sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

O Corporativismo, s Interesses e o Prejuizo

 Nos tempos atuais se falam em espírito de corpo, ou corporativismo, o pensamento de indivíduos que se fecham em suas categorias profissionais na defesa dos seus interesses. Esse pensamento e as ações que demandam, por mais que não percebam e se queiram manter constantemente os interesses da corporação, é prejudicial para a sociedade como um todo e para os próprios membros da associação nas suas particularidades.
A expressão remonta ainda a segunda metade da Idade Média quando os artesãos se agrupavam nas chamadas corporações de ofício e essas, por sua vez, nas guildas de cada país de acordo com os tipos de atividades. Os cauteleiros, os armeiros, os marceneiros, os pedreiros etc., se agrupavam em entidades herméticas que mais pareciam seitas religiosas, tratavam entre si como irmãos e as suas reuniões eram realizadas com ritos religiosos, frases prontas e orações católicas e em uma mistura de culto religioso e discussões políticas com interesses profissionais. Há que dês dizer que essas associações tinham a beneplácito da Igreja.
A ideia era a de proteção ao mercado dos trabalhos que realizavam com o intuito de que outros profissionais locais, ou de fora, não desempenhassem atividades sem ser admitido pelo grupo ou, pelo menos, autorizado. E o espírito de corpo dessas associações era tão forte e funcionava tão corretamente que reis, príncipes, papas e senhores feudais respeitavam as decisões que os membros tomavam.
Mas esse pensamento, pelo menos é o que se percebe nos tempos atuais, é prejudicial à própria entidade tendo em vista que faz a defesa dos membros de forma incondicional, pelo simples fato de fazer parte do grupo. Acontece que essa atitude acaba tirando a possibilidade de crítica, fenômeno depurativo que extrai os discursos e as práticas que na essência são contrárias aos interesses do grupo e da sociedade.
O pensamento crítico vai além do pensamento corporativista porque, enquanto esse último está preocupado em proteger o indivíduo de forma inconsequente, relevando erros nas condutas e práticas profissionais danosas, o outro, protege-o extirpando todos os males encontrados como forma de elevação do todo. O conceito de crítica entrou no pensamento filosófico por Immanuel Kant com a noção de algo que busca os pontos considerados falhos, os erros e as contrariedades que prejudicam o curso normal.
O corporativismo é destituído de crítica, facilmente se instala em qualquer grupo de profissionais e quando faz desvirtua os interesses na sua essência. Quando se instala em grupos que atuam junto ao estado, como funcionários públicos, militares, procuradores, magistrados etc., prejudica não só as corporações e os profissionais em si, mas a sociedade como um todo.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Capitalismo e Paternalismo

O regime capitalista de produção vai muito além das leis econômicas de oferta e procura, interfere diretamente na distribuição das riquezas da sociedade e, assim, molda as relações das pessoas, mesmo nas menores particularidades. Certamente que as pessoas são dirigidas por sua cultura, pela sua religiosidade, pela autonomia da sua inteligência, mas atras de tudo isso vem o princípio econômico ditando cada passo.
Acontece que o capitalismo se estrutura socialmente a partir de uma divisão entre os possuidores de bens, aqueles que têm muita riqueza, os que têm pouca e aqueles que nada possuem além dos seus braços para o trabalho e sexo para fazer mas braços para o trabalho. Claro que nesse elenco encontram-se os deserdados do sistema, os miseráveis, indivíduos que são descartados completamente. No entanto, mesmo que se fale em livre mercado, em livre concorrência, e todos os pontos da ideologia liberal, para que o regime se mantenha é preciso que algumas condições sejam estabelecidas: o espírito de concorrência, a necessidade de ostentação, a desigualdade social etc.
A lógica de um sistema concorrencial pretende que a "mão invisível" do mercado determine os avanços e os recuos das negociações entre os indivíduos, mas no fundo a lógica é a do "tudo para mim, nada para o outro". E, nesse caso, aparece o papel do estado que dentro dos ensinamentos liberais deve continuamente encolher; no entanto, os investidores capitalistas - com o fim da ética protestante - querem mesmo é um paternalismo público que lhe dê guarida aos investimentos. 
Nesse espírito de concorrência é preciso que se mantenha também entre aqueles que pouco ou nada possuem que paire uma fragilidade para que se envolvam em uma vida inconstante, com buscas perenes e o inevitável medo da perda dos bens que já possuem, do status que por acaso mantemham, do emprego atual etc. Caso contrário, caso haja segurança, camaradagem, haverá parceria, organização social e o inevitável enfrentamento contra o estado de coisas que se apresentam.
Isso porque, quando se fala da mentalidade de um capitalismo paternalista, significa que uma parte da sociedade pensa o estado só para si.  O liberalismo, o livre empreendedorismo, é só da boca pra fora: querem mesmo é proteção. Cobra-se do estado, explora-o, mas quando é preciso dar ao sistema, a contribuição para a estrutura e o funcionamento da sociedade, nega-se. Por isso a necessidade de fragilidade, de medo e um jogo perigoso de desinformação para com a maior parte da população.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Da Violência e a Segurança Pública

