segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Colares ao Pescoço: a Fé e a Vaidade

Para sociólogos, antropólogos, arqueólogos e pré-historiadores o que caracterizaria o surgimento da humanidade – o homem moderno - seria o achado de ossadas que traziam ao pescoço colares de contas e de dentes dos animais dos animais encontrados na região. Acreditar que esses seres com colares presos ao pescoço poderiam ser definidos como os primeiros humanos leva-se, inevitavelmente, a uma definição própria do que são essencialmente os humanos. Para os estudiosos os colares poderiam ser postos ao pescoço por dois motivos: por vaidade ou o início de alguma crença religiosa. Acontece que os humanos são dotados de consciência da sua existência e de tudo que o cerca - tanto uma noção de vida e de morte - quanto da própria aparência, o que o leva a uma tentativa de domínio das situações. Se o colar fora posto ao pescoço por razões estéticas acreditando-se que com ele o usuário seria mais belo diante dos seus semelhantes, essa prática é, por si, uma interferência diante do corpo. Nesse caso, o ato expressa uma complexidade de pensamento, tendo em vista que se conhece a diferença entre a noção de belo e de feio e que poderia levá-lo a ser aceito diante dos demais. Se não for por base estética, mas de cunho religioso muda-se da noção de belo e de feio e encaminha-se para outra complexidade de pensamento; agora apela-se para a proteção de um deus, dos espíritos dos antepassados, ou das mais variadas entidades. Reside aqui também uma tentativa de controlar o que está posto; agora o colar no pescoço representa a necessidade de ajuda. Com o colar solicita-se a ajuda de forças superiores, também uma forma de interferência diante do que está dado. O bicho humano ao dotar-se de consciência se percebeu no mundo e isso significa que teve noção dos fenômenos da natureza que o cercam, e até de que faz parte da mesma, e se desesperou diante do desconhecido. No seu espanto, diante dos fenômenos a que está submetido, esse humano criou os mitos como forma de explicar e de controlar o que está a sua volta; mas em algum momento essas explicações já não são mais suficientes e caminhou para explicações, diante do espanto caminhou para a filosofia. Dispensando agora colar, a ciência e a religião – canais que diluem a vaidade, cada uma a seu modo, expressam essa necessidade de interferência que o humano tem na própria natureza; a diferença é que a religião espera que essa interferência ocorra a partir de uma ação externa – uma divindade - e a ciência, uma forma de se impor do individuo.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A Rosa e o Nome da Rosa

O pensamento de Platão através do bispo de Hipona, Santo Agostinho e o pensamento de Aristóteles através de Santo Tomaz de Aquino, o professor da Universidade de Paris, estão no centro da discussão sobre “o nome da Rosa” - um debate comum na Idade Média. Se os dois santos ditaram o pensamento medieval, o conflito entre eles pode ser resumido como “as coisas e o pensamento sobre as coisas”, ou: “o mundo das idéias e o mundo sensível”. Nesse caso, é possível pensar Deus, enquanto coisa em si, ou só é possível pensar o nome de Deus? Para Santo Agostinho, o espaço das existências está muito bem dividido entre o mundo terreno, dos homens em geral, das verdades e dos bens inferiores e o mundo celestial, onde reside aquele de quem todos são cópias imperfeitas. É nesse mundo celestial que todo o bem, o verdadeiro amor e toda a justiça plena residem. Sendo assim, se os homens da Igreja são aqueles que conhecem os caminhos que levam ao céu, o mundo da perfeição, nada mais justo que sejam esses os homens certos a ditarem as normas e as exercerem, sobre a população: um poder temporal. Na segunda metade da Idade Média surgiu a figura de Santo Tomaz de Aquino que buscou o outro grego, Aristóteles, passando a ver a fé cristã sob outro prisma: as coisas e as idéias das coisas acontecem nesse mesmo mundo. Se em tudo que existe há uma parcela daquele que fez e se os homens foram feitos por Deus, logo esse reside em todas as pessoas; ou ainda: se tudo que existe foi feito por outro e esse por mais outro e esse por ainda outro, em algum momento tem que ter um “motor inicial”. E o debate se dava: a verdadeira árvore está no mundo das idéias e as que vemos diariamente são suas cópias imperfeitas? A verdadeira justiça está no mundo das idéias - no céu, ou pode ser construída no mundo das coisas sensíveis, no mundo dos homens pecadores? E ainda mais, como poderia Deus ser pensado, como coisa em si – um ser concreto, material, ou apenas uma idéia e, nesse caso, não existiria de fato. Acontece que, para muitos medievais o próprio nome Deus não deveria ser pronunciado tamanha era a sua divindade; portanto, era comum nos círculos filosóficos chamarem-no apenas de “A Rosa”. O debate ficava entre a tentativa de entendimento se a Rosa de fato existe como coisa em si ou se existe apenas o nome da Rosa. Tanto Santo Agostinho, quanto Santo Tomaz de Aquino, chegaram a uma mesma conclusão: os homens percebem a sua existência, entendem o nome da Rosa, mas nem de perto os seus desígnios.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Manifestações, Câncer e Corrupção: Uma Política Estadunidense?

