segunda-feira, 30 de maio de 2016

A Justiça, o Indivíduo e o Estado

A vida cotidiana de um grupo de pessoas necessita, nas suas mais variadas relações, fundamentalmente, de um instrumento que equalize as diferenças, a justiça. Mas essa palavra vai muito além do que aparece de imediato porque define ação que se configura como uma das principais virtudes humanas, defendida pelos grandes teóricos, desde a antiguidade; de modo que se pode afirmar que o que diferencia os humanos das bestas é que os primeiros podem ser justos. Sendo assim, sempre se definiu como um conceito complexo por ser, acima de tudo, um instrumento balizador dos direitos e das obrigações de cada membro da sociedade. Por ser um conceito trabalhado, principalmente, por disciplinas como a Filosofia, o Direito, a Sociologia e a Teologia, mas que não se define de modo absoluto. É complexo tendo em vista que sua definição é observada para além dos estudos comuns que se referem ao estado, como muito mais que apenas um dos poderes constituídos nas sociedades modernas. Ou seja: pode-se dizer que se a justiça se consubstancia nas relações humanas, mesmo as mais simples, pode-se e deve-se entender como a função definidora do estado na sua totalidade e não como função exclusiva de um dos poderes constituídos. Afinal, o estado se define como um instrumento de justiça, na essência; o executivo faz justiça quando vai ao encontro do cidadão na correção das diferenças entre os grupos. Mas, em geral, se usa Justiça – com jota maiúsculo – para definir uma das partes do estado, incumbido de amparar as pessoas nos seus conflitos, e pode ser definido sim como justiça. Mas é preciso que se diga que essa, dentro de uma complexidade, é mais que o fruto de um conjunto de juízes, desembargadores e ministros a decidirem a pena que os indivíduos devem cumprir. A justiça não acontecerá isoladamente, definida como objeto exclusivo do judiciário; afinal, só haverá justiça se a lei for justa, se os trabalhos dos advogados forem adequados e se os magistrados agirem com o intuito de serem céleres, apolíticos e imparciais. Mas a maior complexidade do tema não está em definir quem faz ou não a justiça, ou a dificuldade na sua conceituação; a grande dificuldade está na virtuosidade dos indivíduos: cada um com dificuldades de serem justos de forma imperativa, mas não aceitando a definição de injusto.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Uma Universidade Que se Quer

O que hoje se chama comumente de universidade, uma instituição de ensino superior, surgiu na Europa medieval e, com o passar dos séculos expandiu-se por todos os cantos do planeta. As primeiras foram fundadas em pleno século XII, na Itália e na França, e tinham como propósito o estudo de Direito, da Medicina e da Teologia, mas a parte central do seu ensino envolvia o estudo das artes liberais, o trivium (gramática, retórica e lógica); e o quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia). Já nos seus primórdios se percebeu que uma instituição dessa natureza, que preze pela excelência, deve promover, além do ensino, também o estudo, a pesquisa e o debate. Aliás, sempre se soube que a qualidade do ensino só aconteceria juntamente com todos os ingredientes que fazem a universidade. Com o surgimento da modernidade, o que se pretendia até então, como universidade de conhecimento, fragmentou-se no que se chamou comumente de graduações, cursos destinados a formação de profissionais: professores, engenheiros, médicos, juristas e administradores. Com essa fragmentação, o estudante passou a receber, cada vez mais, apenas um fragmento dessa universidade o que lhe dificulta a compreensão do todo. Talvez seja esse o grande mal da era vigente, o profundo conhecimento da parte e pouco, ou quase nada, do todo. Para se fazer uma universidade de qualidade não necessita voltar aos moldes medievais, já que as fragmentações dos saberes, com a crescente especialização, trouxeram avanços tecnológicos, imprescindíveis para o homem moderno. O que precisa agora é levar ao estudante um saber que o integre na sociedade, um saber que vá para além das especialidades, uma noção do todo. Outro ponto é que se a universidade surgiu na Europa medieval, destinada a suprir as necessidades da sociedade, as coisas não mudaram para os dias atuais: uma instituição deve dar respostas às necessidades que a todo instante surgem na comunidade em que ela está inserida. E essa inserção da universidade no meio, acontecerá se a comunidade acadêmica tiver a noção integradora de que o ensino só será de qualidade se tiver como baliza, a pesquisa e a extensão. Talvez, assim, se resgate o sentido original de universidade.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Darwin, Freud, Marx e a História do Pensamento

