sexta-feira, 30 de setembro de 2016

A Arte e a Condição Humana

A arte é uma daquelas necessidades humanas, sem as quais não seriam humanos; uma atividade que só é possível por seres inteligentes, capazes de reconhecerem o mundo a sua volta, a si próprios e suas relações com aqueles que os rodeiam. Necessidade que se caracteriza por um estar na arte; não apenas contemplá-la, mas fazê-la e se envolver com ela. O artista não é um ser do glamour, da elegância ou da riqueza, ou alguém que vive como se fosse de outro mundo. Isso porque o artista nada mais é que aquele que libera a sua condição humana, se deixa envolver por seus instintos mais primitivos e, com sua visão peculiar, representa o mundo a sua volta com materiais encontrados nesse próprio mundo. Mas a necessidade da arte vai além de uma vontade de se integrar, através de representações, ao mundo que o envolve; essa necessidade é a construção de sua estrutura, como forma de se distanciar de sua condição animal. No seu inverso, o homem ou a mulher que se afasta da arte, ou que não tem acesso a ela, é aquele que se torna áspero, bruto, insensível e cruel. Portanto, quando os governantes levam arte para a sua população, através de disciplinas escolares, de projetos populares ou de incentivos às produções artísticas, demonstram sensibilidade e percepção dessa necessidade. Esses governantes percebem que as pessoas precisam aprender e serem provocadas a cantar, a encenar, a pintar, a dançar, a mexer com materiais de modo a se encontrarem com suas próprias condições de existências. Isso porque retirar do homem o seu acesso a arte é um modo de retirar a sua própria condição humana. A grande prova é quando se retira a disciplina de arte-educação do currículo escolar e os jovens são limitados a um tecnicismo a serviço da voracidade do grande capital. A perseguição ao fazer artístico se deve ao fato de que é uma atividade que não tem função de produtividade econômica, mas de libertar as pessoas. Enfim, mais que técnicas, as pessoas precisam encontrar-se com aqueles que as rodeiam e com o mundo que o cerca; tirar-lhes a arte é uma forma de tirar-lhes a razão, de tirar-lhes as suas condições existenciais. Os humanos precisam de casa pra morar, precisam de roupas e de comida e toda a infra-estrutura, mas precisam também se ligar aos demais de sua espécie e esse elo é a arte.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A Sociologia e o Medo da Crítica

Desde os tempos mais remotos a figura humana já foi o objeto de estudo dos mais variados pensadores, mas quase sempre o fora com um tema de ordem metafísica e, vez por outra, contaminada por explicações místicas. As atividades políticas já estiveram presentes em textos pré-socráticos como o de Heráclito de Abdera, de Platão, de Aristóteles ou dos sofistas, até os contratualistas, ou os socialistas franceses e alemães, passando ainda por nomes como Santo Tomás Aquino, René Descartes e Immanuel Kant. No entanto, as relações humanas só foram estruturadas como objetos da ciência no século 19 com a criação da Sociologia pelos positivistas e, com ela, as variadas correntes daí demandadas. Vieram ainda as contribuições de grandes nomes como o de Emile Durkheim, de Max Weber, de Karl Marx, entre outros. A Sociologia como ciência das sociedades fora criada na tentativa de entender a dinâmica das relações humanas na sua totalidade; na Idade Moderna, depois de uma Revolução Francesa ou de uma Revolução Industrial, não se poderia mais afirmar que as diferenças entre ricos e pobres se dariam por uma vontade divina ou por outra explicação sem base científica. Percebeu-se que algo de tenebroso se encontra nas franjas das relações e que só se poderia buscar armado de ferramentas calcadas em uma epistemologia rigorosa. Essa nova ciência, ao nascer, foi saudada como a grande inovação humana por alguns e como algo incomodo, um catecismo político e pernicioso, por outros. Isso porque a nova disciplina da área das ciências humanas viria para escarafunchar e expor as feridas da estrutura social e política moderna. A partir daí, fortalecida por outros trabalhos filosóficos, a Sociologia se tornou forte em sua crítica à sociedade e economia moderna, mas se tornou “persona nom grata” entre sistemas políticos totalitários. Aliás, se em sistemas autoritários alguns sociólogos são perseguidos, coagidos, presos ou mortos, nos cursos colegiais a disciplina de Sociologia é contemplada como indispensável por um governante democrático, mas é eliminada pelo governante seguinte avesso a um sistema libertário e crítico. De qualquer forma, o interessante é o medo que paira em uma possibilidade de se estudar a sociedade, de se entender as dinâmicas das relações.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Filosofia

