quarta-feira, 30 de maio de 2018

A Ignorância e o Senso Comum

Os debates sobre temas como sociedade, educação, política, cultura, entre outros, fazem parte do que se chama de ciências sociais ou, mais especificamente, ciências humanas: Sociologia, Antropologia, Política, Economia, Direito etc. Algumas dessas ciências, além da definição clara de seu objeto, enfrentam outros dois pontos relevantes: o senso comum e a cientificidade ou, a possibilidade (ou não) de comprovação científica.
Mas a cientificidade não é propriamente um problema já que as ciências, de um modo geral, nesses tempos pos-modernos, perderam o estatuto da verdade absoluta; se a própria Física que sempre se estabeleceu como exata com o aval da Matemática, hoje se aceita como relativa, ou dentro do que se chamou de teoria quântica, todas as áreas do conhecimento podem se arvorar como científicas, como resultado de pesquisas elaboradas, frutos de métodos rigorosos.
O grande problema, e inerente exclusivamente a essas ciências, é o senso comum. Como cultura, relações sociais, economia, justiça etc; são temas muito próximos das pessoas, alguns acreditam que dominam tais conteúdos, dão palpites e até tomam decisões importantes. Algumas pessoas ocupam altos cargos na administração pública e tomam decisões governamentais, políticas e jurídicas a partir de um senso comum, inexato, nebuloso, sem fundamento.
Por outro lado, pessoas comuns discutem esses temas como se autoridades fossem e pedem para aqueles que os questionam que lhe deixem em paz pois "a democracia dá direito a ter a própria opinião". Em geral, as falas são incoerentes, recortadas, portanto, sem fundamentos e o interlocutor demonstra completa falta de leituras em Política, em História, em Economia, em Direito etc.
Desconhecem, esses, que o próprio tema "democracia", assim como de "liberdades individuais", de "legitimidade", e outros, dão margem a muitos debates e contrariedades, tanto de ordem conceitual quanto de eficiência e prática política. Acontece que vivemos todas as ciências - a Física, a Química, a Medicina - elas vivem em nós, mas não damos conta; mas a nossa existência na sociedade, nossas ações políticas, nossas ações econômicas fazem com que tenhamos alguma consciência: temos um salário, somos pai, mãe, filho, temos conflitos judiciais e daí por diante. Assim, a experiência imediata que temos com temas da Sociologia, da Política, do Direito ou da Antropologia, não nos deixa perceber a complexidade dessas ciências e não percebemos a nossa ignorância e damos palpites, mesmo que sejam "furados".

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Paralização de Caminhoneiros e o Golpe

Após 26 dias de paralisação de caminhoneiros por estradas de todo o País, houve uma tomada de poder no Chile seguindo um plano da CIA (polícia dos Estados Unidos) em obediência a uma determinação expressa de Washington. Havia medo de que a influência estadunidense se perdesse e a decisão, com a mesma preocupação, já havia sido tomada com relação ao Brasil, ao Paraguai e a outros países da América Latina.
A tomada de poder no Chile fora um golpe realizado pelo Exército e a Aeronáutica daquele País contra o presidente Salvador Allende, democraticamente eleito em 1970 com 36% dos votos válidos contra o seu opositor, com 34%. Logo após a vitória nas urnas do Partido Socialista, o secretário de estado estadunidense, o alemão judeu, Henri Alfred Kissinger, declarara seu descontentamento com a posse daquele que faria uma administração contrária aos interesses dos "irmãos do norte".
A constituição chilena mandava que o presidente eleito por voto popular passasse ainda pelo crivo do Congresso e, com as duas aprovações, deveria ser então empossado. Para desgosto de Kissinger, e contrariando os interesses estratégicos dos Estados Unidos no leste da América do Sul, o novo presidente foi empossado de forma legítima e com promessas de maior autonomia para seus país.
No entanto, nos anos de 71 e 72, seu governo foi cada vez mais cercado com dificuldades econômicas e empecilhos nas transações internacionais, impossibilitando-o de efetivamente de administrar o País e fazer as transformações esperadas daquela nova administração. Com isso, as relações do Chile com os Estados Unidos da América foram cada vez mais prejudicadas, o que tornara o governo de Allende insuportável.
A decisão do secretário de estado estadunidense era clara, os militares chilenos precisavam assumir o controle e fazer uma administração parceira, voltada para os seus interesses. Mas, para isso, era preciso que o governo, ora em exercício, ficasse ainda mais insustentável. Foi então que, através da embaixada daquele país, uma paralização de caminhoneiros fora organizada sem a percepção dos chilenos das estratégias montadas, nem mesmo pelos próprios participantes. Em duas semanas a população estava completamente desabastecida dos insumos mais importantes e o caos tomara conta do País do Sul ao Norte.
Quando o governo tornou-se impossibilitado de prosseguimento e, seguindo uma cartilha previamente pensada, os militares começaram a fazer declarações contrárias ao governo estabelecido e, nesse mesmo tempo, grupos de populares incultos, ou desavisados, começaram a pedir intervenção militar. Foi o que aconteceu: em 11 de setembro de 1973, com a negativa de desmontar o governo, a Aeronáutica bombardeou o Palácio de la Moneda e o Exército entrou e assassinou o presidente da República, Salvador Allende, (forjando um suicidio) e o novo governo foi assumido pelo general Augusto Pinochet. Iniciava então, um período de prisões, torturas e mortes e terminava a longa paralisação de caminhoneiros no Chile.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Desigualdades e Movimentos Sociais