Todos os grandes estudiosos se inscreveram na história a partir de suas contribuições científicas, políticas e filosóficas, mas foram três deles que mudaram, substancialmente, o pensamento humano: Charles Darwin, Sigmund Freud e Karl Marx. Por mais que os magistrados, os sacerdotes e os professores dos diferentes períodos da história, emitissem os seus pareceres, pensando saberem o suficiente sobre si e sobre todos a sua volta, foram eles que mostraram haver muito mais do que se costuma pensar. Cada um deles, a sua maneira, mostrou que aquilo que as pessoas aprenderam sobre a sua própria existência, é pouco; ou, dependendo do ângulo que se observa, é quase nada. Durante todo esse tempo a humanidade viveu pensando saber o suficiente de si, dos seus próprios saberes, de suas vontades e de todos a sua volta. No entanto, quando Darwin estudou as origens das espécies de seres vivos, percebeu que as coisas não poderiam ser assim tão facilmente entendidas, pelo menos não assim como se explicava até então. Ele percebeu que na constituição das espécies se apresentavam as possibilidades de uma evolução desde os tempos remotos até os dias atuais; com isso, mostrou uma explicação viável sobre a origem das espécies e, conseqüentemente, dos próprios humanos. O problema é que, com sua explicação, fez cair por terra a noção teológica judaico-cristã criacionista em vigência que prega ser todo o universo fruto da vontade de um ser onipotente. Por outro lado, Freud mostrou que a mente humana funciona, para além do já conhecido consciente, como uma dimensão a mais, o inconsciente. Nesse caso, as pessoas vivem o seu dia a dia e guardam, conscientemente, em suas memórias, tudo que fizeram, viram, ouviram, tocaram, sonharam etc. No entanto, é na dimensão do inconsciente que alguns pontos ficam guardados e que, provavelmente, ficarão para toda a vida. Acontece que tais pontos serão os motores principais das vontades, dos medos e das frustrações do indivíduo. Ou seja: além daquilo que lhes aparece naturalmente – há, no subterrâneo da mente, um conjunto de impressões muito mais fortes, determinantes e por vezes desconhecidas. Por fim, Marx mostrou que, por mais que as pessoas pensem que fazem ou agem politicamente de forma voluntaria, fruto de sua vontade autônoma, podem mesmo é estar atendendo a um chamado ideológico de uma parcela dominante da sociedade. Isso porque, se ideologia se refere a um conjunto de idéias articuladas entre si, definindo uma noção de verdade, significa, então, que aquilo que as pessoas acreditam ser sua verdade pode ser apenas um jogo com objetivos de dominação.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Dificuldades e Diferenças de Classes

