quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Dom Sebastião Nunca Voltará

Se a mão coça não quer dizer que o dinheiro vem, se vestir roupa branca não quer dizer que o ano será bom, assim como não haverá sorte por que se comeu lentilha ou por que se deu pulinhos nas ondas do mar, ou por que se pernoitou em um retiro com o intuito de recuperar energias, ou por que repetiu mil vezes um mantra. Por mais que esperassem, Dom Sebastião não voltou; não voltou e jamais voltará com seu exército encantado para salvar a população dos seus medos, dos seus desenganos e toda a sorte das suas frustrações. O próximo ano não mudará. As pessoas sim poderão mudar os seus comportamentos e com eles as suas ações. O ano não existe; o que existe é uma convenção criada pela civilização humana com o intuito de medir o envelhecimento de todas as coisas. Durante séculos os portugueses esperaram o retorno do rei Dom Sebastião; aquele que historicamente se diz que fora morto na batalha de Al-cacer Quibir, norte da África e que - para o povo - voltaria com seu exército trazendo riquezas e prosperidade. Um cadáver fora trazido a lusitana terra, mas nunca admitido como os restos mortais do rei querido, assim como vários cavaleiros andantes se apresentaram como o próprio rei que voltara. Dom Sebastião não voltou. Durante a Guerra dos Canudos no nordeste brasileiro, os sertanejos acreditaram que seriam socorridos pelo exército encantado de Dom Sebastião que os auxiliaria contra os homens armados dessa república ateia brasileira. Alguns anos depois em terras catarinenses estourou a Guerra do Contestado; os sertanejos lutaram pela posse da terra, contra a estrada de ferro das empresas multinacionais e mais uma vez esperaram a vinda de Dom Sebastião. São José Maria pregava que ele viria com seu exército encantado para liderá-los e levá-los a vitória. Por mais que o sebastianismo sobreviva na mentalidade de muita gente, Dom Sebastião não voltou e nunca voltará. Não existem "dons-sebastiões" que resolvam os problemas das pessoas, que salvem a tudo e a todos. Não há salvação que não seja feita pelas próprias ações: os problemas se resolvem quando as pessoas fazem por acontecer. O próximo ano será sempre conseqüência do que se fizera no ano anterior. Cores de roupas, números, horóscopos, lentilhas, orações, tudo isso, precisa ser acompanhado de três atitudes: muita leitura, prática e dedicação. A melhor forma de realizar um sonho é acordar e partir para ação, já que Dom Sebastião não voltará e os humanos nada mais são que seres que fazem a sua própria história. Ou não.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Marx: é Preciso Uma Busca Radical

Uma coisa é certa: o movimento político de esquerda em todo o mundo vai além das simpatias e filiações partidárias e todos os grupos se fundamentarem em torno de uma luta radical - democrática ou armada - por uma sociedade mais justa e fraterna. O que não se diz é que o pensador que fundamenta, mais ou menos, essa luta política com seus conceitos de alienação, práxis, consciência de classe, dialética materialista etc, é Karl Heinrich Marx. Com isso é muito comum que esquerdistas o interpretem de forma superficial, assim como também fazem os fascistas (membros de uma corrente política de direita que valorizam uma elite local, calcados em uma economia de mercado). Superficialidade porque ao fazerem isso se distanciam daquilo que o pensador afirmou; enquanto os primeiros o aceitam sem qualquer análise crítica, histórica e conceitual, os outros o repelem com medo sem se quer tentar entendê-lo. Afinal, o grande mal, impedidor do conhecimento de um tema são vários os pontos, mas a falta de um fundamento é o mal maior já que é o fomentador de todos os outros males. Quer dizer: no estudo de um tema qualquer é preciso ser radical e é preciso fazer isso se despindo de qualquer passionalidade (amor, ódio ou medo). Ora, o pensamento de Marx é contemporâneo e assim permanecerá por muitos anos como tantos pensadores importantes e necessários para a "intelligentsia" mundial. Nada mais. Muitos já falaram que para entender Marx é preciso buscar Hegel e que para entender esse é preciso buscar Kant - e é uma grande verdade, mas poucos levaram isso em consideração. Immanuel Kant botou o tempo na filosofia: aquilo que se ouve, se vê ou se toca agora será entendido a partir de um processamento do que já se fizera em outro momento e assim, subsequentemente. E esse processo ele chamou de crítica. De posse dessas linhas gerais Georg F. Hegel afirmou que se o que se entende hoje é diferente do que se entende amanhã é porque a humanidade é filha de sua própria história. Por isso, tudo que se sabe nada mais é que uma tese no confronto com outra (antítese) que gera ainda uma outra tese (síntese) e assim por diante. Marx levou isso mais adiante e afirmou que o homem é sim fruto de sua história e também seu construtor, mas que essa nada mais é que o modo como se produz para viver, desde os primórdios de sua existência. Enfim, os radicais de esquerda precisam se aprofundar nesses pontos e muito outros, para que não acabem fazendo jogo contrário à tudo o que próprio Marx propôs, assim como os direitistas precisam estudar Marx, Hegel e Kant, para não falarem bobagens e não criarem fantasmas. (OBs. Publicações sempre segunda e quinta-feira).