Os movimentos sociais são um fenômeno próprio das relações humanas em sociedades baseadas em desigualdades de classes, de estamentos, de castas, ou de credo, de raças etc. Isso quer dizer: desde que os humanos deixaram de ser nômades e criaram as suas civilizações a história tem registrado conflitos calcados no descontentamento com a ordem estabelecida.
Aliás, boa parte dos crucificados na antiga Judeia eram pessoas que faziam enfrentamento contra os privilegiados, naqueles tempos de domínio romano: Jesus de Nazaré é um exemplo disso. Antes dele, Sócrates de Atenas foi condenado a morte acusado de blasfemar contra os deuses e corromper a juventude, ou seja: havia medo que, por liderar um grupo, ele pudesse disseminar ideias contrárias à ordem estabelecida.
Historiadores mostram ainda, na antiguidade, a figura de Spartacus, um escravo romano que se rebelou contra a condição estabelecida, reuniu milhares de escravos e durante meses enfrentou o poderoso exército dos generais de Roma. Da mesma forma na Idade Média, muito diferente do que se fala em obscuridade da época, em vários momentos - quando a opressão chegou a condições intragáveis - servos da gleba e trabalhadores livres se juntaram e fizeram os enfrentamentos necessários contra príncipes e reis.
O termo movimento social é complexo, bastante debatido por sociólogos, cientistas políticos, juristas e antropólogos, começou a ser usado a partir das lutas operárias do século 19. O conceito recentemente se define como a condição de membros da sociedade que se sentem prejudicados por algum motivo, juntam-se com aqueles que se sentem na mesma condição, se organizam e lutam pelos seus interesses.
Os movimentos sociais são, então, todos esses os grupos organizados e suas manifestações podem ser desde uma alegre passeata, uma paralisação, ou uma greve de fome, entre outras, podendo chegar a depredação de ambientes que se relacionem com o que se entende por opressor, ao enfrentamento às forças públicas e/ou à revolta com luta armada. Diferente do que se pode pensar, esses movimentos no mundo moderno existem como elementos catalisadores das grandes transformações: as leis que hoje amparam os trabalhadores são frutos de intensas batalhas; assim como os movimentos de afro-descendentes que conseguiram impor leis de participação em atividades antes resguardadas aos brancos e, de certa forma, impor respeito a sua condição; não foi diferente com as lutas das mulheres que levaram os países a adotarem leis para por fim ao subjugo diante dos indivíduos do gênero masculino; o mesmo ocorre com as pessoas que se identificam com o grupo LGBT, além de outros grupos.
Acontece que há uma legitimidade nas lutas sociais. As sociedades, que por hora se apresentam, são desiguais e, na desigualdade, alguém sempre se sentirá em prejuízo. Portanto, é natural que queira mudanças na estrutura. Não adianta pessoas com posições contrárias fazerem discursos falando dos malefícios - "direito de ir e vir", "liberdades individuais", "respeito aos que pensam contrário" - havendo desigualdades haverá movimento contrário ao sistema vigente. Isso quer dize: quanto mais igualitária uma sociedade for, menos lutas sociais haverá; isso porque o fenômeno chamado de movimento social nada mais é, por natureza, que um instrumento de luta contra as desigualdades.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