Mais do que uma ciência, ou uma disciplina acadêmica, a Filosofia é uma necessidade humana diante da perplexidade tanto de si, quanto das suas relações, seu conhecimento e suas formas de comunicação; enfim, é o estudo dos problemas fundamentais relacionados a conceitos como: existência, verdade, valores, mente e linguagem etc. Alguns preferem que filosofar é refletir sobre todos esses temas descritos e, outros, que é elaborar e reelaborar tais conceitos. O termo foi originado no Grego antigo, Φιλοσοφία, que quer dizer “amigo da sabedoria” ou o “amor pelo saber”. Ao abordar esses problemas, a Filosofia se distingue da mitologia e da religião por sua ênfase em argumentos racionais; por outro lado, diferencia-se das pesquisas científicas por não recorrer a procedimentos empíricos em suas investigações. Nos tempos de crise é o filósofo aquele que percebe os desajustes sócio-políticos, o predomínio econômico sobre o social e todo o arco de incongruências dentro das relações humanas e, por isso, são perseguidos em suas pessoas, em seus escritos; bem como a própria disciplina como necessária na formação dos jovens. Nos seus momentos iniciais da Filosofia, ainda nos tempos da Grécia antiga, Sócrates foi condenado a pena de morte por seus ensinamentos, acusado de blasfemar contra os deuses e de corromper a juventude e, ao longo da história, muitos pensadores foram perseguidos e até mortos por reis, príncipes, chefes de igrejas e presidentes quando questionaram o pensamento oficial. Acontece que entre seus métodos estão a argumentação lógica, a análise das experiências de pensamento e o estabelecimento das relações com outros métodos tornando a Filosofia um saber abrangente buscando no particular a totalidade. Sob seus fundamentados são desenvolvidos os mais diversos projetos educacionais e as mais diferentes pesquisas acadêmicas, bem como embasa consultorias a instituições científicas, artísticas e culturais. Tudo isso faz com que alguns indivíduos que se assentem ao poder vejam-na como uma disciplina perigosa, um conjunto de conhecimentos elaborados por seres pervertidos que devem ser cerceados em seus pensamentos. Isso porque numa sociedade que privilegia o mercado, o consumo e a ostentação o “saber fazer” é o que importa, não o “por que fazer”. Mas mesmo perseguida a Filosofia terá sua sobrevida nos livros, mesmo proibidos ou nos porões escuros da clandestinidade enquanto for um elemento fundamental diante da perplexidade da existência. Quer dizer: a Filosofia não morre, a não ser quando morrer o último homem.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O Golpe na Educação

Mais uma vez é preciso que se fale da educação e da sua tão propalada importância para a transformação; e agora, mais uma vez se prova que muitos dizem da necessidade de transformar a partir da educação, mas ninguém fala o que mudar e em que. Isso porque as últimas notícias que aparecem nas redes sociais dão conta de que o governo brasileiro prepara um projeto de lei com o objetivo de fazer mudanças profundas na educação. Acontece que as tais mudanças em pauta não é a sua readequação para fortalecimento, incrementando nos pontos mais frágeis, mas alterar as disciplinas que possibilitam o questionamento das relações da vida em sociedade, bem como da sensibilidade para a criação e proporciona um corpo sadio. O que se especula no momento é que se quer tirar as disciplinas de Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física do ensino médio e, se isso não bastasse, alguns projetos parlamentares propõem a retirada também de História e da Geografia. O argumento para tirar o ensino de História é o de que o povo deve olhar para frente, atendendo a frase que representa o governo – ordem e progresso, e não para trás. Certamente que em seus lugares pensa-se em outras disciplinas congêneres, mas com menor número de aulas e conteúdos diferentes do que atualmente é ensinado. Alguns falam na volta das antigas disciplinas OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e EMC (Educação Moral e Cívica), as mesmas que substituíram Sociologia e Filosofia assim que se deu o golpe militar de 1964. Com isso o governo pensa em matar dois coelhos com uma tacada só: corta custos ao mesmo passo que redireciona o ensino para um pensamento emparelhado de modo que, cada vez menos, os jovens tenham a capacidade de organização. Alguns falam que professores dessas áreas são todos de um determinado partido e que assim desmobiliza-os, outros defendem diretamente a necessidade de se ter “uma escola sem partido”. Os brasileiros precisam se organizar e se entrincheirar firmemente contra esse estado de retrocesso anunciado para a educação. As transformações são necessárias na educação, na sociedade, na segurança, em todas as áreas das humanidades, mas devem acontecer para aprofundar as condições de libertação e consciência política de um povo e não o seu contrário. Isso é golpe. Tais disciplinas não podem sair do currículo, antes pelo contrário outras deveriam ser acrescentadas: Política, Economia e Direito.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Tristeza

