quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Dom Sebastião Nunca Voltará

Se a mão coça não quer dizer que o dinheiro vem, se vestir roupa branca não quer dizer que o ano será bom, assim como não haverá sorte por que se comeu lentilha ou por que se deu pulinhos nas ondas do mar, ou por que se pernoitou em um retiro com o intuito de recuperar energias, ou por que repetiu mil vezes um mantra. Por mais que esperassem, Dom Sebastião não voltou; não voltou e jamais voltará com seu exército encantado para salvar a população dos seus medos, dos seus desenganos e toda a sorte das suas frustrações. O próximo ano não mudará. As pessoas sim poderão mudar os seus comportamentos e com eles as suas ações. O ano não existe; o que existe é uma convenção criada pela civilização humana com o intuito de medir o envelhecimento de todas as coisas. Durante séculos os portugueses esperaram o retorno do rei Dom Sebastião; aquele que historicamente se diz que fora morto na batalha de Al-cacer Quibir, norte da África e que - para o povo - voltaria com seu exército trazendo riquezas e prosperidade. Um cadáver fora trazido a lusitana terra, mas nunca admitido como os restos mortais do rei querido, assim como vários cavaleiros andantes se apresentaram como o próprio rei que voltara. Dom Sebastião não voltou. Durante a Guerra dos Canudos no nordeste brasileiro, os sertanejos acreditaram que seriam socorridos pelo exército encantado de Dom Sebastião que os auxiliaria contra os homens armados dessa república ateia brasileira. Alguns anos depois em terras catarinenses estourou a Guerra do Contestado; os sertanejos lutaram pela posse da terra, contra a estrada de ferro das empresas multinacionais e mais uma vez esperaram a vinda de Dom Sebastião. São José Maria pregava que ele viria com seu exército encantado para liderá-los e levá-los a vitória. Por mais que o sebastianismo sobreviva na mentalidade de muita gente, Dom Sebastião não voltou e nunca voltará. Não existem "dons-sebastiões" que resolvam os problemas das pessoas, que salvem a tudo e a todos. Não há salvação que não seja feita pelas próprias ações: os problemas se resolvem quando as pessoas fazem por acontecer. O próximo ano será sempre conseqüência do que se fizera no ano anterior. Cores de roupas, números, horóscopos, lentilhas, orações, tudo isso, precisa ser acompanhado de três atitudes: muita leitura, prática e dedicação. A melhor forma de realizar um sonho é acordar e partir para ação, já que Dom Sebastião não voltará e os humanos nada mais são que seres que fazem a sua própria história. Ou não.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Marx: é Preciso Uma Busca Radical

Uma coisa é certa: o movimento político de esquerda em todo o mundo vai além das simpatias e filiações partidárias e todos os grupos se fundamentarem em torno de uma luta radical - democrática ou armada - por uma sociedade mais justa e fraterna. O que não se diz é que o pensador que fundamenta, mais ou menos, essa luta política com seus conceitos de alienação, práxis, consciência de classe, dialética materialista etc, é Karl Heinrich Marx. Com isso é muito comum que esquerdistas o interpretem de forma superficial, assim como também fazem os fascistas (membros de uma corrente política de direita que valorizam uma elite local, calcados em uma economia de mercado). Superficialidade porque ao fazerem isso se distanciam daquilo que o pensador afirmou; enquanto os primeiros o aceitam sem qualquer análise crítica, histórica e conceitual, os outros o repelem com medo sem se quer tentar entendê-lo. Afinal, o grande mal, impedidor do conhecimento de um tema são vários os pontos, mas a falta de um fundamento é o mal maior já que é o fomentador de todos os outros males. Quer dizer: no estudo de um tema qualquer é preciso ser radical e é preciso fazer isso se despindo de qualquer passionalidade (amor, ódio ou medo). Ora, o pensamento de Marx é contemporâneo e assim permanecerá por muitos anos como tantos pensadores importantes e necessários para a "intelligentsia" mundial. Nada mais. Muitos já falaram que para entender Marx é preciso buscar Hegel e que para entender esse é preciso buscar Kant - e é uma grande verdade, mas poucos levaram isso em consideração. Immanuel Kant botou o tempo na filosofia: aquilo que se ouve, se vê ou se toca agora será entendido a partir de um processamento do que já se fizera em outro momento e assim, subsequentemente. E esse processo ele chamou de crítica. De posse dessas linhas gerais Georg F. Hegel afirmou que se o que se entende hoje é diferente do que se entende amanhã é porque a humanidade é filha de sua própria história. Por isso, tudo que se sabe nada mais é que uma tese no confronto com outra (antítese) que gera ainda uma outra tese (síntese) e assim por diante. Marx levou isso mais adiante e afirmou que o homem é sim fruto de sua história e também seu construtor, mas que essa nada mais é que o modo como se produz para viver, desde os primórdios de sua existência. Enfim, os radicais de esquerda precisam se aprofundar nesses pontos e muito outros, para que não acabem fazendo jogo contrário à tudo o que próprio Marx propôs, assim como os direitistas precisam estudar Marx, Hegel e Kant, para não falarem bobagens e não criarem fantasmas. (OBs. Publicações sempre segunda e quinta-feira).

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Religião, o Que é Isso?

Quando as pessoas refletem sobre religiosidade o fazem partindo do conceito de religião, mas isso sob o ponto de vista de uma "verdade" não criticável: deus ou deuses existem e a religião significa o religar do homem ao seu criador. Nesse caso, como ficaria o pensamento do ateu? Descartado? Se assim for o tema será debatido apenas sob uma tendência, mas a filosofia exclui qualquer possibilidade de dogmas. E, nessa altura da discussão, alguém poderia questionar se o ateu deveria ou não ser levado em consideração tendo em vista a sua não crença no objeto em debate. Certamente que há um desencontro no conceito de religião quando é elaborado pelo crente ou pelo ateu, mas - pelo que se foi afirmado - filosoficamente é preciso que se leve em conta todas as considerações. Isso porque é confortável ouvir as próprias "verdades", mas se assim o fizer não se está buscando a verdade, mas a tranquilidade do próprio espírito. Assim, para o ateu a religião não liga nada a lugar nenhum; não passaria de um construção humana, proveniente das suas frustrações do cotidiano, devido a falta de respostas para as suas perguntas existenciais. Nesse caso, o homem criara Deus não a sua imagem e semelhança, mas a imagem e semelhança de suas vontades, de suas buscas e a religião não passaria de uma ideologia a alienar pessoas com o propósito de uma dominação social. Enquanto isso, para o crente, há sim um deus, ou vários deuses, que criaram tudo que existe e interfere, ou não, nas ações das pessoas e religião é - então - uma forma de se ligar a ele. Dessa forma, o crente orienta o seu trabalho, os seus discursos, as suas decisões e todas as suas ações em torno das concepções religiosas e, se não o fizer, viverá sob um remorso, dependendo de sua maior ou menor ligação a essa crença. A religião, enquanto fenômeno, não se discute, tendo em vista que se trata de uma experiência com o ser divino, uma introspecção da criatura com o seu possível criador. O que não acontece com o ateu que não vive essa experiência e acredita ser esse apenas um assunto de ordem psíquica. Entretanto, como fica a situação, tendo em vista que o conceito precisa ser uma expressão da experiência de cada um? Aí reside uma antinomia, já que não há termos para um acordo. Juntando os dois lados pode-se dizer que a religião é um conjunto de ideias, portanto uma ideologia, que busca uma ligação com um ser divino. Se essa concepção religiosa é alienante ou não, dependendo da estrutura construída na mente de cada um, ou da experiência religiosa, se alguém preferir.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Uma Data: o Deus Sol, o Menino Deus e o Deus Consumo

O comum é que as diferentes religiões instaladas em sociedades civilizadas - pelo menos as predominantes - adotem em seus calendários os dias a serem guardados. E assim é o caso do Cristianismo que possui, além dos dias de santos, as duas principais datas: a Sexta-Feira Santa que se guarda a morte e ressurreição de Jesus e o Natal, o nascimento. Entretanto, como o documento que relata a história da religião, a Bíblia, não trate de datas (até porque seguiam-se outros calendários), as lideranças de Igreja estabeleceram, arbitrariamente, os dias a serem guardados. Assim surgiu o Natal, um feriado cristão comemorado anualmente no dia 25 de dezembro (os países eslavos que são católicos ortodoxos e seguem o calendário Juliano, comemoram em data que seria para os ocidentais, o dia 7 de janeiro). Originalmente os europeus pagãos destinavam esse dia a celebrar o nascimento anual do Deus Sol no solstício de inverno (natalis invicti Solis), mas a festividade foi re-significada pelos monges católicos nos três primeiros séculos da era cristãs com o propósito de estimular a conversão dos pagãos, então sob o domínio do Império Romano passando-se a comemorar o nascimento do Menino Jesus. Interessante é que, mesmo sendo uma data genuinamente cristã, o Natal ampliou-se e atualmente é comemorado também por não-cristãos da Ásia e da África. Uma característica dessa data é o ato de dar presentes que parece estar calcado no fato de o nascimento de Jesus ter sido visitado por reis vindo do Oriente que o teriam presenteado com ouro, incenso e mirra. Entretanto, esse hábito fraterno de trocar presentes, cartões e juntos fazerem a ceia de Natal, nos últimos dois séculos tem sido contaminado pelo sistema capitalista de produção, ficando na maioria dos casos, apenas em uma necessidade de consumo. Acontece que, como o nascimento de Jesus é um fato exclusivamente cristão, criaram -se, nos últimos tempos, a figura do Bom Velhinho, o Papai Noel, como forma de ser cada vez mais aceito por não-cristãos. Assim, o Natal atual sofre mudanças e o nascimento do Menino Deus torna-se cada vez mais a cada ano um acontecimento significativo para várias partes do mundo como um período de reforçar a econômica, uma chave para melhorar os negócios no comércio e na indústria. Certamente que nos dias de hoje ainda é uma data que inspira bons sentimentos, mas como tudo muda, já se percebe a curto prazo, mudanças profundas. E se o dia 25 de dezembro teve um dia uma ressignificação passando da comemoração ao Deus Sol para o nascimento do Menino Deus, agora - com a incorporação do Papai Noel - passa para uma outra fase: um momento importante para fortalecer a economia com incentivos a compra de comidas diferentes, muitas bebidas, roupas novas, carro e todo o tipo de endeusamento do consumo. (OBs. Os artigos são publicados semanalmente as segundas e quintas)

sábado, 19 de dezembro de 2015

Felicidade, Uma Construção

Numa época em que se aceita a ideia de que cada indivíduo deve buscar a sua felicidade, mas se age dentro de um espírito de massa, sem qualquer reflexão sobre seu estado de espírito convém que se façam as devidas considerações. Alguns buscam um estado espiritual de felicidade nos entorpecentes, outros, na salvação da alma, outros na luta político-ideológica, ainda outros na dedicação ao trabalho e assim por diante. Entretanto, esses motores de felicidade se encerram em si próprios: a vergonha pelo uso do álcool, da cocaína ou dos remédios faixa preta pode levar a uma infelicidade; assim como o caminho para a salvação da alma pode não ser o esperado devido a frustração com os dirigentes da fé; ou a luta política pode não ser aquela que pensara anteriormente, já que tudo muda, tudo se altera; enfim, economia entra em crise e o sistema exclui aquele que encontra felicidade no trabalho. E aí volta-se à estaca zero, infelicidade. Ora, se a felicidade não reside na ingestão de produtos químicos, na dedicação ao trabalho ou na busca pela salvação eterna volta-se às perguntas: o que move a humanidade? Existe uma plenitude de felicidade? Tema esse que muitos pensadores já se debruçaram, mas que ninguém concluiu com satisfação, nem sobre o conceito e muito menos sobre o fenômeno em si. Acontece que os seres são movidos pelo que lhe acomoda, através daquilo que - para os humanos - se denominou: "princípio do prazer" - uma eterna busca por um conforto espiritual. No entanto essa busca está fadada ao fracasso, tendo em vista a impossibilidade de o mundo real satisfazer os desejos do indivíduo. A felicidade plena é possível. Entretanto, é preciso que se tenha algumas atitudes: felicidade não está no sistema político, não está num princípio religioso e muito menos em aquisição de mais e mais bens materiais. Esse fenômeno precisa ser construído internamente, na consciência do indivíduo; primeiro: diminuir ao máximo as expectativas com a realidade no entorno, calcular cada passo que se dá para que não o levem ao sofrimento; e, finalmente, fazer tudo o que a vontade mandar dentro do tempo de vida que resta. Assim, quem busca a felicidade fora de si está fadado ao sofrimento. Ou seja: não é algo a ser buscado em algum lugar ou recebido como presente, mas a ser construído no dia a dia a partir de uma constante reengenharia da vida. Só há uma pessoa responsável pela felicidade: o próprio humano, se ele tiver a capacidade de pensar a estética da sua própria existência.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

"Impeachment" ou Golpe?