A Capital

A raiz da palavra capital vem do Latim - caput - que quer dizer cabeça, a parte principal de um corpo, como é usado metaforicamente em várias áreas do conhecimento. Na Economia se usa quando se quer falar de uma quantia de dinheiro que investida em uma transação financeira, o que se chamaria de capital financeiro, capital comercial ou capital industrial.
Na Sociologia se usa o termo capitalismo quando o regime econômico da população tem a prática de investimento em um mercado como seu modo de produção. Nesse mesmo regime econômico capitalista se fala em "poder do mercado"; ou seja: a força das transações financeira baseadas no capital.
Mas tanto na política, quanto na Geografia, o termo capital é também usado para designar uma cidade que sedia os três poderes de comando de um estado, bem como é a sedes dos principais órgãos governamentais e a residências das pessoas envolvidas nessa estrutura de poder.
Por outro lado, a capital de um país, ou de uma província, não necessariamente é a capital econômica ou a cidade de maior densidade populacional; assim como tem país, como é o caso da África do Sul, que tem duas capitais políticas, uma sedia o legislativo e a outra o executivo.
Mas o importante é que a capital pode ser trocada quando os seus dirigentes assim acharem necessário, que pode ocorrer com ou sem o apoio da população, conforme o caso, e que gera uma série de percalços. Custo altíssimo. O Brasil, por exemplo, mudou de Salvador para o Rio de Janeiro e, depois, - em 1959 - para Brasilia, e provocou um custo financeiro muito além do que a população podia arcar e ainda hoje, quase 60 anos depois, sente o peso dessa mudança.
Da mesma forma, quando se fala em troca da capital de Santa Catarina de Florianópolis para Joinville, como aventado nos últimos dias com o envio de documento nesse sentido para a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, muitos pontos precisam ser levados em consideração: primeiro, o corte cultural que se isso provocaria - Nossa Senhora do Desterro sempre foi o alicerce histórico de Santa Catarina, foi ali que se começou a província; segundo, o custo financeiro de uma troca de capital seria insustentável em uma economia dos tempos atuais.
Joinville tem todos os predicados necessários para se tornar uma grande capital política de uma província, ou até de um país, mas isso não significaria investimento para a sua população, com melhor saúde, melhor educação, melhor segurança etc. Por fim, mais do que trocar a capital, Santa Catarina precisa pensar em si própria: suas vias de transporte, reordenamento da educação, um melhor aparelhamento da saúde, aumento do contigente de segurança etc.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Os Monarquistas e o "Espírito Republicano"

Hoje quando se fala muito em cidadania fala-se reforçando a ideia de um espírito republicano; alguns já nem falam mais em democracia, em justiça social, mas na construção dessa república na elevação de um pensamento que chamam de republicano. Isso soa como um retorno à 1789 na França, quando a lei e a ordem era destruir a monarquia, e sua nobreza, como única forma de se fazer justiça social e cidadania.
Nos tempos atuais, eu não sei porque relacionar república com justiça, com democracia e/ou cidadania; assim posto, parece que tais condições seriam impossíveis de existirem nas monarquias. Mas pelo contrário, algumas monarquias europeias são muito mais justas, mais cidadãs e mais democráticas que qualquer república latino-americana.
No Brasil, aliás, que já foi monarquia, parece que os brasileiros proclamaram a república: saíram da monarquia, mas a monarquia não saiu de suas cabeça. Mesmo 130 anos de pois, continuam a entronar aqueles que se destacaram em algumas atividades: o rei do futebol, o rei Roberto, a rainha dos baixinhos e assim por diante; se o indivíduo for um homem muito bom, simpático, será um lorde.
Mas o mais interessante é a maneira histérica como a mídia nacional trata do tema e é partilhado pela população: os casamentos das famílias monárquicas europeias. Claro que aí está também uma imposição midiática, com suas atitudes sensacionalistas, mas quem faz essa mídia são também brasileiros e com o mesmo espírito.
Quando o filho mais velho da rainha da Inglaterra casou-se já foi uma histeria geral: jornais e revistas anunciavam em primeira página o "grande fato", revistas detalhavam o corte de cabelo da noiva e detalhes das roupas. Anos mais tarde, quando o primeiro e o segundo filhos do príncipe herdeiro da Inglaterra também casam: tudo outra vez. Jornais e revistas noticiam como se fosse fatos de extrema importância para a humanidade; uma emissora de televisão brasileiro transmitiu tudo ao vivo para todo o País.
Mais uma vez aí vai ao espírito monárquico brasileiro e, mais profundamente, aos tempos colonialistas. Um colonialismo que ficou impregnado no modo de ser: um modo de ser em que se dá as costas para seu povo, seus conflitos, suas injustiças e a frente para os europeus, para os estadunidenses.
Fala-se em espírito republicano não porque com isso se está preocupado com justiça, com democracia ou com cidadania - como querem deixar parecer - mas porque se está ouvindo os outros falarem: um sentido novo para a mesma coisas. E quando não se sabe o que é e o que quer, tanto faz ser monarquia ou república, não haverá cidadania, não haverá justiça social e não haverá democracia.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

O Fim do Capitalismo?