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Religião, o Que é Isso?

Quando as pessoas refletem sobre religiosidade o fazem partindo do conceito de religião, mas isso sob o ponto de vista de uma "verdade" não criticável: deus ou deuses existem e a religião significa o religar do homem ao seu criador. Nesse caso, como ficaria o pensamento do ateu? Descartado? Se assim for o tema será debatido apenas sob uma tendência, mas a filosofia exclui qualquer possibilidade de dogmas. E, nessa altura da discussão, alguém poderia questionar se o ateu deveria ou não ser levado em consideração tendo em vista a sua não crença no objeto em debate. Certamente que há um desencontro no conceito de religião quando é elaborado pelo crente ou pelo ateu, mas - pelo que se foi afirmado - filosoficamente é preciso que se leve em conta todas as considerações. Isso porque é confortável ouvir as próprias "verdades", mas se assim o fizer não se está buscando a verdade, mas a tranquilidade do próprio espírito. Assim, para o ateu a religião não liga nada a lugar nenhum; não passaria de um construção humana, proveniente das suas frustrações do cotidiano, devido a falta de respostas para as suas perguntas existenciais. Nesse caso, o homem criara Deus não a sua imagem e semelhança, mas a imagem e semelhança de suas vontades, de suas buscas e a religião não passaria de uma ideologia a alienar pessoas com o propósito de uma dominação social. Enquanto isso, para o crente, há sim um deus, ou vários deuses, que criaram tudo que existe e interfere, ou não, nas ações das pessoas e religião é - então - uma forma de se ligar a ele. Dessa forma, o crente orienta o seu trabalho, os seus discursos, as suas decisões e todas as suas ações em torno das concepções religiosas e, se não o fizer, viverá sob um remorso, dependendo de sua maior ou menor ligação a essa crença. A religião, enquanto fenômeno, não se discute, tendo em vista que se trata de uma experiência com o ser divino, uma introspecção da criatura com o seu possível criador. O que não acontece com o ateu que não vive essa experiência e acredita ser esse apenas um assunto de ordem psíquica. Entretanto, como fica a situação, tendo em vista que o conceito precisa ser uma expressão da experiência de cada um? Aí reside uma antinomia, já que não há termos para um acordo. Juntando os dois lados pode-se dizer que a religião é um conjunto de ideias, portanto uma ideologia, que busca uma ligação com um ser divino. Se essa concepção religiosa é alienante ou não, dependendo da estrutura construída na mente de cada um, ou da experiência religiosa, se alguém preferir.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Uma Data: o Deus Sol, o Menino Deus e o Deus Consumo