Que ainda se vive os resquícios da Guerra Fria e que o poderio bélico e econômico dos Estados Unidos da América é de uma enormidade desproporcional não se questiona, mas é preciso que se diga sempre que, com isso, a sua capacidade de interferência na vida política social e econômica dos povos não tem tamanho e caracteriza uma época. Se em outrora os seus interesses levaram-nos a treinarem militares de países subdesenvolvidos contra o que chamaram de “perigo vermelho”, nos tempos atuais usam métodos que vão da força midiática, da diplomacia ao embargo econômico e a interferência política, até ações bastante diferentes, bem pouco convencionais. Podem parecer estranhas essas conclusões, mas se analisadas calmamente poderá se perceber um alinhamento em uma série de acontecimentos parecidos em todos os países cujos governos ou não se alinham às suas políticas, ou tendem para a busca de uma alternativa que não os ensinamentos estadunidenses. Por exemplo: os presidentes latino-americanos com uma base ideológica mais socializante, em um determinado momento sofreram de câncer; alguns morreram. Em poucos anos, Hugo Chavez, da Venezuela teve câncer na região pélvica; na mesma época Nestor Kirchner, da Argentina teve câncer no colo e logo em seguida foi a vez de sua esposa Cristina Kirchner, agora presidente, teve a mesma doença na tiróide. Evo Moralis, da Bolívia, se trata atualmente de um câncer no nariz enquanto Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, na laringe e Dilma Roussef, atual presidente do Brasil, no sistema linfático. Só lembrando, os dois primeiros dessa lista morreram enquanto estavam a frente de seus países. Além desses, estão se tratando de câncer o presidente Rafael Correa, do Equador e Daniel Ortega, ex-presidente da Nicarágua, além de tantos outros. Outro ponto: em todos os países cuja política internacional não se alinha à dos Estados Unidos, o povo foi levado a rua exigindo a saída dos governantes. Interessante que isso aconteceu ao mesmo tempo: multidões foram às ruas do Brasil, da Argentina, ou da Venezuela usando as mesmas táticas: roupas que os identificassem, rostos cobertos e falando as mesmas palavras de ordem. A última investida são as incontáveis denúncias de corrupção, exatamente nos mesmos países não alinhados à política externa dos Estados Unidos. Agora usa-se técnica do judô: pôr o peso e a força do adversário para combatê-lo, nesse caso usa-se a estrutura pública local na defesa dos seus interesses. Não se está afirmando que não haja corrupção nesse ou naquele país, ou que não se deva investigar e prender os corruptos, mas que se usou uma realidade não para combatê-la, mas porque politicamente é uma arma de destituição de um governo indesejado. Se tudo não passa de incríveis coincidências, cabe ao leitor tirar as suas conclusões. Mas o real é que se o “perigo vermelho” já não existe mais, o medo persiste e não se sabe até onde vai.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Meios de Comunicação: o Império do Senso Comum