A grande dificuldade da Ciência Política e das ciências humanas de um modo geral é a tentativa de entendê-la, de opinar e mesmo de tomar decisões sob a ótica de um senso comum. Alguns pensam que sabem algo, mas apenas seguem fielmente os caprichos da imprensa - que por sua vez defende sempre uma ou outra tendência - enquanto outros, o que é pior, seguem o boca-a-boca e as mídias sociais. Por isso, nos tempos atuais, alguns falam em "impeachment", enquanto outros falam em golpe, mas poucos sabem o que estão dizendo. A primeira - uma expressão em Português, mas que os brasileiros ficam felizes em falarem na língua estadunidense - foi usada pela primeira vez quando homens ligados ao presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, espionavam os opositores. Depois de vários meses de inquérito, o presidente daquele país sofreu um processo de impedimento e perdeu o mandato; a partir daí, a expressão tomou conta na periferia do mundo. Impedimento e golpe estão juntos, imbricados em um fenômeno composto de inúmeras elementos (economia, leis, conjuntura política ideologia partidária etc), o que dificulta a compreensão. Em geral, as constituições modernas e as leis federais rezam sobre a possibilidade de um processo de impedimento em cada país. Mas isso é também um golpe, já que o caso nada mais é que tirar o outro do poder por uma oposição que sangra uma derrota e vê no impedimento mais uma oportunidade de tomar o lugar. Em 1964 os militares brasileiros deram um golpe de estado impedindo João Goulart de continuar a frente do governo. Quando se usa a expressão diz-se golpe de estado quando o sentido é geral ou golpe palaciano, quando vem da esfera legislativo/executivo. Toda facção que golpeia diz ser "impeachment" e o faz se dizendo de acordo com a constituição, com todas as demais leis do país, com princípios morais e religiosos, como forma de legitimar a ação. Entretanto, poucas são as leis fechadas e claras. Todas, em geral, possibilitam mil interpretações; muito mais a constituição federal brasileira que ao mesmo tempo que inicia invocando o nome de Deus determina também que o estado seja leigo. Sendo assim, pode-se dizer que um grupo político se opõem a um dado governo e tenta arrancar seus mandatários do poder fazendo uso de interpretações legais, no que o outro se defende também se dizendo embasado juridicamente. Enfim, golpe nada mais é que um termo pejorativo de impedimento ou, se quiserem uma expressão em Inglês, do tal "impeachment".

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A Maçonaria e as Lutas Sociais

Nesses tempos em que a maçonaria se diz não mais secreta, mas apenas discreta, ou quando ela se insere na política brasileira visando ou a defesa de um continuísmo direitista - indo para as ruas com estandartes contrários às políticas sociais convém que se faça algumas reflexões a respeito. Nesses tempos estranhos ela quebra a defesa dos interesses populares e nacionais como aqueles tecidos com a insígnia da Liberdade, Igualdade e Fraternidade Ora, se o sistema republicano e democrático, com a legitimidade no voto, nasceu com os antigos romanos e gregos, se fortaleceu na modernidade a partir das convenções maçônicas ocorridas nos clube liberais, às escondidas e marcadas por apertos de mão, nas assinaturas pontuadas e outros gestos. Se a Igualdade defendia as oportunidades que deveriam ser oportunizada para cada cidadão, a Fraternidade trazia o simbolismo do apoio ao menos favorecido e a Liberdade trazia dentro de si a força da democracia e o respeito ao jogo democrático. Na história mundial é muito comum se ler sobre irmandades, partidos ou qualquer agrupamento de pessoas que se formaram com interesses políticos, religiosos ou econômicos - ou tudo isso de uma só vez. Foi assim que a maçonaria se inscreveu com sucesso na história participando dos maiores eventos políticos ocorridos no ocidente cristão: da Indecência dos Estados Unidos a Revolução Francesa; no Brasil, da Independência a Proclamação da República. Mas se um dia essa mesma maçonaria se ergueu contra papas, reis e imperadores, na defesa dos povos famintos, oprimidos pela nobreza opulenta, não tem sentido que nos tempos atuais inverta o seu papel e se renda aos interesses dos pequenos grupos de privilegiados. Os maçons se opuseram contra Luiz 16 na França não por se sentir na obrigação de ser contra um dado governo, mas porque esse havia feito a clara opção em manter os privilégios do antigo regime. O que está ocorrendo? Os tempos são outros, a força maçônica já não é mais a mesma e, portanto, já não se faz mais necessária uma instituição medieval? Não é isso. Perdeu o foco. Perdeu o sentido de sua existência (no Brasil de hoje, principalmente) se fechando como instrumento de manutenção dos privilégios de alguns poucos. Isso é uma perda para a sociedade tendo em vista que se perde mais uma histórica força transformadora, mas não acaba provocando um mal maior, já que quando uma instituição perde o seu foco vai junto seu prestígio e, consequentemente, a sua capacidade de inserção.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Democracia, Um Cristal Fino

Quase 2500 anos depois dos gregos, a democracia persiste entre alguns povos na atualidade como um sistema que integra o político, o social e o econômico; pregado e reivindicado por todos, mas de difícil manutenção. Filosoficamente é um conceito complexo. A dificuldade de sua manutenção reside, primeiramente, na necessidade de respeito ao jogo político pretendido e a aceitação dos resultados; só então é que vem o estabelecimento das igualdades sociais. A democracia, como fenômeno político eleitoral, foi iniciada pelos antigos atenienses e consistia apenas em um sistema de votação que os cidadãos da polis (homens com maioridade, nascidos na cidade) escolhiam livremente - após intenso debate nas ruas e praças - o governante preferido. A grande diferença dos demais povos é que enquanto os outros mandatários necessitavam de legitimidade divina para governar (ungidos dos deuses, filhos de deuses ou um próprio deus), para os helenos a legitimidade estava unicamente no voto. Nos tempos atuais um governante ou liderança de qualquer natureza, em sã consciência defende a democracia - não por ser um democrata, mas porque é politicamente correto se posicionar de tal forma. As atitudes do presidente da república, de um professor em sala de aula ou de um sacerdote em sua igreja nem sempre são democráticas, mas nenhum deles se aventurariam a defender algo diferente. A democracia é bem mais que um conceito a ser exposto em meia dúzia de linhas ou debatido nas esquinas, dando a ideia de que é apenas a ação de votar e ser votado. Aí reside a complexidade. É preciso que haja oposição e que o seu confronto com a situação paire no campo das ideias e não em ressentimentos de perdedores; é preciso ainda que haja imparcialidade por parte do judiciário, da imprensa, do ministério público e das conferências religiosas ou que suas posições sejam as melhores para sociedade em geral. Ora, para manter isso é preciso que as instituições tenham às suas frentes, não pessoas que vêm suas vidas públicas como extensão de suas vidas privadas, mas que sejam executoras das vontades genuinamente populares. E ainda mais: dentro das dificuldades de se manter um sistema que se pretenda democrático é preciso saber que isso se faz com autonomia, imparcialidade, desprendimento e abnegação por parte de cada membro da sociedade. Esse fenômeno político é uma busca constante, uma utopia, uma realidade a ser perseguida para sempre e portanto é necessário que cada pessoa que se entenda como cidadão lute pela sua manutenção e seu fortalecimento. Enfim, democracia é como um cristal fino que se quebra com muita facilidade, mas que não se cola assim tão facilmente. E quando colado as marcas se mostram profundas na economia, na política, na imprensa, na educação e, consequentemente, no modo de pensar do cidadão comum. E tudo se reproduz.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Judiciário Brasileiro e Sociedade

Algumas áreas das ciências humanas e sociais atêm-se incessantemente sobre a difícil tarefa de explicar o papel do estado brasileiro na organização da sociedade; algumas se especializaram em mostrar as funções do executivo, outras as do legislativo e, por fim, outras as do judiciário. Esse último, com as características peculiares emanadas da meritocracia, ao lado do ministério público, tem ficado ao cargo quase que exclusivamente da ciência do Direto, mas que tem mostrado apenas a sua estrutura burocrática, o seu aspecto funcional e legal. Talvez não se devesse analisar o papel do poder judiciário em si, mas a ação dos indivíduos, frente às suas suas funções judiciais, sob aspectos de formação, legais e éticos. Acontece que essa parte do estado, pouco estudada, tem dado uma contribuição fraca para o desenvolvimento da sociedade no sentido de levar os indivíduos a uma vida mais digna. Essa pouca contribuição se deve principalmente à falta, ou pouca, formação humanística por parte dos senhores magistrados. No Direito se fala em positivismo jurídico e em pluralismo jurídico, mas também se pode falar em magistrados burocratas e em magistrados legisladores, além daqueles que - certamente - são possuidores de uma profunda formação sociológica, filosófica e jurídica - bem como são portadores de uma preocupação social. Aqueles dois primeiros grupos, se por um lado se aferram às leis completamente, destituídos do aspecto humanístico, por outro, de tanto ouvirem falar de respeito aos grupos sociais, mas sem uma reflexão crítica do papel do judiciário por vezes pisam na lei construída democraticamente. E isso tudo sempre referendado pelo círculo operadores do direito que vê na figura do juiz alguém que tem sempre altas formações acadêmicas; quase alguém além do bem e do mal. Essa visão dificulta uma análise mais criteriosa, uma crítica apurada sobre o desempenho do magistrado. E o resultado disso se revela sob vários aspectos: a sociedade distante do judiciário, certas decisões jurídicas no mínimo estranhas, baixos índices populares de confiança no judiciário e o espírito de corpo falando mais alto que a civilidade da função. Assim, juntamente com os demais poderes, leva o cidadão comum - aquele que paga a conta - a duvidar da verdadeira intenção e função do estado para a sua vida. No entanto, se o legislativo e o executivo sofrem ataques midiáticos a todo instante, no que diz respeito às suas ações, poucos se aventuraram a dizer algo sobre os trabalhos do judiciário. Em fim, não se faz necessário repetir a sua importância em uma sociedade sadia, mas - dependendo dos seus condutores - o estado poderá ser mais um entrave na construção de uma sociedade digna e feliz. (Obs. Esses artigos são sempre publicados nas segundas e quintas-feiras).