O comum é que as diferentes religiões instaladas em sociedades civilizadas - pelo menos as predominantes - adotem em seus calendários os dias a serem guardados. E assim é o caso do Cristianismo que possui, além dos dias de santos, as duas principais datas: a Sexta-Feira Santa que se guarda a morte e ressurreição de Jesus e o Natal, o nascimento. Entretanto, como o documento que relata a história da religião, a Bíblia, não trate de datas (até porque seguiam-se outros calendários), as lideranças de Igreja estabeleceram, arbitrariamente, os dias a serem guardados. Assim surgiu o Natal, um feriado cristão comemorado anualmente no dia 25 de dezembro (os países eslavos que são católicos ortodoxos e seguem o calendário Juliano, comemoram em data que seria para os ocidentais, o dia 7 de janeiro). Originalmente os europeus pagãos destinavam esse dia a celebrar o nascimento anual do Deus Sol no solstício de inverno (natalis invicti Solis), mas a festividade foi re-significada pelos monges católicos nos três primeiros séculos da era cristãs com o propósito de estimular a conversão dos pagãos, então sob o domínio do Império Romano passando-se a comemorar o nascimento do Menino Jesus. Interessante é que, mesmo sendo uma data genuinamente cristã, o Natal ampliou-se e atualmente é comemorado também por não-cristãos da Ásia e da África. Uma característica dessa data é o ato de dar presentes que parece estar calcado no fato de o nascimento de Jesus ter sido visitado por reis vindo do Oriente que o teriam presenteado com ouro, incenso e mirra. Entretanto, esse hábito fraterno de trocar presentes, cartões e juntos fazerem a ceia de Natal, nos últimos dois séculos tem sido contaminado pelo sistema capitalista de produção, ficando na maioria dos casos, apenas em uma necessidade de consumo. Acontece que, como o nascimento de Jesus é um fato exclusivamente cristão, criaram -se, nos últimos tempos, a figura do Bom Velhinho, o Papai Noel, como forma de ser cada vez mais aceito por não-cristãos. Assim, o Natal atual sofre mudanças e o nascimento do Menino Deus torna-se cada vez mais a cada ano um acontecimento significativo para várias partes do mundo como um período de reforçar a econômica, uma chave para melhorar os negócios no comércio e na indústria. Certamente que nos dias de hoje ainda é uma data que inspira bons sentimentos, mas como tudo muda, já se percebe a curto prazo, mudanças profundas. E se o dia 25 de dezembro teve um dia uma ressignificação passando da comemoração ao Deus Sol para o nascimento do Menino Deus, agora - com a incorporação do Papai Noel - passa para uma outra fase: um momento importante para fortalecer a economia com incentivos a compra de comidas diferentes, muitas bebidas, roupas novas, carro e todo o tipo de endeusamento do consumo. (OBs. Os artigos são publicados semanalmente as segundas e quintas)