A chamada modernidade se caracterizou, entre outras coisas, pelo surgimento dos meios de comunicação de massa, de modo que não é possível discutir os grandes eventos desse período sem levá-la em conta. A importância se revela pela rapidez, uniformidade e massificação das informações e pela industrialização simplificadora da arte e uma completa descontextualização dependendo das necessidades do mercado. Em outras palavras, assim como se produz porcas, parafusos e arruelas, nessa era produz-se também a informação e a arte. A diferença é que as porcas e os parafusos não interferem no modo de querer e de acreditar das pessoas em geral, mas as falas que os jornais e a televisão publicam viram verdades absolutas de modo tal que vão às entranhas do interlocutor criando uma nova cultura até mesmo naqueles que passaram por um banco escolar e que deveriam ter algum senso critico antes de absorver algo. Mas não era de se esperar diferente, já que o modo econômico vigente tem essa característica: já engoliu todo o processo manufatureiro e entrou pelos serviços engolindo a educação, o esporte, o lazer, a fé, o sexo e a família; não seria diferente fazer o mesmo com as comunicações e arte. Entretanto, o mais terrível é saber que isso é feito pelos meios de comunicação de massa sob um alcance intelectual pífio, já que os tais “comunicadores” fazem suas especulações sobre Economia, Política, Ciência, Educação e Esporte a partir de um senso comum. Ora, não tem sentido pedir a um médico que faça uma análise econômica, ou a um esportista que exponha algo sobre a conjuntura política, nem que sociólogo faça um prognóstico de alguém acometido de uma doença do coração. Da mesma forma não tem sentido que pessoas que nunca estudaram sob um determinado tema, mas por estarem graduados em Jornalismo (muitas vezes em curso que deixou a desejar) e, devido a força das circunstâncias, se vêm diante de uma página de jornal, de um microfone ou de uma câmera de televisão a comentar sobre aquilo que o editor determinou. Isso significa que a força mais agravante dos meios de comunicação na era moderna não foi a massificação das informações, ou industrialização da arte, apesar de ter sido decisiva para a constituição da realidade social atual. O império do senso comum se alastrou sobre tudo e sobre todos. O resultado é que se por um lado os proprietários de jornais, rádios e televisão têm um instrumento de impor suas preferências políticas e um exército de homens e mulheres que justificam tudo, por outro, uma há população que absorve sem questionamento qualquer coisa, parecendo embriagada das próprias informações.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Um Rumo Para o Cristianismo

Por mais que as inúmeras denominações religiosas reivindiquem para si as práticas cristãs primitivas como suas, o cristianismo que se experimenta hoje está bastante distante do que já fora no seu início. Nos primeiros anos, após a morte do líder maior, os discípulos, e os convertidos de um modo geral, ficaram perdidos, atônitos, sem saber qual rumo seguirem. Tentaram pregar na grande festa de Pentecostes quando viram a chegada de judeus das várias regiões com idiomas diferentes; mas como, se para aos judeus, aquilo que o grande mestre ensinou não era exatamente a antiga lei judaica? A primeira grande guinada ocorreu com a adesão de Saulo, um intelectual cosmopolita da época que trocou o nome para Paulo e logo assumiu a liderança e organizou estrategicamente a linha ideológica do grupo. Para ele, o ensinamento do líder era claro: se para os judeus apenas os judeus seriam salvos, já que seriam filhos de Jaweh, agora na Nova Lei era preciso que se levasse a Boa Nova para todos; todo aquele que cresse nesses ensinamentos seria salvo. Mas não havia uma totalidade coesa. Vários pequenos grupos se originaram por discordarem do pensamento das lideranças centrais, como os nestorianos – seguidores de um sacerdote de nome Nestor, ou os coptas – um grupo egípcio, além de tantos outros. Todos eram grupos pequenos e sempre rechaçados como hereges pelo poder cristão central. Com a adesão de Constantino, então imperador romano, no ano de 313, a estrutura cristã se solidificou como poder religioso único, sob o comando do bispo romano e o grande número de sacerdotes teve a incumbência de por em prática a grande máxima: “levar o evangelho a toda à criatura; quem crer e for batizado será salvo”. O nome da instituição ficaria Igreja Católica Apostólica, fazendo referencia ao pensamento dos apóstolos e católica, já que em Grego significava Universal. Com a invasão dos povos bárbaros aos territórios romanos a estrutura política e administrativa da grande Roma foi destruída, mas o poder da Igreja ficou intacto. Se os bárbaros não conheciam ainda as letras, os sacerdotes da fé cristã conheciam-na muito bem e usaram-na a seu favor impondo seus pensamentos políticos e econômicos por todo o Ocidente. Em 1054 os bispos de Constantinopla, da Rússia e da Grécia romperam com o poder de Roma, dando origem ao que se convencionou chamar de Igreja Católica Apostólica Grega, Igreja Católica Apostólica Russa, Igreja Católica Apostólica Constantinopolitana – conhecidas como igrejas ortodoxas – e a Igreja Católica Apostólica Romana. Em 1517 o sacerdote católico romano alemão, Martinho Lutero, rompeu com a igreja do Ocidente, fracionando o poder romano, mas nem de perto destruindo a opulência a sua força central. Nos dias de hoje, todo fragmentado, o cristianismo está muito distante daquilo que se pensou inicialmente e luta contra duas forças, uma externa e outra interna: externamente vê aumentar o ateísmo por todos os lados e, internamente, vê surgir uma subcultura religiosa cristã que desvirtua suas linhas centrais. Na obscuridade em que se chegou, uma luz se projeta no fim do túnel, algumas lideranças cristãs começaram a conversar e a se darem as mãos