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Conceito, Discurso e Compreensão

As pessoas se orientam em suas vidas a partir dos conceitos formados e reformados ao longo de suas existências, tanto no que concerne a orientação de seus discursos e ações, quanto as suas capacidades de compreensão e, consequentemente, suas decisões. O problema é que o conceito que fora elaborado anteriormente para uma dada compreensão pode ser redirecionado de forma a orientar o indivíduo para uma compreensão completamente diferente. Isso acontece porque o conceito não retrata a coisa em si, nem apenas aquilo que se passa no campo das ideias, mas é uma palavra que retrata a relação entre a coisa é a construção histórica conceitual de cada indivíduo. Claro está que o conceito é um daqueles conceitos complexos e que, por conta disso, alguns filósofos já se debruçaram tanto sobre ele na tentativa de elucidá-lo. Isso explica como a palavra consciência, por exemplo, que fora pensada como uma experiência que a mente tem da coisa ou o fenômeno que ocorre na subjetividade do indivíduo, pode tornar-se qualquer condição contrária ao interlocutor. Ou crítica que fora pensada como o processamento e apuração de cada fenômeno apreendido pela mente e que virou, no senso comum, um falar mal de qualquer coisa. Acontece que conceito vem do latim, conseptus, que foi originado no verbo concipere, que significa "conter completamente" ou "formar dentro de si"), um substantivo masculino, que denota aquilo que a mente entende: ideia ou noção, a abstração de uma realidade. Pode ser também definido como uma unidade semântica, um símbolo mental ou uma unidade de conhecimento. Conceito corresponde então a representação num sistema de linguagem ou em uma simbologia e o termo pode ser usado em muitas áreas: matemática, astronomia, estatística, filosofia, física, biologia, química, economia e informática. Por isso os conceitos trazem em si uma daquelas dificuldades nas reflexões filosóficas de extrema complexidade já que o conceito cai na num discurso comum, não elaborado e que desvirtua e dificulta a compreensão das relações sociais. Por isso, na compreensão inversa: o radical pode se tornar a pessoa teimosa e exagerada, ou aquele que segue uma linha política pode ser o visto como o bitolado e o alienado, ou a pessoa consciente pode vir a ser apenas aquela que tem um discurso que vem ao encontro do que se pretende. Conceito, Discurso e Compreensão As pessoas se orientam em suas vidas a partir dos conceitos formados e reformados ao longo de suas existências, tanto no que concerne a orientação de seus discursos e ações, quanto as suas capacidades de compreensão e, consequentemente, suas decisões. O problema é que o conceito que fora elaborado anteriormente para uma dada compreensão pode ser redirecionado de forma a orientar o indivíduo para uma compreensão completamente diferente. Isso acontece porque o conceito não retrata a coisa em si, nem apenas aquilo que se passa no campo das ideias, mas é uma palavra que retrata a relação entre a coisa é a construção histórica conceitual de cada indivíduo. Claro está que o conceito é um daqueles conceitos complexos e que, por conta disso, alguns filósofos já se debruçaram tanto sobre ele na tentativa de elucidá-lo. Isso explica como a palavra consciência, por exemplo, que fora pensada como uma experiência que a mente tem da coisa ou o fenômeno que ocorre na subjetividade do indivíduo, pode tornar-se qualquer condição contrária ao interlocutor. Ou crítica que fora pensada como o processamento e apuração de cada fenômeno apreendido pela mente e que virou, no senso comum, um falar mal de qualquer coisa. Acontece que conceito vem do latim, conseptus, que foi originado no verbo concipere, que significa "conter completamente" ou "formar dentro de si"), um substantivo masculino, que denota aquilo que a mente entende: ideia ou noção, a abstração de uma realidade. Pode ser também definido como uma unidade semântica, um símbolo mental ou uma unidade de conhecimento. Conceito corresponde então a representação num sistema de linguagem ou em uma simbologia e o termo pode ser usado em muitas áreas: matemática, astronomia, estatística, filosofia, física, biologia, química, economia e informática. Por isso os conceitos trazem em si uma daquelas dificuldades nas reflexões filosóficas de extrema complexidade já que o conceito cai na num discurso comum, não elaborado e que desvirtua e dificulta a compreensão das relações sociais. Por isso, na compreensão inversa: o radical pode se tornar a pessoa teimosa e exagerada, ou aquele que segue uma linha política pode ser o visto como o bitolado e o alienado, ou a pessoa consciente pode vir a ser apenas aquela que tem um discurso que vem ao encontro do que se pretende.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Conservadorismo: o Medo e o Preconceito

A Política não segue sistemas fixos e monológicos, ela é uma ciência complexa, com linhas retas e curvas, com faces lisas e plissadas de modo tal que quase nunca se pode prever o desenlace seguinte. Mesmo assim, sendo ciência, como se pretende, ela trás nas suas entranhas algumas tendências: a repetição de linhas históricas em uma certa circularidade de forma que os encaminhamentos libertários e transformadores se alternam com pensamentos conservadores, em um indiscritível medo de mudanças profundas. E nessa circularidade percebe-se que nos tempos atuais acontece uma guinada para uma política extremamente fechada e reacionária, muito diferente do que se percebeu há duas ou três décadas. Aliás, desde a força transformadora e revolucionária da França de 1789 que a política mundial se alterna em tendências que priorizaram hora as grandes transformações e hora as visões reacionárias e medrosas. Após a Revolução Francesa viu-se uma onda conservadora pelo mundo a fora que seguiu durante toda a primeira metade do século 19 e que desembocou, na segunda metade - na "era das revoluções", com a Comuna da Paris, as unificações alemã e italiana e a Revolução Meiji, no Japão. Findado esse período, os primeiros 50 anos do século seguinte foram marcados por um conservadorismo extremo, de modo que uma direita fascista e xenofóbica levou a humanidade à Segunda Guerra Mundial. Já a segunda metade desse mesmo século foi marcada por lutas pelos direitos humanos, pela defesa das liberdades, quando - embalada pelo rock, a juventude gritou que era proibido proibir. Nesse momento lutava-se contra todos os tipos de regimes ditatoriais, contra a miséria alimentar, contra a miséria intelectual, pela paz e a favor da crítica e da liberdade política. Mas nem bem o século 21 começou para se ouvir os gritos dos conservadores contra os avanços sociais, contra as políticas de igualdades raciais, de igualdades de gênero, de igualdades para os homoafetivos etc. O mundo, nesses anos, deu uma guinada racista, preconceituosa e alimentou uma religiosidade retrógrada que se crê detentora de verdades políticas, científicas e sociais inquestionáveis, mas que remonta mesmo os tempos medievais. Como resultado de tudo isso ouve-se/lê-se nos últimos tempos os discursos mais conservadores sendo gritados até por intelectuais, juristas, religiosos, jornalistas, magistrados e professores de forma tal que se poderia negar a existência dos grandes movimentos sociais, revolucionários, já vividos pela humanidade. Esqueceram esses senhores que a espiral das vontades humanas retornará ao período dos grandes avanços sociais com profundas transformações, quer queiram eles ou não. A história não para.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Islamismo: História e Complexidade

Após receber os ensinamentos do anjo Gabriel, registrados num texto conhecido como Corão, ou Al-Corão, o profeta Maomé se deslocou com seus seguidores de Meca para Medina, numa retirada que seria lembrada na história como Hégira. Os cristãos contavam em seu calendário o ano de 622. A partir daí estava consolidada uma das três vertentes monoteístas reunindo as inúmeras tribos árabes entorno de uma estrutura religiosa que ficaria conhecida como Islã ou muçulmana (obediência). Em seguida os fiéis islâmicos saíram mais uma vez, agora de Medina, levando sua fé além da Península Arábica e Oriente Próximo: para a região da Pérsia, da Ásia Menor, de todo o norte e leste da África e para a região européia da Península Ibérica. Aliás, os costumes da Espanha e Portugal trazem até os dias de hoje características marcantes nos idiomas ibéricos, na música e na dança. E pensadores europeus como Santo Tomaz de Aquino, Santo Ambrosio ou Pedro Abelardo foram influenciados pelas leituras de filósofos muçulmanos, como Averrois e Avicena. A fé pregada pelos islâmicos junta os ensinamentos abrâmicos - antigos livros cristãos e judaicos - ao Corão, que tem a mesma estrutura linguística da Bíblia. Assim, através desse livro, Maomé (ou Mahamed) mostrou as linhas de como os fiéis deveriam seguir no seu dia a dia: a oração, as vestimentas, a economia, a comida, a arte, os relacionamentos etc. Logo após a morte do profeta, os seguidores se dividiram no que dizia respeito à sua sucessão e ás suas formas de interpretar o livro sagrado - conhecidas como as duas principais facções: sunitas e xiitas. Essas divisões também se espalharam ao longo de todo o espaço conquistado caracterizando inúmeros povos nas suas formas de viver o Islã e aumentando, entre si, os conflitos. Assim como toda crença - e aí coloca-se também o Cristianismo - o Islamismo traz nas suas franjas uma complexidade que se traduz num profundo desconhecimento ao não iniciado, o que leva a uma generalização e um consequente preconceito. Como ocorre também com Cristianismo, as suas interpretações podem levar a uma vida social de profunda fraternidade e respeito, como ao ódio e a perseguição. Enfim, a despeito de tudo que tem acontecido nos últimos tempos, é preciso que se diga: ninguém conseguirá deter a ação de um crente, no desempenho de sua fé, apenas alcunhando-o de terrorista ou atacando-o com todo tipo de agressão.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Desgraça, Sofrimento e Felicidade

Pessoas se aproximam do local onde ocorreu a tragédia e, em silêncio, colocam velas, flores e cartazes com frases lembrando os feitos dos mortos ou confortando os seus familiares. Os portões das suas casas, as portas das embaixadas de seus países e mesmo o espaço, diante de monumentos históricos, viram - do dia para a noite - verdadeiros altares em memória aos falecidos. E todas essas pessoas permanecem com olhares fixos, demonstrando tristeza diante do ocorrido, de tal forma que se um extra-terrestre - naquele instante - por ali chegasse juraria que os humanos, verdadeiramente, sofrem diante de tais situações. No entanto, basta que algumas velas aqueçam os vidros, onde foram plantadas e os estouros ecoem por todos os lados, para que a turba ensandecida perca a concentração de pessoas entristecidas, para correr desesperada por sobre velas, flores e cartazes. Isso ocorre porque, ao estourarem os vidros, desfaz-se de imediato a cena montada e algo de terrível vem-lhe a mente: a desgraça ocorrida com aquelas pessoas, concretamente, pode acontecer consigo agora. Acontece que os humanos aproximam-se das catástrofes não por estarem verdadeiramente condoídos, diante do sofrimento alheio, mas para reforçarem a ideia feliz de que consigo tal situação não aconteceu. Percebe-se, assim, a necessidade de ver desgraças nos jornais e na televisão. Como não fora possível ver in loco, as mídias se encarregam de mostrar, e todos querem ver o motorista esmagado nas ferragens, o traficante baleado no chão ou a mãe faminta que tenta amamentar o filho desnutrido e assim por diante. Isso explica porque surgem os engarrafamentos nas vias públicas quando, em uma delas, ocorre algum acidente e mesmo que os veículos envolvidos estejam parados fora da pista; nesse instante os motoristas conduzem seus veículos muito lentamente, já que não podem deixar de ver a desgraça ali acontecendo diante dos seus olhos. E se, por ventura, o sinistro não foi tão grandioso, a desgraça não foi tremenda, de imediato vem a desolação e o expectador exclama, "não foi tanta coisa!". Interessante ainda que a mídia, mesmo mostrando um fato que ocorreu em um lugar distante, pode levar os expectadores a uma maior ou menor comoção, dependendo da força interpretativa do apresentador. Da mesma forma com relação ao local e as personagens envolvidas: a desgraça ocorrida com pessoas famosas ou em lugares glamurosos levam a pessoa comum à necessidade de demonstrar tristeza, como se isso a levasse a um laço de parentesco, a uma aproximação com os envolvidos.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Os Atentados: Cultura, Religião e Economia

Nesses tempos de atentados a estádios de futebol, a centros de compra, a casas de espetáculos, a transportes coletivos, ou mesmo a lugares ao ar livre, realizados por grupos armados islâmicos ou por "lobos solitários", simpatizantes da causa islâmica, a alvos ocidentais convém que se faça considerações a respeito. Um ingrediente importante nesse debate é que nada surge do nada, tudo é resultado desencadeado de ações ocorridas anteriormente. A pergunta necessária é: se o mundo árabe existe há milhares de anos e se a religião islâmica surgiu há exatos 1393, por que só agora, no último século, puseram-se a atacar os países de cultura ocidental? Para entender a situação e responder a essa pergunta é preciso levar em conta que ninguém que esteja satisfeito com os seus vizinhos resolve atacá-los de uma hora para outra. Ora, o que ocorreu na França na última semana deve ser relacionado com o que já ocorrera no início do ano no país, com o que vem ocorrendo por toda a Europa, nos Estados Unidos, bem como em países aliados. Que a cultura árabe se distancia profundamente da cultura dos países de matriz européia e, com ela, a economia e todas as organizações sociais. Acontece que, há mais ou menos 150 anos, ávidos de mercado consumidor para seus produtos, bem como de matéria prima para suas indústrias, esses mesmos países ocidentais fizeram com o Oriente Médio o que ficou conhecido como Partilha da Ásia. Com réguas, compassos e transferidores as potências econômicas europeias dividiram entre si os territórios e submeteram os povos sem considerar suas crenças, seus governos e até os seus milenares conflitos de grupos étnicos. Por outro lado, as grandes potências mundiais, responsáveis por políticas econômicas injustas e segregacionistas, continuam nos tempos atuais interferindo na política árabe como forma de beneficiar seus domínios geopolíticos. Inclusive com financiamento a grupos extremistas que lutam contra governos que não aceitam os interesses ocidentais. Como os conflitos no interior do Brasil, em que membros de uma família matam os membros da outra e assim subsequentemente, potências ocidentais matam muçulmanos e muçulmanos matam ocidentais. Certamente que ninguém em sã consciência pode assinar embaixo de um atentado que mata pessoas comuns, não envolvidas na trama, mas não se pode deixar de lembrar que há muita hipocrisia, quando governos - alimentadores do conflito - lançam notas se dizendo condoídos com os atentados.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Homossexualismo, Preconceito e Ação