sábado, 19 de dezembro de 2015

Felicidade, Uma Construção

Numa época em que se aceita a ideia de que cada indivíduo deve buscar a sua felicidade, mas se age dentro de um espírito de massa, sem qualquer reflexão sobre seu estado de espírito convém que se façam as devidas considerações. Alguns buscam um estado espiritual de felicidade nos entorpecentes, outros, na salvação da alma, outros na luta político-ideológica, ainda outros na dedicação ao trabalho e assim por diante. Entretanto, esses motores de felicidade se encerram em si próprios: a vergonha pelo uso do álcool, da cocaína ou dos remédios faixa preta pode levar a uma infelicidade; assim como o caminho para a salvação da alma pode não ser o esperado devido a frustração com os dirigentes da fé; ou a luta política pode não ser aquela que pensara anteriormente, já que tudo muda, tudo se altera; enfim, economia entra em crise e o sistema exclui aquele que encontra felicidade no trabalho. E aí volta-se à estaca zero, infelicidade. Ora, se a felicidade não reside na ingestão de produtos químicos, na dedicação ao trabalho ou na busca pela salvação eterna volta-se às perguntas: o que move a humanidade? Existe uma plenitude de felicidade? Tema esse que muitos pensadores já se debruçaram, mas que ninguém concluiu com satisfação, nem sobre o conceito e muito menos sobre o fenômeno em si. Acontece que os seres são movidos pelo que lhe acomoda, através daquilo que - para os humanos - se denominou: "princípio do prazer" - uma eterna busca por um conforto espiritual. No entanto essa busca está fadada ao fracasso, tendo em vista a impossibilidade de o mundo real satisfazer os desejos do indivíduo. A felicidade plena é possível. Entretanto, é preciso que se tenha algumas atitudes: felicidade não está no sistema político, não está num princípio religioso e muito menos em aquisição de mais e mais bens materiais. Esse fenômeno precisa ser construído internamente, na consciência do indivíduo; primeiro: diminuir ao máximo as expectativas com a realidade no entorno, calcular cada passo que se dá para que não o levem ao sofrimento; e, finalmente, fazer tudo o que a vontade mandar dentro do tempo de vida que resta. Assim, quem busca a felicidade fora de si está fadado ao sofrimento. Ou seja: não é algo a ser buscado em algum lugar ou recebido como presente, mas a ser construído no dia a dia a partir de uma constante reengenharia da vida. Só há uma pessoa responsável pela felicidade: o próprio humano, se ele tiver a capacidade de pensar a estética da sua própria existência.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

"Impeachment" ou Golpe?

A grande dificuldade da Ciência Política e das ciências humanas de um modo geral é a tentativa de entendê-la, de opinar e mesmo de tomar decisões sob a ótica de um senso comum. Alguns pensam que sabem algo, mas apenas seguem fielmente os caprichos da imprensa - que por sua vez defende sempre uma ou outra tendência - enquanto outros, o que é pior, seguem o boca-a-boca e as mídias sociais. Por isso, nos tempos atuais, alguns falam em "impeachment", enquanto outros falam em golpe, mas poucos sabem o que estão dizendo. A primeira - uma expressão em Português, mas que os brasileiros ficam felizes em falarem na língua estadunidense - foi usada pela primeira vez quando homens ligados ao presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, espionavam os opositores. Depois de vários meses de inquérito, o presidente daquele país sofreu um processo de impedimento e perdeu o mandato; a partir daí, a expressão tomou conta na periferia do mundo. Impedimento e golpe estão juntos, imbricados em um fenômeno composto de inúmeras elementos (economia, leis, conjuntura política ideologia partidária etc), o que dificulta a compreensão. Em geral, as constituições modernas e as leis federais rezam sobre a possibilidade de um processo de impedimento em cada país. Mas isso é também um golpe, já que o caso nada mais é que tirar o outro do poder por uma oposição que sangra uma derrota e vê no impedimento mais uma oportunidade de tomar o lugar. Em 1964 os militares brasileiros deram um golpe de estado impedindo João Goulart de continuar a frente do governo. Quando se usa a expressão diz-se golpe de estado quando o sentido é geral ou golpe palaciano, quando vem da esfera legislativo/executivo. Toda facção que golpeia diz ser "impeachment" e o faz se dizendo de acordo com a constituição, com todas as demais leis do país, com princípios morais e religiosos, como forma de legitimar a ação. Entretanto, poucas são as leis fechadas e claras. Todas, em geral, possibilitam mil interpretações; muito mais a constituição federal brasileira que ao mesmo tempo que inicia invocando o nome de Deus determina também que o estado seja leigo. Sendo assim, pode-se dizer que um grupo político se opõem a um dado governo e tenta arrancar seus mandatários do poder fazendo uso de interpretações legais, no que o outro se defende também se dizendo embasado juridicamente. Enfim, golpe nada mais é que um termo pejorativo de impedimento ou, se quiserem uma expressão em Inglês, do tal "impeachment".

