quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Existência: Vida e Morte

Os indivíduos humanos, possuidores de uma racionalidade, se assustam ao se depararem com suas imagens refletidas no espelho pensando quanto tempo já existem e quanto tempo ainda lhes restam. O medo da morte retrata o pavor que acompanha os seres dotados de razão tendo em vista que algo desconhecido o espreita e, fatalmente, mais cedo ou mais tarde, irão encerrar suas existências. As religiões salvacionistas, de um modo geral, são fundamentadas em um pensamento de vida no pós morte e oferecem um conforto para esse existir sofredor. Algumas confissões religiosas defendem a vida em uma eternidade junto a um grande deus-pai, dirigente único de todo o universo, outras oferecem uma nova existência junto a uma infinidade de deuses ou em algum lugar preparado para as almas recém-chegadas do "plano terreno". A mais reconfortante é o espiritismo kardecista, uma agremiação religiosa que se pretende também filosófica e científica e que segue antigas ideias do pensador grego Platão re-elaboradas pelo francês Allan Kardec. Nesse caso, os humanos vivem na Terra com seus corpos materiais, mas que, em algum momento, terão de "desencarnar" e suas consciências, seus espíritos, voltarão para "um lar" e lá reencontrarão antigos amigos e familiares; para isso terão de reincorporar renascendo como novas pessoas e assim, tantas vezes quantas forem necessárias para que possa se regenerar como seres da existência. As religiões são criadas a partir de dogmas, noções de verdades construídas encima de ensinamentos pretéritos de sacerdotes que se insurgiram diante de um grupo de pessoas e as ofereceu como respostas às suas indagações existências. Das muitas confissões religiosas que a humanidade já criou, inúmeras delas já sucumbiram diante das adversidades, mas algumas poucas mantiveram vivas as chamas dos seus ensinamentos como realidades palpáveis para um fim às suas consciências. No entanto, o indivíduo que rejeita a religião, ou mesmo o que descarta a existência de qualquer possibilidade de um ser divino, responsável pelos destinos das almas humanas, só tem um caminho: aceitar-se parte da natureza, apenas pertencente a um momento de nascimento, vida e morte. Nesse caso, não há necessidade de buscas de respostas para se saber de onde vem ou para onde vai, simplesmente porque elas não existem e a consciência retorna para o mesmo lugar de onde veio. Para lugar nenhum.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Existência: Começo, Meio e Fim

De acordo com o pensamento dialético nada termina, assim como nada começa e, na perenidade das existências, tudo segue rumo ao absoluto. Mas nada segue em uma linearidade eterna, em uma sucessão de acontecimentos tranquilos, sem conflitos, sem percalços, mas aquilo que o senso comum considera como fim deve mesmo é ser encarado como o momento que antecede a um novo começo. O pensador alemão Georg Friederisch Hegel considerava que todo o pensamento não passa de uma tese e que entra em conflito com uma posição antagônica, a antítese. Mas que isso não é o fim - apenas de uma etapa; desse confronto as duas são anuladas dando origem a uma síntese que nada mais é que outra tese em conflito com outra antítese a gerar outra síntese e assim segue adiante. Nesse caso, não há fim em si tanto quanto não há começo em si. Nada termina e nada começa. O que o senso comum chama de fim nada mais é que um novo começo. Se o pensamento de Hegel trabalha com a constante transformação no campo das ideias, outros pensaram a dialética sob o ponto de vista material: as transformações da matéria em si ou as transformações das relações sociais. A semente, ao mesmo tempo que pode ser o fim de uma plantação - posta na terra pode ser também o início de uma outra plantação que vai gerar outra semente e assim sucessivamente. Da mesma forma as relações sociais que hoje são uma realidade, mas que um dia não foram e um dia não serão mais; assim como os sistemas econômicos, políticos e religiosos que hoje parecem tão certos, um dia não foram um dia não serão mais. No idioma Português há o verbo ser no presente determinando a perenidade: "eu sou, tu és, ele é, nós somos, vós são, eles são", o que provoca a sensação de seres eternos se relacionando com objetos eternos. Ora, as coisas são diferentes, em termos linguísticos o que de fato retrata o real é o verbo estar, aquele que determina apenas o momento, entendendo que nada é, mas tudo está. E, nessa existência dialética, é preciso saber viver cada passo, cada música, cada jantar, cada imagem que me é mostrada, pois logo essas pernas não mais andarão, esses ouvidos não mais ouvirão e esses olhos se fecharão para sempre. Enfim, por mais intenso e verdadeiro que um momento possa parecer ao observador, ele não é eterno e, numa sucessão de fatos, teve sua hora de começar e terá sua hora de findar. E isso para que a matéria dê início a outra existência.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Entre Salvação e Bens Materiais, o Cristianismo