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

A Primavera Árabe Não Acabou: Guerra Civil na Síria

Para entender o êxodo de milhões de pessoas que deixam a Síria a procura de em exílio na Europa é preciso antes tentar entender a conjuntura de uma guerra civil que por cinco longos anos assola aquele País e que a curto prazo não tem nenhuma possibilidade de trégua. Se por um lado o conflito remonta as antigas lutas entre sunitas e xiitas, as duas facções islâmicas que historicamente se enfrentam – cada uma defendendo uma posição na interpretação do Corão, por outro, demonstra também que os resquícios da Guerra Fria permanecem forte ainda nos dias de hoje. A Síria está localizada em um território do Oriente Médio que sempre esteve envolvido em conflitos de toda a ordem (aliás, o nome em árabe é al-Sham que quer dizer, Levante) até que esteve sob o domínio dos romanos, dos egípcios, dos turcos otomanos, dos franceses e, por fim aceita, pela ONU como um país livre em 1945, mas novamente ficou sob a proteção do Egito. Em 1961, sob a influência russa, rompeu de vez com o Egito e constitui um novo estado, agora com o nome de República Socialista Árabe da Síria e teve dois presidentes, cujo atual é Bashar al-Assad escolhido em 2000 e reeleito em 2007. Se hoje é um país membro das Nações Unidas, faz parte dos não-alinhados e atualmente está suspenso da Liga Árabe, da Organização para a Cooperação Islâmica e auto-suspenso da Liga União Mediterrânica. Desde março de 2011 passou a sofrer uma forte pressão da chamada Primavera Árabe (uma série de levantes em países árabes, sob o patrocínio dos Estados Unidos com o objetivo de destituir governantes não alinhados), mas diferente de outros países, na Síria ouve forte resistência do poder central. O conflito estava instalado. Mas se isso não bastasse, os curdos disputam, ao norte, um território para se estabelecerem como um país livre, o Curdistão, terra dos curdos, ou Pérsia. Diante dos conflitos, os ânimos se acirraram entre xiitas e sunitas, formou-se uma facção rebelde no exército e o território passou a receber guerrilheiros islâmicos das mais variadas correntes dispersas, enfraquecidas ou encerradas as ações das mais variadas regiões de cultura árabe; além disso, ao norte, nas fronteiras com a Turquia e com o Iraque, o Estado Islâmico instalou-se com intuito de criar de um sultanato com obediência fundamentalista ao Corão. Como resultado de tudo isso, no território se enfrentam tropas oficiais, que atua contra tropas curdas, que atua contra fundamentalistas islâmicos e que atua contra os rebeldes oposicionistas ao governo de Assad; se isso não bastasse, como os fundamentalistas explodiram bombas na França recentemente, o governo francês passou a bombardear a região e os russos intensificaram as ajudas ao governo de Assad, além a bombardearem mais intensamente as posições dos rebeldes. Se antes os Estados Unidos, usando a Turquia e a Arábia Saudita, apoiavam qualquer posição contra o governo sírio, agora admite a necessidade de redirecionar suas investidas e a salada está formada: a Síria inteira está sob bombardeios. A Primavera Árabe não acabou, ou nunca existiu, foi antes um terrível inverno que insiste em não acabar. Para uma parcela considerada da população só resta uma alternativa: tomar uma posição no conflito e ir para o enfrentamento; para outra, a fuga por terra ou por mar, atravessando desertos, vales e montanhas para morrer pelo de fome, de frio, afogada ou, quem sabe, chegar ao paraíso, a Europa.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Carnaval e Monopólio Cultural