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A Maçonaria e as Lutas Sociais

Nesses tempos em que a maçonaria se diz não mais secreta, mas apenas discreta, ou quando ela se insere na política brasileira visando ou a defesa de um continuísmo direitista - indo para as ruas com estandartes contrários às políticas sociais convém que se faça algumas reflexões a respeito. Nesses tempos estranhos ela quebra a defesa dos interesses populares e nacionais como aqueles tecidos com a insígnia da Liberdade, Igualdade e Fraternidade Ora, se o sistema republicano e democrático, com a legitimidade no voto, nasceu com os antigos romanos e gregos, se fortaleceu na modernidade a partir das convenções maçônicas ocorridas nos clube liberais, às escondidas e marcadas por apertos de mão, nas assinaturas pontuadas e outros gestos. Se a Igualdade defendia as oportunidades que deveriam ser oportunizada para cada cidadão, a Fraternidade trazia o simbolismo do apoio ao menos favorecido e a Liberdade trazia dentro de si a força da democracia e o respeito ao jogo democrático. Na história mundial é muito comum se ler sobre irmandades, partidos ou qualquer agrupamento de pessoas que se formaram com interesses políticos, religiosos ou econômicos - ou tudo isso de uma só vez. Foi assim que a maçonaria se inscreveu com sucesso na história participando dos maiores eventos políticos ocorridos no ocidente cristão: da Indecência dos Estados Unidos a Revolução Francesa; no Brasil, da Independência a Proclamação da República. Mas se um dia essa mesma maçonaria se ergueu contra papas, reis e imperadores, na defesa dos povos famintos, oprimidos pela nobreza opulenta, não tem sentido que nos tempos atuais inverta o seu papel e se renda aos interesses dos pequenos grupos de privilegiados. Os maçons se opuseram contra Luiz 16 na França não por se sentir na obrigação de ser contra um dado governo, mas porque esse havia feito a clara opção em manter os privilégios do antigo regime. O que está ocorrendo? Os tempos são outros, a força maçônica já não é mais a mesma e, portanto, já não se faz mais necessária uma instituição medieval? Não é isso. Perdeu o foco. Perdeu o sentido de sua existência (no Brasil de hoje, principalmente) se fechando como instrumento de manutenção dos privilégios de alguns poucos. Isso é uma perda para a sociedade tendo em vista que se perde mais uma histórica força transformadora, mas não acaba provocando um mal maior, já que quando uma instituição perde o seu foco vai junto seu prestígio e, consequentemente, a sua capacidade de inserção.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Democracia, Um Cristal Fino

Quase 2500 anos depois dos gregos, a democracia persiste entre alguns povos na atualidade como um sistema que integra o político, o social e o econômico; pregado e reivindicado por todos, mas de difícil manutenção. Filosoficamente é um conceito complexo. A dificuldade de sua manutenção reside, primeiramente, na necessidade de respeito ao jogo político pretendido e a aceitação dos resultados; só então é que vem o estabelecimento das igualdades sociais. A democracia, como fenômeno político eleitoral, foi iniciada pelos antigos atenienses e consistia apenas em um sistema de votação que os cidadãos da polis (homens com maioridade, nascidos na cidade) escolhiam livremente - após intenso debate nas ruas e praças - o governante preferido. A grande diferença dos demais povos é que enquanto os outros mandatários necessitavam de legitimidade divina para governar (ungidos dos deuses, filhos de deuses ou um próprio deus), para os helenos a legitimidade estava unicamente no voto. Nos tempos atuais um governante ou liderança de qualquer natureza, em sã consciência defende a democracia - não por ser um democrata, mas porque é politicamente correto se posicionar de tal forma. As atitudes do presidente da república, de um professor em sala de aula ou de um sacerdote em sua igreja nem sempre são democráticas, mas nenhum deles se aventurariam a defender algo diferente. A democracia é bem mais que um conceito a ser exposto em meia dúzia de linhas ou debatido nas esquinas, dando a ideia de que é apenas a ação de votar e ser votado. Aí reside a complexidade. É preciso que haja oposição e que o seu confronto com a situação paire no campo das ideias e não em ressentimentos de perdedores; é preciso ainda que haja imparcialidade por parte do judiciário, da imprensa, do ministério público e das conferências religiosas ou que suas posições sejam as melhores para sociedade em geral. Ora, para manter isso é preciso que as instituições tenham às suas frentes, não pessoas que vêm suas vidas públicas como extensão de suas vidas privadas, mas que sejam executoras das vontades genuinamente populares. E ainda mais: dentro das dificuldades de se manter um sistema que se pretenda democrático é preciso saber que isso se faz com autonomia, imparcialidade, desprendimento e abnegação por parte de cada membro da sociedade. Esse fenômeno político é uma busca constante, uma utopia, uma realidade a ser perseguida para sempre e portanto é necessário que cada pessoa que se entenda como cidadão lute pela sua manutenção e seu fortalecimento. Enfim, democracia é como um cristal fino que se quebra com muita facilidade, mas que não se cola assim tão facilmente. E quando colado as marcas se mostram profundas na economia, na política, na imprensa, na educação e, consequentemente, no modo de pensar do cidadão comum. E tudo se reproduz.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Judiciário Brasileiro e Sociedade