O Cristianismo, uma estrutura religiosa que hoje toma conta de todo o mundo ocidental, surgiu a partir de uma promessa de salvação espiritual: "...quem crer e for batizado será salvo..." Se surgiu há mais de 2000 anos como promessa de salvação num pós-morte, um descanso na eternidade junto ao grande deus-pai, nas últimas décadas tem sofrido profundas transformações tornando-se um sistema espiritualista de busca do conforto no mundo dos vivos. A noção de Deus não sofreu alteração, assim como a figura do próprio Jesus de Nazaré, continuou intacta; o que tem mudado é a relação dos indivíduos com essas personagens e, com isso, o sentido de vida e de morte. Em alguns países o Cristianismo permaneceu com as mesmas divisões históricas, advindas da grande Reforma, como a própria Católica Romana, a Luterana, a Anglicana, a Adventista, a Presbiteriana e outras. Todas com a mesma meta de busca por uma ordem de vida terrena que renda ao crente a salvação espiritual. A grande guinada se deu foi com o surgimento, há cem anos, das chamadas igrejas pentecostais com a noção de promessa de dons de falar em línguas estranhas, de interpretar sonhos, de curas etc. O que aconteceu foi que, a partir de igrejas estadunidenses, de orientação Batista, alguns líderes religiosos levantaram a possibilidade dos humanos serem tomados pelo Espírito Santo. Nas últimas décadas, o neo-pentecostalismo trouxe uma diferença ainda maior para o Cristianismo, aquilo que os especialistas estão chamando de Teologia da Prosperidade. O pensamento básico é que se o filho for bom conquistará o amor do deus-pai e, consequentemente, terá sua ajuda na solução de problemas sociais, psíquicos e até na conquista de bens materiais. Uma parcela expressiva da população tem aderido - entregando fielmente uma parte dos seus ganhos a essas entidades religiosas que se multiplicaram, inicialmente nas periferias das cidades, mas que, posteriormente, migraram para os grandes centros com templos suntuosos. Os líderes religiosos tornaram-se biblistas ao extremo, há tempos abandonaram qualquer teologia de um Cristianismo salvacionista para dar lugar a uma busca de soluções para seus problemas terrenos. O que não se sabe é se os alicerces cristãos foram distorcidos por essa nova onda ou se, ao contrário, ele finalmente encontrou guarida na necessidade de acumular bens materiais, dentro do sistema capitalista de produção. A verdade é que desde a expansão reformista com uma ética protestante que seguia espírito capitalista, não ocorria uma guinada teológica tão acentuada no Cristianismo ocidental.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O Jornalista, a Imprensa e a Parcialidade

A modernidade trouxe consigo as necessidades da vida urbana, o culto ao corpo, a importância da alfabetização e o interesse pela informação - um fenômeno que fora denominado de forma genérica como imprensa. E, embaixo do guarda-chuva conceitual, pairaram as mais variadas formas de comunicação social (televisão, rádio, jornal escrito, revista etc) naquilo que os teóricos da Escola de Frankfurt chamaram de meios de comunicação de massa. Em tempos anteriores a comunicação para grandes públicos era feita nas igrejas, nas oficinas, nas bodegas e nas praças públicas - quando um emissário do rei chegava ao vilarejo e bradava aos quatro cantos as decisões governamentais. Depois disso o boca-a-boca se encarregava de propagar as informações para toda a população, mas tudo isso depurando o que era imprescindível saber ou não. O estranho da modernidade não foi somente a criação dos vários meios de comunicação, mas a criação da necessidade de seguir informações de fatos ocorridos, mas que foram reelaboradas por equipes de profissionais graduados em escolas especializadas. Esses profissionais ficaram conhecidos como jornalistas e as suas instituições passaram a ser empresas capitalistas enfronhadas numa economia de mercado e, consequentemente, em uma política liberal, de manutenção do status quo. Nesse caso, o que se iniciou com a pretensão de informar acabou por enfrentar duas situações: uma, passou a ser produto vendido no mercado dentro de uma ideia de oferta e procura; duas, o profissional que se pretendia fiel aos fatos passou a ser um intérprete a serviço do empregador, um empregado com medo do fantasma da demissão. O caráter comunicacional deu lugar a uma manifestação da vontade de um indivíduo que é detentor de certo órgão de comunicação, algo que se assemelha mais a um absolutismo renascentista. Isso porque o profissional, envolvido no dia a dia da loucura das salas de redação, não se deu conta de seu encerramento no sistema econômico e de sua parcialidade política e social. Graduados em jornalismo, os profissionais se aventuram com palpites diários em temas de alta complexidade como política, economia, antropologia e por aí vai. Em tempos atuais todo o sistema comunicacional se vê em ebulição devido a ampliação da internet e com ela a democratização da informação. E isso, não só pela facilidade de agregar em um só sistema o rádio, o jornal e a televisão, mas porque as pessoas, de forma imediata, podem interagir com as informações emitidas, mostrando as contradições e a parcialidade dos profissionais.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A Guerra Civil na Síria e a Influência Ocidental