Quando se fala que o capitalismo dá sinais de decadência, ou pelo menos de mudanças substanciais, precisa-se levar em conta a sua origem e as etapas porque passou, desde o mercantilismo medieval até as transações internacionais dos grandes conglomerados empresariais dos dias atuais. Mesmo com a demonstração de opulência de alguns investidores e as inovações tecnológicas, o regime econômico capitalista demonstra fadiga desde que seu espírito perdeu aquilo que Max Weber chamou de ética protestante.
A riqueza está formada e acumulada nas mãos de alguns poucos, mas a ideia de trabalho como sendo uma forma de elevação da dignidade humana e até de ascese religiosa saiu de cena para dar lugar a uma voracidade do enriquecimento pelo enriquecimento: rápido e inconsequente. Jovens miram-se nos grandes exemplos daqueles que conseguiram fazer fortunas, tentam repetir o feito e dão-se ao empreendimento de comprar e vender mercadorias, mas o fazem burlando leis de mercado, não cumprindo normas do estado e negando informações ao fisco. Perdeu-se assim o caminho, mas o destino continua o mesmo.
Se tudo que existe um dia não existiu e um dia não mais vai existir, o capitalismo um dia não existiu e, portanto, um dia não mais vai existir. Um dia foi o metalismo mercantilista e corsário dos reinos a disputarem os comércios pelo mundo a fora; depois foi o industrialismo protestante da dedicação ao trabalho, o que acarretou na busca de mais matéria prima e mais mercado consumidor. Acontece que o que se pregara como livre comércio em um capitalismo concorrencial desembocou em duas grandes guerras mundiais, atrocidades políticas e um reajuste econômico estabelecendo uma nova ordem.
O que se pensara inicialmente como liberdade econômica em um capitalismo concorrencial, da valorização do trabalho como dignidade humana, deu-se lugar a uma disputa acéfala e quase autofágica. O fim é o enriquecimento e o caminho "para se chegar lá" e isso pode ser pelas regras do mercado, como pode ser também através de qualquer forma de adulteração de produtos, de sonegação fiscal, de desrespeito às leis trabalhistas etc.
Se isso são sinais de decadência do sistema só o tempo dirá. Da mesma forma só o temp dirá se outro sistema há de vir, ou que sistema será esse outro, mas a verdade é que os tempos não são mais os mesmos e o capitalismo não é mais aquele. Com a capacidade do regime se reinventar, talvez mesmo algo já esteja sendo alterado com vistas a sobrevivência, mas o que parece é seu fim mesmo.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