O Carnaval é um evento popular eminentemente ocidental e remonta as antigas festas romanas que ocorriam sempre na primeira metade de dezembro, período que antecedia as comemorações ao Deus-Sol, ou o solstício de inverno - o dia mais curto do ano. Alguns falam que as origens remontam tempos mais antigos - as festas gregas, ocorridas por volta de 500 aC em honra ao Deus Baco, confundindo-se até mesmo com o nascimento do teatro. Um evento cultural que, ao longo da história recebeu um nome ao qual é conhecido hoje e as contribuições recebidas variam de festas medievais a expressões artísticas como a Commedia Dell Art italiana e várias outras, passando pelas cortes ranascentistas e folguedos locais que se conhecem nos dias atuas. Os historiaderes em geral ressaltam que a contribuição original veio mesmo da Idade Média ou, mais precisamente, o século 11, quando fora criada a Semana Santa e, com ela, a Quaresma - os quarenta dias que antecedem a Sexta-Feria Santa - iniciados sempre na chamada Quarta-Feira de Cinzas, um período de orações e privação completa de qualquer tipo de carne como alimento, abstinência e oração. Por isso, no dia anterior, na terça-feira teria se originado tal festejo e que ficaria conhecido como "carnis levalle" que do Latin se define como "prazeres da carne": uma festa em que o que vale são as coisas da carne; por isso, uma festa com muita carne, bebidas e músicas; haveria ainda uma relação entre a carne a ser consumida e as relações carnais nesse dia. Tanto que os franceses ainda hoje brincam a festa chamando-a de "Mardi Gras" que sugestivamente se traduz como "Terça-Feira Gorda". No início do século 20 os meios de comunicação de massa surgiram unificando as expressões culturais de cada lugar, de cada comunidade, em uma única, comandada por um centro metrópolitano. Até então o carnaval se fazia ao modo de cada região, alguns mais extravagantes, outros menos, mas nas suas expressões reforçavam os costumes e as identidades locais. Hoje, um brasileiro comum (tirando alguns blocos de rua, brincadeiras nos salões ou os trios elétricos nordestinos) necessariamente pensará como carnaval a partir da marca dos grandes das escolas de samba do Rio de Janeiro e seus defiles desfiles milionários Aliás, vários folguedos brasileiros, principalmente os que têm origem entre os povos mediterrâneos, realizados em outras épocas do ano que receberam influência africana e indígena, hoje é realizado cada vez mais precariamente. Mesmo em Santa Catarina que até a década de 1960, além das festas de carnaval que ocorriam normalmente nos salões e nos desfiles de rua, praticava-se também o entrudo, uma brincadeira de molhar os amigos que passassem pela rua desapercebidos na semana que antecedia a Quarta-Feira de Cinza. Com a chegada do grande carnaval carioca, tudo acabou.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Felicidade: o Individuo e a Sociedade