Se nas sociedades antigas, pelo mundo a fora, era mais fácil definir as divisões de classes (patrícios, plebeus e escravos, no Império Romano – sistema de castas indianas - ou, clérigos, nobres e servos, na Europa medieval), o mesmo não se pode dizer de um era em que as classificações são estabelecidas a partir do acúmulo de bens. Nesse período de modernidade, em que as sociedades se enfronham pela manutenção de um regime de mercado, cada vez fica mais difícil determinar quem é classe média, por exemplo. Pior ainda se a tentativa for de dividir essa mesma classe média em, mais uma vez, em classe média alta, média e baixa. Alguns sociólogos, antropólogos e cientistas políticos divergem quando tentam estabelecer quem é quem nesse amontoado de categorias: a definição deve ser estabelecida pelo meio social freqüentado, ou pela quantidade de bens que possui? No caso de se estabelecer a classificação pela posse, a pergunta fica: que tipo de bens devem ser elencados? Ou, qual a renda mensal que se deve ter para ser considerado dessa ou daquela classe social? O certo é que, tirando os miseráveis e os indivíduos mais afortunados – donos de bens incalculáveis – todos os demais se consideram membros legítimos da classe média. Consideram-se de tal classe social, mas louvam os indivíduos das classes mais abastadas e, da mesma forma, costumam tripudiar os membros da sociedade que se posicionam em posição abaixo. Além disso, por não terem noção da quantidade de dinheiro que alguém, ou algumas famílias, faturam mensalmente, é muito comum que indivíduos sejam invejados pelas suas conquistas financeiras e, rapidamente seja estabelecido como alguém de classe alta. A dificuldade é tão grande que, para a maior parte da população, um ganho salarial de cinqüenta, ou cem mil reais por mês poderia coloca-lo na condição mais alta da pirâmide social. Desconhecem, nesse caso, que alguns membros da classe mais abastada gastam mensalmente com suas famílias somas que vão de quinhentos mil, um milhão de reais ou mais. Entre as pessoas, possuidoras de somas tão vultuosas, poucos moram em seus países de nascimento e jamais fariam qualquer concurso público para exercerem cargos junto ao estado; assim como também, jamais partiriam em uma disputa para cargos eletivos (do presidente da república, ao vereador). Entretanto, se num regime capitalista moderno não se sabe ao certo quem é quem, em se tratando das nomenclaturas sociológicas, sabe-se com nitidez que a divisão social existe como a ossatura que dá o soerguimento de todo sistema.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Jornalismo, Democracia e Liberdade de Imprensa

Desde o surgimento das primeiras páginas do alemão, Johannes Guttemberg, no século 15, a imprensa se modificou e ganhou gêneros diferenciados como a revista, a televisão e o rádio, além de outros. Após fazerem parte das inúmeras lutas sociais e independências de povos, ao longo dos séculos 18, 19 e 20, esses meios de comunicação incorporaram-se ao cotidiano moderno, adaptando-se finalmente ao regime econômico capitalista - tanto como objeto de mercado – quanto como instrumento de legitimidade política e econômica. Por isso, para entender o papel que a imprensa ocupa nos tempos atuais, o objeto de estudo deve ser analisado a partir de um conjunto de relações que vai muito além dos textos jornalísticos, da maquiagem dos apresentadores e das vozes impostadas. Nos países, com um índice de desenvolvimento humano ainda acanhado, com todo tipo de fragilidades sociais, a televisão ocupa um papel importante, ditando regras de comportamento e a noção de verdade política oriunda de uma parcela rica da sociedade. Claro que os canais de televisão e jornais impressos, com sede nos grandes centros europeus e estadunidenses, adaptaram-se muito rapidamente às ameaças provocadas pela internet; investiram em qualificação dos profissionais e se eximiram ao máximo dos juízos de valores. As grandes linhas editoriais, pelo mundo a fora, procuram se eximir de tendências para um ou para o outro lado dos grandes debates políticos, ou, então, se declaram diretamente fiéis a um ponto de forma objetiva. Salvas as honrosas exceções, ao longo de toda a América Latina, e no Brasil em particular, os meios de comunicação se armam em grandes conglomerados de rádios, jornais e televisões e se espalham por todo o país, fazendo parte de todas as tomadas de decisões, quer seja das pessoas na sua particularidade, quanto às grandes políticas nacionais. Acontece que, quando há uma multiplicidade de veículos de comunicação e os profissionais preocupam-se em exercer suas atividades de forma isenta, sem terem que ceder às pressões do mercado de trabalho, pode-se dizer que há liberdade de imprensa e democracia. Entretanto, quando apenas uma rede de canais, ou um amontoado de empresas jornalísticas – comungam uma mesma posição ideológica – impõem-se sobre a sociedade como os donos da verdade, além de se imporem sobre os veículos de comunicação regionais, e ditam todas as expressões políticas, econômicas e culturais, não há liberdade de expressão; não há democracia.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Brasil, Golpe e Corrupção