Nos últimos tempos tem ocorrido debates sobre as desigualdades historicamente presentes na sociedade brasileira. Isso é um bom sinal, mas não o suficiente. Afinal, em cada debate que se abre sempre há defensores da parte mais frágil economicamente, da igualdade entre homens e mulheres ou de brancos e negros, de índios etc; mas dificilmente alguém se aventura a defender as pessoas na condição homoafetiva. Isso significa que a sociedade já cresceu consideravelmente com leis e educação para a defesa das lutas por igualdades e a participação cidadã das diferentes minorias. No entanto, as mudanças andam a passos lentos quando se trata da aceitação dos homossexuais no que tange aos seus direitos. Acontece que as lutas por igualdades de gênero, de raça, de condição sexual ou de qualquer tipo de discriminação precisam ser feitas a partir de um entendimento da mentalidade do preconceituoso e a relação com eles. Significa que somente com leis e discursos pouco ou nada pode ser feito quando se trata desse tipo de discriminação pois se trata de valores e, esses, nada mais são que verdades inquestionáveis. A mente do preconceituoso cria perfis determinando moldes para grupos e passa a entender a sociedade a partir destes moldes estabelecidos; assim, todo negro tem uma forma específica de ser, todo homossexual outra forma, toda mulher também e assim sucessivamente. É preciso entender que a sociedade ocidental pensa a normalidade, numa condição de poder a partir do homem, meia idade, branco e heterossexual e as lutas contra a discriminação dos que estão fora desse padrão já iniciaram muito cedo - mulheres, negros, índios, estrangeiros já estão na frente. Entretanto, os homossexuais - homoafetivos, como quiserem - enfrentam a grande barreira de ter partido para a luta por reconhecimento e representatividade bem depois dos demais movimentos. Mas, além de tudo, pode se considerar a barreira da invisibilidade: homens e mulheres, brancos e negros, nos mais variados cargos públicos escondem a sua condição sexual quando são homoafetivos. Assim, ocorre um círculo vicioso, quanto mais se escondem mais o movimento se fragiliza, quanto mais esse se fragiliza, mas eles se escondem e, assim, mais fortalecem o pensamento do preconceituoso. Enfim, a urbanidade manda que se aceitem as pessoas nas condições em que elas se nos apresentam, as leis precisam atender a essa demanda e a educação deve também fazer a sua parte. Entretanto, a aceitação na sociedade necessita primordialmente que os membros do grupo em questão arregimentem-se, mostrem-se como tais e tenham a coragem de enfrentar e agir.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Oposição, Sebastianismo e a Turba Desinformada

Sobre a importância da oposição em um sistema democrático já se falou exaustivamente em jornais e livros, por cientistas políticos e juristas de todos os lados; o que não se tem falado é o tipo dos opositores - suas ideologias, seus níveis de instrução e politização. Ora, a democracia se alimenta da pluralidade de ideias e, com elas, o debate, o confronto e mesmo o conflito de posições políticas; portanto, é preciso que a contraposição esteja preparada para o embate. É certo que situação e oposição atuam a partir de pontos diferenciados de possibilidades de ação; as dificuldades para o opositor são maiores e podem ser estabelecidas a partir de alguns pontos. Primeiro, a oposição é formada por partidos derrotados na eleição anterior, portanto carregam uma carga de ressentimentos que dificultam a análise isenta das ações; segundo, não possuem o controle do governo, ficando limitados no jogo político; terceiro, não possuem a inserção popular como a situação, vencedora; além de outras dificuldades mais. Quando os opositores estão conscientes da derrota e, democraticamente, aceitam os resultados das urnas tecem suas críticas a partir de ações concretas - apontando falhas reais - do governo em andamento, o que se torna um grande ganho para a sociedade. Entretanto, quando setores oposicionistas não digerem a derrota buscam aliados fora da política (imprensa, judiciário, profissionais liberais etc.), tentam manter coesos os seus eleitores com informações imprecisas e lançam mão de toda sorte de artifícios, a espera é de um golpe possível. Mas o grande problema acontece mesmo é quando essa parcela perdedora de eleitores é formada por um setor da classe média pouco ou nada chegada a leituras, pessoas que se contentam com fotografias, legenda, títulos e notas de rodapé, isso quando se dão ao trabalho de folhear um jornal e abrir as páginas de política ou economia. Na maioria das vezes essas pessoas se alimentam é de mídias sociais, uma terra de ninguém, onde tudo pode e, desinformadas, ou com informações parciais, viram presas fáceis de uma oposição ressentida. E, numa espécie de sebastianismo, a turba desinformada bate cabeça a espera de um salvador da pátria e começa então o boicote e o jogo do quanto pior melhor. Como resultado tem-se um desserviço para toda a sociedade: as ações do governo são prejudicadas, a economia entra em crise, a oposição continua de fora do processo e a democracia é perigosamente fragilizada.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Razão e Ostentação

Muitos pensadores já disseram que o que difere os humanos dos demais animais é esse incrível instrumento de ação, compreensão e controle no mundo, a razão. Não que se queira com essa afirmação isolá-lo como o único ser possível de compreender tudo que ocorre a sua volta, já que diversos animais dão prova de poderem encontrar soluções para problemas complexos. Entretanto, não se pode negar aos humanos a intensa capacidade de entendimento, só possível a mentes muito avantajadas, fruto de muitas buscas por entendimentos em meio a constantes conflitos e percepções. Com essa razão os humanos controlaram o seu próprio planeta e colocaram os demais animais a seu serviço: ou como sua alimentação, para uma simples companhia e até seu corpo para fins estéticos. Dotado desse instrumento poderoso, o animal humano investiu no que chamou de ciência (o conhecimento) e no que chamou de filosofia (uma busca constante por sabedoria). Com esses saberes, profundos e complexos, inventou as máquinas, controlou as forças da natureza - essa mesma natureza da qual ele e sua razão também fazem parte. E, empolgado com seus saberes, pensou que seria possível elaborar métodos de pesquisas tão completos, comparáveis a alavanca arquimediana: todo conhecimento seria possível através de uma estrutura metodológica. Mas mesmo com toda a empolgação, construindo as mais altas tecnologias em máquinas que transmitem imagens e sons de um canto a outro da Terra, que sondam planetas distantes, que extraem a força do átomo ou que alteram geneticamente as sementes a serem plantadas, esses homens perceberam que a complexidade do saber é ainda maior. Percebeu a existência de um vírus inoculado na mente humana - essa mesma mente que se pretende racional - devastando qualquer possibilidade concreta de entendimento da alma humana: a necessidade de ostentação. Esse vírus corrói a tudo e a todos a sua volta. Mas com tal voracidade destrói também a possibilidade de uma ciência a serviço da própria humanidade e destrói qualquer pensamento filosófico que queira buscar respostas para as angústias de homens e mulheres. Enfim, percebe que até mesmo a arte se entrega mais e mais, em meio a possibilidade de ostentação. Isso tudo porque o que se evidência é que a razão perdeu o seu próprio tino; de tão preocupada em entender o mundo dos humanos, ela não foi capaz de pensar a si própria, os seus encaminhamentos e para onde está seguindo. Entretanto, a razão não pode ser descartada simplesmente como objeto em desuso; os humanos precisam dela para seguir em suas sociedades cada vez mais complexas, portanto precisam entendê-la e colocá-la a seu serviço de fato.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Quando Uma Guerra Civil é Inevitável

Um ditado antigo dizia que a pior luta se dá entre irmãos; afinal, a convivência faz com que os adversários conheçam os pontos fracos e fortes de ambos e não sintam medo do seu opositor. Talvez por isso, tantas pessoas tenham pavor quando percebem, no encaminhamento histórico, uma realidade política pronta para desembocar em guerra civil, quando membros de uma mesma sociedade entram em conflito de interesses. Os conflitos em uma sociedade se dão primeiramente por motivo econômico, mas desembocam em contrariedades de interesses que vão das relações sociais, raciais, sexuais ou religiosas. Esses conflitos, quando não resolvidos politicamente, de forma democrática, no discurso e no voto, resolvem-se na luta armada, na guerra civil, irmão matando irmão. No mundo, alguns exemplos de guerra civil mostraram-se devastadores na história da humanidade: a França - 1789, os Estados Unidos - 1866, a Rússia - 1917, a Espanha - 1934 e tantas outras ocorridas pelo mundo a fora. Em todas elas milhares de pessoas morreram, confirmando um sistema de poder ou alterando completamente a estrutura implantada. Os conceitos de revolução, de guerra e de guerra civil se misturam, se confundem e dificultam a compreensão do fato histórico a ser analisado. Em geral quando o evento se dá entre uma e outra sociedade se chama de guerra simplesmente, acontece com data marcada e declaração de guerra, com o avanço de uma infantaria e o movimento de uma retaguarda. Já o conceito de revolução que pode estar ou não ligado a um conflito armado, retrata mais a transformação proporcionada. A guerra civil é um tanto diferente: não tem data marcada e nem declaração de guerra; o adversário pode ser o vizinho que mora ao lado, o cozinheiro que prepara a comida, o mecânico que concerta o automóvel, o policial que protege, ou o médico que cura e assim vai. Um grupo, na calada da noite, invade depósitos de armas, canais de televisão, sequestra familiares das autoridades, faz barricadas e as leis - até então instituídas - não mais são aceitas. Qualquer conflito armado não seria desejado por alguém cônscio de suas faculdades mentais, muito menos que aconteça um conflito entre filhos de uma mesma mãe. Entretanto, quando as confluências políticas são desenhadas pelos interesses e privilégios de pequenos grupos, quando burocratas se aferram a estrutura e não mais se vêm como trabalhadores públicos, como tira-los quando os discursos e os votos não mais solucionam? Só resta a guerra entre irmãos, a guerra civil.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Existência: Vida e Morte

Os indivíduos humanos, possuidores de uma racionalidade, se assustam ao se depararem com suas imagens refletidas no espelho pensando quanto tempo já existem e quanto tempo ainda lhes restam. O medo da morte retrata o pavor que acompanha os seres dotados de razão tendo em vista que algo desconhecido o espreita e, fatalmente, mais cedo ou mais tarde, irão encerrar suas existências. As religiões salvacionistas, de um modo geral, são fundamentadas em um pensamento de vida no pós morte e oferecem um conforto para esse existir sofredor. Algumas confissões religiosas defendem a vida em uma eternidade junto a um grande deus-pai, dirigente único de todo o universo, outras oferecem uma nova existência junto a uma infinidade de deuses ou em algum lugar preparado para as almas recém-chegadas do "plano terreno". A mais reconfortante é o espiritismo kardecista, uma agremiação religiosa que se pretende também filosófica e científica e que segue antigas ideias do pensador grego Platão re-elaboradas pelo francês Allan Kardec. Nesse caso, os humanos vivem na Terra com seus corpos materiais, mas que, em algum momento, terão de "desencarnar" e suas consciências, seus espíritos, voltarão para "um lar" e lá reencontrarão antigos amigos e familiares; para isso terão de reincorporar renascendo como novas pessoas e assim, tantas vezes quantas forem necessárias para que possa se regenerar como seres da existência. As religiões são criadas a partir de dogmas, noções de verdades construídas encima de ensinamentos pretéritos de sacerdotes que se insurgiram diante de um grupo de pessoas e as ofereceu como respostas às suas indagações existências. Das muitas confissões religiosas que a humanidade já criou, inúmeras delas já sucumbiram diante das adversidades, mas algumas poucas mantiveram vivas as chamas dos seus ensinamentos como realidades palpáveis para um fim às suas consciências. No entanto, o indivíduo que rejeita a religião, ou mesmo o que descarta a existência de qualquer possibilidade de um ser divino, responsável pelos destinos das almas humanas, só tem um caminho: aceitar-se parte da natureza, apenas pertencente a um momento de nascimento, vida e morte. Nesse caso, não há necessidade de buscas de respostas para se saber de onde vem ou para onde vai, simplesmente porque elas não existem e a consciência retorna para o mesmo lugar de onde veio. Para lugar nenhum.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Existência: Começo, Meio e Fim