Dois fenômenos geralmente tratados de forma igual como se fossem as duas partes da mesma moeda são - na essência - diferentes nas suas bases e tratamentos: violência e segurança pública. Por mais próximos que sejam, ambos carecem de estudos diferenciados: enquanto as pesquisas sobre a violência envolvem diretamente questões de ordem metafísica, psíquica e cultural, a segurança pública envolve sim questões de ordem social e ideologias políticas, mas também políticas públicas, programas de governo, função do estado etc.
A violência diz respeito diretamente à condição humana, relações sociais e suas possibilidades de abstração; se há regras, se há respeito e ética em um dado grupo, sempre haverá quem as viole: desde o começo da humanidade houve o quem assassinasse alguém, quem roubasse ou quem praticasse estupros. A diferença de uma sociedade para outra é a contabilidade dos números; enquanto alguns países contabilizam números menores, quase nulos, outros, enfrentam taxas de criminais para além do que o sistema público pode coibir.
Quando se diz que o fenômeno da violência está ligado às relações sociais significa dizer que trás junto a necessidade de um entendimento sobre distribuição de renda, de educação, de moradia digna etc. Mas também se fala que é uma questão conceitual e que há uma subjetividade por trás do conceito; ou seja: se para um tal atitude é uma violência, para outro, pode não ser.
A segurança pública está ligada umbilicalmente à violência, sim. Ela tem origem na necessidade da manutenção da ordem, mas a complexidade vai muito além da relação ordem/desordem, estado e sociedade. Diz respeito à necessidade desse controle como forma de manutenção das relações entre as pessoas possuidoras de bens e pessoas com pouca ou sem posse alguma,  manter a manutenção do poder, manter a acumulação de riquezas e assim por diante.
Esse é um aspecto, mas há um outro, a efetividade desse controle: os custos de equipamentos, a compra e manutenção de viaturas, a compra de armamentos novos, salário de pessoal etc; e aí, os governos ficam em uma saia justa, precisam investir em segurança, mas dividem o dinheiro com saúde, com educação, com saneamento e em outra áreas importantes. Por fim, há que se dizer da existência de uma indústria da violência: empresas particulares enriquecem fornecendo segurança a particulares e ao próprio estado e mais, aumentam seus ganhos quanto mais violência existir e menos capacidade  do estado de intervir. 