Para analisar o Brasil é preciso levar em conta dois fenômenos da sua história: primeiro, o País tem uma sociedade formada por classes bastante distintas, originadas em uma distribuição de renda muito desigual; segundo, o seu povo não o assume dignamente, como um lugar que é seu. As pessoas mais abastadas, quando viajam à Europa ou América do Norte, fotografam-se diante de estátuas, pontes, prédios públicos e da organização e limpeza desses lugares, mas – de volta às suas terras – dão as costas para qualquer política governamental que valorize a educação, a saúde, o saneamento, a arte, acultura, a casa própria e toda a dignidade às pessoas mais humildes. Em 1954 Getúlio Vargas promulgou a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e deu início a siderurgia nacional e a extração do petróleo brasileiro; por isso, sofreu um golpe que o levou a atirar contra a própria vida; em 1964, João Goulart propôs uma série de reformas de base que levavam em conta mudanças educacionais, fiscais, políticas e agrárias, mas que sofreu um golpe militar cruel e devastador. Ora, o que vem acontecendo recentemente, não é diferente: o governo Lula começou um resgate da dignidade às pessoas mais humildes, investindo em moradias populares, saúde para todos e expandindo a educação, não foi aceito, mas suportado; em 2016, o governo Dilma deu continuidade a esse resgate e está sofrendo um golpe. Acontece que uma determinada parcela da sociedade que se considera elite, superior às demais, prefere continuar a enaltecer os países estrangeiros e até ir morar para lá quando puderem, não aceitam que se faça no seu próprio país, as reformas básicas que os franceses, os alemães, os italianos, os estadunidenses ou os canadenses, já fizeram há cem ou duzentos anos. Dilma Roussef não foi vítima de pessoas corruptas em seu governo (comprovadamente os governos de Fernando Henrique, Itamar Franco, José Sarney e os militares, tiveram mais corruptos), mas da desaceleração da economia mundial e dos grupos internos que não querem melhores condições para as pessoas excluídas: o jovem que luta para entrar ou se manter na faculdade, a doméstica que quer os seus direitos como trabalhadora, ao homossexual que só quer ser respeitado como tal, ao negro que também quer ser valorizado e respeito a sua cultura, à mulher que apenas quer os mesmos direitos que os homens e ao pequeno assalariado que luta por melhores condições de vida.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

O Povo e Seus Homens Públicos

No Brasil, há alguns anos, um esportista, que depois virou ministro do Esporte, citou uma frase que viria explicar algumas das situações vividas pelo País nos últimos anos: “todo povo tem o governo que merece”. Certamente que ele se referia aos condutores do Estado e que os governos que passam a todo instante, também fazem parte. Entretanto, deve-se levar a máxima também aos deputados, governadores, senadores, juízes, promotores, ministros e a todos os condutores da burocracia estatal. Acontece que se pode estabelecer uma relação direta entre a parcela responsável pela condução do estado e o restante da população. Nenhum membro do Supremo Tribunal Federal, ou do Senado Federal, ou dos governos estaduais é um ser vindo de outro planeta, sem nenhuma relação com a sociedade, e pairou no planeta Terra sem saber como. Não, todos são filhos e filhas, irmãos e amigos de brasileiros, vindos de famílias brasileiras, com erros e acertos do povo de um modo geral. Os concursados estão a frente do Estado, sem o aval do voto da população, mas com a legitimidade do concurso público e patrocinado pela estrutura, solicitado a qualquer instante pelas pessoas, quando necessitadas. Os outros, são os eleitos pelo restante da população que, durante meses e até anos, discutem a respeito, concordando ou discordando de idéias e programas desses homens e mulheres governantes. Ora, se uma parcela dos homens públicos não possui muita ilustração, é certo que uma parte expressiva da população também não a tem; se uma parcela dos homens públicos tem demonstrado que querem levar vantagens no trato das coisas públicas, também é certo que uma parte expressiva da população pensa da mesma maneira. De modo que são todos iguais: carne da mesma carne, madeira da mesma madeira. Ou ainda: todo governo autoritário só se sustenta se o povo – na sua maioria – tem também uma mentalidade autoritária. Isso porque os povos livres derrubam governos autoritários, assim como povos autoritários derrubam governos libertários. Sendo assim, os povos não têm o que se espantar em seus governantes, já que são parte de um mesmo corpo e, nesse corpo, quando a podridão do câncer se espalha, a tendência é se estender até o controle central e tomar o comando, levando a morte. Por isso, se o povo tem o governo que merece é algo a ser debatido; o verbo merecer talvez seja inadequado, mas – numa sociedade – cada membro, cada parte boa, ou parte podre integra um todo. Disso não se tem como fugir.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