Nesses anos de turbulências sociais e crise econômica pelo mundo a fora, uma guerra civil persiste e já se configura na história mundial como mais um daqueles eventos do Oriente Médio, sem solução a curto prazo: o conflito na Síria. A chamada região do Crescente Fértil desde a Antiguidade até os dias atuais sempre chamou a atenção pelos conflitos entre povos de orientação islâmica ou com países europeus. A República Árabe da Síria tem como capital Damasco, uma das cidades mais antigas do mundo, é um país de planícies férteis, de altas montanhas e de desertos e, na antiguidade, foi um califado omíada, um protetorado egípcio, parte do império de Alexandre e assim por diante. Atualmente, diversos grupos étnicos e religiosos, inclusive árabes, gregos, arménios, assírios, curdos e turcos, entre outros, se distribuem em grupos religiosos como sunitas (o maior grupo), cristãos católicos, alauitas, drusos e mandeus. Nos dias atuais o país é governado por Bashar al-Assad, seguindo uma ideologia política formada por uma mistura de nacionalismo sírio, um integralismo árabe (mesmo se pretendendo laico) e uma orientação socialista de influência russa. Essa situação leva o sistema de Assad ter de enfrentar a oposição de parte dos ativistas islâmicos não sunitas - contrários à influência russa - e do ocidente de influência estadunidense. Interessante que os meios de comunicação, orientados pelos Estados Unidos - como é o caso brasileiro - ora chamam Assad de rei, ora de ditador e ora de presidente, conforme a conveniência do momento. A verdade é que o mundo árabe sempre foi, para as potências europeias, desde as cruzadas medievais, um entreposto comercial ou, atualmente, com sua riqueza petrolífera, um tabuleiro dos seus jogos de poder. Assim, distribuídos entre influências de estadunidenses, de franceses, de russos e de ingleses, os governos são sucedidos entre golpes de estado, guerra civil e eleições orientadas pelo Ocidente. Dessa forma, a Síria vive uma guerra civil desde de 2013, quando um grupo de oposicionistas islâmicos ortodoxos organizaram um levante, apoiados pela Liga Árabe que por sua vez tem a orientação dos Estados Unidos. Aliás, esse é o mesmo grupo fundamentalista que tenta criar no norte do país um novo califado (governo teocrático de orientação islâmico) e divulga na internet os seus atentados. Hoje vários grupos tentam tomar o poder e o Ocidente se divide entre apoio a Assad e aos grupos rebeldes que se manifestam.

domingo, 11 de outubro de 2015

"Republiquetas das Bananas"