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Do Poder

Por mais que as pessoas falem em poder econômico, ou em outras formas, o certo é que o poder é sempre político porque é um fenômeno de ordem relacional. Porém, se não existe poder econômico a atividade econômica é por excelência um instrumento de poder, mesmo que político, já que quem tem riquezas consegue com as suas posses fazer o outro, ou os outros, agirem conforme a sua vontade. 
Nesse caso, a riqueza é apenas um instrumento, assim como a arma de fogo é para alguém que a impunha e com ela faça as pessoas agirem conforme sua determinação, assim como o eloquente que fala de forma tão convincente, se utilizando de um discurso bem elaborado e que leva o outro a acreditar em cada palavra exposta, e daí por diante. São todas armas do homem gregário na defesa do seu território, da sua comida, dos seus iguais, nos seus interesses por mais riqueza, portanto mais força capaz impor ao outro.
É que o poder não pode ser pensado como uma substância em que alguns têm enquanto outros não, como se fosse algo a ser guardado em um pote, em um baú, e utilizado quando necessário; não, como já se disse é um fenômeno relacional, ou seja: acontece nas relações sociais e somente nas relações sociais. Porque em toda e qualquer relação pairam os jogos de interesses: ou a combinação de mesmos interesses com pequenas discórdias, ou muitas e, consequentemente, o confronto entre as vontades.
A discórdia é mais difícil porque se impõe ao discordante uma sustentação, quer seja discursiva ou um enfrentamento físico; ao contrário, a aceitação nada exige a não ser a supressão das próprias vontades.
Acontece que a política é a arte da negociação. As pessoas possuem suas necessidades, seus sonhos e frustrações, portanto seus interesses, mas a vida em grupo impõe alguns impedimentos para realizá-los já que algumas dessas vontades se confronta com as vontades de outro, ou de outros. Se não há negociação haverá o confronto, se não houver política haverá guerra. É aí que entra o poder como ação de uma pessoa ou de um grupo a impor a alguém em particular ou a um grupo de pessoas as suas vontades. 
Se a posse de riqueza é uma força de poder contra o outro, assim como a arma de fogo, ou outras formas, aquele que for despossuído de riquezas e também não quiser empunhar um arma de fogo, precisa se fazer usar de outros instrumentos para reapresentar suas vontades: a força unida do grupo ao qual faz parte e/ou a elaboração de argumentos convincentes. 

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A Lawfare

A decadência do estado moderno se mostra tanto nas relações entre os poderes quanto nos seus mecanismos de ação, com práticas que acabam deteriorando as instituições em suas bases mais fundamentais. Uma dessas práticas, muito recente, por enquanto atende apenas pelo nome em Inglês, lawfare já faz parte de grandes debates de juristas e cientistas sociais das grande universidades pelo mundo a fora. 
O que a, grosso modo, pode ser definido como uma simbiose entre judiciário e legislativo é, mais propriamente, uma prática que faz uso da força jurídica com fins de interferências políticas. A ação tanto pode ter como alvo a prisão de um dos atores do jogo político como forma de alterar a disputa eleitoral, quanto pode - o que é mais comum - envolver alguém em processos jurídicos como forma de desgasta-lo a exaustão, até que caia no descrédito popular.
Alguns traduzem lawfare como "guerra suja", mas em certos países de língua inglesa aparece também como SlAPP, sigla de strategic lawsuit against public participation (ação judicial estratégica contra a participação pública). No início dos anos 80 do século passado, o governo dos Estados Unidos teria contratado algo dessa natureza na Universidade de Harvard, que teria elaborado uma nova estratégia de guerra, não mais com uso de armamentos convencionais, mas o próprio Direito; de forma tal que, ao passo que derrota o inimigo, o faz com a legitimidade popular. 
Acontece que os custos para manter um país com o poderio dos Estados Unidos da América são bastante altos, o que não pode acontecer sem a participação de países periféricos com suas economias dependentes. Mas se os governos desses países não forem alinhados e recusarem a submissão, algo precisa ser feito, só que as intervenções militares de outrora geram custos altos com perdas de vidas e não se consegue fazer sem um desgaste popular.
E aí, o conceito de lawfare, por mais que se traduzam como "guerra suja", é na verdade uma guerra limpa, já que não envolve tantas pessoas, só o estritamente necessário; se receber o apoio midiático, além de limpa a guerra será eficaz, terá apoio popular e os protagonistas vistos como heróis. O problema é que com isso a democracia, sistema político balizado no tripé de Montesquieu, recebe um golpe fulminante e seu construto, o estado moderno, começa perder os seus sinais vitais.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