As Ciências Humanas e o Desconhecimento

A falta de conhecimentos mínimos de Sociologia, de Política, de Antropologia ou outras áreas das chamadas ciências humanas é avassaladora por pessoas das mais variadas categorias, que gritam como senhores da verdade - a pedir por ações governamentais, sem saber que o que pedem é – muitas vezes - pontos contrários aos seus interesses e aos interesses dos seus. Entretanto, se essa falta de conhecimento da sociedade, da cultura, da política, ou das relações humanas, de um modo geral, fosse apenas por parte de engenheiros, de médicos e de mecânicos seria suportável, mas é grande o desconhecimento entre professores universitários e, até mesmo, entres professores de áreas como a Pedagogia, o Direito, a Economia etc. Quando a discussão caminha para questões sociais paira um tenebroso vazio, sem quaisquer posições fundamentadas e coerentes; em seus lugares reside um senso comum formado a partir de simples leituras em notas de roda-pé, nos subtítulos de jornais, ou nos telejornais diários. A explicação possível é a falta, cada vez maior, nas graduações, de disciplinas voltadas para o debate das relações políticas e sociais; vistas por alguns como desnecessárias na formação profissional. Assim, é possível detectar pedagogos que não conseguem estabelecer uma relação entre os seus ensinamentos e a realidade histórica a sua volta, ou economistas que pensam uma economia apartada das relações política do mundo das pessoas. Entretanto, o mais tenebroso é ver operadores do Direito sem qualquer capacidade de analisar a sua sociedade com uma economia, uma política, uma cultura e, conseqüentemente, com uma efetiva justiça. Dessa forma, homens e mulheres, concursados ou eleitos pelo voto popular, assumem cargos importantes na esfera pública, mas seus conhecimentos não são mais que pequenas partes, estudadas na graduação, apartadas de qualquer conexão com outras áreas do conhecimento. Assim se percebe que, além de vereadores, prefeitos, senadores e deputados, também juízes, promotores, desembargadores e ministros, sem noções substanciais de sociedade, de cultura ou de política. Ora, de nada adianta se pensar uma sociedade politicamente democrática – cantar odes à justiça - se os agentes dessa democracia, as pessoas responsáveis pela manutenção do estado, não estiverem minimamente preparadas para a sua condução. Todos os cidadãos precisam ter conhecimentos das relações sociais, políticas, culturais e jurídicas, bem como as suas relações com a distribuição de riqueza na sociedade a qual fazem parte. É o desconhecimento político e social que gera a má administração pública e, com ela, a corrupção, a prepotência, a má distribuição de renda e todos os descasos com a coisa pública.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Dogma, Verdade e Conhecimento

