sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Experiências Sensoriais

Os humanos possuem cinco instrumentos de percepção do mundo externo: o olfato, o tato, o paladar, a visão e a audição. No entanto, seguindo o pensamento de Immanuel Kant, cada experiência sensorial, recebida de imediato, é processada com as informações já registradas na mente, de modo que cada indivíduo possui um juízo diferente diante de uma mesma situação. Além disso, se somam as heranças genéticas, que recebem os indivíduos como pressão sanguínea, a constituição óssea e neurológica diferentes, assim como a capacidade mental. A isso se juntam as heranças sociais com todas as suas relações, desde a infância até a vida adulta, passando pelos aprendizados na família, na igreja ou na escola. Desse modo, não se pode medir, ou fazer comparações, entre noções de validade, níveis de conhecimento ou percepção de um homem em relação a outro. Isso porque o ensinamento feito ao indivíduo A e ao indivíduo B, em uma mesma sala de aula, de modo que os dois estejam sentados lado a lado, não produz os mesmos resultados. Da mesma forma, a dor que o indivíduo A sente, diante de um fato ocorrido – uma doença, um corte ou uma queimadura - não pode ser comparada com dor do indivíduo B, mesmo que lhe ocorra o mesmo fato, diante das mesmas condições e intensidades. Ou a cor que se observa. Como se pode provar que o vermelho observado pelo indivíduo A é a mesma cor que o indivíduo B vê ao observar o mesmo vermelho? Não há como fazer as consciências dos dois olharem o objeto em si e compararem a cor que um vê com a cor que o outro vê. Ora, se o indivíduo B experimentasse a mesma cor como azul, mas se todos ao seu redor chamarem-na de vermelho, os dois estarão tranqüilos vendo cores diferentes, mas ambos pensando estarem diante de uma mesma cor. Os humanos possuem cinco sentidos, mas todos são experimentados de forma diferente, de modo que não se pode compará-los entre pessoas. O olhar de um indivíduo diante de uma obra de arte causa uma impressão que lhe é própria, que o outro nunca poderá saber; ou um acidente de trânsito, o impacto sensorial é diferente para cada um. As pessoas julgam uns aos outros a partir de suas percepções, crendo e querendo que todos pensem a sua maneira e julgando todos a sua maneira: aí reside o “pomo da discórdia”, o ponto básico das desavenças humanas. Como as impressões digitais que são diferentes em cada um dos bilhões de humanos, também são as suas percepções, os seus entendimentos e capacidades emocionais.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

E o Tempo Passa

Tudo passa muito rapidamente pela existência de todas as coisas: as pedras, as árvores, os oceanos e as pessoas. Os minutos saltam sem se perceber, já que os segundos nem sempre são pensados, e as horas correm e formam os dias, os meses e os anos. O menino que ontem tivera 8, 21, 28 ou 35 anos não viu o tempo passar e, como se fosse dormir, no outro dia acordou com 50, 60 ou 70 anos; e ainda assim o tempo não lhe parou. Mas se tudo corre tão rapidamente, e a esse movimento chamam de tempo, o que é esse fenômeno? Alguns afirmam que não existe, mas que é apenas uma construção abstrata para demarcar o momento de existência de cada coisa; houve ainda que afirmasse a possibilidade de fazê-lo retroceder, ou de viajar entre as épocas, mas também houve quem dissesse que não, não se pode viajar para o futuro ou para o passado. A verdade é que o tempo é implacável e altera as aparências, já que tudo que hoje é novo um dia será velho, da mesma forma que tudo que hoje é velho um dia foi novo e assim segue tudo que existe. Essa realidade que paira entre os seres que existem, somente aos humanos leva o pavor, já que somente esses são dotados de consciência e, através dela, percebem que caminham sempre para o seu fim. Mas, se não para, não pode ser adiantado, é interessante notar que essa consciência faz com que o tempo aconteça diferentemente para cada humano, de acordo com o próprio tempo de existência; dois meses do Natal para uma criança de seis ou oito anos é uma eternidade, vai demorar a passar, já para um homem, ou uma mulher, que passou dos 40 ou dos 50 anos, isso passará muito rapidamente. Quando olha para trás, o adulto vê a distância entre uma ou duas décadas como algo muito recente, mas o jovem vê uma vida, uma existência. E isso se retrata até nas aparências, física ou mental: uma criança muda muito rapidamente, um bebê muda em questão de dias, já um adulto, ou um velho, as suas alterações acontecem muito lentamente e, para alguns, é até imperceptível. O tempo é implacável. Para um adulto, o que aconteceu em uma ou duas décadas é como se fosse logo ali; e o pavor se dá porque em uma, duas ou três décadas ele já não existirá, a não ser na memória dos entes queridos, mas que também vai ser extinta com o passar do tempo. Lento, ou rapidamente, o tempo passa e já não adianta contar mais o que passou, mas o tempo que falta; portanto, se faz necessário experimentá-lo em toda a delícia possível.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O Mal e a Maldade

O que é o mal? Por que existe a maldade no mundo? São questões aparentemente indecifráveis que muitos, ao analisarem, caem em explicações metafísicas e não conseguem seguir adiante. Dentro de uma visão maniqueísta, pode-se dizer que os opostos necessitam um do outro para existirem; nesse caso, se existe o Bem, necessariamente existe também o Mal. Diante do dilema posto, o bispo de Hipona, o pensador católico, Santo Agostinho, analisou a questão em O Livre-arbítrio, pondo a questão em silogismo da seguinte maneira: Todas as coisas que Deus criou são boas; o mal não é bom; logo, o mal não foi criado por Deus. De outra maneira: Deus criou todas as coisas; Deus não criou o mal; logo, o mal não é uma coisa. Mas a solução para Agostinho está em Platão que disse: tudo que se observa no mundo sensível (terreno) é cópia imperfeita, são sombras das coisas verdadeiras que estão no mundo das ideias. Seguindo nessa linha, Agostinho afirmou que assim como a sombra que não existe, a não ser enquanto manifestação da ausência de luz, também o mal não existe, a não ser enquanto ausência de do bem. Com isso, o bispo de Hipona reforça a ética cristã de que o não fazer o bem é também uma manifestação de maldade. Acontece que, pondo dessa maneira, ajuda a elucidar, mas não resolve o caso por completo, já que se encerra numa ideia de que quem pratica o mal é maldoso, é alguém identificado com o mal. Alguns, quando analisam a história, é comum que estabeleçam certos governantes como a própria encarnação do mal: Nero, Hitler, Stalin, Baby Doc etc. Mas todo governante tem uma oposição, aqueles que, estiveram diante de grandes conflitos, ainda mais. Portanto, é comum que seus adversários o vejam como alguém que encarna a própria monstruosidade. Mas, outros, ainda preferem que a própria encarnação do mal seja reservado a uma entidade, contrária a Deus, o Diabo. Nem uma coisa nem outra. Ninguém, nenhum homem, ou nenhuma mulher, é anjo; nenhum homem, ou nenhuma mulher, é ou foi, demônio. Todos: Nero, Hitler etc. As pessoas são apenas pessoas como todas as outras, vivendo. Acontece que cada um pratica suas ações e essas sim são benignas ou malignas. Se os humanos precisam respeitar uns aos outros, como forma de se tornarem seres elevados, a prática do mal é o seu contrário, é o desrespeito, é a pratica de ações que prejudiquem os outros.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Jesus, a História do Deus-Único

A ideia de um deus-único, que tenha feito o céu e a terra e tudo o que nela há, tem hora e local muito bem definido na história da humanidade. Relatos, historicamente comprovados, dão conta de que os povos da região do Crescente Fértil, na Idade Antiga, eram inúmeros grupos nômades e seminômades a disputarem um melhor lugar para se fixarem. Cada povo com suas tradições, línguas e organização social própria, sempre se dirigiam ao Egito quando a fome tomava conta de seus integrantes e alguns eram mesmo escravizados em troca de comida. Acontece que os egípcios já tiveram, anteriormente, uma experiência de deus-único quando, no século 14 aC, o faraó Aquenatom impôs ao povo a adoração de apenas um deus, mas que não teve sucesso; após sua morte, os antigos deuses todos foram reintegrados ao grande panteão. O interessante é que os relatos indicam que povos de tribos irmãs, identificados como hebreus, deixaram o pais dos faraós para se estabelecerem em um território que haveriam de encontrar sob um governo de alguém chamado Moisés, o mesmo que liderara a caminhada. Tudo leva a crer que as pessoas que o seguiram não tinham a convicção de adorar um único deus, já que é o próprio Moisés quem relata no seu Pentateuco que, ao subir para buscar das mãos de deus Jaweh - o único deus, as tábuas da lei, a multidão que lhe esperava no deserto confeccionara estátuas para adoração a outros deuses. Ele mesmo conta que nesse momento, como líder do povo, teria ralhado com todos que desviaram dos seus ensinamentos, mostrando que aquelas que estavam em suas mãos eram as leis do grande deus. Após Moisés, outros líderes foram se sucedendo no controle das tribos, até que se separam, permanecendo coeso um pequeno grupo comandado por Judá. Mas surgiu aí um grande problema, os povos da região tinham os seus próprios deuses, ou semi-deuses, ou ungidos de deus, governando os povos e eles - se questionavam: por que os judes não? Então, as autoridades eclesiásticas e os sábios do povo ensinavam que um dia o próprio Jaweh, o verbo, aquele que simplesmente é, se faria carne e habitaria entre o seu povo; e durante séculos esperaram Mas eis que, um dia, um moço de trinta anos, chamado Jesus – mais tarde com um codinome em grego de Cristo, que quer dizer puro - surgiu entre eles fazendo maravilhas e sendo aclamado como o próprio deus, o próprio verbo encarnado; estaria, então, cumprida a profecia. Com a sua morte, uma parte do povo não o aceitou como deus e ainda hoje continua a esperar que um dia ele venha e, uma outra parte, seguiu os seus ensinamentos e comemora até hoje o nascimento, o sofrimento e sua a morte; esses são chamados de cristãos.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Grandes Conflitos Mundiais: Tudo Outra Vez

Aquele que reparar atentamente vai perceber que parte da configuração da política internacional atual, bem como os últimos episódios ocorridos na última década, é muito parecida com a situação do mundo no início do século 20. As migrações eram incontroláveis, havia uma supervalorização de traços nacionais e um enfraquecimento econômico estava generalizado o que provocava a disputa de mercado pelas grandes potências do planeta. Em 1914, o arquiduque austríaco, Franz Ferdinand, príncipe herdeiro da Áustria, Hungria e Boêmia, foi assassinado a tiros na cidade de Sarajevo, atual capital da Bósnia-Herzegovina, por um jovem militante do Mão Negra, contrário aos domínios austríacos na região. Havia um fortalecimento de traços nacionais na maior parte das sociedades: os alemães invocavam suas origens arianas, os italianos, as origens romanas, os judeus desenvolveram um pensamento sionista (com aquela ideia de serem um povo escolhido), os japoneses, as suas origens milenares e, até os Estados Unidos, invocaram o “modo de vida americano”. As migrações foram outra marca desse período com imensas levas de pessoas saindo de uma miséria européia, ou japonesa e ou árabe, para países da América como Brasil, Argentina, Colômbia e Estados Unidos. Nesse mesmo período, grandes grupos de judeus pobres da Rússia, da Polônia e de outras regiões dos eslavos para países como Alemanha, França e Inglaterra. A história não se repete, afirmam os historiados, mas as configurações, as nuances, podem demonstrar algo em perigo ou, pelo menos, provocar muitas preocupações. Quando se olha para trás e se vê os fatos ocorridos pelas décadas de 10, 20 e 30 do século 20 se percebe muitas semelhanças com as configurações de hoje em dia. Ora, nos tempos atuais o conflito na Síria se alonga por anos e já matou milhares de pessoas, os atentados se multiplicam pela Ásia, Europa e Estados Unidos e, recentemente, o assassinato do chanceler russo, Andrei Karlov, aprofunda ainda mais as tensões. Por outro lado, tais conflitos levam a migrações de povos que procuram desesperadamente um lugar seguro para viver, mas que acabam se envolvendo em conflitos de ordem xenófoba; sem contar com as migrações de povos africanos que tentam alcançar a Europa, fugindo da miséria em seus países. Não se quer dizer que, pelo fato de que com tais acontecimentos o mundo viu eclodir duas grandes guerras mundiais que, necessariamente, acontecerá algo dessa natureza nos próximos anos, mas que isso pode acontecer e que não é algo distante. Falar sobre isso, fazer essa análise comparativa entre a história e o tempo presente serve, pelo menos, para que as populações, principalmente seus governantes, mirem-se nos fatos e evitem reproduzir as mazelas de outrora.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