América Latina, Economias e Soluções

Os países que compõem a América Latina guardam entre si, relações culturais, econômicas e práticas políticas próximas e distantes, de modo que ao mesmo tempo que possuem mais ou menos as mesmas dificuldades e seguem os mesmos caminhos, não se olham, não se encontram em uma relação de busca por soluções. Em maior ou menor grau, todos os países latino-americanos vivem uma economia de dependência em relação às economias centrais, mormente à estadunidense.
Aliás, já nos tempos da Doutrina Monroe, quando os grandes impérios fatiavam o mundo sob suas influências, os Estados Unidos levantavam a bandeira: "a América (toda) é para os americanos (do Norte)". Mas, se os países latino americanos vivem historicamente uma dependência dos países ricos, um não consegue ver e se espelhar na realidade do outro e, assim, tirar algum proveito - os brasileiros nada sabem sobre os bolivianos e esses nada sabem sobre os mexicanos, que nada sabem dos venezuelanos e assim vão - e é onde podem estar as soluções para essas economias tão próximas e tão distantes, com mais trocas culturais e científicas.
O que não se percebe é que a América Latina compreende a maior parte do território americano, com uma população de consumidores que ultrapassa a casa do meio bilhão de almas e uma diversidade imensa em fontes de matéria prima. E aí, de olho nessa expressiva fatia do planeta, os países mais ricos voltam-se para essa parte da América e o resultado é uma constante relação de dependência por parte de cada economia local a esses investimentos internacionais.
Acontece que as relações capitalistas se dão não só entre o possuidor de capital e aquele que detém a força de trabalho, mas também em termos de dominação de um estado sobre o outro; ou seja: para desenvolver uma economia é preciso que a outra seja explorada, a menos que haja uma busca comum por soluções. As práticas das metrópoles para com as colônias econômicas são mais ou menos as mesmas, atrás de um invasão cultural - música, cinema, literatura, ditando as modas e os costumes - vem uma imposição econômica estabelecendo necessidades de consumo a determinados produtos. Em contrapartida, se os países latino-americanos se aproximassem cultural e cientificamente também se aproximariam economicamente e estariam menos sujeitos aos controles dos grandes centros.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Urbanidade e Selvageria

Dois conceitos dão o tom das discussões acadêmicas sobre as atitudes humanas em suas relações sociais e, de certa forma, no que diz respeito aos seus espaços de existência: urbanidade e selvageria. Se se trata de conceitos significa, portanto, que esses possuem uma carga de subjetividade nos seus entendimentos, o que dificulta o estabelecimento de uma compreensão absoluta, mas há uma generalidade usada e aceita, pelo menos no idioma Português: de um lado retrata-se um espírito amistoso em que a parceria e o respeito falam mais alto e, de outro, a ausência de tudo aquilo que caracterizara o anterior
A ideia básica dessa relação selvageria/urbanidade é um entendimento que parte de um darwinismo social em que estabelece um evolucionismo consolidado na idade moderna e que dita a ideia de que os humanos evoluíram a partir de uma existência na selva, sem normas, sem princípios, para uma condição gregária com regras, cultura, princípios e estruturas maiorais. No século 18 os pensadores contratualistas foram os que mais transitaram por essa área quando estabeleceram o que chamaram de estado selvagem em contraposição do estado civil, o contrato social.
Certamente que as transformações que a pessoa humana viveu, e até a construção da humanidade propriamente, está intimamente ligada à cidade. Afinal, foi nela que surgiram a escrita, as leis, a moeda, o comércio, a política, o estado, a instituição igreja e tudo aquilo que se denomina como urbanidade. É também nas cidades que estão as ciências, a filosofia, as técnicas e todas as circunstâncias de saberes, os prédios, as grandes construções e todas as engenharias. E quando tudo isso chega à selva, a selva deixa de ser selva e se tonar mais um espaço urbano.
Acontece que por mais que a tradição estabeleça a selvageria como sendo a ausência de lei, da força de todos contra todos, da anomia e, a urbanidade, a existência do respeito, da dignidade, do estabelecimento das regras, isso não quer dizer haja uma relação direta com as palavras originárias, selva e urbe. As cidades são detentoras sim de de benefícios e mordomias, mas também estão carregadas de toda a sorte de mazelas e sofrimentos que nada coadunam com o entendimento de urbanidade. Por outro lado, os povos ditos selvagens estão muito além do conceito de selvageria, têm encontrado formas de convivência contrarias aos vividos nos espaços urbanos.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A Ignorância e o Saber