Os termos usados por uma dada área do conhecimento podem, em algum momento, migrar para outra e serem usados de forma diferente, mas correlacionada. Isso acontece quando uma ciência necessita expressar uma nova categoria de conhecimento, um novo conceito que defina certo objeto de estudo, bem como termos específicos. Assim foi com a noção de lei que migrou do Direito para várias ciências com algo que define a verdade inequívoca de uma comprovação científica. Com dogma não foi diferente; o que outrora fora uma expressão própria da Teologia, designando uma crença, ou uma determinada doutrina estabelecida por uma religião, ou uma ideologia, considerada um ponto fundamental, migrou para outras áreas como aquilo que não deve acontecer. Nos dias de hoje é inaceitável a existência de dogmas nas ciências ou na Filosofia, já que não se aceita qualquer noção de verdade que não passe pelo crivo metódico, apurado, da razão. Dogma deriva do grego δόγμα significando aquilo que aparenta, a opinião, ou a crença - que por sua vez - deriva do verbo δοκέω (dokeo) e que significa supor, pensar ou imaginar. Atualmente o termo é usado pejorativamente por pessoas de orientações religiosas diferentes, pelos agnósticos e pelos ateus para se referirem a qualquer crença baseada, exclusivamente, na fé. Às vezes, é aplicada também à obediência a ditames políticos e às convicções de um modo geral. Na Filosofia o dogma pode aparecer como uma penumbra que cobre a intuição, sendo mostrada como nuvem, como véu ou qualquer coisa que cubra o real. Quando Imanuel Kant leu David Hume percebeu a importância do empirismo na formação do conhecimento, associando de imediato ao idealismo alemão, e afirmou que nesse instante estaria despertando do “sono dogmático”. Nesse caso, quando se percebe que aquele conhecimento que detém é um dogma, abdica-se das pré-noções e toma-se outro caminho. Os humanos, ao serem dotados de consciência, percebem-se no mundo e buscam conhecê-lo. Não é certo e não é justo que se feche em dogmas, aceitando determinados parâmetros pensados por ideólogos, políticos ou sacerdotes, sem poder fazer o exercício natural e humano da reflexão. Que se deixem os dogmas para a crença, como uma expressão íntima com o ser que se elegeu como divino, mas que não se deixem de se estarrecer diante da grandiosidade do universo e, pasmando-se, exerçam o maior dos atributos humanos: o de tentar entender o sentido de tudo isso.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Distribuição de Renda e Violência

As divisões em uma sociedade, sob o ponto de vista da posse de bens, e com eles o status - foi sempre uma realidade que perseguiu os humanos, desde os primórdios da história, até os dias atuais. Algumas sociedades menos desiguais e até algumas experiências momentâneas de abolição desse tipo de desigualdades aconteceram, mas – em geral – a distância entre os mais ricos e os mais pobres foi acentuada e, por isso, esteve sempre no centro das convulsões sociais. Nesses tempos, ditos modernos, em que multidões de homens e mulheres deixam os campos, rumo às cidades, concentrando-se nos grandes centros, formando os chamados bolsões de miséria, nada mais natural que uma desordem generalizada aconteça e, com ela, os mais variados tipos de violência. Não há educação, saúde, segurança, saneamento, moradia, emprego e lazer para todos: resta a uma parcela dessas pessoas a viverem sob a égide do improviso, e na vida do possível. Por mais que pensem que não se vive mais em estamentos, que as leis são para todos e que a constituição oferece uma igualdade de todos perante a lei, a dinâmica social acontece é sob os auspícios da distribuição de riqueza na sociedade. De nada adianta se fazer novas leis, e outras ainda mais novas, pensando, com isso, que se achou o veio necessário para atingir o fim da violência. Qualquer política pública que se volte com a preocupação em acabar com a violência deve ser destinada à distribuição de renda; isso porque qualquer sociedade com acentuada desigualdade vai ter que conviver com assaltos a mão armada, invasões de domicílio, seqüestros etc. Não é a pobreza que gera a violência, mas a má distribuição de renda. Quando salta aos olhos que numa sociedade alguém ostenta sua opulência em supérfluos ou grifes caríssimas e um outro só conheça tais roupas pela televisão ou, um ostenta as mais caras viagens e outro conta as moedas para o alimento do dia, há um pathos social a ser erradicado. As ideologias do sistema vigente de que as pessoas vivem uma seleção das espécies sociais, que se alguém é rico, o é porque trabalhou, porque é mais inteligente, mais esforçado, ou coisa parecida, já não fazem mais sentido. É certo que uma redistribuição de renda mexe no bolso de quem tem e, por isso, as classes mais favorecidas não gostam nem de pensar algo assim e chegam a derrubar presidentes que tenham isso como meta; mas não há outro jeito: ou se põe a mão no bolso ou o caos social estará implantado de forma definitiva e impossível de alguma alteração. A necessidade de redistribuição de renda já não é ato de benevolência, de qualquer tipo de socialismo ou de bondade cristã, mas uma necessidade estratégica, urgente, para uma possível convivência futura.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Deuses, Semideuses e o Culto a Personalidade

