quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Entre o Céu e o Inferno, o Real

Os conflitos reais, difíceis de ser vividos no dia a dia em um mundo cruel levam as pessoas a construírem os seus mundos a parte; fazem isso, ou por necessidade de uma crítica,  ou pela necessidade de uma fuga do real. Da mesma forma a construção de um mundo de fé: um mundo que ao mesmo tempo que não existe é também um mundo verdadeiro. Dante Alighieri, em pleno século 14, quando voltava de Roma, perseguido pelo Partido Preto da sua Florença é condenado ao degredo e se refugia em uma das maiores obras da humanidade, A Divina Comédia. Pensando em Beatriz, sua amada e musa inspiradora, abre as entranhas do pensamento medieval italiano e descreve visitas ao inferno, purgatório e paraíso. Vergílio, o poeta da Roma antiga, representa a razão e só pode acompanhá-lo até o purgatório, mas nao ao paraíso: sim, a fé está na razão, mas a razão não está na fé. Assim como o reverendo anglicano Lewis Carrol, representou a menina Alice Linddel, fugindo do mundo londrino em que vivia no século 19, para abrigar-se em seu Alice no Pais das Maravilhas. A menina corre atrás de um coelho, representando a procriação, a fertilidade e cai em um poço - cujo o fundo tem um mundo reverso de tudo que se encontra na superfície. Estudiosos desse clássico da literatura, afirmam que Carrol apaixonara-se pela menina Alice e representara na sua própria fuga do mundo real. Sob um outro viés, mas não tão distante, nas suas variadas matizes, a religião (cristãos, espíritas, islamitas, judeus, budistas, hindus etc.)  representam essa fuga do mundo, já que a consciência humana se depara diante de um real dado e renega-o. A construção de um outro mundo possível, afável, que dê acalanto ao sempiterno sofrimento humano - como os cristãos católicos ressaltam: "...degredados filhos de Eva, gemendo e chorando nesse vale de lágrimas..." Parece que se a seriedade racional é a grande responsável pela construção de um mundo econômico, político e social viável, são as fugas desse mesmo mundo real que alimentam o humano; quer seja essa uma fuga através da literatura, da arte ou da fé. Aliás, a leitura de um romance, o ato de assistir um filme, a compenetração religiosa ou alguns momentos de brincadeiras, são formas de negar um real que espreita a todos, o tempo inteiro.

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