O termo "republiqueta das bananas" é usado comumente para designar, pejorativamente, pequenos países latino-americanos com sérios problemas políticos. O sufixo eta designa uma pequena república desestruturadas economicamente e em convulsão social constante e as bananas são referências a abundância da fruta, bastante característica em regiões de clima quente e úmido. Acontece que países de pouca extensão, geralmente na América Central e Caribe - grandes produtores de banana - vivem turbulências políticas em uma história de golpes devido as classes sociais mais abastadas estarem sempre descontentes com seus governos. Como isso, a expressão tomou corpo e virou um conceito que determina qualquer país latino-americano e caribenho nessas condições. Aliás, o Brasil nunca teve uma sequência de governos escolhidos democraticamente por um período longo: o filho de Joao VI deu um golpe no pai e proclamou a independência, os regentes sofreram um golpe de estado com a votação da maioridade do príncipe Pedro para que esse, mesmo menor, assumisse a Coroa, e a proclamação da República foi um golpe militar. Na era do café-com-leite São Paulo e Minas se revezavam nas intrigas palacianas em uma sequência de golpes, mas acabaram sofrendo um golpe de estado de Getulio que assumiu com mãos de ferro, que também um golpe palaciano e cometeu suicídio. Juscelino renunciou e seu vice, Jango - sofreu um terrível golpe de estado, novamente pelos militares que foram forçados a ceder para Tancredo, mas que misteriosamente morreu; na sequência, Collor de Melo sofreu um golpe de estado e, enfim, Fernando Henrique, em uma série de intrigas palacianas, surpreendeu com a compra de congressistas para ampliar seu governo de quatro para oito anos. Certamente que a história política brasileira não ficará somente com esses golpes;, assim como em países da América Central, do Sul e Caribe. E o termo "republiqueta das bananas" - bem representado nos adereços de cabeça da musa brasileira, a portuguesa - Carmem Miranda - parece ser um conceito político próprio de sistemas patriarcais, em que as elites vivem uma fome vorás, numa constante insatisfação econômica e política; assim tem sido no Brasil como em São Domingos, em Honduras, em Paraguai, em Haiti, em El Salvador, em Panamá, em Nicarágua e outros.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Michel Foucault: o Poder e o Saber

Um intelectual que revolucionou o pensamento moderno ocidental trazendo para o debate uma nova forma de ver o saber e relacionando-o com o poder foi o francês Michel Foucault. Seus principais livros - uma obrigação de leitura para estudiosos de política, de educação, de psiquiatria, de direito, de sociologia e de filosofia - destacam-se: Microfísica do Poder, Vigiar e Punir, História da Sexualidade e As Palavras e as Coisas. Nascido em 1926 e falecido em 1984, Foucault foi diplomata e professor universitário, lecionou em algumas universidades da França e de outros países. Segundo ele mesmo, seu pensamento foi influenciado por Karl Marx, Louis Althusser e Ludwig Nietzsche, entre outros, e está diretamente ligado às manifestações libertárias dos estudantes franceses de 1968 - que teve o engajamento não só dele próprio, mas de outros pensadores como, por exemplo, Jean-Paul Sartre. A grande revolução foucaultiana foi ter repensado a subjetividade que, segundo ele, estaria ligada - necessariamente - a uma articulação constante entre o poder e o saber. Não se trata do poder como foi comum na modernidade renascentistas, em que se estabelece como aquilo que é desempenhado pelos governantes, que o presidente - ou príncipe, encarna esse poder e é visto como algo repressor, que subjuga e que oprime. Não. O poder para Foucault é encarado como uma teia construída a partir dos relacionamentos naquilo que ele chamaria de micropoder; ou seja: as relações sociais não são nada mais que relações de poder. Assim, é esse mesmo poder que determina o saber, aquilo que será aceito como verdadeiro, como normal e que, a partir dele, as pessoas controlarão umas às outras nos seus comportamentos, nos seus relacionamentos, no que fazem ou não com seus corpos etc. Da mesma forma, se o saber está ligado diretamente ao poder, esse não deve ser pensado no sentido de que se estudar, aprender algo, fazer uma graduação vai acumular poder. O poder está ligado ao saber porque esse saber é uma verdade que é ensinada, que é normal. Quando o indivíduo diz que concorda com isso ou com aquilo, que algo é normal, ele aceita tal situação, mas não sabe que esse normal é apenas um saber posto para ser aceito. Por isso a necessidade de trancafiar os loucos, os bandidos, os velhos, os órfãos e todos aqueles que agem contra o que se entende como normalidade, não estão ao alcance desse poder; livres mesmo somente os normais, os reprodutores do sistema econômico, político e social. Para uns Foucault foi um estruturalista ou um pós-moderno, para outros, muito além disso. Não importa, ele foi mesmo um pensador que revolucionou o que se entendia como subjetividade e, assim, todo o pensamento da era moderna.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Judiciário, Política e Democracia