De acordo com o pensamento dialético nada termina, assim como nada começa e, na perenidade das existências, tudo segue rumo ao absoluto. Mas nada segue em uma linearidade eterna, em uma sucessão de acontecimentos tranquilos, sem conflitos, sem percalços, mas aquilo que o senso comum considera como fim deve mesmo é ser encarado como o momento que antecede a um novo começo. O pensador alemão Georg Friederisch Hegel considerava que todo o pensamento não passa de uma tese e que entra em conflito com uma posição antagônica, a antítese. Mas que isso não é o fim - apenas de uma etapa; desse confronto as duas são anuladas dando origem a uma síntese que nada mais é que outra tese em conflito com outra antítese a gerar outra síntese e assim segue adiante. Nesse caso, não há fim em si tanto quanto não há começo em si. Nada termina e nada começa. O que o senso comum chama de fim nada mais é que um novo começo. Se o pensamento de Hegel trabalha com a constante transformação no campo das ideias, outros pensaram a dialética sob o ponto de vista material: as transformações da matéria em si ou as transformações das relações sociais. A semente, ao mesmo tempo que pode ser o fim de uma plantação - posta na terra pode ser também o início de uma outra plantação que vai gerar outra semente e assim sucessivamente. Da mesma forma as relações sociais que hoje são uma realidade, mas que um dia não foram e um dia não serão mais; assim como os sistemas econômicos, políticos e religiosos que hoje parecem tão certos, um dia não foram um dia não serão mais. No idioma Português há o verbo ser no presente determinando a perenidade: "eu sou, tu és, ele é, nós somos, vós são, eles são", o que provoca a sensação de seres eternos se relacionando com objetos eternos. Ora, as coisas são diferentes, em termos linguísticos o que de fato retrata o real é o verbo estar, aquele que determina apenas o momento, entendendo que nada é, mas tudo está. E, nessa existência dialética, é preciso saber viver cada passo, cada música, cada jantar, cada imagem que me é mostrada, pois logo essas pernas não mais andarão, esses ouvidos não mais ouvirão e esses olhos se fecharão para sempre. Enfim, por mais intenso e verdadeiro que um momento possa parecer ao observador, ele não é eterno e, numa sucessão de fatos, teve sua hora de começar e terá sua hora de findar. E isso para que a matéria dê início a outra existência.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Entre Salvação e Bens Materiais, o Cristianismo

O Cristianismo, uma estrutura religiosa que hoje toma conta de todo o mundo ocidental, surgiu a partir de uma promessa de salvação espiritual: "...quem crer e for batizado será salvo..." Se surgiu há mais de 2000 anos como promessa de salvação num pós-morte, um descanso na eternidade junto ao grande deus-pai, nas últimas décadas tem sofrido profundas transformações tornando-se um sistema espiritualista de busca do conforto no mundo dos vivos. A noção de Deus não sofreu alteração, assim como a figura do próprio Jesus de Nazaré, continuou intacta; o que tem mudado é a relação dos indivíduos com essas personagens e, com isso, o sentido de vida e de morte. Em alguns países o Cristianismo permaneceu com as mesmas divisões históricas, advindas da grande Reforma, como a própria Católica Romana, a Luterana, a Anglicana, a Adventista, a Presbiteriana e outras. Todas com a mesma meta de busca por uma ordem de vida terrena que renda ao crente a salvação espiritual. A grande guinada se deu foi com o surgimento, há cem anos, das chamadas igrejas pentecostais com a noção de promessa de dons de falar em línguas estranhas, de interpretar sonhos, de curas etc. O que aconteceu foi que, a partir de igrejas estadunidenses, de orientação Batista, alguns líderes religiosos levantaram a possibilidade dos humanos serem tomados pelo Espírito Santo. Nas últimas décadas, o neo-pentecostalismo trouxe uma diferença ainda maior para o Cristianismo, aquilo que os especialistas estão chamando de Teologia da Prosperidade. O pensamento básico é que se o filho for bom conquistará o amor do deus-pai e, consequentemente, terá sua ajuda na solução de problemas sociais, psíquicos e até na conquista de bens materiais. Uma parcela expressiva da população tem aderido - entregando fielmente uma parte dos seus ganhos a essas entidades religiosas que se multiplicaram, inicialmente nas periferias das cidades, mas que, posteriormente, migraram para os grandes centros com templos suntuosos. Os líderes religiosos tornaram-se biblistas ao extremo, há tempos abandonaram qualquer teologia de um Cristianismo salvacionista para dar lugar a uma busca de soluções para seus problemas terrenos. O que não se sabe é se os alicerces cristãos foram distorcidos por essa nova onda ou se, ao contrário, ele finalmente encontrou guarida na necessidade de acumular bens materiais, dentro do sistema capitalista de produção. A verdade é que desde a expansão reformista com uma ética protestante que seguia espírito capitalista, não ocorria uma guinada teológica tão acentuada no Cristianismo ocidental.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O Jornalista, a Imprensa e a Parcialidade

A modernidade trouxe consigo as necessidades da vida urbana, o culto ao corpo, a importância da alfabetização e o interesse pela informação - um fenômeno que fora denominado de forma genérica como imprensa. E, embaixo do guarda-chuva conceitual, pairaram as mais variadas formas de comunicação social (televisão, rádio, jornal escrito, revista etc) naquilo que os teóricos da Escola de Frankfurt chamaram de meios de comunicação de massa. Em tempos anteriores a comunicação para grandes públicos era feita nas igrejas, nas oficinas, nas bodegas e nas praças públicas - quando um emissário do rei chegava ao vilarejo e bradava aos quatro cantos as decisões governamentais. Depois disso o boca-a-boca se encarregava de propagar as informações para toda a população, mas tudo isso depurando o que era imprescindível saber ou não. O estranho da modernidade não foi somente a criação dos vários meios de comunicação, mas a criação da necessidade de seguir informações de fatos ocorridos, mas que foram reelaboradas por equipes de profissionais graduados em escolas especializadas. Esses profissionais ficaram conhecidos como jornalistas e as suas instituições passaram a ser empresas capitalistas enfronhadas numa economia de mercado e, consequentemente, em uma política liberal, de manutenção do status quo. Nesse caso, o que se iniciou com a pretensão de informar acabou por enfrentar duas situações: uma, passou a ser produto vendido no mercado dentro de uma ideia de oferta e procura; duas, o profissional que se pretendia fiel aos fatos passou a ser um intérprete a serviço do empregador, um empregado com medo do fantasma da demissão. O caráter comunicacional deu lugar a uma manifestação da vontade de um indivíduo que é detentor de certo órgão de comunicação, algo que se assemelha mais a um absolutismo renascentista. Isso porque o profissional, envolvido no dia a dia da loucura das salas de redação, não se deu conta de seu encerramento no sistema econômico e de sua parcialidade política e social. Graduados em jornalismo, os profissionais se aventuram com palpites diários em temas de alta complexidade como política, economia, antropologia e por aí vai. Em tempos atuais todo o sistema comunicacional se vê em ebulição devido a ampliação da internet e com ela a democratização da informação. E isso, não só pela facilidade de agregar em um só sistema o rádio, o jornal e a televisão, mas porque as pessoas, de forma imediata, podem interagir com as informações emitidas, mostrando as contradições e a parcialidade dos profissionais.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A Guerra Civil na Síria e a Influência Ocidental

Nesses anos de turbulências sociais e crise econômica pelo mundo a fora, uma guerra civil persiste e já se configura na história mundial como mais um daqueles eventos do Oriente Médio, sem solução a curto prazo: o conflito na Síria. A chamada região do Crescente Fértil desde a Antiguidade até os dias atuais sempre chamou a atenção pelos conflitos entre povos de orientação islâmica ou com países europeus. A República Árabe da Síria tem como capital Damasco, uma das cidades mais antigas do mundo, é um país de planícies férteis, de altas montanhas e de desertos e, na antiguidade, foi um califado omíada, um protetorado egípcio, parte do império de Alexandre e assim por diante. Atualmente, diversos grupos étnicos e religiosos, inclusive árabes, gregos, arménios, assírios, curdos e turcos, entre outros, se distribuem em grupos religiosos como sunitas (o maior grupo), cristãos católicos, alauitas, drusos e mandeus. Nos dias atuais o país é governado por Bashar al-Assad, seguindo uma ideologia política formada por uma mistura de nacionalismo sírio, um integralismo árabe (mesmo se pretendendo laico) e uma orientação socialista de influência russa. Essa situação leva o sistema de Assad ter de enfrentar a oposição de parte dos ativistas islâmicos não sunitas - contrários à influência russa - e do ocidente de influência estadunidense. Interessante que os meios de comunicação, orientados pelos Estados Unidos - como é o caso brasileiro - ora chamam Assad de rei, ora de ditador e ora de presidente, conforme a conveniência do momento. A verdade é que o mundo árabe sempre foi, para as potências europeias, desde as cruzadas medievais, um entreposto comercial ou, atualmente, com sua riqueza petrolífera, um tabuleiro dos seus jogos de poder. Assim, distribuídos entre influências de estadunidenses, de franceses, de russos e de ingleses, os governos são sucedidos entre golpes de estado, guerra civil e eleições orientadas pelo Ocidente. Dessa forma, a Síria vive uma guerra civil desde de 2013, quando um grupo de oposicionistas islâmicos ortodoxos organizaram um levante, apoiados pela Liga Árabe que por sua vez tem a orientação dos Estados Unidos. Aliás, esse é o mesmo grupo fundamentalista que tenta criar no norte do país um novo califado (governo teocrático de orientação islâmico) e divulga na internet os seus atentados. Hoje vários grupos tentam tomar o poder e o Ocidente se divide entre apoio a Assad e aos grupos rebeldes que se manifestam.

domingo, 11 de outubro de 2015

"Republiquetas das Bananas"

O termo "republiqueta das bananas" é usado comumente para designar, pejorativamente, pequenos países latino-americanos com sérios problemas políticos. O sufixo eta designa uma pequena república desestruturadas economicamente e em convulsão social constante e as bananas são referências a abundância da fruta, bastante característica em regiões de clima quente e úmido. Acontece que países de pouca extensão, geralmente na América Central e Caribe - grandes produtores de banana - vivem turbulências políticas em uma história de golpes devido as classes sociais mais abastadas estarem sempre descontentes com seus governos. Como isso, a expressão tomou corpo e virou um conceito que determina qualquer país latino-americano e caribenho nessas condições. Aliás, o Brasil nunca teve uma sequência de governos escolhidos democraticamente por um período longo: o filho de Joao VI deu um golpe no pai e proclamou a independência, os regentes sofreram um golpe de estado com a votação da maioridade do príncipe Pedro para que esse, mesmo menor, assumisse a Coroa, e a proclamação da República foi um golpe militar. Na era do café-com-leite São Paulo e Minas se revezavam nas intrigas palacianas em uma sequência de golpes, mas acabaram sofrendo um golpe de estado de Getulio que assumiu com mãos de ferro, que também um golpe palaciano e cometeu suicídio. Juscelino renunciou e seu vice, Jango - sofreu um terrível golpe de estado, novamente pelos militares que foram forçados a ceder para Tancredo, mas que misteriosamente morreu; na sequência, Collor de Melo sofreu um golpe de estado e, enfim, Fernando Henrique, em uma série de intrigas palacianas, surpreendeu com a compra de congressistas para ampliar seu governo de quatro para oito anos. Certamente que a história política brasileira não ficará somente com esses golpes;, assim como em países da América Central, do Sul e Caribe. E o termo "republiqueta das bananas" - bem representado nos adereços de cabeça da musa brasileira, a portuguesa - Carmem Miranda - parece ser um conceito político próprio de sistemas patriarcais, em que as elites vivem uma fome vorás, numa constante insatisfação econômica e política; assim tem sido no Brasil como em São Domingos, em Honduras, em Paraguai, em Haiti, em El Salvador, em Panamá, em Nicarágua e outros.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Michel Foucault: o Poder e o Saber

