A compreensão da dinâmica das relações sociais brasileiras nos tempos atuais só será possível se remontar as origens históricas, os seus quase quatro séculos de escravidão e os modos como se fizeram a libertação desses escravos. Nas condições de como tudo aconteceu não foi possível extinguir as amarras escravagistas nesses já passados 130 anos; a segregação continua porque a mentalidade permanece.
Pelo menos continua em uma parcela expressiva da população, aqueles que ainda pensam como se permanecessem os tempos da "casa grande e senzala" - aqui parafraseando Gilberto Freyre. Não que todos os que tenham tal pensamento sejam descendentes dos "senhores de engenho" das "charqueadas" ou das "armações", mas porque aprenderam a pensar assim, calcados por um sistema massificador: instrumentos repassadores como escolas, igrejas, famílias, imprensa etc.
O afro-descendente é sim o mais atingido nessa relação, mas o sistema não se reproduziu tal qual a divisão anterior: alguns homens negros ascenderam socialmente e de certa forma foram excluídos dessa classificação, do mesmo modo que homens brancos foram incluídos. Como resultado tem-se uma parcela expressiva que é segregada das condições de uma vida digna, excluída do seus direitos básicos como cidadãos.
E essa realidade está expressa na posição do País como o que tem o maior número de empregadas domésticas em todo o mundo, seguido de longe pela Índia, segundo lugar, e pela Indonésia, terceiro. A necessidade de alguém para fazer os serviços da casa se caracteriza pelo pensamento de que alguns existem para servir e outros para serem servidos. Um pensamento de que os serviços da casa não devem ser feitos por pessoas superiores, mas relegados aos subalternos, aos inferiores e, para isso, precisam sempre ser inferiorizados. E, nesse quesito, algumas expressões - faladas corriqueiramente - são emblemáticas: "ponha-se no seu lugar!" ou, "vive conosco como alguém da família".
É esse pensamento que não aceita que todas as pessoas possam ter uma casa digna, que possam andar de avião, que possam frequentar um restaurante, que possam comprar uma roupa nova. É esse pensamento que faz discurso contra escravidão, mas odeia e faz odiar qualquer um que se posicione contrário ao sistema; é segregador e se for preciso faz a defesa na rua em uma luta tirânica.
A conclusão é que esse pouco mais de 100 anos não foi suficiente para aplacar o pensamento escravocrata, construído nesses quase quatro séculos. O tempo ainda não foi suficiente para que a "casa grande" percebesse que a "senzala" acabou.
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