Na Antiguidade os povos cultuavam heróis, deuses e semideuses, seres que moravam em outra dimensão; ou, então, os governantes, os faraós, os césares, os gladiadores e os profetas se posicionavam como entidades elevadas, que faziam a ligação entre o mundo dos humanos e o mundo dos deuses. Os tempos passaram, o ocidente passou por toda a Idade Média ocidental e chegou ao final da era moderna sem muitas diferenças, grandes cantores, atores e escritores são ovacionados, chamados de astros e estrelas, como semideuses a serem celebrados. Alguns homens da esfera pública vivem a espera das mesmas glórias, querendo que a multidão grite seus nomes, que aplaudam suas presenças, nos estádios, nos restaurantes e que os telejornais façam destaques das suas façanhas. Alguns precisam disso para as suas manutenções nos cargos, ou nos seus afazeres, dependem do voto e, conseqüentemente, dependem das suas exposições. Enfim, são pessoas que não se encontram como seres humanos, que não se acham pessoas comuns – de carne e osso - e buscam, desenfreadamente, três elementos que podem estar interligados ou separados: poder, dinheiro e glória. Alguns vivem mesmo para esse último item, a glória, e tudo aquilo que dela demanda, o reconhecimento, os aplausos e os confetes. O dramaturgo alemão, Bertold Brecht, na peça teatral Galileu Galilei, que trata do julgamento do intelectual italiano pelo Tribunal da Santa Inquisição, mostrou esse conflito humano: transformar, ou não, um indivíduo em herói. A personagem Andreas, ao perceber que Galileu não cede aos seus argumentos, grita: “Pobre do povo que não tem herói!” No que Galileu, sabiamente, rebate: “Não, Andreas! Pobre do povo que precisa de herói!” O homem livre, que reconhece sua condição humana, tem noção da sua vida em sociedade, das dificuldades e dos entraves, mas também sabe que sua liberdade necessita sempre do outro que caminha a seu lado. Esse, segue uma liderança devido a complexidade dos grupos humanos, mas tem a consciência da importância de suas próprias ações, não só para si, mas para a sociedade. Um povo que projeta essa condição heróica – quase divina - em um alguém, que cultua uma determinada personalidade, é um povo que não conhece sua própria história, que sua existência não faz sentido. Cada homem, cada mulher, com consciência nos seus afazeres diários, produzem os bens necessários para a existência e, por isso, conduzem a sociedade; são eles que levam a história na mão, são eles os seus próprios heróis.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Traição