A definição de ignorância, a grosso modo, pode ser estabelecida da seguinte maneira: as coisas existem e cada uma, a sua maneira e a seu tempo, e da mesma forma acontecem os conhecimentos das suas existências. E, ao contrário disso, o desconhecimento, a não consciência de que a todo instante as coisas acontecem é o que se pode chamar de não conhecimento, ou de ignorância.
Mas há uma complexidade no conceito. Se a ignorância depende do não conhecimento de algo é preciso que se pense esse algo e todas as possibilidades de sua existência. Os saberes podem ser das existências das coisas concretas: as pedras existem, assim como as árvores e as pessoas - são objetos tratados como aquilo que se tem certeza das existências, ou ideias, noções, valores, ideologias, métodos e conceitos, pensados como noções subjetivas que podem se alterar de pessoa para pessoa. 
Ora, a caneta que está na minha mão não pode ser negada por aquele que a vê, afinal, um fenômeno imagético entra pelos olhos, assim como minha sensibilidade tática, vai ao cérebro e me dá certeza sobre aquilo que vejo e toco, mas não posso pensar com certeza absoluta a existência de tal objeto. Nesse caso, é praticamente impossível pensar em ignorância sobre um saber que está calcado no conhecimento se algo de fato existe ou não.
Questões sobre os conhecimento das coisas, se existem, do que são formadas e a relação entre elas remontam as primeiras tentativas humanas de um pensar elaborado. Contam os historiadores que Thales, da cidade de Mileto, na Ásia Menor, afirmava que homens, árvores, pedras, ferro e tudo do que é formado o mundo tem origem na água e propriamente constituída por ela. Depois cada pensador fora reafirmando o que ele havia dito ou contrariando-o e, assim, aumentando em número os novos saberes.
O ignorante vive aquém do pensamento de Thales de Mileto. Se ele não conhece as relações como se dão, utiliza-se de partes desconexas de mundos paralelos. Não percebendo as conexões existentes nas relações entre as pessoas, entre essas e as situações e mais  entre tudo isso e as coisas físicas, o ignorante tenta estabelecer atalhos para chegar ao ponto em crise, mas o saber não tem atalhos, não tem partes autônomas, é um todo articulado, e ele se desvirtua e se distancia do seu objeto.
Por tanto, a não ignorância significa a dominação dos saberes e, assim, a percepção da complexidade das relações. O ignorante, não detendo informações claras do objeto, tende a simplificar e acaba fazendo discursos desconexos e tomando decisões, às vezes, contrárias áquilo que de fato deseja. Aliás, uma característica básica da ignorância é a atitude de falar e agir de forma desconexa das suas reais vontades.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Filosofia e Ciência no Brasil