Um intelectual que revolucionou o pensamento moderno ocidental trazendo para o debate uma nova forma de ver o saber e relacionando-o com o poder foi o francês Michel Foucault. Seus principais livros - uma obrigação de leitura para estudiosos de política, de educação, de psiquiatria, de direito, de sociologia e de filosofia - destacam-se: Microfísica do Poder, Vigiar e Punir, História da Sexualidade e As Palavras e as Coisas. Nascido em 1926 e falecido em 1984, Foucault foi diplomata e professor universitário, lecionou em algumas universidades da França e de outros países. Segundo ele mesmo, seu pensamento foi influenciado por Karl Marx, Louis Althusser e Ludwig Nietzsche, entre outros, e está diretamente ligado às manifestações libertárias dos estudantes franceses de 1968 - que teve o engajamento não só dele próprio, mas de outros pensadores como, por exemplo, Jean-Paul Sartre. A grande revolução foucaultiana foi ter repensado a subjetividade que, segundo ele, estaria ligada - necessariamente - a uma articulação constante entre o poder e o saber. Não se trata do poder como foi comum na modernidade renascentistas, em que se estabelece como aquilo que é desempenhado pelos governantes, que o presidente - ou príncipe, encarna esse poder e é visto como algo repressor, que subjuga e que oprime. Não. O poder para Foucault é encarado como uma teia construída a partir dos relacionamentos naquilo que ele chamaria de micropoder; ou seja: as relações sociais não são nada mais que relações de poder. Assim, é esse mesmo poder que determina o saber, aquilo que será aceito como verdadeiro, como normal e que, a partir dele, as pessoas controlarão umas às outras nos seus comportamentos, nos seus relacionamentos, no que fazem ou não com seus corpos etc. Da mesma forma, se o saber está ligado diretamente ao poder, esse não deve ser pensado no sentido de que se estudar, aprender algo, fazer uma graduação vai acumular poder. O poder está ligado ao saber porque esse saber é uma verdade que é ensinada, que é normal. Quando o indivíduo diz que concorda com isso ou com aquilo, que algo é normal, ele aceita tal situação, mas não sabe que esse normal é apenas um saber posto para ser aceito. Por isso a necessidade de trancafiar os loucos, os bandidos, os velhos, os órfãos e todos aqueles que agem contra o que se entende como normalidade, não estão ao alcance desse poder; livres mesmo somente os normais, os reprodutores do sistema econômico, político e social. Para uns Foucault foi um estruturalista ou um pós-moderno, para outros, muito além disso. Não importa, ele foi mesmo um pensador que revolucionou o que se entendia como subjetividade e, assim, todo o pensamento da era moderna.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Judiciário, Política e Democracia

Há três anos, quando o Supremo Tribunal Federal brasileiro julgava os acusados, no caso que ficara conhecido como Mensalão, certo repórter interpelou um dos ministros perguntando se as manifestações ocorridas naquelas semanas iriam interferir nos julgamentos, no que recebeu como resposta: "Um juiz não deve ouvir o clamor das ruas, mas julgar de acordo com as leis e sua consciência". Quando essa conversa foi divulgada houve um disse-me-disse: como poderia um homem, frente a um dos poderes do Estado, não ser sensível ao clamor das ruas? Acontece que nos últimos anos se percebe uma série de desvios de funções entre os atores públicos. Diante da realidade social brasileira percebe-se duas situações: de um lado os franco-atiradores se achando o pai dos pobres, acreditando que com um conjunto de medidas individualistas se poderia resolver todos os problemas da sociedade e, de outro, uma tendência a ver a coisa pública de uma forma promíscua, em que o eleito ou o concursado pensa ser o dono e senhor do cargo. Em alguns casos essas duas situações acontecem juntas - pelos mesmos atores. Ora, a separação dos poderes em uma democracia tem um sentido determinado, um homem ou um grupo de homens fechados corporativamente não devem ser detentores da totalidade do poder, tendo em vista que significaria uma ditadura, um sistema absoluto. Por isso pensou-se o estado dividido, muito claramente: um grupo apenas administra, outro só fiscaliza e constrói as leis e o outro, apenas julga de acordo com essas leis. Ao legislativo cabe a tarefa de fazer o debate político, tendo em vista que representa os interesses dos vários grupos em uma sociedade. Isso porque em qualquer democracia consolidada cabe ao parlamento, e somente ao parlamento, o debate entre os grupos articulados como os movimentos gay e os grupos evangélicos, as associações operárias e as entidades empresariais, entre aqueles que defendem o aborto e os que o condenam e assim por diante. Portanto cabe ao legislativo ouvir o clamor das ruas e por isso é eleito a cada quatro anos; cabe ao executivo seguir as diretrizes aprovadas pelo legislativo e ao judiciário também, cabe a ele julgar - rigorosamente - de acordo com as leis produzidas por esse mesmo legislativo. Isso porque a administração de uma sociedade se faz politicamente e pelo parlamento. Ao judiciário serve o papel importante de balisa para que essa política aconteça corretamente e isso nenhuma teoria jurídica consegue alterar. Qualquer atuação política por parte dos magistrados desequilibra os confrontos, acirrando as lutas de interesses.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Sistema Público, Política e Gestão

Cada vez mais o consenso se estabelece nos círculos dos entendidos em Administração de Empresa: a gestão pública é muito diferente da gestão privada. Por mais que empresários se apresentem como a solução para uma administração eficiente, frente às empresas e órgãos públicos, efetivamente o que se percebe - na prática - é um profundo distanciamento entre os dois lados. A ciência da Administração é recente, surgiu sob o impulso da racionalidade moderna, de estruturação sistemática, o estabelecimento de hierarquias e todo um conjunto de procedimentos burocráticos. Racionalidade moderna porque os estudos da Administração, juntamente com a estruturação do Direito e a pretensão racionalista, nasceu nesse período, obedecendo uma necessidade oriunda do desenvolvimento capitalista. Quer dizer: se na Idade Média as noções de gestão se passavam de pai para filho e o parque fabril era também a própria casa de moradia do artesão, na mordenidade houve uma separação clara entre a vida familiar e a gestão da empresa. Nesse caso, se houve uma profunda racionalização da Administração, bem como da ciência do Direito e isso favoreceu o desenvolvimento dos grandes empreendimentos privados, favoreceu também a estruturação da empresa pública e do estado de um modo geral. Aliás, da mesma forma que a estrutura burocrático-estatal - gerenciando sociedades com milhões de pessoas - não seria possível sem um profundo desenvolvimento de tais conhecimentos científicos. Portanto, o grande erro hoje é acreditar que as duas áreas possam ser pensadas como iguais; afinal, o empreendimento público busca resultados diferentes do privado. Isso quer dizer: se os fins são diferentes, os meios passam também a ser; se um atende a necessidade de um cliente, o outro, a necessidade do cidadão; se um trabalha com funcionários contratados, regidos por um conjunto de leis, o outro, com servidores públicos, regidos por outras leis, concursados para funções muito específicas. Além de tudo, no setor público trabalha-se com dinheiro público, cujo orçamento precisa ser aprovado pelo parlamento. Nesse caso, quem sai do setor privado pensando em repetir as mesmas façanhas no setor público está esquecendo tudo isso, mas está esquecendo, principalmente, a ação político-partidária que envolve a gestão pública. O que se quer dizer com tudo isso é que a gestão pública requer um gestor público, alguém que detenha a racionalidade administrativa e toda a cientificidade produzida na academia, mas - principalmente - a capacidade de agir políticamente.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Consciencia, Saber e Saber Que Sabe

Uma diferença básica se estabelece entre a consciência de si no mundo, pensada pelos existencialistas como Jean-Paul Sartre e Soren Kierkegaard, e a consciência política, pregada por Karl Marx e todos os pensadores de linha marxista. A partir daí a confusão se estabelece, tendo em vista que o conceito de consciência se impõem como a necessidade imprescindível para uma liberdade existencial e política. Termo esse que - nos tempos de modernidade - tem sido reivindicado por todos os setores das ciências sociais e humanas: dos teólogos aos economistas, dos juristas aos sociólogos e assim por diante. No entanto, a palavra vem sendo usada, sempre, como a posição de toda e qualquer pessoa que não discorde do pensamento posto pelo seu interlocutor; só que isso dificulta a tomada da própria consciência. Ora, o conceito é muito mais amplo requerendo uma análise criteriosa. Consciência deve ser seguida pelo sentido de alguém que se percebe no mundo e que, por isso, sofre uma angústia - só possível pelos humanos - condição de alguém que sabe e sabe que sabe. Isso porque, apenas o saber da existência de um objeto ainda não é a consciência desse objeto. Ora, o cão que recebe o amigo humano com felicidade sabe quem é esse outro que ele se depara, mas não sabe que sabe disso. Nesse caso, o conceito deve ser pensado como a possibilidade de se sentir existindo. Nesse caso, há uma divisão entre a consciência do existir no mundo e a consciência política proposta pelos marxistas, como motivo de luta política por transformação na sociedade. No primeiro caso a consciência é uma angusta por existir, de se perceber no mundo e isso é inerente a qualquer indivíduo da espécie humana: de onde vem, para onde vai, o que faz aqui, ou seja, qual o sentido da sua existência? Caso não houvesse essa tal consciência da existência, não haveria sentido a existência da própria filosofia, tendo em vista que a filosofia tem como essência a busca por respostas para tais angústias. No segundo caso, a consciência não foge do conceito a que fora pensado anteriormente, mas toma um outro sentido. Nesse caso, alem da existência, há um sentido político, como se fosse um nível acima. Isso quer dizer: não basta se perceber como alguém no mundo, mas também se perceber como membro de uma sociedade que tem decisões a serem tomadas e que essas afetam diretamente a vida de cada um dos membro.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Wittgenstein: Filosofia e Linguagem

As pessoas se relacionam e quando fazem isso falam umas com as outras sobre o mundo que os cerca, mas nem de perto se dão conta de que estão usando um sistema altamente complexo, uma estrutura lógica em um conjunto signos. Por conta disso, na primeira metade do século 20 vários pensadores se debruçaram sobre o tema, na tentativa de entender como é possível acontecer a linguagem - esse sistema que amarra os indivíduos transformando-os no que ficara conhecido como sociedade. Ludwig Wittgenstein, pensador austríaco que viveu entre 1889 a 1951, foi um desses que se debruçaram sobre o tema na busca por respostas: como é possível ocorrer a comunicação entre as pessoas, como se pode explicar a linguagem? A partir dessa angústia ele produziu dois textos que ficaram bastante conhecidos no mundo da Filosofia da Linguagem: Tractatus Logico-Philosophicus e Investigações Filosóficas. Esses textos são contraditórios entre si, tendo em vista que o primeiro faz afirmações sobre a linguagem que o segundo as desfaz e apresenta uma outra possibilidade. No primeiro texto, o Tractatus, ele aproxima o entendimento a linguagem da Lógica e a Matemática afirmando que há uma correlação entre as coisas no mundo e as palavras que as designam. Além disso, ele enfatiza que se pode entender a linguagem tendo em vista que o mundo das coisas em si é composto de uma estrutura possível de se conhecer, tal como a linguagem que quer descrevê-lo. Nesse caso, a linguagem nada mais é que essa adequação entre as coisas do mundo e as palavras juntamente com suas estruturas. Entretanto, uma questão ficou no ar: se tudo é representação das coisas em si, como pensar a meta-linguagem ou, como se poderia pensar a sua própria teoria, já que teoria não é uma coisa no mundo? Dez anos depois ele desfez o que falará e propôs que tudo não passa mesmo de jogos linguagens. A partir daí, o segundo Wittgenstein - como seria chamado no mundo da filosofia - afirmou que a linguagem é um conjunto de jogos multifacetados e complexos de linguagem devendo ser entendidos dentro dos contextos a que estão inseridos. Mesmo assim, nos dois textos, o austríaco manteve uma mesma noção: a de que a filosofia não é uma uma doutrina, mas uma forma de entender a linguagem. A linguagem, além de articular os indivíduos, construindo uma sociedade, ela dá sentido ao mundo que os cerca; mas é o segundo Wittgenstein enfatizará que nem de perto pode ser pensada como sua cópia perfeita do mundo das coisas.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Karl Marx, Ainda Desconhecido