A Caridade

A palavra caridade é um daqueles termos complexos, com conotações diversas e usos mais estranhos possíveis, mas o seu entendimento diz muito sobre a cultura ocidental cristã dos tempos atuais. Não que nos dias de hoje as pessoas tenham se tornado mais caridosas, amorosas, ou algo que o valha, talvez seja exatamente o contrario, mas, diante da complexidade do termo, e calcado por valores cristãos, tem-se muito do pensamento contemporâneo. O termo derivado do Latim, caritas que quer dizer afeto ou amor e que, por sua vez, se originou no Grego, chàris que quer dizer graça. A definição coloquial, comum nos dicionários, estabelece caridade como um sentimento, ou uma ação benevolente, de ajuda a alguém sem a necessidade de recompensa. É aí que reside o engano no entendimento do conceito e, conseqüentemente, do pensamento ocidental: tudo que se faz tem de ter um sentido, ou um motivo. Por mais que esse conceito seja formado a partir de valores cristãos de despojamento e dedicação ao outro, sempre que alguém faz algo o faz esperando um retorno. As pessoas fazem esperando algo em troca, mas não percebem que o fazem, tendo em vista não entenderem como retorno, ou troca, algo que esperam ganhar como um regozijo, um conforto mental, por ter feito algo que aprendeu como bom. Em algumas épocas do ano grupos de senhoras se mobilizam na arrecadação de brinquedos para crianças carentes, grupos de jovens religiosos se unem na visita aos áxilos de velhos, cantando para eles ou levando presentes. Alguns preferem visitar presídios ou comunidades carentes, para quem levam objetos de necessidades básicas e cesta básica. Fazem isso e falam uns para os outros que assim estão amenizando “a dor do irmão”; ao terminarem expressam um sorriso de contentamento e vontade de fazer ainda mais. Mas fazem isso para amenizar a própria dor de viverem em um mundo desigual, muitas vezes essa é a dor de ter tido atitudes políticas que faz proliferar essas próprias mazelas. Para que a caridade pudesse existir na sua essência, teria que ser um ato desinteressado, sem regozijo, sem necessidade de um retorno seja ele do tipo que for; ou, mesmo que essa ação traga contrariedades e sofrimento para quem pratica. Esse amor, essa caridade, essa graça não pode existir na troca, no conforto de quem pratica, mas na luta constante, em todas as ações, para construir um mundo diferente desse que precisa de ajuda, de esmola.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Dom Paulo, Um Humanista

Quem viveu ou estudou os fatos históricos dos anos 60 e 70 no Brasil, com perseguições, torturas e mortes a todos aqueles que contrariavam o sistema político, econômico e social vigente, sabe quem foi Dom Paulo Evaristo Arns. A relevância desse catarinense, nascido em Forquilhinha (sul do Estado, em 1921), foi muito além dos seus estudos de Letras e Teologia na Sorbone, em Paris, o seu destaque está nas lutas pela defesa dos menos favorecidos. Logo que se ordenou bispo pôs-se ao trabalho social na criação das chamadas pastorais sociais, grupos de católicos que se organizam nas capelas e paróquias e lutam política e economicamente junto à população deserdada socialmente. No momento mais difícil da historia brasileira, chamado de ‘tempos de chumbo’, ele enfrentou os poderosos do País e fez da sua igreja, a catedral da Sé, em São Paulo, um front de defesa da democracia e combate aos desmandos. Quando o preso político, jornalista Vladimir Herzog, apareceu enforcado na prisão e os seus algozes declararam suicídio; surgia um problema, pois, de acordo com uma antiga tradição católica e judaica, os suicidas não devem receber cerimônia fúnebre. Dom Paulo, juntamente com o rabino Henri Söbel (Herzog era judeu), fez uma grande cerimônia fúnebre ecumênica que ocupou toda a Praça da Sé, no centro de São Paulo, e declarou que Herzog fora sim, assassinado. Entre 1979 e 1985, juntamente com o pastor presbiteriano, James Nelson Wright, e o rabino Zobel, comandou uma comissão, encarregada de produzir um relatório de tudo o que ouviam de familiares dos presos políticos e que a imprensa estava proibida de noticiar, como prisões arbitrárias, torturas e desaparecimentos de toda a ordem. No final do período, quando o Brasil se abria politicamente e se lutava por Diretas Já, os três sacerdotes publicaram o longo relatório em forma livro com o nome, Um Relato Para a História; Brasil: Nunca Mais. Desde muito cedo Dom Paulo Evaristo Arns fez a opção pela devesa dos mais injustiçados da sociedade e, por isso, seguiu o caminho pela Teologia da Libertação, uma visão teológica que mostra Jesus de Nazaré, como um lutador na defesa das pessoas mais humildes e fora assassinado exatamente porque mexeu na posição de alguns privilegiados. Para Dom Paulo, o cristão deve seguir o exemplo desse Jesus que combateu as injustiças, a miséria e os descasos.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O Fim do Capitalismo

O que alguns estudiosos da Política não têm percebido é que o modo capitalista de produção é daquelas estruturas que não morrem a partir de ataques externos, mas tem um tempo de maturação e, naturalmente, um tempo de enfraquecimento e morte. É comum que não se aceite o fim do capitalismo como algo natural; e, em geral, se acredita que todo o pensamento nesse sentido diz respeito às teorias marxistas e anarquistas, ou revolucionárias. Acontece que toda estrutura, por mais bem montada que pareça, trás no seu cerne a sua própria contradição; em outras palavras: tudo que existe vem do nada e caminha para o nada. Uma lei da natureza: tudo padece. Com um sistema econômico, político e social não é diferente: um dia a produção humana não foi pelo meio de investimento de capital e um dia não mais vai ser. Por outro lado, toda a tentativa de extirpar tal sistema econômico de uma sociedade, através de organizações operárias, de camponeses e todos os grupos de vanguarda, mostrou-se inócuo alguns anos após a efervescência revolucionária. Pelo contrário, o modo capitalista sempre se utilizou das suas próprias condenações, das próprias ofensivas para se reestruturar e estampar as lutas rebeldes como forma de alavancar ainda mais os seus ganhos. Mas se tudo na natureza padece, e com o modo capitalista não é diferente, como pode isso acontecer, já que o sistema tem um germe próprio que se adéqua diante das ameaças? Acontece que essa capacidade de adequação não extirpa as condições internas que levarão às pequenas mudanças, mas que, na grande quantidade, farão a mudança na qualidade. O modo capitalista conseguiu se fortalecer porque é um sistema que vai ao encontro do que existe de mais espúrio na alma humana, o individualismo, o solipsismo e, naquele período medível do seu surgimento, era o único caminho para ascensão social. Nos tempos atuais não há mais a necessidade real do ser, mas apenas do parecer; as pessoas não precisam mais serem ou terem algo, basta parecerem que são ou que têm: é possível comprar um carro muito caro e paga-lo em longas prestações; basta usar uma camisa com o símbolo de uma grande empresa fabricante para expressar que se pagou caro pela roupa. Ou seja: uma serie de contradições vividas pela economia nos tempos atuais assinalam que as bases do modo capitalista de produção vêm ruindo a olhos vistos. Isso não quer dizer que num determinado momento o sistema atual cai e, no dia seguinte, haverá um outro em seu lugar. Não. Numa continua readequação, o regime atual dá lugar a um modo de pensar o econômico, político e social.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

A Europa e os Germanos

Quando se quer fazer um estudo apurado sobre algum tema complexo, nas áreas das ciências humanas, ou na filosofia, propriamente dito, convém que se análise com profundidade as origens etimológicas de algumas terminações. Esse é o caso de ‘germânico’, uma expressão que se convencionou a usar quando se refere a tudo que é de origem alemã; essa é uma generalização, por exemplo, que acaba prejudicando o entendimento histórico dos antigos povos europeus. A palavra ‘germanos’ tem origem latina e quer dizer irmãos, aqueles que nasceram do mesmo pai e mesma mãe; essa terminação tem a mesma origem de germinar, de gerar, de gênesis, todas com a idéia de nascimento, de unidade e originalidade. Expressões como primogênito, significando o primeiro que foi gerado ou, outras expressões próximas, como genitor e genitália dão condições para se estabelecer a dimensão e o sentido do termo germano, ou germânico. Os atuais franceses, alemães, ingleses, espanhóis e portugueses foram formados por povos arianos (ou indo-europeus) que, mais tarde, receberam contribuições de outros grupos por toda a Europa. As inúmeras tribos se relacionavam belicamente - ou não - entre si e com os romanos que os subjugava econômica e militarmente. Como eram muitos grupos e subgrupos, os romanos a generalizaram a todos como germanos. Mais tarde, em plena Idade Média, com a formação dos atuais países, um grupo passou a ser chamado de francês, o outro de inglês, de espanhol, e assim por diante. Aqueles que não haviam formado um estado nacional, mas faziam parte do grande Sacro-Império Romano Germânico, continuaram a ser chamados de germanos e que são os atuais alemães, uma referência aos antigos alamanos. Conta-se que a expressão foi dita pela primeira vez por Júlio Cesar, quando retornou de uma viagem pela Gália, na guerra contra os gauleses, que teria generalizado os povos não romanos na região como germanos. Não havendo, nesse caso, distinção entre celtas, aquitânios, bretões, saxões e outros. A importância do entendimento das origens do termo, bem como do seu sentido original, é que isso possibilita um conhecimento mais abrangente e profundo, de toda a sua complexidade e meandros que uma generalização dificulta. Esse é o caso dos germanos, por mais que se estabeleça distinção entre ingleses, franceses e alemães, existe sim um passado comum que os aproxima e os identifica.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Da Política e da Lei

Em primeiro lugar é preciso que se diga: nenhuma sociedade sobrevive se as leis não forem cumpridas com efetividade; países sérios são aqueles que possuem leis que refletem as reais necessidades do povo e as são obedecidas com extrema dedicação. Mas é muito estranho, ruim ou prejudicial, quando um povo tem em sua cultura uma visão de mundo legalista, pondo a lei acima da atividade política. As leis são feitas pela política e não o seu contrário. Por mais que se esteja descontente com a categoria de homens e mulheres eleitos para fazerem a política de uma sociedade ou, por mais que se prestigiem o poder judiciário, não se pode fazer essa inversão. A ordem natural em uma sociedade democrática é que os membros são eleitos para fazerem o que a sociedade como um todo assim deseja e isso se refere a ordem financeira, aos investimentos, à estrutura política, cultural ou jurídica e toda as necessidades. As leis, através das quais o judiciário julga, foram feitas politicamente e podem ser desfeitas politicamente; assim como o investimento que o executivo deve fazer ou deixar de fazer, tem de ser votado politicamente. Não se pode pensar o seu contrário, acreditar que a lei esteja na frente do político. Não é a lei que muda o político. O que muda o político é a política. Ou seja: somente sabendo votar e respeitando a decisão do voto é que se vai ter uma política descente. Ora, como pode uma árvore boa dar bons frutos? Não, a árvore má só poderá dar maus frutos. Assim é a política: como pode pessoas corruptas e desrespeitosas terem representantes honestos e justos? Portanto, não é fazendo mais leis e mais leis que se vai ter uma sociedade melhor e políticas mais descentes. Fazer mais e mais leis e ter uma atitude legalista só vai fortalecer uma casta de burocratas com salários vitalícios e se utilizando do sistema público para, cada vez mais, aumentar os seus ganhos e ainda assim ter uma pose de bom moço. Quando um ministro do Supremo, embasado em lei, decide pela saída do presidente do Senado, e o mesmo se nega a deixar o cargo, é emblemático: a saída é política, caso contrário é a barbárie. Acontece que em nenhuma sociedade é possível que as leis fechem todas as situações, com uma lei para cada caso e aí, o juiz necessariamente toma uma decisão para o caso concreto, ou seja: age politicamente na busca da solução do fato. Assim também, quando o representante do executivo decide por investimento em uma ou em outra área ele o faz politicamente; é o mesmo de um parlamentar que decidiu votar, ou não, em favor de um projeto de lei, ou referendar uma decisão do governamental. Ou seja: em uma democracia as leis existem quando o acordo já foi feito, a política estabelecida.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Narciso e o Espelho da Modernidade