Sempre se soube que o subdesenvolvimento econômico gera outros tipos de subdesenvolvimento caracterizados na má distribuição de renda, na precariedade da organização social e, como não poderia deixar de ser, também das produções artística, científica e filosófica. No caso das produções científicas e filosóficas brasileiras, o subdesenvolvimento se percebe em uma dependência dos grandes centros mundiais, mormente dos Estados Unidos da América e da Europa.
Dentro de uma generalidade, pode-se afirmar que não existe propriamente uma ciência no Brasil se pensá-la como fenômeno livre para criar métodos e técnicas para investigar a natureza e criar procedimentos de interferências. Não existe porque o que tem sido feito é experimentar aquilo que os europeus ou estadunidenses já experimentam e fazem isso baseados em métodos, técnicas e conceitos ditados na Europa ou Estados Unidos. Seria isso um conceito de ciência subdesenvolvida?
No campo da filosofia é anda mas forte, estranho e difícil de entendimento e aceitação, pois se nas ciências existe um custo de montagem, custeio e manutenção de equipa, o que naturalmente tudo encarece e precariza, os estudos filosóficos se dão entre pessoas e livros. Da mesma forma, no Brasil não se faz filosofia, mas comentários aos filósofos alemães e franceses: um parágrafo e uma citação de Foucault, mais um parágrafo e uma citação de Heidegger, mais um parágrafo e uma citação de outro europeu e assim seguem. 
Não haver ciência nas áreas da química, da biologia e da física em um país subdesenvolvido parece natural pois o custo é bastante alto em manutenção, mas no caso das ciências de base teórica e filosófica ocorre devido a atitude que se tem para com o estudioso. Não quer dizer que não haja grandes pensadores em terras do Brasil. O que ocorre é que se o brasileiro se aventura pelo mundo do pensamento e se faz um livre pensador, livre de qualquer amarras, condição necessária para pensar, será visto com desconfiança pelos seus pares, tratado com descrédito, quando não com sarcasmo.
Talvez a situação toda vá além do poder econômico e o seu subdesenvolvimento, já que alguns países latino-americanos têm mostrado que é possível uma ciência, uma arte ou filosofia além das amarras eurocêntricas e produzem, a despeito das dificuldades, trabalhos legítimos, originais. As dificuldades econômicas existem, mas é preciso que isso não deixe chegar a um subdesenvolvimento intelectual, dependente, copiador, sem alma, sem vida própria.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Homens, Mulheres, Maniqueísmo e Relações Sociais

No princípio tudo é ignorância e dela surge o medo, o pavor por não entender aquilo que é. A capacidade de entender o mundo e a incapacidade são as condições que movimentam a humanidade desde os primórdios dos tempos.  Os antigos gregos costumavam separar o caos do cosmo; o primeiro - pensavam eles - põe a mente em uma condição estranha ao perceber tudo o que está a sua volta, mas não as compreende e, o segundo, a tentativa dessa mesma mente, diante do caos, de estabelecer uma ordem à qual possa confiar e, assim, controlar a tudo e a todos. 
Seguindo linhas próximas às dos gregos, os demais povos ocidentais estabeleceram os seus sistemas bi-polares, maniqueístas, de anjos e demônios, do bem contra o mal, de machos e fêmeas, do sim como contrário ao não, do melhor e o pior, do ser e do não ser. Isso porque assentar a sociedade a partir de dois polos simplifica o sistema e fornece à estrutura linhas para o controle e, assim, à manutenção do poder.
Dessa forma, os povos chegaram aos entendimentos atuais, reforçados por um pensamento mais que maniqueístas e que paira em uma ordem necessariamente binária de zero e um, de um mais um e zero ou de zero mais zero e um. Acontece que essa construção intelectual simplista entrava qualquer ensejo em transcender para novas concepções, para novos olhares ou novos sistemas sociais e um engessamento  toma conta do pensamento geral.
É nesse sentido a dificuldade de entender uma sociedade para além das condições de gênero estabelecidas pela normalidade dos costumes: homens e mulheres, humanos constituídos apenas como machos e fêmeas. Pensa-se isso como se o mundo devesse ser estruturado em apenas uma condição de dois polos, de preto e branco, de ricos e pobres, de crentes e ateus e assim por diante.
Certamente que os humanos precisam de machos e fêmeas para procriarem, fazendo nascer mais e mais pessoas no mundo, mas assim como entre o bem e o mal existe uma infinidade de outros comportamentos, que entre o preto e o branco existe uma infinidade de mais cores, os humanos não param por aí e desfilam um cem número de gêneros e diferentes comportamentos sexuais. Mas é a persistência nessa bipolaridade, na não aceitação de condições diferenciadas que gera o simplismo e que, por sua vez,  leva ao medo e às práticas sociais excludentes.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Da Hipocrisia