Próximo de completar duzentos anos de seu nascimento, depois de ter elaborado um pensamento que influenciou boa parte dos intelectuais do todo o mundo e depois de tantas lutas revolucionárias terem sido desencadeadas seguindo sua teoria, o pensador alemão, Karl Marx, continua desconhecido. Isso porque, pessoas com posições políticas e econômicas diferentes, têm atitudes - no mínimo - de estranhamento em relação a sua teoria. Por um lado existem aqueles que se identificam com um pensamento que endossa o sistema vigente e vêm no marxismo uma monstruosidade a ser erradicada. Sobre esses nada se pode dizer pois estão defendendo seus interesses de classe, já que a essência do pensamento do jovem hegeliano - e toda a teoria social originada nele - é a sua destruição. O estranho é o desconhecimento por parte daqueles que se preocupam com as transformações sociais e com a construção de uma sociedade justa e fraterna. Alguns chegam mesmo a citar vários pensadores sociais, mas fazem isso desconexos do materialismo histórico. É preciso que se leve em consideração que na teoria marxista entrou um conceito que foi um dispositivo fundamental para o surgimento de inúmeros pensadores engajados nas lutas sociais: a práxis. Com isso, surgiram pensadores declaradamente marxistas como Antônio Gramsci, Rosa Luxemburgo ou Leon Trotsky, entre outros, e muitos não declarados como o pessoal da Escola de Frankfurt, Paulo Freire, Jurgen Habermas e ainda outros. Todos eles grandes pensadores que merecem seus reconhecimentos, tendo em vista a inovação que proporcionaram, bem como a ampliação no conhecimento social e político. Entretanto, quem se pretenda estudar um Michel Foucalt, um Zigmunt Bauman ou um Éric Hobsbawm, além de outros, precisa levar em conta as suas ligações originais com o pensamento de Marx da mesma forma como ele buscou em Hegel que por sua vez buscou em Kant e assim por diante. Não foi Marx quem trouxe para o debate os problemas sociais - Platão, em A República, já os fazia - mas foi ele quem o sistematizou cientificamente e trouxe a baila a necessidade da participação popular visando uma transformação do mundo. Enfim, o desconhecimento e até o medo em relação ao pensador que escreveu O Capital, parece motivado por uma campanha sistemática - contrária, produzida pelas classes sociais mais abastadas, mas ecoadas por aqueles que seguem sem muita noção de para onde vão.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Deus, o Homem e a Conseciencia

Cientistas determinaram que o homo sapiens sapiens, ou homem moderno, como ficara conhecido, teria surgido há algo o em torno de 600 mil anos e o que determinaria esse momento seriam as ossadas encontradas com ornamentos presos ao pescoço. Como numa sequência cinematográfica de quadro a quadro, os crânios encontrados foram justapostos e calculados o seu tempo de existência através da técnica de datação pelo carbono-14. Processo bastante conhecido por todos os cientistas sociais, mas intrigante quando se tem duas possibilidades de motivos para se estabelecer uma data inicial da existência humana e que isso se fez a partir de esqueletos pré-históricos encontrados com colares de ossos ou conchas presos ao pescoço. Uma possibilidade seria uma motivação estética; nesse caso, seria humano - pois somente esses são dotados de uma percepção do belo. A outra possibilidade, e mais aceita, é que esse material preso teria algum fim místico, portanto esse homem já seria dotado de alguma noção religiosa - ainda que primitiva. Seria esse o grande momento original do humano, esse ser animal que, da sua condição de natureza adquiriu razão, despertou para a subjetividade e, despertando, buscou respostas para sua existência? Esse ser que em todo o tempo marcou sua existência por uma incessante busca de respostas querendo saber de onde veio, para onde vai, o que faz aqui e, assim, construiu um instituto que ficaria conhecido como religião. Alguns desses pensamentos religiosos buscaram o sagrado projetando-o em materiais - a pedra, a água, o vento, o sol etc; outros, buscaram na transcendência - um deus único ou uma multiplicidades de deuses. Ora, mas se os objetos presos ao pesco dos nossos primeiros homens caracterizam-nos como humanos e se esses objetos tiveram função de ligá-los ao sagrado, isso significa que a ascese, na busca por explicações existenciais, caracteriza a própria condição humana. Ou seja: para esses homens, com a posse de tais objetos os males que espreitam a vida seriam afastados; mas para isso precisaram já ter desenvolvido uma subjetividade que desse conta de entender o que seria maldade e bondade e, assim, ligar essas noções a seres de um outro mundo. Ou com um deus único que fez o céu e a terra, ou com inúmeros deuses e deusas -povoando um imenso panteão, ou fazendo-se a si mesmo como um ser de plenitude, a ascese perpassa as mais variadas sociedades. Resumindo: com o surgimento da razão, a consciência - o saber sabendo que sabe - teve-se a consciência da própria existência e, com isso, abriu-se um espaço vazio no entendimento que só seria preenchido a partir de uma explicação mítica. (Artigos publicados todas as segundas e quintas).

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

E o Velho Mundo Envelheceu

O homem europeu, durante a era moderna, expandiu sua economia por todo o planeta e, com isso, impôs sua religião e sua política, juntamente com seus medos e suas frustrações. Durante séculos os maiores homens da filosofia, das ciências e das artes que ditaram verdades e certezas para o mundo foram consagrados em ateliês, laboratórios e academias europeias. Isso porque, durante séculos, o mundo voltou-se para a Europa como a casa editorial do planeta Terra, a origem das verdades absolutas. Nesse período as línguas de origem latina e anglo-saxônica passaram a ser procuradas como os idiomas próprios para a comunicação entre os povos ou especificamente para ligarem os interessados em arte, em ciência ou em filosofia. Entendidos de arte pelo mundo a fora aprenderam o Francês ou o Italiano para melhor compreensão dos conceitos artísticos - filósofos asiáticos, africanos ou sul-americanos tiveram de aprender o Alemão, pois só assim poderiam ler os grandes mestres no original e o mesmo aconteceu com os cientistas. Assim, pessoas dos quatro cantos do planeta recorreram ás cidades do continente para se fazer fotografar diante de castelos, obeliscos e catedrais como prova de suas passagens pela Europa. Mas o tempo segue o seu curso e a modernidade chegou ao fim. Restou ao velho continente um legado histórico de inúmeras revoltas e revoluções, de pequenas e grandes guerras - locais ou mundiais - e os resultados foram genocídios que dizimaram milhões de pessoas em nome de uma pretensa supremacia racial. A isso somam-se os dois sistemas econômicos - capitalismo e socialismo - impostos ao mundo como verdades absolutas, como modos perfeitos de organização social, mas que faliram em suas expectativas. Se um falhou no que pretendeu proporcionar igualdade social diante das necessidades de cada um, o outro se estruturou como uma acumulação de riqueza individualista de capital, fazendo crescer as finanças de alguns poucos e levando miséria crescente milhões de outros. A verdade é que os europeus criaram um padrão de cultura próprio, tomaram-no como verdadeiro e impuseram esse padrão para o restante do mundo. Durante um tempo isso transcorreu correu como natural, mas nada é para sempre e o ciclo se fechou. O resultado foi que o racionalismo europeu perdeu o efeito e, com ele, os seus sistemas políticos, artísticos e econômicos: há anos não surge um ciência, uma literatura, uma arte, um pensamento inovador. Resta pensar que, verdadeiramente, o velho mundo envelheceu.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Humildade e Sabedoria

Um dos maiores empecilhos na busca do entendimento de qualquer estudo é o pretenso conhecimento já adquirido anteriormente; isso porque - naturalmente - o indivíduo em tal situação não aceitará um novo conteúdo. Quer dizer: na busca do saber é necessário que se leve em consideração um ponto importante, a compreensão de uma dada informação só ocorrerá com uma postura, estar aberto aos novos conhecimentos. Em tal situação, alguns conceitos determinantes na pesquisa podem ser traduzidos em posturas do estudioso e seus direcionamentos, algo fundamental para apreender um dado conteúdo: a curiosidade, a dúvida, a humildade e a determinação. Se a curiosidade é um importante motor na busca de novos conhecimentos e, por isso, dirige o indivíduo, a dúvida determina um postura de ação com afinco, enquanto a humildade estabelece percepção da grandeza dos conteúdos e a determinação o impulsiona. Certamente que entre esses, a humildade se destaca e se estabelece até como método de ação, tendo em vista que aquele que estuda precisa admitir que não sabe, pois só assim estará em condições de mais busca. É isso que acontece com o estudo de um determinado pensador; alguns buscam seus conhecimentos, estudam-no sem o preconceito, enquanto outros agem já acreditando saber ou posicionando-se como quem não concorda com suas posições. Isso faz remeter ao pensador grego Sócrates que afirmava a famosa frase "Só sei que nada sei", não compreendida por muitos, mas querendo apenas dizer que aquele que busca algo precisa levar a ideia de que não a possui; afinal, ninguém busca aquilo que já tem. Da mesma forma Jesus de Nazaré quando diz "Deixai vir a mim as criancinhas, porque delas é o reino do céu". Ou seja: é necessário se fazer criança, agir com humildade, afinal a busca de entendimento só será feita por quem admitir que não entende. Isso acontece devido a alguns fatores, mas principalmente por se ter um conhecimento parcial e geralmente tendencioso sobre o objeto estudado. Quando se busca por alguns pensadores, em especial, a situação é ainda mais agravante, como é o caso de Karl Marx, Nicolau Maquiavel, René Descartes ou Friedrich Nietzsche. Entretanto, contra o primeiro o preconceito é, sem dúvida, o maior de todos.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Filosofia, O Que É Isso?

Por mais que se fale em filosofia budista, hindu ou cristã, o entendimento que se tem é que elas não existem por uma questão de essência do próprio conceito de filosofia. Desde suas raízes gregas e toda a tradição posterior, em quase dois milênios e meio, a filosofia existe como uma busca de sentido ao existir. Mas o conceito de filosofia também não pode ser confundido com o de ciência tendo em vista que essa tem um fim utilitário, uma aplicação determinada, além de uma delimitação metodológica. Por exemplo: as pessoas em geral usam a palavra "pensar" para qualquer atividade mental e assim todas pensam, mas não, o cientista não pensa; pelo menos não enquanto cientista. Nos seus estudos acadêmicos ele aprende a fazer algo, desenvolvendo técnicas que outros elaboraram - que outros pensaram. Enquanto disciplina acadêmica, a filosofia também possui técnicas e métodos de estudos e pesquisas, mas não pode ficar presa a parâmetros e determinações laboratoriais. O filósofo pensa porque pensar só pode acontecer quando o ser pensante necessariamente foge de amarras e fins determinados. Mas também não pode ser hindu, budista ou cristã porque a filosofia não deve ser confundida com teologia, apologias religiosas ou aconselhamentos de vida em plenitude. Acontece que as religiões trabalham com verdades já sedimentadas, são suas essências os dogmas, portanto não poderão buscar algo que entendem como já encontrados. A filosofia existe enquanto necessidade humana, enquanto busca desesperada por sentidos para a sua existência; respostas às velhas perguntas: de onde vem? para onde vai? o que faz aqui? além de tantas outras. As pessoas sabem como a energia elétrica caminha por entre as moléculas do cobre, mas não sabem o porquê; sabem como certos alimentos nutrem o corpo animal, mas não sabem o porquê. Quem se preocupa com o como é o cientista moderno; o filósofo quer saber o porquê, pois pensa que no porquê deveria estar o sentido da existência. Se a filosofia nasceu de um desespero humano, isso aconteceu como um grande guarda-chuva abrigando todas as áreas do saber que na modernidade, uma a uma, foram reivindicando suas delimitações, seus objetos de busca, seus métodos e se auto-intitulando ciência. Mas o desespero continuou. Agora a filosofia quer saber o porquê da necessidade de delimitação? Se for para focar num ponto, isso faz surgir ainda outras perguntas: com isso, não se perde na percepção dos seus efeitos colaterais? Esses acadêmicos não fariam isso ávidos por reconhecimento, prestígio, dinheiro? Ainda outra pergunta: por que os humanos sentem essas necessidades? E assim segue a filosofia.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Existencialismo e Modernidade