Um tema muito frequente nos debates filosóficos - quase se pode dizer que é o principal motor da filosofia - a razão da existência humana, a sua dinâmica: a eterna busca pela felicidade. Por sua vez, esse é um conceito complexo já que, em geral é expressado de forma subjetiva e pode retratar além de uma vontade individual, tambem uma vontade social - expressada no devir da história. Ora, se o que movimenta o destino da humanidade é a busca pela felicidade, o que se pode perguntar é: como essa busca deve acontecer? ou, deve-se buscar em grupo ou individualmente? E é nessa última pergunta que reside o ponto básico dominante na política mundial da era moderna: o conflito econômico e político entre capitalismo e socialismo. Acontece que as relações sociais no modo de produção capitalista são excencialmente individualistas, já que são calcadas no mercado, na aquisição de bens por parte de cada membro da sociedade individualmente, na disputa, na concorrência. Diferentemente das relações sociais em um modo de produção socialista que são calcadas em uma estrutura econômica planificada, dentro de um pensamento forjado nas lutas revolucionárias do seculo 19: "a cada um de acordo com suas necessidades". Nos últimos séculos, se a humanidade fez inúmeras descobertas, criou aparelhos complexos, remédios eficientes, foi a Lua, pensou também na possibilidade de criar um sistema econômico-político que visasse o bem-estar da coletividade. Pode-se dizer que o que se vive nas últimas décadas é o resultado do conflito entre um viés e outro, entre a busca da felicidade individualmente e a busca da felicidade a partir de um pensamento coletivo. O problema é que o individualismo se fundamenta na disputa, na concorrência e o resultado é a divisão social, a decadência estrutural e a violência, já que alguns poucos vencem a disputa enquanto a grande massa é descartada. Acontece que a concorrência é desleal tendo em vista que as pessoas são diferentes entre si, nas suas origens, nas suas necessidades, nas suas vontades. Se são formadas a partir de uma mistura biológica e social, essa combinação pode criar indivíduos que mesmo despossuidos, na maior amargura das suas vidsa sociais, enfrentam os seus problemas e os vencem, como pode criar indivíduos que naturalmente fraquejam diante das adversidades. Se homens e mulheres não são naturalmente sociais (já que podem sobreviver por longo periodo isoladamente), se formaram em suas civilizações, construidas com seus idiomas, com suas artes, com seus modos de vida e suas religiões. Assim se formaram como seres humanos da modernidade, nas civilizações, e assim se fazeram por necessidades sociais de cada um dos individuos. Cada homem, cada mulher vive buscando pela sua felicidade, mas se essa busca for feita individualmente em algum momento a decisão voltar-se-á contra si próprio, isso porque se na sociedade cada um precisa do outro, a felicidade plena só poderá acontecer se buscada coletivamente.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A Corrupção e a Perversão Humana

A preocupação dos indivíduos com a corrupção é legítima e, portanto, precisa-se que todos lutem contra ações que se possam identificar com essa natureza. Cada pessoa que se sinta cidadão, cônscio de seus deveres e de suas responsabilidades, deve perceber que os desvios de verbas, o "jeitinho", a sonegação de impostos, os "desfrutes" das coisas públicas e determinados favorecimentos precisam ser execrados em todos os niveis da sociedade. O problema é que a prática da corrupção é uma perversão inerente a alma humana (na natureza só os humanos são corruptos) e a história comprova isso; varios textos históricos mostram que a realidade das trocas de favores, do enriquecimento ilícito ou da indicação de amigos para cargos públicos por fora da lei é grande ao longo dos tempos. Um exemplo disso foi a Carta de Pero Vaz de Caminha que depois de descrever a nova terra adquirida à coroa portuguesa, termina fazendo pedidos de favorecimentos; ou, os comentários de Napoleão Bonaparte ao livro O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, descrevendo as trocas de favores e toda a sorte de corrupção na política francesa. O combate a essa prática deve acontecer, mas para isso é preciso que se leve em conta alguns pontos, no mínimo, coerentes: em primeiro lugar, esse fenômeno pode estar incrustado em todas as esferas da vida em sociedade (na sala de aula, nas relações familiares, nas práticas políticas, no desempenho dos empresários, nas decisões do magistrado ou na investigação do ministério público); em segundo, se é algo inerente a vida humana nunca será erradicado por completo, mas amenizado; em terceiro, não será com propaganda televisiva - pessoas dizendo "não para a corrupção" - que se poderá combatê-la; e, em quarto, esse fenômeno pode ser vantajoso a alguns quando se distorce fatos para incriminar desafetos, políticos, empresariais, jurídicos etc. A corrupção somente será efetivamente combatida no momento em que cada cidadão aja como tal, como membro responsavel de uma sociedade, mas isso só acontecerá com urbanidade, que por sua vez so virá com aquilo que ja virou clichê (mesmo que mal compreendida), a educação. Acontece que a corrupção precisa ser entendida como um fenômeno residente na mesma esfera de todos os preconceitos e mistificações da vida humana, algo praticado em larga escala por egoismo e ignorância social. Ora, urbanidade significa entendimento de que o bom desempenho do grupo só acontecerá com o desempenho correto de cada membro, com respeito ao grupo. O combate às praticas corruptas não podem acontecer por decisoes de governantais, ou por iniciativas de burocratas - franco-atiradores que se acreditam salvadores da pátria, mas pelos exemplos de suas ações. Afinal, combate à corrupção nao será efetivada apenas com a confecção de mais leis, mas na vontade subjetiva de cada indivíduo.