O homem é um ser jogado no mundo. A sua existência é uma vida calcada na constante busca por aquilo que aprendeu a chamar de razão, uma vida medida, calculada e analisada aos detalhes. Assim fazendo, ele tem a ilusão de seguir por um caminho que lhe proporcione, em algum momento, a felicidade plena. Ilusão porque, pelo contrário, esse homem, com as suas contrariedades, com os seus dissabores, não se irá satisfazer plenamente com aquilo que espera. A todo instante ele se depara com o sofrimento, uma condição que pode ser causada por dores físicas ou dores mentais e que lhe farão padecer em suas vontades, em seus desejos e em suas lutas. O sofrimento constante, por sua vez, é uma falta de perspectivas, de solução para suas necessidades, ou seus desejos, que o leva a tristeza; experimentada comumente por quaisquer pessoas e descrita por teóricos como uma das seis emoções naturalmente humanas, juntamente com a felicidade, a raiva, a surpresa, o medo e o enojo. A palavra tristeza vem do Latim (tristia) que designa um estado de aflição, de sofrimento, de melancolia; um estado afetivo duradouro, caracterizado por um sentimento de insatisfação, acompanhado de uma desvalorização da própria existência e do real. O pensador luso-holandês, Baruch Espinoza, enfatiza como algo momentâneo; ele diz que a tristeza é definida justamente como o ato no qual nossa potência de agir é diminuída ou contrariada. Mas a tristeza é uma experiência comum em qualquer período da vida de cada pessoa: reconhecê-la como uma das emoções, naturalmente humanas, e aceitá-la como tal, pode tornar mais fácil o seu enfrentamento. Algumas vezes as pessoas sabem a sua causa, em outras não, mas todas experimentam. Na maior parte do tempo, as pessoas experimentam e são interrompidas por picos de felicidade, ou porque disfarçam suas tristezas, ou espairecem - esquecendo aquilo que pode levá-las a tristeza. Alguns psicólogos chegam a afirmar que a tristeza, ou a melancolia – como alguns preferem chamar - é um ingrediente necessário na produção artística ou intelectual; o processo criativo necessitaria do sofrimento. Nesse caso, pode-se afirmar que a sua inexistência levaria, necessariamente, a uma superficialidade. Ora, se viver é sofrer, o conhecimento da alma, o conhecimento de quem vive, se encontra na essência de suas existências, as suas agruras, as suas contrariedades, a tristeza.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Esquerdas, Conflitos e Mudanças

Quando os bárbaros finalmente invadiram a cidade de Roma, em 476, depois das inúmeras tentativas, ninguém até então havia imaginado que o poderio do Império Romano do Ocidente pudesse cair juntamente com toda a sua estrutura militar, política e jurídica. Os historiadores contam que os povos germanos – guerreiros, não letrados – foram aos poucos minando a organização social dos romanos durante décadas e, finalmente, o Império caiu. Em 31 de outubro de 1517, quando a oposição ao catolicismo romano mais sentiu forte o pensamento e ação da oposição, o monge alemão, Martinho Lutero, pregou as 95 teses na porta da Igreja de Würtemberg, provocando uma ruptura e alterando o modo de vida em toda a cristandade ocidental. Politicamente, a força oposicionista eclesiástica vencera e a hegemonia papal saiu enfraquecida. Na Revolução Francesa, iniciada em 14 de julho de 1789, um dos maiores eventos bélicos de toda a humanidade, os opositores derrubaram um regime político e econômico decapitando o primeiro mandatário do país. Tudo começou na grande convenção, quando Luiz VI sentou-se ao centro, tendo à sua direita os deputados defensores do antigo regime, contrários às mudanças necessárias e, a esquerda, sentaram os deputados representantes do povo, ávidos de transformação geral. A esquerda finalmente venceu, decapitou o rei e estabeleceu as mudanças profundas e necessárias, nunca antes imagináveis. Acontece que a história é viva e, numa constância, tudo sempre muda. E, nessa realidade em mutação, os governos enfrentam os seus opositores, um grupo a esquerda do seu regime que se posiciona contrario ao que se encontra como estático, aquilo que o conservador considera como segurança. Isso porque a unanimidade e o consenso, não produzem história, antes pelo contrario é a contrariedade, o conflito que, em ebulição, movem a humanidade. No Brasil não foi diferente. Os brasileiros, as esquerdas de então, lutaram contra o regime português por aqui implantado; os republicanos, em algum momento, derrubaram o regime monárquico. As ditaduras do século XX perseguiram as lideranças contrárias aos regimes, mas sucumbiram em algum momento. Em todos os tempos, frentes a todas e quaisquer forma de governo, as esquerdas são o motor da história. São elas as forças que provocam o conflito e desestabilizam os regimes sociais, políticos e econômicos. As perseguições aos que contrariam o sistema implantado não passam de tentativas vãs de assegurarem o que está do jeito que se pensa como seguro. Mas toda estrutura um dia surgiu, portanto, toda estrutura um dia acabará. Inevitavelmente.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Mulheres