A parábola de Narciso, vista como um dos mitos mais populares na antiga Grécia, e presença marcante na literatura ocidental, conta muito da alma humana nesses tempos pós-modernos de sofrimento e ostentação. A história se aproxima dos tempos atuais porque pode representar pessoas vivendo em uma contradição constante: percebem a si mesmas, mas nada sabem sobre suas próprias condições e contradições, suas necessidades, seus limites e, por isso, agem acéfalos, tentando se adequar em cada novo ambiente, com a noção de que o mundo existe para servi-los. Segundo o que conta o poeta latino, Públio Ovídio (43 aC – 17 dC), Narciso era um rapaz dotado de muita beleza, filho do deus Cefiso e da ninfa Liríope que, antes de seu nascimento, resolveram consultar o oráculo para saberem qual o destino do filho e a revelação foi que teria uma longa vida, desde que nunca visse o próprio rosto. E, assim, Narciso cresceu e se transformou em um belo jovem despertando amor, tanto em homens quanto em mulheres, mas muito orgulhoso, tinha sempre uma arrogância que ninguém conseguia quebrar. Até que um dia debruçou-se sobre um pequeno lago, viu sua imagem refletida e por ela se apaixonou, mas, sem saber, ali estava marcado o seu próprio fim. Da expressão narciso tem-se a origem da palavra grega narke, que quer dizer, entorpecido que é de onde vem a palavra portuguesa, narcótico. Assim, para os gregos, Narciso simbolizava a vaidade e a insensibilidade, visto que ele era emocionalmente entorpecido às solicitações daqueles que o circundavam. Na modernidade, o mito de Narciso representa o drama da individualidade, a não percepção da própria prepotência, mesquinharia, arrogância e a crença de que o mundo deve curvar-se a seus pés; afinal, as imperfeições só são percebidas nos outros. Falando das ruas de São Paulo, Caetano Veloso cantou Sampa, dizendo (...) Quando eu te encarei / Frente a frente / Não vi o meu rosto / Chamei de mau gosto o que vi / de mau gosto o mau gosto / É que Narciso acha feio / o que não é espelho (...) Mas ele estava era lembrando que as pessoas enxergam a si mesmas em cada coisa que se deparam, interpretam o mundo a partir de suas noções de valores, sem se dar conta de outros referenciais; as falhas dos outros são, na verdade, as suas próprias falhas. Assim, a fé verdadeira é sempre aquela pregada pela religião do próprio Narciso, a ciência necessária e coerente é a que ele pratica; da mesma forma, a corrupção é sempre a do outro e o abuso de poder é sempre em ações do outro, nunca as dele mesmo.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Idade Média Nunca Mais: a Lei é Para Todos

De volta a Idade Média é o que se pode pensar quando se quer instituir uma lei para ser obedecida por apenas uma parte da sociedade. De volta a Idade Média, por que a democracia, tão propalada no período moderno, não pode sobreviver sobre uma sociedade segregada, a partir de valores diferenciados. Isso é o que se pode intuir quando se ouve falar que o estado brasileiro debate sobre a constituição de uma lei de combate a corrupção e abuso de poder, mas que poderá ser sancionada para ser obedecida por apenas algumas parcelas da sociedade. Isso porque, quando magistrados e procuradores ficaram sabendo que a lei em discussão no Congresso Nacional, poderia ser para todos, isso quer dizer, também para eles, se rebelaram com atos públicos, entrevistas fortes e até ameaças de paralisação dos trabalhos. O interessante é que essas atitudes são de pessoas públicas, funcionários do Estado, pagos para observarem e aplicarem a Lei, feita pelo Legislativo. Ora, se a constituição brasileira afirma que “todos são iguais perante a lei”, logo se pensa que não pode haver leis diferentes para categorias diferenciadas de brasileiros: todo aquele que ocupar cargos junto ao estado deve observar. Isso faz pensar na Idade Média, ainda no Antigo Regime, como fora chamado na França pré-revolucionária, com uma estrutura política e jurídica ainda com traços feudais; a sociedade era dividida em três estados, ou estamentos, o primeiro, ocupado pelo clero, o segundo, pela nobreza e, o terceiro, pelos servos e o povo em geral. Como existiam três estados, as leis eram diferenciadas para cada estamento; ou seja: aquilo que poderia ser delito para um grupo social, não necessariamente era para o outro. Certamente que as penas mais cruéis deveriam ser reservadas àqueles que se encontravam na base da pirâmide. Democracia supõe igualdade política. Ninguém deve ser observado como superior a qualquer outro membro da sociedade de modo que a mesma lei que deve ser observada pelo porteiro, pelo, pelo faxineiro ou pelo estudante, deve também ser pelo doutor, pelo ministro, pelo governador ou pelo professor. Não podem ter sido vans todas as greves, revoltas, revoluções e todo o sangue derramado nas lutas por liberdade, igualdade e fraternidade na busca por participação políticas de todos os membros da sociedade. Na democracia não há espaços para heróis. A história não retrocede, não se pode voltar às condições medievais, por mais que isso fira a susceptibilidade de alguns incomodados com a democracia e igualdade política.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

A Corrupção e o Abuso de Poder

O termo corrupção é formado por duas raízes latinas, cor (coração) e rupta (rompimento), o que quer dizer: ato ou efeito de corromper diante de um acordo estabelecido. Mas esse acordo, tanto pode ser para subverter a ordem de trabalhos frente ao estado e, por isso, receber favores financeiros, como também se utilizar da mesma máquina estatal para, assim, impor as suas vontades pessoais, ou ideológicas, e o abuso de poder. A palavra corrupção fora usada, inicialmente, para designar as ações indevidas, de qualquer cidadão, frente ao estado, com objetivos de levar vantagens, como a liquidação de dívidas sem o efetivo pagamento, a licença, ou a concessão, sem passar pelos trâmites legais, sempre com objetivos de vantagens pessoais. Como se sabe, essa forma de recebimento de vantagens em espécies necessita de dois agentes, o corrupto e o corruptor; o quer dizer: necessita de algum funcionário público disposto a romper o acordo firmado no seu concurso público, frente ao estado, e levar vantagem. No entanto, dois pontos muito próximos, a corrupção, propriamente dita, e o abuso do poder, caminham juntos porque esse último é uma vontade pessoal de poder e aquele que a pratica se sente satisfeito após o ato. São duas faces de uma mesma moeda porque as duas ações são práticas ilegais que o agente as rompe com o estado por não ver importância na própria lei que se diz seguir. Nesse caso, a ação corrupta não necessita de dois corruptos, mas de apenas um, o próprio agente do estado que se vê investido de poderes legais e, por isso, se sente acima dos demais cidadãos e, como tal, impõe o seu mando. Nesse quesito, tanto se pode elencar o policial que, ao portar uma arma em nome do estado, age de forma descortês, diante dos demais cidadãos, quanto os magistrados e os procuradores que se acham no direito de satisfazerem as suas vontades de mando. Ora, nenhuma sociedade sobrevive decentemente com esses dois vírus corroendo o tecido democrático, que se transformam e se multiplicam: a corrupção e o abuso de poder. Porque, mesmo que se façam leis contra todos os tipos de desmandos (e as leis contra a corrupção e o abuso de poder são necessárias), o espírito humano corrupto sempre achará um meio de corrompê-las.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A Morte, o Sentido da Vida

Atônitos, os homens tentam entender a efemeridade do seu existir. Ele percebe que tudo passa tão rapidamente. Parece que há poucos anos ainda era jovem, moço e, agora, desponta para uma idade avançada, quarenta, cinqüenta, sessenta anos. E, com isso, as perguntas fatais lhe percorrem a mente: como é o fim, a morte, o não existir? Por que viver se o sentido é o não existir? Perguntas comuns a qualquer ser que existe e insiste em pensar. Acontece que todos morrem. Por mais que se estique a pele, que se implante cabelo, ou que se perfume muito ou tome banho de rosas, cada um vai morrer. Por mais que se lute contra um câncer, contra a AIDS, que se faça fisioterapias, exercícios na academia, ou que se coma verduras e carne branca, cada um vai morrer. Cada um vai morrer porque o caminho natural de todos os que existem é, em algum momento, o não existir. E o interessante é que as pessoas passam todo o seu tempo tentando caminhar ao longe de tais questões e se, por ventura, alguém trazê-las à baila, de pronto é rechaçado. Alguns vivem apenas poucos minutos e param ali mesmo, outros demoram mais, chegam a juventude ou a vida adulta; outros chegam perto dos cem anos e, alguns até ultrapassam. Certas pessoas carregam uma doença por determinado tempo e se percebem definhando no dia a dia, enquanto outros enfrentam o peso do tempo e ficam perplexos com a chegada da velhice. Alguns morrem sem esperar, sem perceber que o tempo findou, muito rapidamente deixam de existir em meio às ferragens ou outros destroços. Mas se a morte é o destino que aguarda a todos, talvez o segredo da eficiência no seu combate seja um viver da forma melhor possível, um viver que atenda os próprios anseios e necessidades. E, assim, como um florista que arruma cada flor, com cada vaso nos seus lugares e borrifa água, dando mais expressão às flores, para que o conjunto agrade o freguês, assim também é preciso que se pense na estética da própria existência: cumprindo direitos e deveres como membro da sociedade, mas com respeito próprio, com dignidade. É preciso entender que o contraste do dia é a noite, assim também o que contrasta com a morte é a vida. Portanto, é preciso que se viva liberto das convenções culturais, ideológicas ou de mercado (apesar de que algumas dessas também podem dar sentido a vida), mas ocupando os espaços de sua própria existência, fazendo e buscando o sentido do que está a volta. E isso precisa ser feito antes que tudo se vá; ou: antes que as luzes se apaguem.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Os EUA e a Liberdade Entre os Povos

Após a Segunda Guerra Mundial, o novo alinhamento político e econômico dos países estabeleceu um novo conceito de liberdade entre os povos: estar ou não alinhado ao que pregam os Estados Unidos da América. Esse país se utilizou de todas as armas possíveis e imagináveis para dirimir os destinos dos povos e, ao longo de algumas décadas, conseguiu impor noções de validade, tanto estética, cultural e educacional, quanto econômica, política e social, a uma boa parcela da população mundial. Isso aconteceu de modo que qualquer governante que não segue a sua cartilha, com a sua noção de sua democracia, é condenado pela imprensa mundial, alinhada a eles, como “ditadores sanguinários e opressores do seu próprio povo”. Não é um alinhamento ditado pela força hegemônica, coerente, dentro de uma concepção autentica, mas é um alinhamento que tem apenas o favorecimento econômico, unilateral. Os países latino-americanos, durante o período ditatorial em que viveram com governantes ligados umbilicalmente aos interesses estadunidenses, eram vistos pela grande mídia como livres. As torturas, os desaparecimentos, as perseguições políticas e a censura aos modos de expressão, nesse caso, não foram observados e os povos foram considerados livres. A partir dessa concepção, mais tarde, o Iraque - antes da invasão dos Estados Unidos, sem o consentimento da ONU - não eram livres e agora são; o Irã, nos tempos do Xá Reza Pahlevi era livre, agora, nos tempos dos aiatolás, não o são. Na Líbia, de Muammar Gaddafi, o povo não era livre, mas agora, vivendo o grande exemplo de anomia, com os grupos matando-se uns aos outros, são livres; explicação: a Líbia é um solo encharcado de petróleo, a ser explorado, valendo milhões de dólares. Cuba, desde a independência com José Matí, esteve atrelada aos Estados Unidos, inclusive constitucionalmente; cada governante tinha que pedir a bênção para o irmão do Norte e nessa concepção, o povo era considerado livre. Depois, quando a Revolução de 1959 pôs fim a esse mando, a imprensa estadunidense e boa parte da mundial, passou a enquadrá-lo como um povo não livre. O que define se um país é livre não deve ser a noção cultural ou política (ou interesse econômico) de um ou outro povo, mas a capacidade de autodeterminação. As pessoas, dentro de suas formações culturais, podem ou não aceitar os encaminhamentos de outras sociedades, mas não se pode com isso rechaçar, inferiorizar o outro só por ser diferente. A política de cada país diz respeito apena aos cidadãos do referente país.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Santa Catarina de Alexandria