Um dos maiores males da humanidade é a hipocrisia, uma espécie de fingimento em que a pessoa tem consciência de ser aquilo que é, mas diz, faz e tenta ser, ou parecer, o que não é. Isso, no entanto, não pode ser pensado como uma mentira simplesmente, pois essa paira no campo do discurso falso, no dizer a falsidade. A hipocrisia é mais que isso, implica em um discurso, mas também em ações falsas. 
Pessoas que agem com propósitos maldosos já existiram em todos os tempos; algo que é inerente à raça humana, mas que na atualidade isso tem aumentado grandemente. E esse aumento se deve a vários fatores; entre eles o meio cultural em que se está inserido e a estrutura psíquica do indivíduo, por exemplo, mas deve-se principalmente à força da economia capitalista que, na defesa da propriedade privada, conduz as pessoas a uma tentativa constante de ostentação e, consequentemente, a uma necessidade de parecer o que, em geral, não é. Nesse sentido as condições foram mudando, num primeiro momento as pessoas precisavam demonstrar que eram alguém para serem aceitas na sociedade em que viviam, em outro momento, precisavam ter algo de próprio e isso era o que lhes dava prestígio; atualmente, tudo foi substituído apenas pelo parecer. Não precisa mais ser ou ter, apenas parecer que é ou que tem.
hipocrisia é a ação de fingir virtudes, ideias, crenças e sentimentos que na verdade não se têm. Etimologicamente deriva do  Latim hypocrisis e/ou do Grego hupokrisis; ambas significavam uma representação artística, uma atuação, um fingimento no sentido teatral. Mas a palavra que outrora significou o ofício do ator passou depois a designar a atitude de qualquer pessoa que representa, que finge determinados comportamentos.
Algumas pessoas deixam isso transparecer quando fazem exposições afirmando a necessidade de se amar uns aos outros, ou fazem condenações às práticas desonestas, mas em outras ocasiões essas mesmas pessoas expressam o ódio ou praticam atos injustos, ou desonestos (se é que esses dois conceitos podem ser entendidos separadamente). Acontece que aquele que pratica o mal não o vê como mal, mas como algo que pelo momento é o que deveria ser feito. 
Assim, o hipócrita não se vê como tal, de modo que o indivíduo que se pode imputar-lhe o adjetivo recusaria-o de imediato, mas do contrário aquele que não é tem consciência de não o ser. Dessa forma, o hipócrita é um indivíduo incapaz de se ver como tal e o é por essa incapacidade; portanto, no primeiro momento em que ele se percebe nessa condição possibilita a si mesmo a mudança. 

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Paraguai ou Tríplice Aliança? Guerra do Cone Sul

Passados mais de 160 anos, a Guerra do Paraguai continua sendo um espetáculo decisivo para a geopolítica sul-americana, principalmente no que diz respeito aos países Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. O que para um lado foi Guerra do Paraguai, para  outro, os paraguaios, foi Guerra da Tríplice Aliança, um momento que o País se viu forçado a lutar contra os seus três vizinhos mais próximos.
No Brasil se ensina que essa que foi a maior guerra da América do Sul e que fora motivada pelos sonhos gananciosos do ditador Solano Lopes ao pretender ampliar seus territórios até o oceano Atlântico. Para ver um Paraguai maior, almejaria ele anexar as terras do sul do  Brasil, do nordeste da Argentina e toda a República Oriental do Uruguai.
No entanto, os tais relatos não condizem com os fatos. Se por um lado não havia uma definição clara nos limites de cada território, por outro, os quatro países, ainda estavam em formação, com problemas econômicos e sociais graves e forças políticas lutando por hegemonia.
No Brasil, enfrentavam-se liberais e conservadores, com a participação dos republicanos que desejavam o fim da monarquia, além dos separatistas e abolicionistas. Nesse período o País não tinha definição exata dos seus 
Imites; ninguém sabia até onde seguiria a província de Santa Catarina, ou do Rio Grande do Sul, tanto é que, por volta de 50 anos mais tarde, essas questões de limite estourariam o conflito que ficou conhecido como Guerra do Contestado.
Na Argentina os conflitos também já eram mais que políticos, já que ficavam por conta da tentativa de Buenos Aires se impor sobre os demais territórios platinos: época em que os portenhos lutavam contra os confederados. Já o Uruguai, depois que se independeu da Espanha, ficou sob a égide do governo brasileiro por um curto período e recobrou sua soberania, passando a viver intermináveis lutas políticas e militares entre o partido Blanco e o Colorado.
O Paraguai de Solano Lopes queria sim uma saída para o mar e podia, já que os territórios não estavam definidos e havia um tratado assinado entre Portugal e Espanha que afirmava o uti possedetis (o território seria de quem primeiro o ocupasse). O pensamento corrente dos países em conflito era de que quem controlasse tais territórios controlaria os rios Paraguai, Uruguai e Paraná e poderia escoar sua produção agrícola livremente.
O resultado de tudo foram cinco anos e meio de guerra entre uma coalizão formada por Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai que, isolado, foi derrotado. Passados os 160 anos, as comunicações fluviais acontecem satisfatoriamente e os conflitos internos de cada país continuam, mas as relações entre os parceiros do cone sul ficaram marcadas. Os quatro permanecem com dificuldades econômicas, social e dependência internacional.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Família