Uma das maiores polêmicas lingüísticas, experimentadas no Brasil recente, diz respeito ao tratamento que deve ser dirigido a uma mulher que esteja à frente de uma instituição, ou à primeira mandatária do País; afinal, deve ser tratada uma mulher que presida uma instituição como presidente ou como presidenta? Um tratamento que sempre fora masculino, solidificado em séculos, nos últimos anos surge com uma nova possibilidade. Acontece que, há algumas décadas, a feminização do mercado de trabalho; áreas, que até pouco tempo eram exclusivamente ocupadas por homens, agora se observam a presença marcante das mulheres. Isso se deve a uma série de fatores: os movimentos de emancipação feminina, as lutas libertárias contra todo o tipo de discriminação e opressão de setores da sociedade. Inevitavelmente a mulher se aproximou da academia, das artes, das profissões liberais, dos grandes empreendimentos privados, da burocracia estatal, assim como das forças armadas e da política. Nada mais coerente que lideranças femininas, diante desses setores, queiram imprimir suas marcas como mulheres que são; nesse caso, nada mais natural que queiram ser chamadas por substantivos que possibilitem flexões que valorizem sua condição. Nada mais coerente, desde que tal flexão seja aceita como norma culta do idioma em questão; nesse caso, o Português. Mas, mesmo sendo previsto por todos os especialistas em Gramática do idioma lusitano: governante ou governanta, poeta ou poetisa, presidente ou presidenta, parente ou parenta etc, alguns relutam em aceitar. Ora, são apenas expressões que indicam mulheres em tais condições e que tanto podem ser usadas de uma forma como de outra. Mas é comum que mulheres em destaque incomodem. Incomodam por serem mulheres na ocupação de cargos até então masculinos e incomodam se seus pensamentos forem estranhos àquilo que se deparou até então. Alguns não aceitam chamá-las como poetisa ou como presidenta por um inocente desconhecimento do idioma; outros questionam a expressão presidenta como instrumento de oposição. Nas ultimas décadas, as sociedades de cultura ocidental, quiçá em boa parte do mundo, as mulheres passaram a participar ativamente das atividades que até pouco tempo estiveram sob o controle dos homens; e isso aconteceu quer as pessoas (homens e mulheres) queiram, ou não. Inevitavelmente, cada vez mais, se ouvirá substantivos, até hoje inaudíveis para muitos, mas que indicam as ocupações femininas em certos cargos: capitã, generala, oficiala, assim como tem sido hoje com ministra, com senadora, com governadora etc.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Poder, Justiça e Democracia