Catarina de Alexandria, canonizada pela Igreja Católica Copta, posteriormente pela Igreja Romana, empresta seu nome para província brasileira de Santa Catarina. Vivera no Egito, em Alexandria, na foz do rio Nilo, no início do século 4 da era cristã. Ela era uma princesa de origem macedônica e trazia no nome uma característica de persistência e dedicação naquilo que estabelece como suas metas: catarina – no Grego antigo, significa aquele que sobrevive em meio a ruínas. Alguns historiadores relatam que sua vida de cristã primitiva fora marcada por dificuldades; ela demonstrara com a vida tais características de tenacidade e dedicação frente às agruras na defesa da fé. Ainda jovem, convertera-se ao pensamento revolucionário vigente, o tal cristianismo, mas fora ordenada por Massimino, então imperador da Roma do Oriente, a abdicar de tais preceitos religiosos. Não foi possível; a moça se manteve firme na defesa de seus ensinamentos. Irado e sem entender a força desse novo pensamento, o imperador convocara 40 doutores renomados, naquela cidade de alta sapiência, para extirparem tais ideias estranhas da princesa Catarina, mas, num jogo reverso, conta-se que ela convertera os doutos pensadores alexandrinos ao cristianismo. Quando o imperador Massimino soubera da conversão de todos os seus 40 doutores, além de também a sua esposa e mesmo de alguns dos seus mais altos funcionários, determinou a morte imediata da bela Catarina. Era esse um período crucial para a fé cristã, a “Boa Nova”, um pensamento que se inseria por todos os recantos do antigo Império Romano (do Oriente e do Ocidente) que se esfacelava a cada instante. Uma nova concepção religiosa poderia ser fatal, pensavam eles. A partir desse ponto, ciência e fé, história e religião se fundem em um dogma católico para relatar o martírio da princesa. Contam antigos sábios que duas imensas rodas de madeira foram construídas, para, em movimentos opostos, levarem o corpo de Catarina a ser esgarçado de ponta a ponta. Antigos textos de Alexandria dão conta de que, nesse instante, um raio caíra espatifando por completo as tais rodas e os soldados mataram-na a golpes de espada. A seguir, anjos teriam transportado seu corpo ate o monte Sinai, onde um mosteiro fora construído em sua honra. Entre o mito, a religião e a história se sabe que persiste ate os dias de hoje o mosteiro em sua homenagem. Quando o navegador italiano, Sebastião Caboto, aportou no litoral catarinense, em dia 25 de novembro de 1503, era dia de Santa Catarina de Alexandria; ele não teve dúvida em nomear Terras de Santa Catarina.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Os Sofistas e a Medida de Todas as Coisas

Um dos grandes embates, de ordem filosófica, na antiguidade, eram os ataques mútuos, entre socráticos e sofistas. Acontece que, para os socráticos (Sócrates, Platão, Aristóteles, e outros), existe de uma verdade absoluta a ser perseguida: uma verdadeira justiça, uma verdadeira ética, um verdadeiro amor etc. E isso era contrário ao que afirmavam os sofistas; para eles não existia algo definitivo a ser buscado como uma única verdade. Os sofistas questionaram a sabedoria recebida pelos deuses reverenciados por todos, assim como a supremacia da cultura grega. Eles argumentavam que as práticas culturais existiam em função das convenções humanas e que os atos morais ou imorais, não poderiam ser julgados fora do seu contexto na sociedade em que ocorreu. Eles ensinavam que todo e qualquer argumento poderia ser refutado por outro argumento e que a efetividade de um dado discurso reside apenas na verossimilhança perante uma dada platéia. Os sofistas, na antiguidade Grega, eram mestres pensadores que viajavam de cidade em cidade se apresentando em praças públicas e arenas, fazendo discursos e atraindo discípulos para seus ensinamentos. O foco do seu pensamento se concentrava no logos, ou discurso, ou estratégias de argumentação. Eles alegavam que podiam educar seus discípulos nesse pensamento, pois a virtude seria passível de ser ensinada. Entre os grandes nomes sofistas, Protágoras (492 aC. - 422 aC.) e Górgias (483 aC. - 376 aC.) estão entre os mais conhecidos. Protágoras foi o primeiro a aceitar pagamento por seus ensinamentos, o que seria uma desonra para os pensadores gregos. É dele a conhecida frase "o homem é a medida de todas as coisas” e retrata com clareza os ensinamentos sofistas. Para a história do Direito foram eles os primeiros advogados do mundo, pelo fato de cobrarem dos seus clientes para efetuar suas defesas, devido a sua alta capacidade de argumentação. Os sofistas são também considerados, por alguns cientistas políticos atuais, os guardiões da democracia na antiguidade, tendo em vista que aceitavam a relatividade da verdade; isso porque a aceitação do ponto de vista do pensamento alheio é a pedra fundamental da democracia moderna. Independente de qualquer preconceito formado contra os sofistas, eles foram os primeiros a romperem com a preocupação pré-socrática de uma constituição física da natureza em uma unidade originária (a physis), iniciada ainda com Tales de Mileto. Alem do que, foram eles os grandes provocadores do pensamento grego, que levaram Sócrates, e outros de sua época, a pensarem o homem e o seu meio.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Partido Político

Apenas duas formas de gerir uma sociedade pairam diante do espectro da administração pública: só um indivíduo (um grupo, uma categoria) se impõe sobre os demais, ou se atua em coletivo, de uma forma participativa. O primeiro caso foi comum na antiguidade e veio até o início da era moderna, com governantes de poderes absolutos e legitimidade divina; o segundo, complexo e difícil de se manter, é o que se tem de mais grandioso da inventividade política humana. Esse último caso ficou conhecido como processo democrático, em que cada indivíduo é um cidadão, porque é o próprio indivíduo é único que pode decidir por si mesmo e, em nenhum momento entrega o destino de sua vida às mãos de alguém ou de um grupo, em especial. Só que, para isso, faz-se necessário a organização social já que é inviável todos os membros da sociedade reunirem-se a decidir suas necessidades. Aí surge o fenômeno partidário, como forma de escolher aqueles que vão representar o cidadão, chamado apenas de partido político. Esse nome se deve ao fato de ser uma agremiação que representa uma parte da sociedade com uma tal necessidade em pauta e que acabam se configurando nas bancadas parlamentares de deputados e senadores: sindicalistas, católicos, ambientalistas, evangélicos, gays, afro-descendentes, mulheres, índios etc. Seus temas vão: da preocupação com o meio ambiente, ou o respeito às diferenças raciais e às práticas religiosas, até ao investimento em educação, cultura e defesa salarial. Alguns desses temas perpassam vários partidos políticos, outros, se caracterizam por serem opostos uns dos outros. Nisso se configuram o que chamam como partido de esquerda, de direita ou de centro. A lógica é essa e uma democracia necessita disso para se atuar decisivamente na gestão de uma sociedade. A grande dificuldade para esse encaminhamento é a falta de instrução política que leva as pessoas a declinarem de seus direitos cidadãos e a entregarem suas vidas a “salvadores da pátria”. Na ignorância política o melhor mesmo é entregar o destino nas mãos de alguém e deixar que ele faça aquilo que melhor lhe prouver e resmungar pelas redes sociais. Caso contrário, deve atuar politicamente nos movimentos sociais, nos partidos, nas igrejas, nas escolas e nos sindicatos construindo a parte da história que lhe cabe.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O Estado, o Capitalismo, a Ciência, a Imprensa e o Fim da Modernidade

O Estado, o Capitalismo, a Ciência, a Imprensa e o Fim da Modernidade Um a um, os alicerces da modernidade vão sucumbindo: a economia, baseada no modo capitalista de produção, o cientificismo mecanicista e suas pretensões de verdade enfraquecem dia a dia juntamente com o esfacelamento do estado burocrático e as suas divisões de poder bem como a imprensa, como um sustentáculo ideológico. As pretensões que o substantivo “moderno” carregou de novo, de atual, se perdeu e passou a definir aquilo que pertenceu a uma época, mas que já faz parte do passado. O modo capitalista de produção, que durante muito tempo lutou contra todas as iniciativas socialistas, como se fosse um confronto entre o bem e o mal, se esvai e deixa, como seu legado, apenas um fetichismo monetário e a sua correlata sede de ostentação. Falam-se muito, nos dias atuais, em empreendedorismo, mas o que de fato se encontra, cada vez mais, é uma vontade de possuir bens supérfluos e, assim, ostentá-lo. A ciência com seu racionalismo, que nesse período se apresentou como a “virgem vestal”, a única possuidora das chaves da sabedoria, já dá lugar a uma transdisciplinaridade em um pensamento que admite a falibilidade de qualquer método positivista. Então, fica cada vez mais evidente que se reproduziu na modernidade as pretensões de verdade tal qual a Idade Média. Por outro lado, o esfacelamento do dito estado moderno, organizado com os seus três poderes, torna visível hoje que essa instituição já não consegue mais assistir, proteger ou mesmo representar, o indivíduo. Isso porque a máquina estatal, em suas variadas áreas, virou um espaço de atuação ideológica e de interferência no setor político; além do que, virou em espaço em que filhos da classe média se aferram aos seus cargos, ressaltam “direitos adquiridos” e fecham-se em um espírito de corpo. Se a modernidade criou um burocratismo acéfalo, criou também um sistema de informação conhecido como imprensa, que durante muito tempo nada mais foi que um excelente nicho de mercado. Durante esse período, ricaços da comunicação viam suas contas bancárias crescerem, ao mesmo passo que, com suas forças jornalísticas, moldaram (ou ainda moldam) a política de determinadas sociedades. Com o advento da internet caíram as assinaturas e, com elas, os ganhos, o prestígio e as interferências políticas. Não é de hoje que os alicerces começaram a cair; acontece que nos últimos tempos tudo ficou mais evidente. Diante disso só resta repensar todos esses temas: economia, estado, imprensa e ciência; para ficar apenas nos principais sustentáculos.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Liberdade

Quando Immanuel Kant, racionalista que era, se confrontou com o pensamento empirista de David Hume estava levantada uma das questões fundamentais que deu forma à filosofia moderna: a relação entre o homem e a sua liberdade. A pergunta que se formou foi: os homens são verdadeiramente livres, portanto responsáveis por seus atos, ou tudo que fazem são resultados de algo anterior? Na idade Média e na Idade Antiga já se falava em livre-arbítrio – não fosse assim não poderia haver a ideia da culpa, do pecado e de toda estrutura moral - mas o pensamento político, de um modo geral, estava atrelado ao religioso. Portanto, foi só na modernidade que o conceito, perseguido pelos iluministas, seria determinado pela a razão; somente a razão estaria a frente de todas as buscas por conhecimento, decisões e acordos. O homem seria, então, o único ser livre, já que dotado da razão. A raça humana se elegeu, nesse período, como aquela que encontrou a verdade, ou, que através da razão, teria os métodos necessários para encontrá-la; doravante, estaria coberta pelo “manto de aço” da razão, portanto, “condenada à liberdade”. A era moderna levou tão profundamente essa relação entre razão e liberdade que proclamou o momento como o período da maturidade humana e tudo que houve anteriormente como momentos de mentalidade adolescente ou infantil. E quando Kant se defrontou com o pensamento de Hume percebeu que o empirismo do pensador escocês não abria espaço para o conceito de liberdade. Se tudo se relaciona a partir de causa e efeito, tudo que é, só é por conta de algo que já acontecera anteriormente. Para o empirista, todas as decisões políticas e ideológicas de um indivíduo só acontecem por uma formação ocorrida a partir de tudo que recebeu em sua mente, através de seus aparelhos sensoriais. Kant, então, pensou na necessidade de enfatizar a existência da liberdade, uma tradição ocidental, construída há séculos, e sem ela não se poderia pensar a ética ou o direito. O pensador alemão reafirmou sua proposição afirmando que nem tudo que se pensa é resultado exclusivamente da recepção sensorial, mas também fruto da crítica e os juízos produzidos na mente. Portanto, pode haver liberdade, sim. Mas, mesmo assim, ele ressalvou que a liberdade é um daqueles conceitos paradoxais, impossíveis de ser destrinchado, o que chamou de uma das “antinomias da razão”.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Direita, Nacionalismo e Conservadorismo