A Sociedade, os Indivíduo e Seus Papéis

A não ser que seja um eremita a viver escondido nas montanhas, ou um náufrago perdido em uma ilha deserta, as pessoas existem nas sociedades e nelas desempenham papéis, quer sejam papéis exclusivos para determinadas instituições ou delimitados politicamente para servir ao estado e, consequentemente, às pessoas de um modo geral. Mas entre os papéis que lhes foram confiados, suas especificidades e categorias, conforme foram pensados pelo corpo de legisladores, e a sociedade precisa e espera, há diferenças profundas.
O ministro da Saúde, por exemplo, não será ministro da Saúde se não estiver efetivamente preocupado com a administração da saúde, mas com os interesses de determinados grupos em partícular. Da mesma forma o professor não será professor se não estiver preocupado com o ensino dos conhecimentos necessários para o jovem em formação, mas apenas em cumprir um período de permanência em sala de aula.
Determinados juízes são contratados pelo Estado para desempenharem a função de juiz, mas atuam como políticos, com discursos, estratégias de ataque e defesa e articulações junto aos meios de comunicação tradicionais e das redes sociais da internet. Esses não são juízes. De um juiz se espera uma sobriedade, seriedade, imparcialidade: independência das paixões do conflito na administração da justiça.
Igualmente, não se pode ter como policial uma pessoa mal-caráter que por acaso passou em um concurso público, vestiu uma farda e por isso está na ruas a fazer tudo ao contrário do que se espera da atividade militar. Mas a vida pública não é diferente do que ocorre na vida civil, ou eclesiástica: o empresário que faz discursos por lealdade na concorrência, mas é desleal com aqueles da sua categoria e com seus clientes, ou o profissional liberal que não desempenha efetivamente a função que se propôs nos bancos acadêmicos, ou o religioso que desvia suas funções como orientador dos preceitos religiosos.
E a lista segue extensa se formos descrever e exemplificar cada uma das funções de homens públicos, legitimamente contratados para funções específicas, mas que desviam seus afazeres priorizando suas vontades e necessidades. Talvez, se esse ensaio fosse lido por um norte-europeu, diria-me ele: "como podes levantar temas dessa natureza e descrevê-los, como se vivêssemos ainda nas bordas da Idade Média?" Teria eu de dizer: "sim, vivemos isso em nosso país, em pleno ano 2018 da era cristã".
Alguém poderá também argumentar: "mas não são todos os professores", "não são todos os profissionais liberais a agirem dessa maneira". E é verdade, felizmente não são todos. Mas existem esses. Se o cesto tiver dez maçãs, e dessas, uma podre, terá uma podre que deverá ser lançada fora. As nove sãs não recuperam uma estragada, mas essa uma estragada põem a perder as outras nove.
Essas pessoas se distanciam das atividades esperadas pelo conjunto da sociedade por dois motivos: ou por ignorância de que a sociedade necessita para um bom andamento que seus indivíduos executem fielmente as funções às quais foram contratados; ou por serem mesmo de ma-índole e acreditam que o restante da sociedade deve estar ao seu dispor. Os dois casos são muito difíceis de reverter, já que ambos os comportamentos são frutos da educação: o primeiro, da educação formal porque cada vez menos discute a própria sociedade e, o segundo, é fruto da educação informal que repassa vícios e malvadezas pelos exemplos. E a coisa segue.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Jesus de Nazaré, a Política e as Injustiças Sociais

O pensamento e as ações de Jesus de Nazaré, para além dos dogmas do Cristianismo,  preceitos culturais e tradições religiosas, tem presente uma prática política: o combate ao domínio do Império Romano e as injustiças sociais naquela Judeia de 2.000 anos atrás. O homem foi preso, julgado e condenado a morte devido as exortações contra os desmandos das classes privilegiadas que levavam vantagem com o fato de ter seu próprio povo dominado por uma potência.
A dominação romana tinha uma prática peculiar, deixava que os povos continuassem suas tradições religiosas e até as monarquias com todas as pompas permaneciam se pagassem em dia os tributos que os governadores enviados a exigiam. Em troca davam-lhe uma contrapartida: a proteção contra outras possíveis invasões e mantinham a ordem interna interferindo contra qualquer possível rebeldia ao sistema vigente.
Nesse tempos de Judeia, duas instituições eram muito fortes: a Igreja e o Estado. As duas agiam com independências entre si, mas se mantinham interligadas de modo que uma dava sustentação às ações da outra: Herodes precisava do apoio dos sacerdotes, tanto quanto esses precisavam do monarca. Desse modo, havia um punhado de famílias ligadas ao Estado e/ou ligadas a Igreja, bem vividas, que obtinham vantagens com a dominação estrangeira.
Ocorre que uma rebeldia política, contrária ao sistema estabelecido, poderia interferir no modo de ser das famílias e isso precisava ser eliminado o quanto antes; a fala do chefe maior dos sacerdotes, quando se referiu  ao nazareno, é esclarecedora: "é preciso que matemos esse homem, antes que tenhamos de matar a muitos". Em outras palavras, qualquer pessoa que dá atenção aos mais necessitados, que combate às injustiças, contraria os interesses de uma elite privilegiada e precisa ser condenada e, quem sabe, morta.
Jesus de Nazaré tinha o apoio de uma parcela considerável da população mais necessitada, pobres, doentes, prostituas, pescadores, funcionários públicos e ampliava mais a sua capacidade de penetração nesses grupos, mas acontece que se formaram a sua frente três grupos poderosos adversários, a monarquia judaica,  a categoria dos sacerdotes e a governança romana. A sua opção pelos mais injustiçados era coerente com as exortações, mas estava fadada a um fracasso político, já que o povo, mesmo sendo em grande número, tinha apenas a força do número, o poder político - e consequentemente das armas - estava com os três grupos unidos em seu intento. E o resultado foi sua condenação e prisão, como sempre ocorre.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