As pessoas, nos seus relacionamentos sociais, amorosos, econômicos e políticos, precisam fazer acordos, por isso assinam papéis - e os protocolam em cartórios, ou prometem, verbalmente, o cumprimento da palavra empenhada. Mesmo com toda a demonstração de boa vontade, a observação de testemunhas e o protocolo em cartórios, não há segurança do cumprimento da palavra dada. Uma traição, o não cumprimento do acordo, ou a realização de acordos secundários, acertados por trás das cortinas, podem acontecer a qualquer momento. Uma peça teatral escrita no Rio de Janeiro, na década de 80, por Marcos Caruso, Trair e Coçar é Só Começar, sugere que todos são propensos a se coçarem, assim como todos são propensos a traírem. E que a traição, assim como a coceira, é só começar. Acontece que a peça é uma comédia e esse gênero teatral se propõe rir das desgraças humanas; por isso, por mais que a traição seja algo trágico nas relações, podem também provocar sonoras gargalhadas. A relação social, que se chama traição, nada mais é que o rompimento, ou a violação, da presunção do contrato social em que se acerta uma verdade, a confiança, e que produz conflitos morais e psicológicos entre os relacionamentos individuais, entre organizações sociais ou entre indivíduos e organizações. Pode-se também considerar como uma ruptura completa da decisão anteriormente tomada ou das normas presumidas ou acertadas. A traição tem um tempo de existência, com começo, meio e fim. Num primeiro momento o traidor vive dois papéis, um com aquele com o qual fez o primeiro acordo e, outro, junto ao segundo, com quem acordou para traição; num segundo momento, vem a revelação e, por fim, a cisão final. O problema é que o traidor tanto pode trair o primeiro acordo, quanto o segundo – tudo depende do conteúdo da traição, das últimas ocorrências enquanto trai, ou da sua própria insegurança. Não que alguém tenha característica de traidor. Não ha um biótipo de traidor, uma característica física que se posso identificar como tal, mas são pessoas que em um momento se deu credibilidade e que traíram a confiança: os parceiros conjugais, o vendedor e o comprador, o presidente e o vice etc. A Psicologia identifica no traidor uma profunda insegurança psíquica, um descontentamento com o próprio papel que desempenha ou até com aquilo que detém e que se traduz num descontrole emocional.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

História: Entre o Panteão e a Lata do Lixo

Uma das ciências mais antigas já criadas pela humanidade é a história, cujo termo que a designa é de origem grega, ἱστορία, e que, literalmente, significa a pesquisa ou, o conhecimento advindo da investigação. Modernamente, filósofos da história dizem que essa é a ciência que estuda o homem em sua ação no tempo e no espaço ou, a análise dos processos e eventos ocorridos no passado. O termo história também pode ser qualificado como toda a informação do passado que teria sido requerida, ou arquivada, em qualquer língua, por todo o mundo, em registros de toda ordem. Acontece que esses registros são interpretados, a luz da razão, por historiadores, sociólogos, antropólogos e cientistas sociais de um modo geral. Foram essas interpretações, ao longo dos tempos, que construíram os grandes vultos, verdadeiros semideuses, e os grandes eventos que entraram para o panteão da historiografia dos povos ou, por outro lado, as personagens malditas, aquelas que foram direto para a lata do lixo da história. As pessoas, nas suas lutas pela sobrevivência, trabalham e se relacionam umas com as outras e, ao fazerem isso, constroem suas histórias, mas quando os povos vindouros estudarem a historiografia que retrata o dado momento, estudarão o que fora interpretado pelos estudiosos das sociedades. Acontece que as ciências sociais são por demais vivas, refeitas a todo instante, repensadas a cada momento, e as ações mal intencionadas dos grandes líderes, praticadas contra os povos, ou contra as minorias – história de preconceitos e prepotências - mais cedo ou mais tarde serão expostas como cânceres sociais a serem extirpados. Fora assim com reis, faraós, césares, ministros, congressistas, conselheiros e homens públicos de um modo geral, que em vida acreditaram que passariam imunes e ainda receberiam recompensas póstumas, mas tiveram o que mereceram pelos historiadores e cientistas sociais. As falcatruas, as conversas de pé de ouvido e todas as tratativas de alcovas que se pratica crendo que passarão incólumes, serão descobertas e expostas nos tempos vindouros. Ninguém ficará despercebido nas suas ações para sempre, mesmo que se safe em vida: um dia será descoberto. Acontece que a ciência da história é implacável com os trapaceiros, os mentirosos, os golpistas e toda a sorte de enganadores; os seus nomes serão manchados de modo que os descendentes terão vergonha de se apresentarem com o mesmo nome de família.