Nesses tempos em que o mundo parece dar uma meia volta à direita, em que se elegem novos governantes, alguns assumem via golpe, ou assumem via armas, mas identificados com uma política conservadora, de manutenção da ordem e dos “bons costumes”, convêm que se repense, com cuidado, o conceito de nacionalismo. Principalmente se levar em conta que, sob a égide desse pensamento, já se libertou muitos povos, mas também já se matou, manipulou, invadiu e escravizou tantos outros povos. Em primeiro lugar, para se pensar a respeito é necessário que se conceitue antes o termo nação como, mais correntemente, se designa: um povo com identidade étnica e cultural; dessa forma, nacionalismo é uma corrente de pensamento de valorização dessas identidades. A auto-valorização dos costumes e ancestralidade dos povos remontam às sociedades mais antigas. No entanto, o nacionalismo, tal qual se desenha nos tempos atuais, remonta às teses político-ideológicas em que pesa um sentimento de valorização do mercado e a sua identificação com uma dada nação, surgidas após a Revolução Francesa. O nacionalismo, portanto, é uma ideologia fundamental na história, a partir da primeira fase Revolução Industrial, quando os estados nacionais se tornaram a forma de organização político-cultural que, no Ocidente, substituiu o sistema feudal. Os países, cujos povos foram formados a partir de uma multiplicidade de expressões nacionais, costumam substituir o termo por patriotismo, considerado mais uma manifestação de amor pelo território, bem com aos símbolos integradores como o hino, a bandeira, suas instituições e/ou representantes. Enfim, toda forma de aglutinação, de exaltação de um povo é bem-vinda. O grande problema é quando, qualquer pensamento dessa natureza, extrapola o sentimento de valorização do grupo para cair numa xenofobia. Nesses tempos de assunção de governos inclinados para direita – quando o Oriente Médio mantém líderes calcados na força e um estado como o de Israel opressor contra os Palestinos é aceito pacificamente, quando a América Latina é varrida por uma força conservadora, quando a Europa se surpreende com a ascensão de novas formas de nazismo e os Estados Unidos da América elege um declarado conservador teme-se que se repitam ações do passado, sabidamente erros de prepotências e crenças na superioridade de grupos.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Para Repensar o Estado

Desde os tempos da Grécia antiga se pensa na fragmentação do poder em dois ou mais partes e que esses funcionem de maneira harmônica e independente como forma de impedir a um indivíduo, ou a um grupo de seus iguais, que assumam o comando da sociedade. No princípio da Idade Moderna, vários teóricos ocidentais debruçaram-se sobre o tema no esforço pela busca de uma solução que substituísse a centralização do sistema absolutista vigente. Foi quando o Barão de Montesquieu, em sua posição clássica afirmou em O Espírito das Leis que: "...tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes". O que ficou consolidado no Ocidente foi a sua proposta da divisão em três partes, Legislativo, Executivo e Judiciário, implementado de forma diferente em cada sociedade de acordo com as necessidades históricas. No entanto, essa fragmentação em três partes nunca fora comungada por todos os grandes pensadores; por exemplo: Georg Friedrich Hegel, em Filosofia do Direito, propõe que o Executivo abarque também o Judiciário. Nesse caso, se estabelece que os juízes não deveriam ter poder de mando, já que fazem um serviço social, o que seria diferente dos outros dois poderes que um tem o compromisso de administrar as necessidades do povo e, o outro, elaboração das leis e a fiscalização. Hegel faz essa proposta de um mando a partir de duas linhas, o Executivo e o Legislativo, seguindo o seu sistema dialético de uma relação entre o particular e o universal. Alguns sustentam que o estabelecimento do Judiciário como mais um poder autônomo se deve a desconfiança sobre os magistrados dos monarcas absolutistas. No entanto, nos tempos atuais, a ressalva que se faz é que a independência de indivíduos, escolhidos por meritocracia, mas sem um controle esterno efetivo e eficiente, criam uma casta de burocratas intocáveis. Além disso, vem o espírito de corpo e a defesa de “direito adquirido” etc. Diante de tudo isso se pode pensar que não existe um modelo de conduzir a sociedade que se possa pensar como perene: cada sistema é adequado para sua época. Os reis absolutistas cumpriram o seu papel, aceito e legitimado, em suas épocas e a atual tripartição de poder também cumpriu o seu papel até as últimas décadas. No entanto, nos tempos atuais, diante do esfacelamento dos poderes constituídos, só se pode pensar que o Estado precisa ser repensado na sua ossatura de poder.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Brasil, Democracia de Contradição

O Brasil vive, nos tempos atuais, uma profunda contradição no que diz respeito ao termo democracia; se por um lado burocratas, escolhidos através de um sistema meritocrático, vão aos holofotes clamar por mais e mais democracia; por outro, indivíduos escolhidos, dito “democraticamente”, insistem em pisoteá-la. Essas contradições, por certo, se dão devido a falta de um cultura política, de um conhecimento antropológico e das relações sociais do próprio povo. E essas contradições se mostram já nas práticas dos congressistas, nas ações dos representantes do Executivo, nas decisões dos juízes, dos ministros e dos desembargadores. Alguns usam de pesos e medidas diferentes, de acordo com as conveniências ideológicas. Na continuação, o cidadão comum, sem muita orientação política, pratica as mais estranhas aberrações sociais: de botar fogo no mendigo que dorme na beira da rua, a se achar no direito de fazer linchamento, ou mandar a presidente tomar no c... etc. Recentemente o País teve, como primeira mandatária, uma senhora sexagenária que foi vilipendiada pela turba, quando não por professores, por jornalistas e outros representantes da sociedade. Frases malcriadas foram escritas em carros e muros, além de adesivos fixados em carros com caricaturas dessa senhora, de pernas abertas ao redor do cano de combustível, passando a ideia de que, em seus órgãos sexuais entrava a gasolina. Em nome também da democracia nada foi feito. Com ninguém. Por mais que falem em direitos, em liberdades e em respeito, sabe-se pouco sobre a vida em grupo e a necessidade do outro para se completar na sociedade. Ubanidade. Os brasileiros não querem democracia. Eles falam muito sobre isso porque acreditam ser um termo importante, já que ouvem falar sobre a sua importância social e política. Nada sabem, já que pessoas foram torturadas e mortas em ditadura militar recente, mas uma parcela insiste que nada de mal aconteceu nesse período e alguns chegam a almejar o retorno. Em nome da liberdade de imprensa, jornalistas já não escondem mais as suas preferências partidárias e destilam ódio nas páginas dos jornais. No entanto, também em nome dessa mesma democracia, a polícia invade uma trupe de teatro que apresentava uma peça mostrando atitude da polícia, sob a acusação dos atores fazerem ”mal uso dos símbolos nacionais”.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Filosofia, Uma Filha do Espanto e da Aflição

Se a primeira forma de pensar, a primeira busca por respostas aos seus anseios foi através do mito, em algum momento ele não foi mais o suficiente e a humanidade buscou um pensamento mais concreto; e isso aconteceu com o surgimento da Filosofia. Nasceram assim os saberes filosóficos, não são saberes utilitários, como ensina o cientificismo moderno que para tudo deve ter um sentido, um direcionamento prático, mas um sentido para a existência. Para começar, uma primeira pergunta: porque o pensamento filosófico nasceu na Grécia, um amontoado de cidades-estado que não eram os mais fortes ou mais poderosos daqueles tempos? Por que não em Roma, na Pérsia, na Índia ou na China? Seria por sua posição geográfica, no centro do mar Mediterrâneo e contatos permanentes com culturas então conhecidas? Alguns estudiosos afirmam que a Filosofia nasceu na Grécia devido a isso e a algumas características próprias da cultura helênica: uma forma de fazer política calcada na democracia, seus governantes não possuíam a legitimidade divina, como os seus contemporâneos; possuíam uma religião de deuses antropomórficos com vícios e virtudes humanas; e não possuíam um livro sagrado, onde se pudessem buscar nele as explicações para tudo que desconheciam. Por que, então, a Filosofia não nasceu na China ou na Índia, povos de culturas milenares, com grandes pensadores existentes entre esses povos como Sidarta Gautama, Laotzé, Confúcio, entre outros? Ora, o que se diz é que toda a produção intelectual desses povos, ao longo dos séculos, foram textos catequéticos, textos de ensinamentos para uma vida de paz e de harmonia, mas isso não seria essa a essência da Filosofia. A Filosofia não é um pensamento apenas interessante e aceito pela maioria das pessoas, ela não traz respostas prontas, mas busca essas respostas e, quando as encontra, se depara com ainda mais perguntas. A Filosofia, ao mesmo tempo, que é um espanto por existir é também um aprendizado com a própria pequenez diante das indagações. E, na busca, o indivíduo, por não ter explicações absolutas e finais, sofre uma aflição continua. Esse ser espantado e aflito é o filósofo que procura, através do pensamento, uma cura para seu sofrimento.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

O Mito, o Pensamento e a Fé

Uma das características dos humanos é o pensamento. Desde que criou essa coisa chamada consciência quis saber de onde veio e para onde vai. Depois quis saber mais: “quem somos nós esses seres que inventaram a escrita, a arte, a ciência e a religião?” Sem respostas finais, uma aflição penetrou e penetra em sua alma. Foi assim que, nos primórdios da humanidade, a primeira forma de pensar, de buscar essas respostas, foi o pensamento mítico. Sim, os mitos, essas narrativas ficcionais a partir da criação de seres fantásticos, mas que relatam a realidade vivida pelos grupos humanos. Por exemplo, um mito bastante conhecido no Ocidente, desde os tempos antigos é a história de Narciso, um indivíduo que se apaixona por sua própria imagem refletida nas águas de um lago. Esse homem de fato não existiu, mas o seu relato leva a indagações sobre o amor próprio, sobre o amor elo outro; bem como sobre o egoísmo e a própria idéia de mal. Mas é preciso tomar cuidado com o uso do termo, tendo em vista que pode conduzir a preconceitos e a um estranhamento ao diferente. Isso porque, quando as pessoas dão alguma explicação de ordem religiosa, ou cosmogônica, consideram como sendo mito o relato do outro: sua crença é fé verdadeira, a do outro é mito. Se o pensamento mítico é um primeiro passo para o entendimento concreto da existência, num determinado momento esse pensamento deu lugar ao filosófico. Estudiosos afirmam que essa mudança só aconteceu devido ao surgimento da escrita, à positivação da lei e à invenção da moeda. A escrita porque é um fenômeno que não é a coisa em si, mas que a representa e que teve o potencial de arrancar a humanidade da sua oralidade; a lei positiva porque codificou as relações, orientou e o ordenou os grupos; assim como a moeda que tem em si o valor da aquisição de um bem ou de um serviço, mas que não é o bem, nem o serviço. Se a humanidade busca continuamente um pensamento mais concreto e se isso se sedimentou com o surgimento da Filosofia, os mitos não morreram. Homens e mulheres continuam a se impressionar com sua existência, com o mundo a sua volta e estabelece explicações teológicas para a realidade que se defronta.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O Colono e o Interesse Pelo Estrangeiro

Usado de forma inadequada no Brasil, o termo colono deveria afirmar algo muito diferente do que comumente é pensado, aquele mora no campo e dali arranca o seu sustento. Isso porque, nos primeiros tempos de imigração para a região sul, o trabalhador recém-chegado era estabelecido em núcleos coloniais organizados pelo governo; os quais recebiam um pequeno lote para cultivar. O termo é usado de forma inadequada tendo em vista que a origem e as várias vertentes dão conta que colono é aquele que vive em uma colônia; isso significa que não pertence à terra em que vive, mas àquela a qual a colônia representa. Nesse caso, o colono sabe pouco sobre o país onde vive e de forma atordoada tenta se inteirar de tudo que acontece no país de sua origem. Quando se usa a expressão colonialismo se quer usar o termo como analogia a uma dependência de um povo a outro; ou seja: se tem o corpo em um país, mas se tenta pertencer a outro, se inteirando sempre sobre o outro, vivendo o outro. Esse indivíduo é o colono no sentido de que seus interesses, suas vontades e até suas necessidades, estão direcionadas a um determinado país que não aquele em que nasceu, bem como seus pais e irmãos. Quando o brasileiro vê o seu próprio povo como o mais errado, o mais corrupto, o mais vadio, o mais malandro ou outros termos pejorativos, no mesmo passo que os países europeus e estadunidenses como os mais elevados é colono. Ou: se esse brasileiro não vê a importância na terra onde nasceu, mas tudo faz para conhecer e viver os países economicamente dominantes é colono. Aliás, algumas pessoas ao visitarem, ou manter alguma estada nesses países, chegam ao ponto de se sentirem pertencentes, como se ali fosse sua terra. Enfim, o colono é um sofredor porque é um desterrado, um apátrida. Esse colono é sim um brasileiro, com documento de brasileiro e direito ao voto, mesmo que sua mente queira viver o que acontece lá fora. É um sofredor porque não é, e nunca será, um estadunidense ou um europeu porque nunca serão aceitos como tal; mesmo que por ventura consigam visto de permanência ou até uma nacionalidade serão sempre cidadãos de segunda categoria. É um problema cultural porque muitos pensam dessa forma, mas é também um distúrbio mental, pois acarreta um sofrimento perene. A solução é largar esse sentimento de colono e assumir por completo a terra em que viu nascer e crescer.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Adeodato, um General Descalço