As pessoas podem usar as palavras como melhor lhe aprouver porque o idioma é um fenômeno vivo; o que hoje se conceitua de uma forma há anos entendia-se como diferente. Dessa forma é a democracia: os gregos pensavam-na como um sistema político em que os cidadãos são chamados constantemente para decidirem, de forma direta, o que é melhor para a sociedade. Nos tempos atuais outras palavras se juntaram a ela e confrontam-na, ou completam-na, como: meritocracia e burocracia, por exemplo. Foi essa democracia, como um sistema político que tem como base a participação popular que se solidificou em toda a modernidade; pelo mundo a fora sociedades lutam pelo fortalecimento de políticas democráticas. Para que as sociedades ditas democráticas se fortaleçam, faz-se necessário que a estrutura de poder seja tripartite, dentro do que preconizou o pensador francês, Montesquieu: legislativo, executivo e judiciário. No Brasil os dois primeiros são controlados politicamente, portanto devem priorizar a vontade da maioria e, o último, a escolha dos membros acontece meritocraticamente. Ora, nada impede que um magistrado, como representante do judiciário, se auto-declare como democrata; porém, para isso, será necessário que defenda que as decisões do estado sejam feitas politicamente. Afinal, o que representa uma democracia é a participação popular; se o magistrado defende o fortalecimento das instituições deverá respeitar o legislativo e o executivo como representantes legítimos da população, bem como os seus partidos políticos já que seus membros foram escolhidos pelo voto. Se o idioma é vivo, certamente que democracia é hoje muito diferente do que fora para Sócrates e Platão; se ela tem se transformado através dos tempos precisa sempre ser aperfeiçoada. Toda a sociedade deve se auto-declarar como democrática e defender o sistema político com todas as suas forças. Mas não tem sentido, para não dizer é uma aberração, alguém da magistratura se arvorar como defensor da democracia ao mesmo passo que se acha no direito de interferir nas decisões políticas para além do que lhe compete a força da lei. Ou seja: um judiciário deve se pretender democrático, mas para isso precisa obedecer às decisões populares, realizadas através do voto.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Jornalismo, o Fim

A despeito de tudo que se disse sobre a modernidade (racionalização, revoluções tecnológicas, grandes guerras, fragmentação do cristianismo, descobrimento de novas terras etc.) pouco se disse que, em meio a tudo isso, um elemento nasce, vive e morre nesse período: o jornalismo. Não se está querendo prenunciar o fim de toda a Comunicação Social, essa ciência social aplicada, cujo objeto de estudo são os meios de comunicação de massa, que nasceu com o jornalismo, mas se ampliou e hoje tornou-se uma disciplina de alto valor e necessária para o conhecimento da sociedade em questão. Também não se está querendo afirmar pelo declínio do jornal impresso, apesar de que contribui para essa decadência, já que o jornalismo poderia sobreviver em equipamentos eletrônicos. A maior parte das empresas jornalísticas está presente em versão on line, outras são portais exclusivos para notícias e, ainda outras, se abrem em variedades. Acontece que o que está em queda é essa lógica comunicacional moderna de administração (e imposição) das verdades: uma empresa com editoriais calcados no capital, cujo objeto de sua existência não é a comunicação, mas o mercado com o controle da informação. Na última década, com a ampliação dos recursos tecnológicos, a comunicação deixou de ser algo exclusivo de certos grupos empresariais, para desembocar em uma democratização da informação. Todos os setores, cuja existência depende de relacionamento com o grande público, se refazem em atitudes interacionais, dialógicas e não impositivas como se donas da verdade fossem. As escolas repensam a relação professor-aluno, os artistas produzem peças que envolvam o seu público e as políticas públicas exigem cada vez mais a participação popular, mas o jornalismo persiste em um sistema imperativo como se vivessem nas primeiras décadas do século 20. Se o racionalismo fundamentou a modernidade, com os afunilamentos das especializações e um maniqueísmo político, nos tempos mais recentes sobressaem as pluralidades e as interações. O jornalismo está em queda por não perceber que o leitor, o telespectador ou ouvinte é alguém que tem uma gama imensa de informações, segundo a segundo, e, por vezes, mais claras e mais convincentes que o órgão de comunicação tradicional. Não tem como sobreviver com uma comunicação feita para servir aos interesses do mercado, um sistema que não busca apresentar fatos e se eximir politicamente, mas tomar partido. É perceptível que o jornalismo se encontra em estágio de auto-destruição; em contagem regressiva.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O Direito e a Filosofia