A Reinvenção da Esquerda

Já se disse que "é preciso reinventar a esquerda". A frase trás em si um paradoxo: como é possível inventar o que já foi inventado? A palavra reinventar é recente e trás consigo uma vontade de pensar sobre os rumos de algo e, quem sabe, dar novas diretrizes. Portanto, a esquerda não pode ser mais uma vez inventada porque já existe, já atuou em muitas batalhas, o que precisa é que seus militantes repensem as estratégias e táticas que tiveram até os tempos atuais.
O século 19, viu o surgimento das lutas políticas socialistas. O momento era de calcar em combates à exploração burguesa e à inoperância medieval da aristocracia: de um lado o estado a serviço do capital e de outro o estado absoluto. Esse era o período do capital nacional, sedento de regras protetivas para os seus ganhos; nesses tempos a esquerda tinha nomes e endereços de seus adversários. E os meios de comunicação ficavam por conta apenas dos jornais impressos, instrumentos que estavam ao alcance dos partidos para mostrar as contradições sociais resultantes do embate, capital versos trabalho.
Mas os tempos mudaram. Duas grandes guerras separam nossos tempos e o modo de realizar a exploração acontece hoje de forma diferente: não há mais estado absoluto e quase não há mais estado nacional. O controle se faz não mais pelo capital nacional, mas pelo capital das grandes corporações que transcendem as burocracias e as leis nacionais. Pelo contrário, os atuais estados nacionais, voluntariamente ou não, seguem os ditames do grande capital multinacional. Além do mais, as comunicações de hoje são feitas também por grandes empresas que por sua vez fazem parte dos grandes conglomerados econômicos.
Se a esquerda é um braço da sociedade que se opõem ao regime econômico político e social implantado, faz-se necessário que se repense o modo de ser desses organismos. Se a imprensa já não é mais a mesma, se a elite econômica já não é mais aquela, se a distribuição de riquezas já não ocorre do mesmo jeito que ocorrera no século 19, o estado nacional já não é mais o de outrora, portanto os instrumentos de combate devem ser outros.
Nesses tempos de mídias sociais, de velocidade na comunicação via internet, é preciso que se congregue as antigas lutas sindicais e partidárias dos tempos passados, com os movimentos contrários ao sistema vigente como os movimentos de combate à homofobia, os de combate ao racismo, os de defesa da mulher, os de defesa da educação. Mas essa congregação de lutas precisa ser feita por grupos de vanguarda a emitirem constantemente textos integradores a respeito, como se fossem casas editoriais a chamarem atenção para a unidade na luta.
Como isso pode ser feito? E difícil de prever já que o dia a dia de homens e mulheres é fruto da história; portanto, só o tempo pode dizer. Se isso é reinventar a esquerda, que seja, mas é preciso que temhamos conta da necessidade de um novo direcionamento.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Mudanças, Revolução e Moralismo

A ideia de movimento contínuo, de início e fim, de vida e morte, tanto em objetos concretos quanto de figuras abstratas, símbolos e noções de verdade consagradas, gera perplexidade nas pessoas, quando não, um certo desespero. Afinal, quando se observa as pedras imóveis a noção que se tem é que elas são pedras e assim permanecem através dos tempos, da mesma forma os pensamentos religiosos, as filosofias de vida, as ideologias e todas as "verdades" construídas ao longo dos tempos.  A sensação que se tem é de perenidade.
Mas as pedras um dia não foram pedras, assim como as flores um dia não foram flores e um dia não mais serão pedras e um dia não mas serão flores. Eu que agora vos escrevo, um dia não mais vos escreverei e assim obedecerei à ordem natural de todas as coisas. Acontece que a história é dinâmica e, como uma enxurrada constante, remove o que está plantado, arranca até as raízes mais profundas e traz novas sementes, novos brotos, o que faz nascerem novas plantas e assim tudo segue.
Quando olho o rio não percebo a sua dinâmica natural, mas a condição para ser rio é ter águas a passarem continuamente em direção ao mar, que irão evaporar, subir ao céu, descer novamente, procurar novo rio e assim seguir em direção ao mar. Se tudo muda, se tudo o que é depois não mais será, a preocupação fica com as afirmações categóricas, com as "verdades" únicas e inabaláveis.
A Filosofia já se debruçou muito sobre as mudanças às quais a consciência se depara e se atemoriza: Heráclito de Abdera, já afirmara no século IV aC que "ninguém pode tomar banho duas vezes no mesmo rio", já que as águas passam e o rio será sempre um outro. Friedrich Hegel, pensador alemão do século XVIII, dissera que tudo se transforma a partir do choque dos contrários no que ele chamou de lógica dialética; Karl Marx, por sua vez, afirmou que essas mudanças ocorrem sim, mas isso se dá a partir das relações sociais na luta pela produção de riquezas materiais.
Para as pessoas, de um modo geral, o maior pavor diante da possibilidade de mudanças constantes ocorre devido segurança das certezas morais. Ora, o conservadorismo e sua força reacionária, advém da percepção de que suas certezas podem não ser tão certas e que se assim for levaria-o a perda do controle, ao medo e  por fim e ao cabo, ao desespero.
Mas queiramos nós ou não, tudo muda. Cada dia é um outro dia, assim como cada noite é uma nova noite. Os princípios morais de hoje, firmeza irretocável dos moralistas, um dia foram altamente revolucionários, assim como aquilo que hoje é altamente revolucionário e provoca medo e desespero, um dia será defendido pelos mais retrógrados dos moralistas. Aliás, a essência do moralismo é a incapacidade de percepção das mudanças.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Animal Simbólico

