, sem condições consiga traçar estratégias de enfrentamentos e resistir durante anos. Enfim, os caboclos perderam suas terras, entre 70 a 80 por cento do território em disputa ficou para Santa Catarina, a empresa estadunidense instalou a ferrovia em definitivo e Adeodato foi levado preso para o Rio de Janeiro, onde foi assassinato em 1916.

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