Algumas áreas das ciências humanas e sociais atêm-se incessantemente sobre a difícil tarefa de explicar o papel do estado brasileiro na organização da sociedade; algumas se especializaram em mostrar as funções do executivo, outras as do legislativo e, por fim, outras as do judiciário. Esse último, com as características peculiares emanadas da meritocracia, ao lado do ministério público, tem ficado ao cargo quase que exclusivamente da ciência do Direto, mas que tem mostrado apenas a sua estrutura burocrática, o seu aspecto funcional e legal. Talvez não se devesse analisar o papel do poder judiciário em si, mas a ação dos indivíduos, frente às suas suas funções judiciais, sob aspectos de formação, legais e éticos. Acontece que essa parte do estado, pouco estudada, tem dado uma contribuição fraca para o desenvolvimento da sociedade no sentido de levar os indivíduos a uma vida mais digna. Essa pouca contribuição se deve principalmente à falta, ou pouca, formação humanística por parte dos senhores magistrados. No Direito se fala em positivismo jurídico e em pluralismo jurídico, mas também se pode falar em magistrados burocratas e em magistrados legisladores, além daqueles que - certamente - são possuidores de uma profunda formação sociológica, filosófica e jurídica - bem como são portadores de uma preocupação social. Aqueles dois primeiros grupos, se por um lado se aferram às leis completamente, destituídos do aspecto humanístico, por outro, de tanto ouvirem falar de respeito aos grupos sociais, mas sem uma reflexão crítica do papel do judiciário por vezes pisam na lei construída democraticamente. E isso tudo sempre referendado pelo círculo operadores do direito que vê na figura do juiz alguém que tem sempre altas formações acadêmicas; quase alguém além do bem e do mal. Essa visão dificulta uma análise mais criteriosa, uma crítica apurada sobre o desempenho do magistrado. E o resultado disso se revela sob vários aspectos: a sociedade distante do judiciário, certas decisões jurídicas no mínimo estranhas, baixos índices populares de confiança no judiciário e o espírito de corpo falando mais alto que a civilidade da função. Assim, juntamente com os demais poderes, leva o cidadão comum - aquele que paga a conta - a duvidar da verdadeira intenção e função do estado para a sua vida. No entanto, se o legislativo e o executivo sofrem ataques midiáticos a todo instante, no que diz respeito às suas ações, poucos se aventuraram a dizer algo sobre os trabalhos do judiciário. Em fim, não se faz necessário repetir a sua importância em uma sociedade sadia, mas - dependendo dos seus condutores - o estado poderá ser mais um entrave na construção de uma sociedade digna e feliz. (Obs. Esses artigos são sempre publicados nas segundas e quintas-feiras).