A construção da humanidade fez do animal humano mais que um ente em si - uma figura, fez um conjunto de símbolos com os quais o próprio indivíduo se identifica e identifica os demais. Isso ocorre de modo que mais parece ser o corpo um mero instrumento de condução, um aparelho desse conjunto de símbolos com o qual pensa, age e trata as pessoas que estão ao seu redor, do mesmo modo como assim é tratado.
Desde o nascimento, esse animal deixa de ser um menino, um homem, animal humano para ser o João, a Maria, o Paulo ou a Ana. Mas mesmo se tratado como menino, significará que é diferente de menina e as representações de menino são diferentes das de menina, assim como as de homem são diferentes das representações de mulher. Assim também se é menino, se é um adulto, se é um velho. Esse menino pode ser interpretado de acordo com suas atitudes e maneiras de encarar a vida daqueles que o cerca: como bondoso, carinhoso, justo ou malfazejo, grosseiro e desonesto.
A dona Maria pode ser uma santa, uma boa mãe, qualidade tradicionalmente esperada das mulheres, ou uma intelectual com posições firmes, irredutível, ou ainda uma prostituta que despreza os valores da sociedade. Mas as três são mulheres podem ter pernas, braços, seio, vagina e rosto: três corpos de mulher. Um pouco mais, ou um pouco menos, elas são vaidosas, mas porque se espera das mulheres alguns cuidados a mais com esse corpo.
Ou ainda: dois homens: o juiz e o bandido. Ao primeiro é atribuído a força da lei, representante da força institucional do estado e tem o respeito das demais instituições, ao segundo é atribuído socialmente a condição de fora da lei. Suas condições são simbólicas e os dois - nas suas formações - comungam de alguns dos mesmos símbolos: os dois podem ser machistas, homofóbicas, cristãos, nacionalistas e uma série de outras condições.
Da mesma forma os entendimentos que se tem diante de um objeto sagrado: alguns são monoteístas, politeístas, panteístas e, outros, ateus. Aos monoteístas, a figura do próprio deus tem um conjunto de representações de acordo com a história: um dia ele fora o deus dos exércitos, depois foi o senhor de servos e servas e, depois, tornou-se uma força de energia que irradia aos que crêem; atualmente mais parece um dono de muitas posses a atender os pedidos dos necessitados.
As pessoas carregam nas carteiras documentos com números, senhas e marcas de impressões digitais necessárias para as suas relações com as estruturas dos tempos atuais, o sistema bancário, a academia e os órgãos estatais em geral. Os saberes são presos em códigos de letras e números, além das determinações burocráticas e suas pontuações de desempenho. O corpo desaparece diante dos símbolos.
A condução ideológica desse animal ocorre quando um sistema, através de seus órgãos de sustentação, age diretamente e insistentemente alimentando esses símbolos de modo que os comandos passam a ser, incontestavelmente, as verdades. As pessoas se asseguram nessas representações e são elas que dão sentido às suas vidas e às suas relações e é aí que reside toda dificuldade das revoluções e alteração do sistema, essa torre de símbolos montada em séculos. Até porque as alterações que se sofrem no decorrer da história acabam sendo trocadas algumas peças por outras equivalentes, mas que as torres continuam erguidas com seus propósitos.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Karl Marx