Há três anos, quando o Supremo Tribunal Federal brasileiro julgava os acusados, no caso que ficara conhecido como Mensalão, certo repórter interpelou um dos ministros perguntando se as manifestações ocorridas naquelas semanas iriam interferir nos julgamentos, no que recebeu como resposta: "Um juiz não deve ouvir o clamor das ruas, mas julgar de acordo com as leis e sua consciência". Quando essa conversa foi divulgada houve um disse-me-disse: como poderia um homem, frente a um dos poderes do Estado, não ser sensível ao clamor das ruas? Acontece que nos últimos anos se percebe uma série de desvios de funções entre os atores públicos. Diante da realidade social brasileira percebe-se duas situações: de um lado os franco-atiradores se achando o pai dos pobres, acreditando que com um conjunto de medidas individualistas se poderia resolver todos os problemas da sociedade e, de outro, uma tendência a ver a coisa pública de uma forma promíscua, em que o eleito ou o concursado pensa ser o dono e senhor do cargo. Em alguns casos essas duas situações acontecem juntas - pelos mesmos atores. Ora, a separação dos poderes em uma democracia tem um sentido determinado, um homem ou um grupo de homens fechados corporativamente não devem ser detentores da totalidade do poder, tendo em vista que significaria uma ditadura, um sistema absoluto. Por isso pensou-se o estado dividido, muito claramente: um grupo apenas administra, outro só fiscaliza e constrói as leis e o outro, apenas julga de acordo com essas leis. Ao legislativo cabe a tarefa de fazer o debate político, tendo em vista que representa os interesses dos vários grupos em uma sociedade. Isso porque em qualquer democracia consolidada cabe ao parlamento, e somente ao parlamento, o debate entre os grupos articulados como os movimentos gay e os grupos evangélicos, as associações operárias e as entidades empresariais, entre aqueles que defendem o aborto e os que o condenam e assim por diante. Portanto cabe ao legislativo ouvir o clamor das ruas e por isso é eleito a cada quatro anos; cabe ao executivo seguir as diretrizes aprovadas pelo legislativo e ao judiciário também, cabe a ele julgar - rigorosamente - de acordo com as leis produzidas por esse mesmo legislativo. Isso porque a administração de uma sociedade se faz politicamente e pelo parlamento. Ao judiciário serve o papel importante de balisa para que essa política aconteça corretamente e isso nenhuma teoria jurídica consegue alterar. Qualquer atuação política por parte dos magistrados desequilibra os confrontos, acirrando as lutas de interesses.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Sistema Público, Política e Gestão

Cada vez mais o consenso se estabelece nos círculos dos entendidos em Administração de Empresa: a gestão pública é muito diferente da gestão privada. Por mais que empresários se apresentem como a solução para uma administração eficiente, frente às empresas e órgãos públicos, efetivamente o que se percebe - na prática - é um profundo distanciamento entre os dois lados. A ciência da Administração é recente, surgiu sob o impulso da racionalidade moderna, de estruturação sistemática, o estabelecimento de hierarquias e todo um conjunto de procedimentos burocráticos. Racionalidade moderna porque os estudos da Administração, juntamente com a estruturação do Direito e a pretensão racionalista, nasceu nesse período, obedecendo uma necessidade oriunda do desenvolvimento capitalista. Quer dizer: se na Idade Média as noções de gestão se passavam de pai para filho e o parque fabril era também a própria casa de moradia do artesão, na mordenidade houve uma separação clara entre a vida familiar e a gestão da empresa. Nesse caso, se houve uma profunda racionalização da Administração, bem como da ciência do Direito e isso favoreceu o desenvolvimento dos grandes empreendimentos privados, favoreceu também a estruturação da empresa pública e do estado de um modo geral. Aliás, da mesma forma que a estrutura burocrático-estatal - gerenciando sociedades com milhões de pessoas - não seria possível sem um profundo desenvolvimento de tais conhecimentos científicos. Portanto, o grande erro hoje é acreditar que as duas áreas possam ser pensadas como iguais; afinal, o empreendimento público busca resultados diferentes do privado. Isso quer dizer: se os fins são diferentes, os meios passam também a ser; se um atende a necessidade de um cliente, o outro, a necessidade do cidadão; se um trabalha com funcionários contratados, regidos por um conjunto de leis, o outro, com servidores públicos, regidos por outras leis, concursados para funções muito específicas. Além de tudo, no setor público trabalha-se com dinheiro público, cujo orçamento precisa ser aprovado pelo parlamento. Nesse caso, quem sai do setor privado pensando em repetir as mesmas façanhas no setor público está esquecendo tudo isso, mas está esquecendo, principalmente, a ação político-partidária que envolve a gestão pública. O que se quer dizer com tudo isso é que a gestão pública requer um gestor público, alguém que detenha a racionalidade administrativa e toda a cientificidade produzida na academia, mas - principalmente - a capacidade de agir políticamente.