O surgimento dos humanos, como seres vivíparos,  acontece a partir de uma cópula (pelo menos em condições naturais) que pode ser tanto dentro ou quanto fora da instituição família. Essa, por sua vez, nasce das circunstâncias às quais os humanos foram postos, tanto é que se percebem as suas diferenças no tempo e no espaço. 
Para alguns, os laços familiares são muito fortes e agregam, além de irmãos, pai e mãe, também tios e primos - de primeiro e segundo grau; para outros, família é apenas o núcleo primário de pai, mãe e filhos. Entre os muçulmanos a instituição familiar trás a poligamia (poliginecogâmica). Por outro lado, no interior da África constatou-se a existência de famílias machistas, mas com costumes e tradições repassados de forma matrilinear e mais, sem a figura paterna. Não existe o papel de pai. Nesse caso, as pessoas nascem e permanecem na família da mãe e o que o Ocidente chamaria papel de pai, é desempenhado pelos tios maternos.
Mas as instituições, não sendo naturais, são frutos da história; isso quer dizer: se alteram com o tempo adquirindo sempre novas facetas, como é o que tem acontecido com o estado, com a escola, com o exército, com a igreja etc. Essas instituições hoje não são mais aquelas que vieram do passado. Os clãs, as organizações familiares da antiguidade, não sobreviveram até os dias atuais, assim como não sobreviveram os nomes, os brasões, e todas as honrarias se desfizeram.
Portanto, se a família de hoje é bastante diferente da de outrora, o que sobreviveu? Talvez aí esteja a essência dessa instituição que tanto se fala e pouco se conhece. O que permaneceu em todos os tempos foi sua função primordial e que não é exatamente a de parir os humanos, mas protejer os membros do grupo, dar-lhes o aconchego, dar-lhes o amparo.
Se, por acaso, um indivíduo recebesse de seu médico uma noticia catastrófica que estaria com uma doença terminal e que, por isso, possuiria só mais alguns meses de vida, para quem ele contaria no desespero da realidade que lhe atormenta? Quem são essas pessoas, as únicas que ele quereria ver, ouvir e abraçar? Essas pessoas são a sua família e que não serão, necessariamente, os seus pais, os seus filhos, irmãos, primos ou netos.
Os pensamentos mais conservadores defendem uma família tradicional, afirmando a importância da tradição e dos bons costumes. No entanto, alguns agrupamentos de pais e filhos, que já não podem ser chamados de família, violentam uns aos outros, matam-se e estupram seus vulneráveis, enquanto grupos de pessoas sem qualquer laço de parentesco vivem conjuntamente respeitando os espaços, as vontades e os interesses dos outros. E aí, para encerrar, a pergunta fundamental: se a tal instituição é tão elevada, nos dois exemplos acima, qual o grupo é mais digno de ser chamado de família?