A base teórica do pensamento de Marx é imensa. O conjunto dos temas tratados por ele vai da Economia Política, à Sociologia, ao Direito Constitucional, à História, à Antropologia Cultural, à Ciência Política e à Filosofia, entre outras. Interessante que os dados tratados seguem de uma disciplina para outra, mas pertencem a um conjunto de unidades coerentes entre si, fundamentando os aspectos econômicos, culturais e políticos das sociedades.
O grande revolucionário russo, Wladimir Lenin, em escreveu em 1913 um texto em que dividia o marxismo em três partes: as críticas ao idealismo alemão, o socialismo francês e a economia política inglesa. Com relação ao idealismo alemão, ressaltam-se as contribuições de Kant e Hegel que são absorvidas, mas criticadas e repensadas. Marx, como ele mesmo diz, vira Hegel de ponta-cabeça. Ao estudar o socialismo dos franceses o pensador alemão propõe métodos científicos e não pensamentos soltos e utópicos, como eram as afirmações de Fourrier, Proudhon, Saint-Simon e outros.  Da economia política inglesa, por sua vez, ele comprova que é mesmo o trabalho que produz as riquezas das sociedades; afinal, o produto do trabalho tem um pouco do trabalhador nela.
Quanto ao materialismo que surge no pensamento de Marx, pode-se dizer que sua origem está no grupo de estudos, conhecido como Jovens Hegelianos. Nesses tempos de absolutismo prussiano, era preciso combater a instituição que mais apoiava o kaizer, a Igreja, dando origem às mais variadas críticas contra toda forma de espiritualismo.
O jovem Marx assevera que a estrutura da igreja é apenas parte do processo e que o materialismo deveria ser pensado a partir das lutas de classes oriundas do capitalismo vigente. Segundo ele, as pessoas vivem sem entendimentos filosóficos, sem crer em Deus e sem qualquer forma de ideologias, ou sistemas políticos; o que as pessoas concretamente necessitam, sem o qual morrem, são bases materiais: comida, água, roupa, remédio, um teto etc.
Mas há que se ressaltar aqui a sua tese de doutoramento, defendida na Universidade de Jena, em que ele, ainda na sua juventude, dá as linhas do que viria a ser seu passamento na totalidade. O título tese é As Diferenças da Natureza em Demócrito e  Epicuro. Ele mostra que  o primeiro, Demócrito, apresenta uma natureza comprometida, necessária, quase dirigida por um destino, enquanto Epicuro apresenta o indivíduo humano livre para satisfazer suas próprias necessidades. Por isso, na totalidade de seu pensamento, Marx mostra que os homens são frutos de sua própria história e também seus agentes.

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Primeiro de Maio

Falar sobre o Dia do Trabalhador e relaciona-lo às lutas dos operários, às greves, às revoltas, aos levantes e mesmo às revoluções dos povos é bastante comum nos dias de primeiro de maio. A cada ano os jornais comerciais publicam artigos com datas, nomes de líderes e fatos ocorridos em torno dessa data.
Mesmo assim, também é bastante comum que pessoas que atuem, não só como operários sindicalizados, mas também como profissionais liberais e até como professores universitários não relacionem os fatos: as comemorações e as lutas políticas daqueles que vieram antes.
Acontece que algumas pessoas vivem em bolhas existenciais consumindo intelectualmente o que os meios de comunicação de massa sugerem e, assim, querem uma folga no Dia do Trabalhador. Quando precisam querem a proteção do estado, mas ainda assim recusam o seu fortalecimento. Essas pessoas vivem uma dicotomia entre o mundo real (lutas salariais, leis de proteção ao trabalhador, economia do País etc.) e a sua bolha (vontades particulares, imaginárias, construídas dioturnamente pelo sistema político e econômico vigente.
Para alguns, a data nada mais é que um momento comemorativa qualquer, assim como o Dia das Mães, o Dia dos Namorados, o Dia da Criança e assim por diante. Talvez, para eles, sejam essas datas ainda mais importantes que a dos trabalhadores porque concretamente possuem uma mãe, uma criança, ou uma namorada para dar presentes.
Há um movimento contrário ao discurso político, mesmo sendo esse indivíduo um trabalhador, necessitando de organização da sua categoria e das classes em geral, ou de lutas por melhores condições de vida e trabalho. Como uma paralisia intelectual as pessoas permanecem inertes. Alguns sindicatos se organizam e oferecem festas com guloseimas e músicas, abrilhantadas por artistas contratados com recursos dos próprios sindicalizados.
Trabalhadores melhor remunerados, em geral, vão para praia, ou saem em visita aos parentes, os de remuneração mais baixa ficam em casa ou vão  a essas festas dos sindicatos, mas o debate sobre a essência da organização sindical e das conquistas históricas ficam em deficiência. Sobre as lutas dos trabalhadores, nada mais paira que a sobrevivência de um tema para os grupos de estudos nas universidades, ou em alguns partidos políticos identificados mais com a esquerda.