Por mais que se queira a paz, a guerra é inevitável em momentos que os interesses dos grupos humanos são conflitantes, quando a política já não cumpre o seu papel nos acordos, nas negociações. Se sãos inevitáveis os grandes conflitos é interessante observar os seus comandantes, suas estratégias e a disciplina: os generais. Mas pensar em comandantes como soldados adestrados nas grandes escolas militares, cheios de conhecimentos livrescos, parecem tudo muito compreensível; o diferente são os homens descalços, sem instrução (alguns, analfabetos), que se levantam a frente de grupos de pessoas humildes e demonstram a altivez e a perspicácia no comando, nas estratégias, sempre antevendo as decisões do adversário e contra-atracando; esses são o que se que poderia chamar de “generais descalços”. Assim foi com Adeodato Manoel Ramos durante a Guerra do Contestado (1912/1916), um conflito que envolveu Santa Catarina contra o estado do Paraná, em uma faixa de terra contestada e a doação de terras para a construção de uma ferrovia que o governo brasileiro doou à uma empresa estadunidense, sem levar em conta os sertanejos que ali viviam. Conhecido apenas como Adeodato, ele era filho de caboclos de São José do Cerrito, então distrito de Lages; talvez não soubesse o significado do termo general, mas notabilizou-se pela capacidade de comando e montagem de estratégias contra o exercito brasileiro republicano. O conflito estava armado de uma forma que a política não tinha mais qualquer possibilidade: a guerra era iminente e alguém precisava comandar. Nos primeiros entreveros já morrera o grande líder dos caboclos, o monge José Maria, e após um período de dificuldades os líderes do movimento entenderam por bem entregar o comando militar a esse “general descalço”, conhecido apenas como Adeodato. O enfrentamento era desigual já que os sertanejos usavam poucas armas convencionais, como garruchas, espingardas e facas de metal, pois a maioria eram facões feitos de uma madeira chamada de Guamirim, contra os armamentos pesados como metralhadoras, canhões, rifles e até aviões em reconhecimento de área. Se as guerras são fenômenos naturais da existência humana, é natural também que alguém se levante e comande um dos lados; o difícil é entender que alguém como Adeodato, sem condições consiga traçar estratégias de enfrentamentos e resistir durante anos. Enfim, os caboclos perderam suas terras, entre 70 a 80 por cento do território em disputa ficou para Santa Catarina, a empresa estadunidense instalou a ferrovia em definitivo e Adeodato foi levado preso para o Rio de Janeiro, onde foi assassinato em 1916.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O Romantismo e o Idealismo Alemão

Para muito além dos entendimentos produzidos pelo senso comum em que o agente é mostrado, ou como frágil em seu pensamento, ou como suscetível às relações enamoradas, o Romantismo é antes de tudo uma corrente artística engajada ao Idealismo Alemão. Uma corrente mostrada pela história da arte como a maneira de ver o mundo com uma cor diferenciada, valorizando o heroísmo, o desprendimento, as coisas nacionais e a vontade do agente, como motor de transformação. Tudo começou com Emanuel Kant quando, ao ler o empirista Davi Hume, disse que despertou do “sono dogmático”, aceitando que o conhecimento elaborado pela mente necessita receber, primeiro, as informações através dos aparelhos sensoriais, mas que mas que estará continuamente reelaborando os seus entendimentos. Ou ainda: além das informações recebidas pela visão, paladar, tato, ouvido e olfato, o cérebro produz continuamente outros conhecimentos, no que chamou de “juízo analítico”. Com isso, o pensador solitário de Koenigsberg trouxe para filosofia uma nova forma de ver a si e aos outros, bem como todas as noções de certo e errado: uma noção que leva em conta a história. Para ele, a preocupação não deve ser a definição do objeto que se depara, mas o que o sujeito entende por tal objeto. Estaria assim, fazendo uma “revolução copernicana na filosofia”: os homens não trabalham com as coisas em si, mas sim com o que se produz nas mentes. A realidade acontece na mente, o restante são possibilidades. Esse pensamento de valorização do indivíduo como agente fundamental do entendimento político, econômico, científico e artístico generalizou-se sendo chamado na filosofia como Idealismo Alemão e na arte como Romantismo. Sem muito estranhamento, esse último passou a mostrar na música, na literatura ou no teatro o homem como um ser de consciência, que se percebe como indivíduo, mas também enquanto categoria, enquanto nação e que tem o ímpeto da transformação. Por isso, o romantismo ao mesmo tempo em que mostra o herói, aquele que redime uma raça, uma nação ou uma causa qualquer, é também aquele que percebe a importância histórica do indivíduo assim como as suas raízes mais singulares. Da mesma forma os pensadores posteriores, de Marx a Adorno, de Nietzsche a Heidegger, alguns concordando, outros renegando, mas todos trazem em si a marca do pensador de Koenigsberg. Todos um tanto românticos.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Uma Reforma Para o Judiciário

Muito se tem falado da necessidade de reformas, de mudanças profundas nos encaminhamentos da sociedade: reforma na previdência, reforma política ou eleitoral, reforma na administração pública, reforma bancária e tantas outras. O que não se fala é de reforma no sistema judiciário, um ponto nevrálgico para qualquer povo que se pretenda autônomo e que queira ver resolvidos os seus conflitos sociais. Claro que todas as transformações devem ser pensadas de forma integrada, tendo em vista que a não eficiência de um setor prejudicará profundamente os demais. No entanto, o sistema jurídico tem as suas particularidades quer seja na distribuição das varas, quer seja nas suas instâncias, quer seja na relação com o ministério público ou na forma de admissão dos membros e, como tal, deve ser repensado urgentemente. Acontece que em todo o mundo, dos países mais ricos – com alto grau de instrução, aos mais pobres – com todas as dificuldades estruturais, se observa uma profunda crise na administração da justiça aos povos. Isso porque o modelo de divisão dos poderes em três partes cumpriu o seu papel dentro do período moderno, mas já esgotou as suas possibilidades de retorno para a população. Vive-se uma espécie de “absolutismo jurídico”, caro e ineficiente. As sociedades avançaram no antigo conceito de democracia e o judiciário foi o único dos poderes que fugiu ao esquema democrático e todo do controle popular; na maioria dos países os seus membros são escolhidos por um sistema meritocrático, sem controle externo. Por mais que se fale em reformas de qualquer setor do estado é preciso que se pense também em uma revisão profunda na função que o judiciário tem desempenhado até os últimos tempos e o papel que deveria desempenhar nos dias atuais. Da forma que está estabelecido, com a mesma ideia inicial, lá do primeiro quartel do século 18, determinando-o como autônomo, como um dos poderes do estado, mudou, virou corporativismo na defesa primeira dos interesses dos seus membros. O resultado é que a justiça passou a ser segregada e segregadora; portanto, a justiça acaba não acontecendo. Então, nesse repensar, nessa reforma (alguns falam em revolução) é necessário que se leve em conta que a administração da justiça não é um centro de grandes decisões, um centro excelência que pense a sociedade, mas é, antes de tudo, um serviço para a população.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

A Burocracia e a Desumanização do Burocrata

Por mais que alguém se posicione contra a ordem burocrática, contra a sistematização dos processos, ou contra as hierarquias, há que pensar na sua extrema necessidade em uma sociedade complexa dos dias atuais. O que se esquece é que toda sistematização é feita por pessoas, com os seus vícios, suas frustrações e induções ideológicas. Em outras palavras: em vez de querer corrigir a burocracia é preciso que esse alguém, antes pense em corrigir o burocrata, um ser que se desumaniza quando faz parte de uma ordem, como se engrenagem de uma máquina fosse. Parece contraditório ressaltar a importância fundamental, a necessidade da burocracia para os dias atuais e, ao mesmo tempo, falar que o burocrata é alguém que, no exercício da função, abandona a sua condição humana. Mas não é. Acontece que há um disparate fundamental na relação homem/sistema. O que se quer ressaltar é que a burocracia foi criada para servir aos homens, não os homens feitos para servir a burocracia. Os processos organizadores, historicamente em toda a racionalização, devem ser pensados enquanto auxiliares da vida humana, não como sistemas existentes por si mesmos, não questionáveis, como se fossem deixados por divindades desde o começo dos tempos. Para alguns burocratas sim, o sistema não pode ser alterado simplesmente por que é assim. Ora, o grande ganho da burocracia foi a possibilidade de os humanos poderem se organizar de tal forma que a população se expandiu, desenvolveu sua economia, sua ciência, sua arte e sua tecnologia; por outro lado, a grande perda, como sua extensão, foi a desumanização dos atores sociais. Os burocratas são humanos, mas humanos que se desumanizam, seres entristecidos na repetição de suas funções e, como tal, sentem a necessidade desenfreada de desumanizar ainda os demais membros da sociedade, exatamente aqueles a quem deveriam servir. Eles desumanizam a si e aos outros quando não pensam como agentes de um sistema que presta serviço, quando repetem suas funções apenas por repetirem, quando não vêm o todo social, mas somente a pequena parte que lhe cabe. Desumanizam-se quando se sentem investidos de poder, pelo controle da sua pequena parte e, como tal, lançam-se, com arrogância, contra os seus senhores, o cidadão, aquele a quem deveriam servir.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Do Nada Para o Nada

O que houve de mais importante, até o momento atual, com qualquer ser vivo foi o seu surgimento, o nascimento; a segunda coisa mais importante será o seu derradeiro momento ou, a morte. Nada pode parecer mais importante para um ser que o seu surgimento e o seu fim. Isso parece contraditório: como podem os seres existirem e nascerem para morrer? Mas é isso mesmo, a contradição é inerente aos seres que surgem como fenômenos da existência para, em fim, deixarem de existir. Em outras palavras: tudo que hoje é, um dia não foi e um dia não mais será. Nesse análise precisa-se levar em conta que o tempo não existe, a não ser como construção abstrata dos humanos, na tentativa de controlar a todo e a todos, determinam períodos em que as pessoais existe, mas que nada mais são do que seres que seguem em um constante caminhar, do não existir para um novamente não existir. Quando os cientistas modernos afirmam que "na natureza nada se cria, nada se perde, mas tudo se transforma" estão se referindo apenas à matéria, um conjunto de elementos, seres que se pretendem concretos mas que as consciências apenas supõem que existam. Não se tem como prova -los absolutamente. Afinal, os saberes residem mesmo é na consciência de cada indivíduo que tenta interpretar a si próprio e a tudo que está a sua volta. Os sofrimentos, os amares, a felicidade, assim como o ódio, o rancor e os medos são todos fenômenos que pairam nas consciências, que por sua vez vêm do nada, existem e regressam sempre para o nada. Nesse caso, todas as certezas caminham para o local de onde um dia vieram: o nada. Portanto o que conta, ou deveria contar, na vida de alguém não são os momentos já ocorridos desde o surgimento de cada um, mas os momentos que ainda deverão ocorrer. Do que passou resta apenas a memória, um conjunto de saberes que pairam na consciência, identifica cada ser pensante e lhe dá o aprendizado. Nada mais. Quem começou a ler este texto há alguns segundos, neste último parágrafo está alguns segundos mais perto da morte, mais perto da não existência. E desse momento até o fim, até o último suspiro muitos outros segundos deverão acontecer; o que conta é a eterna busca pela felicidade para o que lhe resta.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O Corpo

