Logo que os jornais e redes sociais anunciaram a morte a tiros de uma moça do Rio do Janeiro quando voltava para casa, lideranças comunitárias e militantes de seu partido político a enalteceram como uma reconhecida defensora dos direitos humanos. Pelo mundo afora as agências de noticia deram conta do fato, ressaltando as suas ações junto às mulheres negras, aos favelados e aos mais injustiçados da sociedade.
De imediato multiplicaram-se os comentários a respeito; nada mais natural que seus correligionários, apoiadores e todos aqueles que se sentiam representados por ela emitissem suas condolências, que ressaltassem suas qualidades e que pedissem ao estado brasileiro para que fizesse justiça. Nada mais justo também que pessoas mais próximas, tocadas pelo fato, expressassem a necessidade da ação de todos no combate a casos como esse.
O estranho é que também não demorou para que pessoas fossem às redes sociais para expressarem uma espécie de satisfação por saberem do assassinato de uma mulher com pensamentos contrários aos seus. Alguns, até inverteram os fatos e disseram que seus partidários, seus companheiros militantes, teriam agido em uma tática perversa e executado o ato criminoso para se destacarem politicamente ou para porem a culpa em agentes policiais.
Não tardou ainda para que alguém lembrasse uma outra moça, que também fora assassinada no Rio de Janeiro, mas que "por não ser negra, não ser pobre, não morar em favela, não apoiar gays e lésbicas ninguém se comoveu". Um outro ainda acentuou: "uma pessoa de esquerda morre e todo mundo comenta, 50 de direita morrem e ninguém diz nada".
A pergunta necessária é: o que leva alguém a não perceber a relevância do fato, uma mulher negra, favelada, defensora dos direitos humanos fora assassinada de forma brutal? Não há explicação se não a de que tais humanos, mesmo estando fisicamente entre pessoas, estão apartadas do mundo urbano e das suas implicações. Qual a razão de um fenômeno dessa natureza acontecer? Aí reside o complexo da urbanidade: algumas pessoas são frutos do espaço urbanos, nascem e vivem nas cidades, mas se encontram alheias a esse mesmo espaço. A mesma urbes que aproxima pessoas e as carrega de informações, construindo vidas de interação cosmopolitas, produz pessoas ignorante, viventes da selvageria. Porque a selvageria pode ser urbana e leva pessoas a estranharem-se umas às outras; aliás, a ideia de outro, ou de outra, o estranho, está aí mais evidente.
Afinal, a comoção não foi pela morte de uma pessoa apenas, mas daquilo que ela representava, uma liderança e defensora de ideias fortes tão necessárias nesses tempos de exclusão de quem é diferente, de quem não está envolvido diretamente no sistema de produção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário