segunda-feira, 21 de julho de 2014

O Vinho, o Uísque, a Cachaça e a Lenda

Sempre se disse que o paladar é o primo pobre da família dos cinco sentidos; isso porque grandes artistas debruçaram-se na produção de belas imagens - as chamadas artes visuais, ou na produção de sons lindos e melodiosos, criando as mais belas canções. Mas não se deve esquecer que cozinheiros e produtores de bebida têm produzido os pratos mais deliciosos e as bebidas mais variadas que hoje são verdadeiras obras de arte. Além do que, uma certa classe social brasileira, em ascensão (ou nem tanto), tem encontrado, também na comida, mas principalmente na bebida, uma possibilidade de ostentação.  Sim, nas últimas décadas, as pessoas bebem vinho ou uísque, mesmo sem o hábito, mesmo preferindo uma outra bebida, mas o fazem porque acreditam obter, com essa bebida, algum status, alguma possibilidade de admiração e prestígio entre seus conhecidos. Essas situações se revelam facilmente nas conversas que as pessoas fazem sobre o consumo de bebia: aquele que afirma beber vinho e demonstra algum conhecimento da bebida dionisíaca é bem visto de imediato pelos espectadores; já, se esse alguém - por ventura, disser que consome água-ardente de cana ou, se for mais afoito - chamando-a de cachaça, será de imediato, motivo de risos e, aos poucos, mal visto pelos demais. Aliás, há adjetivos bem vistos, todos bastante cultuados, para os conhecedores de vinho, o sommelier, enólogo, ou enófilo, e um outro, decadente, pejorativo, para os degustadores da água-ardente, o cachaceiro, o pinguço, o manguaceiro etc. Ora, sendo o paladar um dos sentidos, o estudo dos valores que aceita como saboroso um determinado alimento, ou uma determinada bebida, faz parte também de uma das  divisões da filosofia, a estética. Assim, o gosto por algo, depende dos valores estéticos adquiridos como parte de uma dada cultura, vivida socialmente. Se não há o hábito de consumo de uma dada bebida, mas há o hábito de consumir outra e mesmo se o consumo é feito desta forma ou daquela, isso se faz dependendo dos valores estéticos, não porque assim é o certo ou porque aquilo é errado. O gosto por vinho, uísque, cachaça, tequila, depende de uma construção cultural; se a cerveja pode ser preta ou clara, servida gelada ou fora de gelo, depende de uma construção cultural. Fora disso, nada mais há a não ser uma tentativa colonialista de imitar os senhores da metrópole, pensa-se com isso elevar o prestígio. Saúde!

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