Corpo pode ter um sentido literal, designando cada objeto que existe fisicamente: o corpo de.um homem, o corpo de um cachorro, o corpo de um cavalo ou de um elefante; ou apenas uma representação: Um corpo clínico ou um corpo de dança. Alguns falam em corporativismo, em corporação, ou espírito de corpo. Mas, além do uso metafórico e literal, o termo pode trazer conotações variadas, como um trabalho que exija a presença do agente,dito corpo a corpo, assim como pode ter a conotação de um ato sexual ou de uma atividade político-partidário. Para Santo Agostinho, baseando-se no pensador ateniense, Platão, a carne (e aqui se faz referência ao corpo humano) tem a sua relação direta com o mundo terreno - diferente da"Cidade de Deus" - é a origem e o destino de todos os prazeres mundanos. A carne é terrena em sua origem e destino, só experimenta os sofrimentos e prazeres do mundo terreno, portanto, é suscetível ao pecado. Por outro lado, Santo Tomaz de Aquino viu esses mesmo corpo, 600 anos depois, de forma diferente. Leitor de Aristóteles que era, dizia ele que se tudo existe teve que ser feito e se tudo foi feito teve que haver quem o fizesse; ora, se todo corpo humano foi feito por Deus tem nele uma fagulha da sua existência. Nesse caso, deixa de ser um objeto do pecado, da transgressão, para ser algo de admiração e de entendimento porque é um tabernáculo do próprio Deus. Mundano ou divino, o corpo é o único ser que os humanos têm para saberem que existem. A única certeza que se tem é que se está de posse de um corpo e que nele se experimenta todas as sensações: a fome, o frio, a sede, o cansaço e tudo aquilo lhe é inerente. Mas também é nele, ou através dele, que se experimenta a dor, a felicidade, a saudade e todos os sentimentos de amor e ódio. Por mais espiritualista que se queira ser, é no corpo que se encontram todas as possibilidades de experiência, é nele e somente nele que se encontram todos os saberes. Isso porque esse mesmo corpo em funcionamento cria aquilo que a Psicanálise e o Marxismo chamaram de consciência, o saber de si e daquilo que está à sua volta; não é possível pensar o espírito sem antes pensar esse corpo que pensa o espírito. O que se pode deduzir é que tudo que os humanos entendem como verdades, ou pensam entender, não passam de construtos do corpo ( direito, economia, ética, ciência, fé etc.) e por esses construtos matam-se uns aos outros.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Savonarola: os Novos Moralistas

Em todos os tempos, em maior ou menor escala, a humanidade viu crescer os seus conservadores, hipócritas e fariseus, homens que se viram como salvadores da pátria. Assim foi com o italiano Jerônimo Savonarola, nascido em Ferrara, no dia 21 de setembro de 1452 e morto na cidade de Roma em 23 de maio de 1498, por Cesar Bórgia, a mando do papa Alexandre VI. Savonarola foi um padre dominicano e pregador na Florença nos tempos da Renascença. Ficou conhecido por suas profecias, pela determinação de que as famílias deveriam prezar pelos bons costumes, por apelos à reforma da Igreja Católica, assim como pela destruição de objetos de arte e artigos de origem mundana. Monge dominicano vindo de uma tradicional família do interior, devotou-se ao estudo da filosofia e medicina. Conta-se que em 1474, durante uma viagem a Faenza, ouviu um sermão que o fez renunciar às coisas do mundo, passando a viver em Florença e, em exclusividade, para as causas da sua congregação e ao combate a devassidão, a formicação e a toda sorte de imoralidade. Ele se via como um "enviado de Deus" para combater os desvios da humanidade e todos os desvios em que a estrutura governamental florentina havia caído. Mas as ações de um homem que se acha investido de poderes acima de tudo e de todos chega a loucuras inimagináveis. Livros como os de Ovídio, Propertius, Boccacio, entre outros foram queimados a seu mando, no que ficou conhecido como "fogueira das vaidades"; condenando a todos que se desviaram para o mal caminho e propondo a remissão dos pecados. Savonarola declarava-se um profeta: escreveu um livro sobre suas visões, Compendium Revelationum, e conseguiu apoio da população para afastar os Médici do poder e declarar Florença uma "república popular". O interessante é que durante certo tempo, enquanto lhe convinha, a burguesia comerciante o apoiou, mas quando se viu demasiadamente enfrentando a Cúria Romana, retirou-lhe o apoio. Não se dando conta disso, Savonarola recusou a convocação papal e prosseguiu a desafiar a todos que considerava desviados do caminho, pregando e declarando Florença o novo centro do cristianismo no mundo. Já descartado pela elite privilegiada, foi capturado pelo exército, levado a Roma e condenado por blasfêmias e heresias. Nos tempos atuais, novos moralistas tomam acento em igrejas, meios de comunicação e redes sociais para destilarem seu veneno contra pessoas que nada fizeram, a não ser lutar por um mundo melhor. Alguns, com poderes junto ao estado, chegam a acreditar que são mandados por Deus, mas não passam de novos Savonarola que, perdendo o apoio da burguesia, nada lhes restará a não ser a "porta dos fundos" da história.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

À Direita Ingênua

Nesses tempos de ostentação, de aparências, as pessoas, em geral, não sabem muito sobre economia, política ou sociedade – algumas simplesmente nada sabem, mas precisam, ou acham que precisam mostrar que sabem. Seus conhecimentos se reduzem ao que leram nas redes sociais, comentários de outros que sabem menos ainda; alguns o nível vai um pouco acima e sobe para a audiência do Jornal Nacional, da Rede Globo, ou seu equivalente e, outros, sobem até uma leitura no Google e nada mais. Ao saberem em nível zero sobre temas tão relevantes para a vida em sociedade, essas pessoas se sentem acuadas e, por vezes, até agressivas. Ao saberem pelo senso comum que esses que o contrariam, e que lhe dizem o que até então não sabiam, são pessoas politicamente engajadas na posição de esquerda, tentam se posicionar e mostrar que sabem algo se dizendo de direita. Mas, se nada sabem sobre Economia Política, também nada sabem sobem sobre posições políticas de esquerda ou de direita, ou o que movem essas duas tendências. O que se percebe é que se essas pessoas soubessem a exata medida do sentido político daquilo que afirmam, sentiriam vergonha e, no mínimo, fugiriam do debate. Na maioria das vezes as posições que defendem são radicalmente contrárias ao seu modo de vida, as suas necessidades e até aos seus sofrimentos como pessoas trabalhadoras com uma vida difícil no dia a dia. Nesse caso, o interlocutor que detenha alguma leitura, tem dois caminhos: ou entra no embate, tentando mostrar a contradição daquilo que o interlocutor afirma, ou deixa-o de lado, entendendo que não há algo a fazer, que esse é um caso perdido. O que não percebem esses atores sociais, que ingenuamente se auto-afirmam de direita, é que aquilo que dizem não são seus discursos, mas discursos daqueles que detém o poder econômico. A sociedade moderna é uma sociedade de segregações: mantém privilégios para alguns e reserva as dificuldades para outros. Mas o mais estranho é que pessoas que não detém privilégio algum não percebam que aquilo que as redes sociais, que o Jornal Nacional e outros meios de comunicação afirmam, e reafirmam, são apenas réplicas de discurso dominante, daqueles que defendem os seus próprios privilégios. Acontece que na política não vale a ostentação, as aparências, ou qualquer tentativa de mostrar aquilo que não é ou não tem. As pessoas podem ser de direita ou de esquerda, mas precisam saber o que é isso e se aquilo que defendem é, na verdade, a afirmação de sua ingenuidade.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Mudanças, Reformas e Revoluções

Que tudo está em constante transformação de tal modo que o verbo ser parece obsoleto e que, em seu lugar, se deveria usar apenas o estar, já que aquilo que agora é um dia não foi e um dia não será mais é algo, há muito tempo, aceitável. Assim como as montanhas, os mares e as estrelas que um dia não existiram e que um dia não mais existirão, também as ideias e, com elas as ideologias, os costumes e as crenças um dia não mais serão como hoje. Para alguns, essas transformações acontecem de forma evolucionista num sentido de que tudo caminha do inferior para o superior; isso implica que tudo que hoje existe é melhor do que aquilo que um dia foi. Para outros, essas mudanças não são evolução já que alguns pontos de hoje não são melhores do que aquilo que fora no passado; aliás, para alguns, o que se tem hoje é até pior. Existem ainda as reformas e as revoluções. As primeiras figuram como pequenos reajustes em pontos frágeis, ou pequenas mudanças localizadas, mas que na totalidade não se deve sofrer alterações. E as segundas, as revoluções, como mudanças completas, totais, de modo a não ficar pedra sobre pedra daquilo que já fora um dia. Diante disso, os governos falam de reformas políticas, reformas administrativas, reformas do judiciário, reformas educacionais, reformas econômicas etc. Mas o interessante em todas as idéias de mudanças é que isso fascina a humanidade há muito tempo, mas fascina pelo conceito, apenas pela palavra, como se fosse possível o entendimento de algo apenas pelo conjunto fonético, sem o conteúdo que ele representa. As pessoas falam umas às outras sobre a importância e a necessidade de mudanças e os meios de comunicação veiculam frases enfatizando a urgência de transformações, de reformas. O que não se fala é do conteúdo da mudança. Ora, se tudo está em transformação de forma inevitável e se os humanos podem interferir no caminho porque seguem, convém que se pergunte: que mudanças são essas? Aonde vai chegar? De outra forma se poderia perguntar sobre a sua intensidade: o que se necessita é mesmo uma reforma, apenas algumas mudanças aqui ou acolá? Ou se faz necessário muito mais que isso, uma profunda transformação, algo que se poderia chamar de revolução?

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Che, Uma Luta

Para alguns, um exemplo revolucionário de alguém que dedicou a vida na luta por um mundo mais justo e fraterno, para outros, um assassino frio a serviço da União Soviética, mas ninguém pode discordar da sua importância para o mundo contemporâneo: Ernesto Guevara de la Serna, conhecido como Che Guevara. Nascido em Rosário, na Argentina em 14 de junho de 1928 e morto em La Higuera, na Colômbia, em 9 de outubro de 1967, ele foi um guerrilheiro, político, jornalista, escritor e médico que lutou por uma causa que acreditava. Como socialista, foi um dos ideólogos e comandantes que lideraram a Revolução Cubana de 1959: desembarcou na Baía dos Porcos com os demais revolucionários, fez a longa marcha pela Sierra Maestra até Havana, alterou o regime político cubano e tirou o País da influência estadunidense. Desde então, até 1965, desempenhou em Cuba vários cargos na administração, como presidente do Banco Nacional, como ministro da Indústria e, na área diplomática, foi encarregado de várias missões internacionais. Seu ideal socialista o fez deixar Cuba e ampliar a luta revolucionaria por toda a América Latina e África, já que ele acreditava que esses povos sempre estiveram oprimidos, como resultado das políticas de países ricos. Após lutar no Congo, Che foi capturado na Amazônia boliviana e assassinado, após uma tocai de vários dias, pelo exército boliviano, em colaboração com a CIA, no dia 9 de outubro de 1967, conforme noticiaram os jornais de todo o mundo nos meses posteriores. No próximo ano, em 2017, será lembrado em todo o mundo, os 50 anos da sua luta e morte. 49 anos depois, alguns o odeiam, outros o amam e, outros ainda, dão palpite, mas não têm a mínima noção de sua importância; alguns só o conhecem pela fotografia de Alberto Korda, retratada nas bolsas e camisetas da cultura contemporânea. No entanto, não dá para pensar a história política recente sem incluí-lo no cenário; recentemente a revista Time o considerou Che Guevara como uma das figuras mais importantes do século 20. Dois filmes mostram-no em sua luta política por justiça social: “Diários de Motocicleta”, filme brasileiro de Walter Salles que o retratou ainda jovem, em viajem pela América Latina, e “Che”, filme argentino de Stevem Soderbergh que expôs a sua luta e morte, com Benício Del Toro fazendo seu papel. Todas as leituras e observação em filmes e documentários mostram que não se pode negar a importância dessa personalidade e seu empenho pela construção de um mundo menos desigual.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A Contrariedade dos Reacionários

Quando eclodiu a Revolução Francesa, em 1789, os maiores intelectuais saudaram-na como o grande evento de profundas transformações políticas, sociais e econômicas em todo o Ocidente. E foi mesmo. A Revolução Francesa foi um período de intensa agitação e de profundas transformações não só na França e na Europa, mas na América e em boa parte do mundo. Os privilégios feudais, aristocráticos e até religiosos evaporaram-se do dia para noite, sob um ataque sustentado por grupos políticos de esquerda, com o intuito de levar em frente o ideal de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Em conseqüência, os antigos privilégios da tradição e hierarquia aristocrática foram abruptamente derrubados pelos novos princípios: cada indivíduo é um cidadão, com direitos, deveres e benefícios iguais. Mas toda revolução tem um período de grande transformação que é seguido por outro de terror, por outro de restauração e, finalmente, o de continuação dos avanços daquilo que outrora fora iniciado. Alguns anos, após iniciada a Revolução, a França se viu envolta no que ficara conhecido como período do Terror e, logo a seguir, chegava Napoleão Bonaparte para a Restauração; com a queda do grande general a voltou-se para a implementação dos ideias revolucionários. Acontece que as grandes mudanças por que passam as sociedades não são aceitas por todos o tempo todo. Quando os privilégios são arrebatados, os ofendidos praguejam no início, mas depois reagem e avançam contra os revolucionários. A tentativa é sempre de eliminar até os menores resquícios do que até então fora mudado. No entanto, assim como é natural a reação dos perdedores de privilégios, é natural também que aqueles que sentiram o gosto bom das inovações sociais e econômicas e, em algum momento, reajam e queiram que as mudanças continuem. Aquele que aprendeu que comer todos os dias é possível, que aprendeu que também pode dar um presente para os familiares, ou que pode por o filho para estudar, vai querer mais. Enfim, a França é hoje o centro cultural do mundo, fez a sua reforma agrária e uma profunda distribuição de rendas (os castelos desocupados hoje são restaurados para apreciação pública) e vive aquilo que se chama: “estado de bem estar social”. Acontece que se o individuo é senhor e mora num palácio ou é plebe e mora num casebre não importa: todos têm sonhos e vontades represadas por dentro.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Entre o Capitalismo e a Ostentação