Sempre se soube de uma aproximação da Filosofia com o Direito; mesmo que não se perceba de imediato, mas a compreensão dos labirintos percorridos pela ciência jurídica só acontece com os necessários conceitos filosóficos, como o de liberdade, de cultura, de existência, de resistência, de vontade, entre tantos outros. Isso se dá porque tais conceitos são ferramentas que o teórico não pode deixar de lado na tentativa de penetrar na complexidade do direito. Além disso, áreas consagradas como filosóficas, pelo menos são estudadas pelos filósofos há milênios, tradicionalmente são usadas como disciplinas auxiliares para o conhecimento jurídico, como: ética, hermenêutica, lógica, dialética e outras mais. Nesse caso, a expressão “auxiliar” não deve aqui ter conotação de inferior ou de uso dispensável, mas de área importante que complementa a construção do conhecimento jurídico. Essa relação tão estreita entre a Filosofia e o Direito acontece pelo fato de esse segundo ter como base de seu entendimento, elementos puramente abstratos como a lei, o estado, o poder, etc. Objetos estes, não existentes no mundo material, mas construídos nas mentes dos indivíduos, a partir de registros em papeis, e divulgados para os iniciados na ciência jurídica. Aliás, nesse caso, o registro torna-se tão importante que, em geral, se confunde com seu próprio objeto; por exemplo: a lei, objeto primário para o entendimento, só existe materialmente enquanto registro. Depois de sua elaboração, os juristas se debruçam sobre ela, divergindo entre si a respeito dos pontos e as vírgulas que darão logicidade, ou não, à sua aplicação. Outro exemplo é o estado, que tantos cientistas políticos e juristas o definem e conflitam entre si, mas o fazem sempre sobre bases filosóficas; se bem que tal divergência se encontra também dentro da própria Filosofia; exemplo disso são os estranhamentos entre os contratualistas, Rousseau, Hobbes e Locke. Alem disso, implicam bastante as suas derivações: nacional, liberal, socialista, teocrático, absolutista, moderno, medieval, antigo etc. Distantes das verdades matemáticas, esses conceitos só encontram aceitação de veracidade em uma gama bastante grande de elementos definidores, comumente aceitos como filosóficos. Ora, como falar de liberal sem falar de liberdade, de existência ou de poder? Ou, como falar de absolutismo, sem falar de legitimidade, de cultura, de resistência ou de dominação? O Direito existe por si mesmo, é uma ciência de alta complexidade e de extrema necessidade para o entendimento das relações sociais, mas pode e deve ser encarada como área de estudo filosófica. Quando isso acontece o Direito se completa e se fortalece.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

O Burocrata e o Político

Na condução da sociedade encontra-se o estado, a instituição responsável pela organização e legislação da vida pública e pela legislação da vida privada. Na racionalidade de sua condução figuram os dois elementos indispensáveis, mas conflituosos entre si: o burocrata e o político. O primeiro é um indivíduo concursado para atuar como peça de uma estrutura; para ele, o poder se encontra no emaranhado dos documentos necessários para atuação diante da sociedade. Por tanto, o burocrata é, por excelência, conservador, tendo em vista que as mudanças geram uma inconstância nos seus saberes, criando a necessidade de renovação e de agir sempre com novos procedimentos. O outro é o político; age de acordo com os procedimentos da burocracia, mas o faz forçado por uma legislação que ele mesmo elabora, em um sistema que ele mesmo deve fiscalizar e denunciar. O político – aquele que é digno de ser chamado como tal – tende sempre a alterar os procedimentos burocráticos como forma de conduzir as ações do estado, cada vez para mais próximo das necessidades da população. De modo que essas duas personagens, com duas formas de pensar o estado, um estático e outro, mutável, conflitam-se tanto nas suas necessidades corporativas, quanto nos interesses pessoais. Ambos se vêm com desconfiança, como intrusos prejudiciais ao todo da sociedade: um lado será visto como personalista, eleitoreiro e aproveitador; o outro será visto como alguém desumano, insensível, peça de uma máquina que sempre pode ser reposta e não fará falta na estrutura. A segurança do burocrata, como não poderia ser diferente, está na burocracia e quanto mais essa se mostra impenetrável, com o aumento das exigências de documentos e comprovações, maior será o seu poder. Já a segurança do político, por outro lado, está no movimento, na possibilidade de transformação social, econômica e política. No entanto, esses dois pontos são, necessariamente, peças indispensáveis na condução do estado nas sociedades modernas; se por um lado é necessária a segurança nos procedimentos e o funcionamento adequado dos órgãos públicos, por outro, há sempre uma necessidade de mudanças. A questão que fica é: como adequar o cumprimento dos seus papeis?

