quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A Língua, suas Variações e o Preconceito

Quando Adoniram Barbosa cantou pela primeira vez Tiro ao Álvaro, mais tarde imortalizada pela voz de Elis Regina: "De tanto levá frexada / Do teu olhá / Meu peito até / Parece sabe o que? / Tauba de tiro ao álvaro / Não tem mais onde furá", a crítica foi cruel. O mesmo que havia acontecido com outras canções, gravadas pelo próprio autor e pelo grupo paulistano, Demônios da Garoa. As letras seguiram sempre um viés popular, urbano e boêmio, retratando os dissabores do dia a dia, os amores perdidos, as dificuldades com o trabalho ou o precário sistema habitacional, vivido pela população mais carentes. Os títulos mais conhecidos do compositor do Bixiga, foram: Samba do Arnesto, Iracema, Saudosa Maloca, Trem das Onze, entre outros. E os críticos ficavam intrigados: como podiam as rádios paulistas e cariocas - ouvidas por todo o Brasil - executarem músicas com um Português "errado"? Afinal, inúmeros livros ensinam "a forma correta de falar", além do que, estudiosos debruçam-se em pesquisar as estruturas idiomáticas. Essa  é uma discussão que perpassa a academia, vai além e alimenta os mais calorosos debates sobre o aprendizado ou uso adequado do idioma. Assim, a pergunta necessária, para alimentar o debate é: "o que é falar errado?" ou ainda, "o certo é o que consta nos livros ou o que as pessoas falam?"  O tema é infindável e ninguém tem o resultado definitivo, líquido e fechado. A verdade é que a língua falada é viva e serve a um povo nas suas interações, na estrutura do seu pensamento e na sua organização política. O próprio Português, por exemplo, nada mais é que o Latim, a antiga fala usada há milhares de anos na região italiana do Lacio, mas que se alterou numa constância das relações sociais, no decorrer da história.O que se quer dizer aqui é que o curso histórico do idioma mostra que são as pessoas que fazem a língua, não os livros.  Enfim, quem saiu em defesa de Adoniram Barbosa foram os Gramáticos da USP (Universidade de São Paulo) afirmando que  os estudiosos o que fazem é apurar e mostrar os caminhos do idioma como linguagem, como estrutura, como lógica. Pois o xis da questão não é a fala "errada" - que nada mais é que a língua viva em transformação, mas o fato de pessoas se acharem no direito de tratarem com diferença  os demais membros da sociedade por esses se expressarem diferente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário