quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

A Primavera Árabe Não Acabou: Guerra Civil na Síria

Para entender o êxodo de milhões de pessoas que deixam a Síria a procura de em exílio na Europa é preciso antes tentar entender a conjuntura de uma guerra civil que por cinco longos anos assola aquele País e que a curto prazo não tem nenhuma possibilidade de trégua. Se por um lado o conflito remonta as antigas lutas entre sunitas e xiitas, as duas facções islâmicas que historicamente se enfrentam – cada uma defendendo uma posição na interpretação do Corão, por outro, demonstra também que os resquícios da Guerra Fria permanecem forte ainda nos dias de hoje. A Síria está localizada em um território do Oriente Médio que sempre esteve envolvido em conflitos de toda a ordem (aliás, o nome em árabe é al-Sham que quer dizer, Levante) até que esteve sob o domínio dos romanos, dos egípcios, dos turcos otomanos, dos franceses e, por fim aceita, pela ONU como um país livre em 1945, mas novamente ficou sob a proteção do Egito. Em 1961, sob a influência russa, rompeu de vez com o Egito e constitui um novo estado, agora com o nome de República Socialista Árabe da Síria e teve dois presidentes, cujo atual é Bashar al-Assad escolhido em 2000 e reeleito em 2007. Se hoje é um país membro das Nações Unidas, faz parte dos não-alinhados e atualmente está suspenso da Liga Árabe, da Organização para a Cooperação Islâmica e auto-suspenso da Liga União Mediterrânica. Desde março de 2011 passou a sofrer uma forte pressão da chamada Primavera Árabe (uma série de levantes em países árabes, sob o patrocínio dos Estados Unidos com o objetivo de destituir governantes não alinhados), mas diferente de outros países, na Síria ouve forte resistência do poder central. O conflito estava instalado. Mas se isso não bastasse, os curdos disputam, ao norte, um território para se estabelecerem como um país livre, o Curdistão, terra dos curdos, ou Pérsia. Diante dos conflitos, os ânimos se acirraram entre xiitas e sunitas, formou-se uma facção rebelde no exército e o território passou a receber guerrilheiros islâmicos das mais variadas correntes dispersas, enfraquecidas ou encerradas as ações das mais variadas regiões de cultura árabe; além disso, ao norte, nas fronteiras com a Turquia e com o Iraque, o Estado Islâmico instalou-se com intuito de criar de um sultanato com obediência fundamentalista ao Corão. Como resultado de tudo isso, no território se enfrentam tropas oficiais, que atua contra tropas curdas, que atua contra fundamentalistas islâmicos e que atua contra os rebeldes oposicionistas ao governo de Assad; se isso não bastasse, como os fundamentalistas explodiram bombas na França recentemente, o governo francês passou a bombardear a região e os russos intensificaram as ajudas ao governo de Assad, além a bombardearem mais intensamente as posições dos rebeldes. Se antes os Estados Unidos, usando a Turquia e a Arábia Saudita, apoiavam qualquer posição contra o governo sírio, agora admite a necessidade de redirecionar suas investidas e a salada está formada: a Síria inteira está sob bombardeios. A Primavera Árabe não acabou, ou nunca existiu, foi antes um terrível inverno que insiste em não acabar. Para uma parcela considerada da população só resta uma alternativa: tomar uma posição no conflito e ir para o enfrentamento; para outra, a fuga por terra ou por mar, atravessando desertos, vales e montanhas para morrer pelo de fome, de frio, afogada ou, quem sabe, chegar ao paraíso, a Europa.

2 comentários:

  1. Então, ano passado (pós-atentados) eu tive uma discussão bem interessante sobre a tal Primavera Árabe com um taxista Líbio aqui em Dublin.
    Ao saber que eu estava indo fazer minha provas de História, ele me mostrou uma gravação recente da Al Jazeera, um programa especial que seria intitulado algo como " Primavera Árabe, como anda?". Neste programa, o narrador descrevia, em perfeito inglês, a sequência de governos que tomaram posse na Líbia Pós-Gadaffi, e o caos que isso tem causado.
    Mas o realmente interessante foi o testemunho do próprio taxista. Segundo ele, antes de migrar para a Irlanda, o que ocorreu meses depois da morte de Gadaffi, ele era um líder do sindicato de motoristas de ônibus na capital Tripoli. Contou que durante o governo Gadaffi sempre esteve correndo perigo, e que já tinha pensado antes em deixar o país, mas a luta continua, etc.
    Conta que esteve envolvido com a Primavera direta e intensamente, e até me mostrou no braço a cicatriz de um tiro de raspão que recebeu das tropas do governo. Mais importante, ele conta que, a princípio, o movimento era sim do povo líbio, mas que um dia isso mudou abruptamente.
    O que ele conta é que, certo dia, não muito depois de as tropas do governo começarem a utilizar munição letal contra manifestantes, surgiram do nada grupos muito grandes de homens armados com armas americanas, que diziam vir do interior do país e serem integrantes da chamada Irmandade do Islã. Ponto interessante é que esses homens, ao contrário da maioria dos líbios advindos do interior, eram fluentes em inglês (o que meu interlocutor não era muito na época, mas 3 anos vivendo em um país de língua inglesa tende a mudar essas coisas).
    Quando questionados, estes homens diziam que não havia razão para preocupação, pois eles tinham apoio dos americanos e que o governo logo ia cair.
    Eis que caiu, instituiram-se eleições livres, nas quais houve avassaladora derrota dos candidatos da Irmandade. Não feliz com o resultado, a irmandade exigiu nova eleição dentro de 4 meses, e começou uma campanha de assassinatos, sequestros e intimidação, durante a qual meu caro amigo taxista deixou o país com sua família planejando pedir asilo político na Europa (ele também fala francês). Seu pedido foi negado na França e na Bélgica, pois nenhum dos dois países reconhecia o conflito do qual ele fugia. Eventualmente ele conseguiu se estabelecer na Irlanda, mas para isso teve que dizer que era de outro país (Iraque, se não m falha a memória) e tinha perdido seus documentos.
    Para a alegria dele, o governo irlandês é racista o suficiente para nem checar se ele falava farsi, e concedeu o status temporário de asilo.
    Tudo isso só para chegar no ponto principal: como já admitido pela Secretária de Estado Clinton, foi o próprio governo americano que tomou a pobre decisão de fundear os grupos mais extremistas da região. Grupos estes que, para a mioria dos muçulmanos, como o Ali, meu amigo taxista, nem merecem se chamar de muçulmanos, por romperem um dos principais pilares da religião, a umma.

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