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Política: Uma Condição Humana

Para alguns, homens e mulheres são filhos e filhas de Deus, feitos a sua imagem e semelhança; para outros, apenas animais da espécie humana, evoluídos ao longo da existência. Mas, o que ambos não dizem, é que esses são seres da cultura, separando-se em povos e povos e, alem disso, são diferentes entre si, onde reside um ponto crucial para o entendimento desse fenômeno: são seres do conflito. Do conflito vem a sua condição de existência, aquilo que o pensador da antiga Macedônia, Aristóteles (aC. 350) afirmou: “o homem é, por natureza, um animal social e político”. Isso quer dizer: o homem, enquanto ser vivo se define pela sua condição animalesca, nasce, vive, pode ter saúde, pode ter doença e morre, mas enquanto ser social é na política que ele se define. Cada homem, cada mulher, cada criança ou velho, tem um mundo inteiro dentro de si, composto de seus amores, correspondidos ou não, de seus medos, saudades, sonhos e frustrações. Portanto, cada indivíduo – e aí a língua portuguesa é precisa: aquele que é único, que não se divide – é composto de suas necessidades e interesses. Mas o interesse de um indivíduo pode ser também o de outros e aí surge a necessidade de agrupamentos para que sejam sanados no seu conjunto: os operários se juntam em busca de melhores condições de trabalho, os moradores querem melhor acessibilidade em suas ruas, já outros se sentem vilipendiados por serem de etnias diferentes, ou de condição sexual diferente e assim por diante. A política é, por tanto, um elemento natural, surgido exatamente no primeiro momento após o agrupamento das duas primeiras pessoas que inventaram de se juntar para buscarem por abrigo e alimento. Ou seja: política nada mais é que a arte de dirimir os conflitos resultantes desse turbilhão de interesses humanos. Nas sociedades complexas, as políticas são organizadas a partir das instituições chamadas de Partidos que devem reunir uma parte da sociedade na defesa de determinados planos de ação e estratégias. Essas instituições indicarão nomes que se candidatam a cargos eletivos e os cidadãos escolhem os partidos e os candidatos em quem confiam e se vêm representadas. Homens e mulheres fazem política como algo de sua natureza. Por mais que se falem contra a política que determinadas lideranças praticam, fugir dela é, necessariamente, fugir da sua própria condição humana.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A Constituição de Weimar

Em 1919, quando os alemães promulgaram, festivamente, a Constituição de Weimar (Weimarer Verfassung) - uma das constituições mais democráticas e avançadas socialmente - não sabiam que abriam espaço para ascensão de Adolf Hitler. Festejada como um avanço jurídico, a nova carta magna alemã – que tinha como um dos seus juristas consultores, o sociólogo Max Weber – prenunciava o estado social, consagrando direitos sociais com a regulação das relações de produção e preocupações com a educação, com a cultura e a previdência. No entanto, as brechas deixadas pelo anseio de democracia de um povo oprimido, que acabara de sair da Grande Guerra, a Constituição de Weimar possibilitou que se chegasse a chefia do Executivo um indivíduo que não fora aprovado pelo voto. Acontece que, como democrática que era, com fortalecimento do poder de deputados e senadores, e a complacência do Judiciário, possibilitaram que um jogo de intrigas parlamentares fizesse ascender à chancelaria – chefia do Executivo - aquele que mancharia para sempre o nome da Alemanha. O partido Nazista, que nunca elegera um presidente, agora se via no poder com toda a força de mídia de então – Josef Goebels se consagrara como o grande mágico do marketing político – e a força de universidades. O exército alemão, bem como a marinha, logo foram dominados e outros grupos armados, como a SS ou a SA, foram constituídos, assim como a força aérea e forças policiais. Alguns juristas se perguntam: como uma carta magna, tão estudada e propagada, pode ter dado espaço para chegar ao poder, sem voto, alguém como Hitler. Ora, parece que a explicação está no seio da própria ciência jurídica: entre as disciplinas comuns em cursos de Direito, estão Epistemologia, Sociologia, Filosofia, Linguagem Jurídica e Hermenêutica; isso porque se sabe tratar-se de uma ciência compreensiva e não algo de absoluto. Isso significa que dependem de interpretações. Nenhum problema pela Constituição de Weimar possibilitar ascender a chefia do executivo um cidadão sem voto, mas por não ter controle sobre ele de modo que assim como ascendeu pode também juntar a ele outras partes do estado. Nenhum problema com a troca de um governante; o problema é quando não se tem o controle certo, de modo que ascende alguém sem a legitimidade do voto.