No sistema econômico capitalista há a necessidade constante da figura do empreendedor, já que a iniciativa dos investimentos é transferida do campo público para o campo privado. Nesse caso, o burguês, como ficou conhecido o capitalista, é aquele que realiza os tais investimentos e aguarda, deles, os ganhos financeiros: o capital. Nos tempos atuais é muito comum as pessoas qualificarem uns aos outros como capitalistas; fazem isso, em geral, quando alguém, compulsivamente, compra mais e mais objetos supérfluos, ou sente a necessidade de ostentar riquezas. No entanto, não é esse o capitalista. Capital vem de cabeça que quer dizer a parte principal de uma soma de dinheiro que se investe esperando sempre o seu aumento. Nesse caso, o capitalista, o empreendedor, é aquele que tira o dinheiro do seu bolso e o investe em uma atividade privada com o intento de obter retornos financeiros maiores do que fora, então, o investido. A fina flor do capitalismo, o seu crescimento avassalador, dominando o Planeta não é feita com ostentações, mas com os três elementos básicos: investimentos privados, trabalho e, obvio, a expectativa de lucros. O sociólogo alemão, Max Weber, deixou isso muito claro em seu famoso livro, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. A ostentação nada tem a ver com a acumulação de capital, a não ser que o capitalismo em sua origem, no final da Idade Média e início da Idade Moderna, quando o burguês, já enriquecido, não conseguia entrar nos espaços políticos e sociais, ocupados pela nobreza e o absolutismo de então; restava-lhes uma única opção: usar as vestes mais caras que encontrava, ou as jóias mais raras, as mais belas carruagens e os casarios imponentes, como forma de impressionar a todos. A ostentação foi um artifício encontrado pelo burguês para se impor àquele mundo dominado pela sociedade feudal. Meio milênio depois, a economia capitalista predomina no Planeta, mas o espírito do capitalismo, a vontade do empreendedor, daquele que acumula capital, morre a cada dia; em algumas sociedades mais que outras. Em seu lugar toma acento apenas a ostentação pela ostentação; mesmo que os objetos a serem mostrados sejam comprados a duras penas, com pagamentos em prestações mensais infindáveis, provocando endividamentos inimagináveis. O interessante é que alguns se arvoram em se autodenominar capitalistas, ou empreendedores, mas não são já que o que querem é atuar com dinheiro público ou esperam que o governo realize renuncias fiscais em seus favores. Pior, fazem isso já esperando usar os retornos de tais investimentos em mais ostentação e, ainda, se achando no direito de se ausentar do trabalho. .

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Em Tempo de Eleição

Em período eleitoral, quando os nervos estão à flor da pele, quando alguns vêm como um momento de possíveis transformações sociais, enquanto outros, como momento de angariar algumas vantagens é preciso que se faça uma análise. Ainda mais se essa sociedade necessita urgentemente de reforma política, reforma administrativa, reforma judiciária; enfim, uma reforma do estado. Quem sabe, o que se precisa é uma revolução. Em primeiro lugar, não há muito a ser feito se aquele que deveria se comportar com cidadão, cônscio dos seus direitos e observador dos seus deveres, não é conhecedor dos direitos, tanto quanto não é praticante dos deveres. Nesse caso a política passa a ser algo alheio, uma prática de alguns indivíduos distantes, grandes “pais do povo”, que tudo devem fazer aos demais que o esperam inertes. Não há o que fazer porque se fizer será feito por alguém, ou um grupo - uma vanguarda, que provoca a transformação ao restante da sociedade; sendo que quem deveria fazer é o próprio indivíduo no exercício de sua cidadania. Como se não bastasse, e integrado a esse pensamento despolitizado, observa-se um sistema de comunicação social praticando um desserviço à sociedade alimentando os seus espectadores com um comodismo e alheamento a partir de uma visão social e política baseado em senso comum. Observação: algumas empresas de comunicação não são despolitizadas e alheias, mas transmitem suas informações baseadas em interesses econômicos e políticos. O resultado da junção de todos esses ingredientes, em uma prática de tantos anos, é a contínua reeleição de pessoas completamente desconectadas dos interesses daqueles que os elegeram. Aliás, aquilo que os livros de Ciência Política dizem de uma democracia: “as pessoas elegem aqueles que vão representá-los”; acontece diferente: elege-se pessoas que não vão representar os que elegeram, mas a si próprios. E, num círculo vicioso, entra eleição e sai eleição e tudo se repete. A pergunta que fica é: o que fazer? A resposta vem forte de todos os lados: investir em educação. Mas isso deveria ser feito por aqueles que foram eleitos e estão satisfeitos com o estado de coisas aí colocado. Além disso, como pode a educação fazer algo já que se retira da sala de aula aquelas disciplinas que por ventura fariam pensar? As nuvens são pesadas e pouco, ou nada, se pode fazer.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

A Arte e a Condição Humana

A arte é uma daquelas necessidades humanas, sem as quais não seriam humanos; uma atividade que só é possível por seres inteligentes, capazes de reconhecerem o mundo a sua volta, a si próprios e suas relações com aqueles que os rodeiam. Necessidade que se caracteriza por um estar na arte; não apenas contemplá-la, mas fazê-la e se envolver com ela. O artista não é um ser do glamour, da elegância ou da riqueza, ou alguém que vive como se fosse de outro mundo. Isso porque o artista nada mais é que aquele que libera a sua condição humana, se deixa envolver por seus instintos mais primitivos e, com sua visão peculiar, representa o mundo a sua volta com materiais encontrados nesse próprio mundo. Mas a necessidade da arte vai além de uma vontade de se integrar, através de representações, ao mundo que o envolve; essa necessidade é a construção de sua estrutura, como forma de se distanciar de sua condição animal. No seu inverso, o homem ou a mulher que se afasta da arte, ou que não tem acesso a ela, é aquele que se torna áspero, bruto, insensível e cruel. Portanto, quando os governantes levam arte para a sua população, através de disciplinas escolares, de projetos populares ou de incentivos às produções artísticas, demonstram sensibilidade e percepção dessa necessidade. Esses governantes percebem que as pessoas precisam aprender e serem provocadas a cantar, a encenar, a pintar, a dançar, a mexer com materiais de modo a se encontrarem com suas próprias condições de existências. Isso porque retirar do homem o seu acesso a arte é um modo de retirar a sua própria condição humana. A grande prova é quando se retira a disciplina de arte-educação do currículo escolar e os jovens são limitados a um tecnicismo a serviço da voracidade do grande capital. A perseguição ao fazer artístico se deve ao fato de que é uma atividade que não tem função de produtividade econômica, mas de libertar as pessoas. Enfim, mais que técnicas, as pessoas precisam encontrar-se com aqueles que as rodeiam e com o mundo que o cerca; tirar-lhes a arte é uma forma de tirar-lhes a razão, de tirar-lhes as suas condições existenciais. Os humanos precisam de casa pra morar, precisam de roupas e de comida e toda a infra-estrutura, mas precisam também se ligar aos demais de sua espécie e esse elo é a arte.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A Sociologia e o Medo da Crítica

Desde os tempos mais remotos a figura humana já foi o objeto de estudo dos mais variados pensadores, mas quase sempre o fora com um tema de ordem metafísica e, vez por outra, contaminada por explicações místicas. As atividades políticas já estiveram presentes em textos pré-socráticos como o de Heráclito de Abdera, de Platão, de Aristóteles ou dos sofistas, até os contratualistas, ou os socialistas franceses e alemães, passando ainda por nomes como Santo Tomás Aquino, René Descartes e Immanuel Kant. No entanto, as relações humanas só foram estruturadas como objetos da ciência no século 19 com a criação da Sociologia pelos positivistas e, com ela, as variadas correntes daí demandadas. Vieram ainda as contribuições de grandes nomes como o de Emile Durkheim, de Max Weber, de Karl Marx, entre outros. A Sociologia como ciência das sociedades fora criada na tentativa de entender a dinâmica das relações humanas na sua totalidade; na Idade Moderna, depois de uma Revolução Francesa ou de uma Revolução Industrial, não se poderia mais afirmar que as diferenças entre ricos e pobres se dariam por uma vontade divina ou por outra explicação sem base científica. Percebeu-se que algo de tenebroso se encontra nas franjas das relações e que só se poderia buscar armado de ferramentas calcadas em uma epistemologia rigorosa. Essa nova ciência, ao nascer, foi saudada como a grande inovação humana por alguns e como algo incomodo, um catecismo político e pernicioso, por outros. Isso porque a nova disciplina da área das ciências humanas viria para escarafunchar e expor as feridas da estrutura social e política moderna. A partir daí, fortalecida por outros trabalhos filosóficos, a Sociologia se tornou forte em sua crítica à sociedade e economia moderna, mas se tornou “persona nom grata” entre sistemas políticos totalitários. Aliás, se em sistemas autoritários alguns sociólogos são perseguidos, coagidos, presos ou mortos, nos cursos colegiais a disciplina de Sociologia é contemplada como indispensável por um governante democrático, mas é eliminada pelo governante seguinte avesso a um sistema libertário e crítico. De qualquer forma, o interessante é o medo que paira em uma possibilidade de se estudar a sociedade, de se entender as dinâmicas das relações.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Filosofia

Mais do que uma ciência, ou uma disciplina acadêmica, a Filosofia é uma necessidade humana diante da perplexidade tanto de si, quanto das suas relações, seu conhecimento e suas formas de comunicação; enfim, é o estudo dos problemas fundamentais relacionados a conceitos como: existência, verdade, valores, mente e linguagem etc. Alguns preferem que filosofar é refletir sobre todos esses temas descritos e, outros, que é elaborar e reelaborar tais conceitos. O termo foi originado no Grego antigo, Φιλοσοφία, que quer dizer “amigo da sabedoria” ou o “amor pelo saber”. Ao abordar esses problemas, a Filosofia se distingue da mitologia e da religião por sua ênfase em argumentos racionais; por outro lado, diferencia-se das pesquisas científicas por não recorrer a procedimentos empíricos em suas investigações. Nos tempos de crise é o filósofo aquele que percebe os desajustes sócio-políticos, o predomínio econômico sobre o social e todo o arco de incongruências dentro das relações humanas e, por isso, são perseguidos em suas pessoas, em seus escritos; bem como a própria disciplina como necessária na formação dos jovens. Nos seus momentos iniciais da Filosofia, ainda nos tempos da Grécia antiga, Sócrates foi condenado a pena de morte por seus ensinamentos, acusado de blasfemar contra os deuses e de corromper a juventude e, ao longo da história, muitos pensadores foram perseguidos e até mortos por reis, príncipes, chefes de igrejas e presidentes quando questionaram o pensamento oficial. Acontece que entre seus métodos estão a argumentação lógica, a análise das experiências de pensamento e o estabelecimento das relações com outros métodos tornando a Filosofia um saber abrangente buscando no particular a totalidade. Sob seus fundamentados são desenvolvidos os mais diversos projetos educacionais e as mais diferentes pesquisas acadêmicas, bem como embasa consultorias a instituições científicas, artísticas e culturais. Tudo isso faz com que alguns indivíduos que se assentem ao poder vejam-na como uma disciplina perigosa, um conjunto de conhecimentos elaborados por seres pervertidos que devem ser cerceados em seus pensamentos. Isso porque numa sociedade que privilegia o mercado, o consumo e a ostentação o “saber fazer” é o que importa, não o “por que fazer”. Mas mesmo perseguida a Filosofia terá sua sobrevida nos livros, mesmo proibidos ou nos porões escuros da clandestinidade enquanto for um elemento fundamental diante da perplexidade da existência. Quer dizer: a Filosofia não morre, a não ser quando morrer o último homem.