Se o racionalismo moderno fundamentou-se em um confronto ao pensamento medieval acusando-o de uma visão dogmática e teocêntrica, também houve quem questionasse a modernidade com suas pretensas noções de certezas e de verdades. Pensadores como Kant, Hegel e Marx foram os grandes marcos da era moderna propondo sistemas que se pretendiam verdades absolutas e inabaláveis; afinal, foram eles que colocaram o tempo na filosofia valorizando a história e a ação humana na transformação da matéria, mas esqueceram os indivíduos com seus medos, anseios e frustrações. Se essas tais "verdades" foram inabaláveis e arrastaram revolucionários e acadêmicos por todo o mundo encontraram também, de dentro dessa mesma modernidade, os seus mais fortes opositores com suas preocupações existencialistas. Dentre esses pode-se citar nomes como Kierkegaard, Schopenhauer e Nietzsche - sem o prestigio daqueles, mas com força suficiente para fazer um intenso enfrentamento. O primeiro fora Soren Kierkegaard - o dinamarquês que desviou o pensamento filosófico das estruturas sistemáticas para discutir a existência humana com suas frustrações, seus medos e desejos. Fez isso aproximando a relação entre a subjetividade do indivíduo e a transcendência de um ser divino. E assim teceu críticas ao pensamento religioso luterano da Dinamarca de sua época alegando que os sacerdotes estariam muito mais preocupados com as benesses do poder político do que com a imitação do Deus que se fez homem para servir de exemplo. Arthur Schopenhauer, por outro lado, enfatizou uma outra preocupação, mas manteve a perspectiva existencialista afirmando que a mente humana trabalha com dois conceitos: a vontade e a representação. Com isso, o indivíduo vive constantemente um impulso na busca por aquilo que não obtém e, assim, sofre. Para ele viver é sofrer. Somente se aplacará esse sofrimento na busca pela arte, pela observação moral, pela justiça e pela anulação da vontade. Seguindo por essa linha e aprofundando ainda mais o debate, ao que se chamou de nihilismo, caminhou Friedrich Nietzsche propondo a destruição dos ídolos construídos pela cultura ocidental. Dizia ele não ser um homem ou um filósofo, mas uma marreta a destruir ídolos. Essa iconoclastia seria a destruição dos dogmas modernos com suas noções de verdade, de ordem moral e todo o sistema de regramento tão caro para o ocidente judaico-cristão.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Vila da Glória, Uma Experiência Socialista

Um experiência socialista ocorreu no Brasil, na década de 40 - do século 19, quando algumas dezenas de famílias francesas foram alocadas na parte continental do município de São Francisco do Sul e formaram ali o que ficou conhecido como Falanstério do Saí. A colônia fora projetada e dirigida por um tempo pelo um médico homeopata francês, chamado Benoit Jules Mure baseando-se nas ideias do pensador socialista francês, Charles Fourier. O pensamento de Fourier fora enquadrado como socialismo utópico, conforme escreveu Karl Marx dizendo que essas tentativas de criar um sistema tal (Saint-Simon - 1760/1825, Charles Fourier - 1772/1837, Louis Blanc - 1811/1882, Robert Owen - 1771/1852, entre outros) seriam todas fracassadas, já que o socialismo deveria ser pensado sob o ponto de vista científico. A denominação "socialismo utópico" tomaria corpo, mais tarde, na obra de Friedrich Engels quando escreveu Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, publicada em 1892. Os assim chamados socialistas utópicos foram vistos pelos pensadores sociais como querendo expandir os ideais da Revolução Francesa com o intuito de criar um sistema econômico, social e político mais racional. Entretanto, mesmo rotulados como utópicos pelos marxistas, seus objetivos não eram sempre, necessariamente, utópicos e seus valores incluíam frequentemente suporte científico e almejavam a criação de uma sociedade baseada em tais princípios. O certo é que a utopia do Dr. Mure, a experiência socialista pensada para o sul do Brasil, mais precisamente em terras de Santa Catarina, não chegou a duas décadas e as várias famílias retornaram à França ou seguiram para outros rumos. O que se sabe é que a colônia francesa às margens da Babitonga sofreu dissidência logo nos primeiros anos de sua existência, levando conflito aos recém-chegados e ao surgimento de outras colônias. Enfim, o sonho socialista de construir um mundo novo em que as pessoas vivam segundo o suor do seu rosto, sem explorados ou exploradores, acabou em apenas alguns anos; sobre os motivos fala-se além das dissidências, problemas para escoar a produção e a dificuldades para a obtenção de alimentos, já que não eram agricultores - pois a ideia era de se criar uma colônia industrial. Se muitos debandaram da região, sabe-se que uma família - os Ledoux, permanecem até os dias de hoje por Joinville, na ilha de São Francisco ou mesmo na atual Vila da Glória.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O Ocidente, a História e Seus Limites

As denominações dos períodos históricos como Idade Antiga, Idade Média ou Idade Moderna foram feitas pelos eruditos iluministas da modernidade, dentro de uma visão racionalista. Alem desses três períodos, outros momentos foram sendo denominados como a Idade Contemporânea ou a Pré-História e assim, todos os pontos da história foram classificados; esse ultimo - por exemplo - fora divido em Neolítico e Paleolítico que, mais uma vez, fora divido em Superior e Inferior. Esses períodos foram sendo estabelecidos com datas de seu início e seu fim e fixados a partir de um fato histórico marcante; por exemplo: a mudança da Idade Antiga para Idade Média tem a queda do Império Romano do ocidente com a invasão pelos povos bárbaros no ano de 472 aC. Já, marcando o final da Idade Moderna e o início do que fora chamado de Idade Contemporânea encontra-se a Revolução Francesa e, mais precisamente, a Tomada da Bastilha, em 14 de julho de 1789 - quando a população invadiu a prisão que continha os presos inimigos da monarquia e soltaram-nos. Interessante que essas divisões não são consenso em todo o mundo, sendo usadas basicamente pelo Ocidente e pelos países ditos ocidentalizados (colonizados pelos europeus): a América, a Oceania, parte da África e da Ásia. Nesse caso, quando os países ocidentalizados falam de Idade Média ou Antiga, falam do período que fora vivido pela Europa e pelo Oriente Médio e começam suas histórias pelas suas colonizações, já na Idade Moderna. Também não há consenso entre os historiadores dos diversos países com relação ao fato histórico que delimita o fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea. Os historiadores brasileiros sempre tiveram uma ligação direta com seus colegas franceses, portanto usam como marco que sinaliza a mudança desses períodos pela Revolução Francesa. Entretanto, há diferenças com relação a outros países. Os ingleses usam a Revolução Inglesa, os alemães a Unificação Alemã, os Russos a Revolução Soviética, enquanto outros usam eventos importantes ocorridos em seus países. O que denota de tudo isso é que essas classificações com datas delimitadoras, não passam de frágeis tentativas de estabelecimento de critérios para entendimentos da história sob a égide ocidental; a história contada pelos europeus e por seus colonizados. Não se pode pensar que isso concretamente seja algo absoluto de entendimento e aceito pela erudição de toda a humanidade.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Os Modernos São Medievais

A modernidade, esse conceito para além do período chamado de moderno tem significado uma atitude de rompimento à teocracia medieval e ao poder da Igreja, um momento em que a humanidade se pensou atingindo uma racionalidade plena. Mas mesmo assim, mesmo se pensando em um rompimento com a obscuridade da "Idade das Trevas", o que se fez até agora foi apenas reproduzir um outro período com as mesmas tendências medievais. Ora, se a Idade Média fora marcada por uma religiosidade segregacionista e prepotente, a modernidade inteira tem seguido essa mesma trilha com profunda arrogância e intransigência contra todo aquele que não comunga a mesma fé ou da mesma forma. Por outro lado, os eruditos modernos simplesmente trocaram o deus Jaweh e sua depositária do sagrado, a Igreja, pelo deus Razão, suas sociedades científicas e universidades como depositários da verdade. Se num primeiro momento, depois de se decidir nos grandes concílios, a Igreja impunha aos fiéis as suas noções de certo e errado, num outro, da mesma forma, o que se decidem nos grandes congressos científicos sobre o que faz bem ou não para a saúde, se os atros celestes são ou não são dessa ou daquela forma, ou como se forma a matéria será aceito como verdade absoluta por todos, mesmo para o homem comum. Se o homem medieval necessitasse saber a verdade sobre qualquer área não teria dúvida e perguntaria a um representante da Igreja, o sacerdote; o homem moderno se quiser saber sobre essa mesma verdade perguntará ao cientista. Ou seja, o comportamento não mudou, mas apenas as direções e nomenclaturas e a humanidade continua com um pensamento teocêntrico, à espera de um mesmo sentido, um grande pai organizador. Assim, as diversas áreas da ciência moderna se transformaram em congregações medievais com geógrafos, médicos, juristas e sociólogos se achando os únicos depositários da verdade. Esquecem que por milhares de anos a humanidade existiu sem suas presenças, sem suas corporações de ofício e suas reservas de mercado. Corporações essas que para ser admitido o iniciado precisa frequentar os mosteiros modernos por quatro, cinco ou seis anos, fazer reverência a todos os santos e santas, como antigos sacerdotes que fundamentaram o ofício, ler todos os livros sagrados e concluir os ensinamentos em uma grande cerimônia marcada por muitas luzes, discursos, largos vestidos, agradecimentos a família e aos deuses, ruidosas músicas e juramentos convencionais. Ainda se vive a era das trevas, ainda se dorme a noite de mil anos. O homem que se diz moderno ainda é medieval.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

O Não Saber e o Não Saber Que Não Sabe

A humanidade se caracteriza pela eterna busca por mais conhecimentos e nessa jornada, sempre encontra três dificuldades básicas: num primeiro momento essa dificuldade pode residir em quem ensina, num outro, em quem aprende e, por fim, no conteúdo que se ensina e se aprende. Sendo assim, se a dificuldade de compreender não estiver no conteúdo e nem nas habilidades do mestre, resta tentar entender o processo de compreensão daquele que está disposto a aprender. Nesse caso, a grande dificuldade pode se dar por problemas de saúde e aí figuram doenças mentais e físicas ou simples problemas de ordem cognitiva, mas pode haver também falta de base de dados, de conteúdos anteriores ou simplesmente desconhecimentos de certos conceitos importantes. Por fim, o problema pode ser de ordem comportamental em que o indivíduo acredita já saber algo, criando assim uma barreira e, por isso, não podendo desenvolver os seus conhecimentos. Esse último ponto é de estrema importância e faz pensar no filósofo ateniense, Sócrates. Quando lhe falaram que o oráculo havia dito ser ele o mais sábio ficara perplexo, pois a única certeza que possuía era exatamente que nada sabia. Platão mostra que, depois de muito meditar, Sócrates conclui: certamente deveria ser mesmo o mais sábio de todos, mas isso porque a única certeza que detinha era exatamente que nada sabia. Ora, o mesmo exemplo se tem quando se pensa em Jesus de Nazaré. Segundo os evangelhos, ao ser questionado por pessoas da multidão sobre como deveriam fazer para entrarem no reino do céu, ele afirmara que era preciso se fazer criança; era preciso nascer de novo. Em outra palavras, o aprendizado só acontecerá na medida em que aquele que aprende admite que nada sabe e, por isso busca conhecer. Acontece que há uma diferença básica entre os dois indivíduos: aquele que nada sabe, e se admite como tal, e aquele que sabe algo (nesse caso sabe pouco) ou acredita já saber (geralmente acredita saber muito). Assim, o primeiro, está limpo de alma na espera e na busca do novo saber, o que é diferente do outro que, por crer que já sabe, cria uma barreira o que dificulta a absorção de novos saberes pelo simples fato de serem novos ou de serem saberes que contradizem os anteriores. Ou seja: pior que o não saber é não saber e pensar que sabe.